Os antigos chamavam “a pestana do mundo” ao cordão de ilhas em meia-lua que forma a Indonésia. Parece uma pestana, sim, mas isso é hoje, que temos satélites e planisférios. Como teriam eles compreendido, há séculos, que o nome assentava como uma luva ao arquipélago malaio? Por volta do século XIV, o Islão chegou à Indonésia com a força e a alegria das grandes revoluções sociais, desbaratando em poucas décadas a rígida estrutura das castas hinduístas. Por qualquer motivo que ainda não consegui entender, a ilha de Bali ficou de fora desta vaga islâmica que varreu “a pestana do mundo” desde Sumatra até às Filipinas. Talvez Bali tenha sido o refúgio final e desesperado, e por isso mesmo irredutível, dos últimos hindus de Java e Sumatra. Como o castelo de Montsegur para os Cátaros, Bali foi a única possibilidade de sobrevivência de um mundo em extinção.
Esta é uma explicação plausível. Eu prefiro pensar noutra: Bali inquietava os sentidos.
A pudica moral muçulmana preferia desviar o olhar desse paraíso terreno, e isto para não cair em tentação e perder o lugar no outro paraíso, o celeste. O pecado morava ao lado, mas pelo meio ficava o mar.
Ainda hoje, Bali inquieta os sentidos.
Bali é sensual. Será a brisa constante e suave, e a luminosidade brilhante mas nunca demasiado intensa, e os perfumes de plantas e plantações, e a paisagem ondulante e harmoniosa. Serão os vulcões e os arrozais, e para muitos será uma energia telúrica que liberta vibrações positivas, eu sei que é uma coisa muito new age, mas, se for verdade que certos pontos do planeta irradiam uma áurea feliz e voluptuosa, então Bali é um deles.
Será a sinuosidade elegante dos corpos, que nunca são excessivos nem exuberantes nem desmesurados, nunca são provocantes nem explícitos, são graciosos, são naturais, são bonitos e livres. São simplesmente o que a nossa imaginação quiser que sejam.
Será também o clima, sereno e previsível – será também o clima, sim. Por tudo isto, Bali é sensual.
Depois de tanto viajar, sou várias vezes encostado à parede com a obrigatoriedade de uma listagem: qual o país que gostou mais, a melhor comida que provou, a onda de surf mais comprida, a estrada mais panorâmica, e por aí fora. Odeio ter que classificar o mundo, pois nada é tão subjetivo como a experiência pessoal, mas dito isto creio estar a ser o mais objetivo possível ao afirmar que Bali é um dos lugares mais agradáveis para a existência humana e, entre eles, aquele que possui o clima mais perfeito.
Parafraseando o que Samuel Johnson disse de Londres, referindo-se a cultura e intelecto, eu acho que um ser humano que esteja cansado de Bali é porque está cansado de viver. Ou melhor, estará cansado de sentir-se vivo. De ter estímulos sensoriais.
Porque Bali desperta todos os sentidos que animam os sinais vitais que compõem a base da existência.
E talvez por isso Bali ficou de fora da vaga islâmica. A sensualidade só é perigosa para uma religião feita de pureza e renúncia quando descobrimos que a sensualidade não é uma tentação provocada por outros mas uma pulsação que existe dentro de nós. Bali é inquietante. E o clima é perfeito.