Depois destes 9 meses e uma semana de viagem, precisamos de tempo! Tempo, para pensar em tudo o que passámos, o que correu bem e menos bem, pois nunca por um momento correu mal! Houve dias, em que o clima não esteve a nosso favor: a chuva caiu torrencialmente de manhã à noite, o vento empurrava-nos para fora da bicicleta, o frio impedia as nossas pernas de pedalarem, o calor imenso fazia-nos pingar sem parar, mas tudo isso foram momentos, dias que passaram e mais tarde, horas depois, recordados com boa disposição e entendidos como parte do espírito da viagem! A Europa parece-nos, depois disto tudo, um continente fácil para pedalar – dos países por onde passámos – e acessível a qualquer um. O problema, é que estamos sempre à espera do momento de partir e são muitas as vezes, já depois de regressarmos, que pessoas nos dizem: “quem me dera fazer igual!” – ao que logo respondemos: “se quisessem mesmo ir, iam!”.
O 2º passo é o mais complicado, pois o 1º, já está tomado na nossa cabeça. No entanto ir, deixar tudo para trás, deixar o emprego, as coisas materiais e toda a gente que nos rodeia, o conforto da vida “normal”, é o passo maior, mais corajoso, aquele que muitos não têm coragem de dar! Porém, podemos afirmar que depois de uma aventura como esta, o ficar longe de todos, o ter deixado o emprego que julgamos seguro, o apego às coisas materiais, compensa! É todo um novo rol de experiências a que não estamos habituados: o viver sem roupa interior porque pesa, o fazer a depilação na água do mar, o andar de roupa pendurada na bicicleta para que seque, o perguntar a este ou àquele no meio da rua se tem um espaço no chão de casa onde possamos descansar! Tudo isto, contraria aquilo a que nos habituámos – nós – durante toda a vida. Vivemos sempre bem, com tudo o que necessitávamos e o desejo de nos testarmos, é parte da aventura! Conhecer famílias que não imaginamos existirem e estas darem-nos tanto que, por muito que tenha sido uma só noite na sua presença, no dia seguinte na despedida, nos caiam lágrimas pelos olhos! Pedalar montanha acima com um calor (in)suportável, para depois do túnel, ver todo um mar diante dos nossos olhos e gritar e chorar de alegria! Confiar em pessoas de outras etnias que nos levam de mãos dadas para casamentos no meio da povoação, e festejam connosco, partilham a sua alegria, enquanto tiros são disparados para o ar, em tom de festa! Seguir estradas sem fim, com rios, montanhas e pessoas que nos acenam, que se riem, que nos dão incentivo, que nos dizem “welcome!” e nos oferecem um saco cheio de fruta e legumes, com um sorriso tão sincero e amigo, que parecem conhecer-nos há 10 anos, quando nem há 2 minutos chegámos! Foi disto que foi feita a nossa viagem! De partilha, de aprendizagem, de confiança, de ensinamentos, de acreditar que o mundo não é tão inseguro quanto alguns julgam ser! Foi isto na Europa, mas é isto na Ásia, África ou noutro qualquer sítio do mundo! Na Macedónia, encontramos as pessoas mais acolhedoras! Na Bélgica, as cidades mais dinâmicas! Na Albânia, o maior choque cultural! Na Bulgária, as paisagens mais bonitas! Na Croácia, o mar mais límpido! Em França, os castelos mais bonitos! Mas não é preciso ir muito longe! Em Portugal encontramos trajectos lindíssimos: o Alentejo ou o Douro! O melhor pão, o melhor café, um dos mais ricos e bonitos idiomas, sem qualquer dúvida! Em qualquer sítio, encontramos pessoas curiosas de saber quem somos, como vivemos, como pensamos, como imaginamos os outros países, o que dizemos deles e o que dizem de nós! Em todos os países, chegámos a essa conclusão, há pessoas descontentes com a política e com a vida.
Porém, são raros aqueles que tentam fazer mais do que falar e às vezes não é preciso muito para mudar, basta partir e ir à descoberta de algo novo, experimentar algo novo! Como dizia alguém de quem não nos lembramos agora do nome: “quando foi a última vez que fizeste alguma coisa pela primeira vez?” – e foi isto que nos fez começar a aventura e tentar conhecer mais! Foram 18 países na nossa viagem pela Europa. A intenção era chegar a Istambul e voltar, uma viagem pelo prazer de viajar! Não nos comprometemos com ninguém a utilizar só a bicicleta mas, no fim de tudo, pouco utilizamos o comboio ou o autocarro. Chegámos a Ovar com 12.116kms contabilizados. Não são muitos, se pensarmos que foi um bocado de cada vez!
De todos estes quilómetros, cidades como Bordéus, Antuérpia, Plovdiv, Xanthi, Wroclaw, Burgos, Goslar, só para lembrar algumas, marcaram-nos muito, muitas vezes não pelo que a cidade é, mas pelas pessoas que nos acolheram! Ficámos em mais de 100 casas diferentes, raramente utilizámos o quarto de uma pensão ou hotel, ao contrário da tenda que, fizesse chuva ou sol, foi montada e desmontada vezes sem conta! Vivemos 24 horas por dia juntos isso foi também um teste para nós! Queimamos a pele, caímos das bicicletas, soltámos lágrimas de alegria e de raiva, falámos uma dezena de línguas, gesticulámos vezes sem conta e desenhámos para quem não nos percebia, experimentámos comidas vegetarianas diferentes, trocámos contactos, acenámos a mão uma série de vezes sem vontade de partir, sofremos com a quantidade de animais atropelados e mal tratados, cantámos música pimba aos berros, rimo-nos até nos doer a barriga e tantas outras coisas, tantas que nos saltam à memória, algumas delas, a maior parte, indescritíveis! Agora, vamos parar por uns tempos, pensando em tudo isto, desejando a próxima, preparando-a! Norte de África, Médio Oriente e Ásia, seguem-se na lista, no entanto sabemos que requer mais preparação! É tempo de brincar um pouco no Carnaval e levar a vida como levámos até hoje: sem preocupações, calmamente e positivamente! Quando a normalidade nos voltar a cansar, partiremos!