Kashgar é a primeira cidade chinesa depois de atravessar o passo de Torugart, na fronteira com o Quirguistão. Assentamos aí por uns dias. Precisávamos de tomar banho (algo que não podíamos fazer nas yurts do Quirguistão), lavar roupa, descansar e comer (até porque já estávamos fartos da comida da Ásia Central). Kashgar era assim, para nós, uma paragem natural, assim como o foi também para imensos mercadores e comerciantes da Rota da Seda.
Kashgar é uma cidade Uigur, de população maioritariamente muçulmana, e apesar de estar a crescer, a cidade velha continua a ser a alma desta povoação. A vida da cidade gira à volta da mesquita que acolhe centenas de fiéis durante o dia. Entre a mesquita, os túmulos, os mercados e os bazares, o tempo foi passando.
Na Rota da Seda, os Uigures desempenharam um papel extremamente importante. Era desta área que partiam os camelos, utilizados como meio de transporte, e as ovelhas e as cabras (utilizadas para alimentação). Em troca, os Uigures procuravam os cavalos quirguizes, cuja reputação de “melhores da Ásia” os persegue. Era, e continua a ser, em Kashgar que os comerciantes de gado se reuniam para comercializar os seus animais.
Hoje, a feira de gado continua a efetuar-se semanalmente (domingo), com criadores e compradores que chegam de vários quilómetros de distância. Para além das ovelhas, cabras, cavalos e camelos, há também vacas e iaques. Os animais encontram-se expostos e, apesar de várias coisas que temos lido ou ouvido, parecem-nos bem tratados. Muito melhor do que aqueles que passam pelos matadouros e estábulos industriais dos países (ditos) desenvolvidos. Aqui, a ovelha ou a vaca é a fonte de rendimento da família. Os animais são bem tratados, penteados, tosquiados e até abrilhantados para se exibirem na feira.
Há pó por todo o lado, assim como bosta. O cheiro, por vezes, é nauseabundo. No entanto, esta é uma das feiras mais características da Rota da Seda e é obrigatório visitá-la. Os cavalos, apesar de poucos nestes dias, são testados com rigor pelos potenciais compradores. Montam-nos e cavalgam com eles pelo recinto. As vacas, essas, estão com pouca vontade de mudar de dono. Fazem birra e não querem seguir com os seus novos proprietários.
As ovelhas são um dos ex-líbris da feira. Os donos rapam-lhes o pelo do rabo, de forma a exibirem um rabo volumoso e gordo, sinónimo de qualidade. Depois de vendidas são tosquiadas e arranjadas para serem entregues aos seus novos donos. As cabras têm menos sorte. Para evitarem que marrem umas com as outras e fujam pelo recinto são atadas com as cabeças entrelaçadas. Parecem-me um bocado aflitas e desejosas de voltarem ao pasto.
Os camelos são cada vez menos. São agora animais de luxo. A maioria dos camelos bactrianos [também conhecido como camelo-asiático] estão no deserto e são utilizados para o turismo. Estima-se que existam apenas 600 camelos destes no deserto de Tacklamakan.
Apesar de termos estado vários dias em Kashgar aproveitamos a cidade essencialmente como ponto de ligação entre as várias “rotas” da Rota da Seda que aqui se reúnem Do sul vinha uma rota, que ligava Kashgar através da estrada de Karakorum, ao Paquistão; a sul do deserto de Taklamakan, vinha a rota sul que ligava ao Tibete e à Índia; e a norte, por Turpan (rota que seguiríamos) vinha a rota norte. Para oeste ficavam os dois passos que ligam ao Quirguistão e um dos quais nós tínhamos feito.
Decidimos assim explorar dois “detours” [desvios] da Rota da Seda. Assentámos em Kashgar mas descemos a estrada de Karakorum até próximo da fronteira com o Paquistão e fizemos uma incursão pelo deserto de Taklamakan. Afinal, os seis dias de descanso em Kashgar acabaram por ser bastante ocupados…