Tango. Mas não o tango luzidio dos shows europeus, mas sim o tango cantado e sentido, o tango gasto das histórias vividas, de voz rouca dos copos bebidos.
Era um velho já bem cota, de negro vestido, com o estilo apurado dos que viveram a vida bem vivida, com o peito aberto de quem nada hesitou, lamentando sem lágrimas os amores perdidos e fazendo do caso um conto de humor, com ironias finas que só em porteño têm verdadeiro valor.
“La vida es una ilusión” ecoava de mão estendida para além dos que ouviam. Cada gesto decidido, de mãos cortantes e olhar penetrante. Nos olhos negros afundados pela idade sabemos estarem segredos que só em canções e poemas podem ser ditos. Segredos que perecerão quando a voz se calar. Segredos que descobriremos quando tivermos vivido plenamente.
“A vida é um teatro” ouvimos outrora alguém dizer. Possidónio do mar e da cortiça. O que distingue as pessoas? À distância do espaço e das escolhas que lhes talharam o caminho, quem não tem medo de chamar à vida o que ela é descobre sempre os mesmos segredos.