Felicity Aston tornou-se no passado dia 22 de janeiro a primeira mulher a cruzar o maior deserto do mundo, a gelada Antártida. Leia a entrevista feita durante a expedição, publicada este mês na Visão Vida&Viagens.
A exploração polar não é uma novidade para Felicity Aston. Há dez anos que os seus esquis percorrem o deserto branco da Antártida. A britânica confessa até que “quando não está numa expedição, geralmente encontra-se ocupada a planear uma”. No entanto, a Expedição Transantártica Kaspersky One, em que se encontra actualmente, é especial devido à sua perigosidade: Aston vai percorrer sozinha 1 700 quilómetros.
No total, serão cerca de 70 dias por uma rota pelo Polo Sul nunca antes explorada, através das montanhas Transantártica. “Estar tanto tempo comigo própria no meio de uma paisagem surreal como a Antártida é o que acredito ser o mais assustador e excitante sobre esta viagem”, confessou-nos a exploradora, que recentemente pôs em livro a verdadeira devoção que sente por esta região na obra de estreia Call of the White: Taking the World to the South Pole.
Porquê realizar sozinha uma travessia com esta complexidade? Não gosta do ser humano?
A camaradagem e o desafio de trabalhar com uma equipa são dos principais motivos de interesse de uma expedição e aquilo de que mais gosto. Aliás, muita da minha determinação e motivação durante uma travessia deve-se precisamente às pessoas que fazem parte da equipa. Mas agora quero descobrir o que acontece quando isso não é possível, quando estamos sozinhos. “O que faz alguém andar quando está por conta própria?” É para essa pergunta que quero encontrar a resposta.
Foi complicado planear esta aventura?
Tudo deve ser planeado com muita confiança e precisão. A quantidade de comida que irei precisar, quantas pastas de dentes deverei levar, de que peças de roupa não me poderei esquecer. Temos depois de tomar decisões, o que levamos e o que fica para atrás. Por exemplo, tenho de calcular quantos esquis poderei partir e portanto quantos tubos de cola deverei ter no meu kit de reparação. Ou será melhor levar esquis sobressalentes? Preparar uma expedição é como um jogo de estratégia. O objectivo capital é levar o trenó o mais leve possível.
O frio será o principal problema da expedição? Que temperaturas espera encontrar?
A temperatura vai variar ao longo da minha travessia. Será mais frio no planalto polar do que na costa, por exemplo. Estou preparada para temperaturas abaixo dos -40ºC, mas terei dias em que o Sol vai brilhar sem vento e será possível esquiar apenas com uma camada térmica. O Sol é muito forte naAntártida e é possível sentir calor mesmo se a temperatura do ar estiver bem abaixo de zero.
O aspecto psicológico é mais preponderante do que o físico neste tipo de aventuras?
O desafio mental é muito mais importante do que o físico nas viagens polares. O sucesso ou o fracasso de uma expedição polar depende mais do tamanho da mente do que do tamanho dos músculos. Nesta viagem ficarei sozinha cerca de 70 dias, o que aumenta a pressão mental do desafio.
“Numa expedição, o desafio mental é muito mais importante do que o físico”
Como espera ser o seu dia-a-dia?
Devo acordar por volta das 7h00. Tomo o pequeno almoço (farinha láctea com açúcar, leite, manteiga e uma chávena de café) antes de colocar os meus esquis. Viajarei entre oito a 12 horas por dia, com uma pausa de duas em duas horas. Em teoria irei andar entre 20 a 25 quilómetros. No final do dia, depois de montar a minha tenda, terei ainda de fazer muitas coisas, como derreter a neve para fazer água, preparar o jantar, secar a roupa, fazer a chamada diária para reportar a minha posição, cuidar dos pés, reparar o equipamento e preparar o próximo dia. Quando terminar todas estas tarefas estarei tão cansada que ficarei feliz por deitar-me no meu saco-cama para dormir.
Até que ponto o imprevisível é determinante na conclusão de uma aventura deste porte?
O inesperado está sempre a acontecer. Já vi tendas serem destruídas por tempestades, pessoas caírem devido ao gelo fino, veículos partidos, pessoas doentes, kits vitais quebrados ou perdidos, neve no lugar errado, fendas nos lugares impróprios e até vulcões em erupção! Em cada situação a solução deve ser encontrada e, por vezes, isso significa uma mudança radical face ao que estava previsto. Mas devemos permanecer flexíveis e seguir em frente.
O que carrega na mochila?
Levo comigo apenas o que é absolutamente vital para o sucesso da expedição. A questão do peso é tão primordial que não há espaço para levarmos mais do que o essencial. Cada kit é a minha ferramenta mais importante, de uma forma ou de outra. A tenda é vital para o abrigo, o saco de dormir para o calor, os esquis para viajar, o telefone por satélite para um eventual resgate, o MP3 para a minha sanidade.
O que procura em termos pessoais com esta expedição?
Quando lia sobre as aventuras de outros sempre me questionava se seria capaz de fazer o mesmo. Tenho consciência de que tenho crescido um pouco mais a nível físico e mental nos últimos dez anos devido às minhas expedições, mas sinto que ainda não atingi o meu limite. Sinceramente, gostaria de saber onde está o meu limite. Talvez o encontre agora nesta expedição.