(continuação da primeira parte)
Com influências indígenas, negras e portuguesas, é famoso o feijão tropeiro, o frango com quiabo e angu, as inúmeras quitandas feitas no fogão a lenha. Sem esquecer o legítimo pão de queijo mineiro considerado o melhor do mundo. “Minas é como suas iguarias: depois de provar você vai querer mais um pouquinho.” Desde 2000, Abril é mês Festival Comida di Buteco, uma competição gastronómica, em que se elege o melhor bar da cidade. Os botecos “capricham” e os comensais andam de bar em bar, “pinçando” por aí, bebendo, “jogando baralho “, “botando conversa fora”, comprovando as noitadas e as boémias botequeiras que lhe dão fama. Há-os para todos os gostos e todos as especialidades.
O Bar da Cida oferece de bandeja Rola-bola (almôndegas acompanhadas de pãezinhos “pra moiá”). O Bar do António: Rolinho de Lagarto (com presunto de Parma ao molho de vinagre balsâmico).
O Chic Tácio: O Bão Também da Vovó Nenzinha (bolinho de arroz recheado).
Já noutro campeonato, mas acompanhando o festival, faz-se a eleição do melhor banheiro do Boteco, Arte no Banheiro, que transforma os WC dos bares em galerias de arte.
BH foi a primeira cidade “planejada” do Brasil. Ouro Preto, a inicial capital de Minas, não comportava, pela sua acidentada e profunda topografia, o crescimento que se impunha. Há exactamente 111 anos, os governantes de então escolheram um local central, onde havia uma fazenda. Em quatro anos, ergueram praças e avenidas e arranjaram-lhe um nome expressivo: Belo Horizonte. É a sexta cidade mais populosa do Brasil, e considerada pela ONU como a metrópole com melhor qualidade de vida da América Latina. Os belo-horizontinos dizem que a cidade é “boa mesmo”, é “gostosa de se viver”, e a partir das sete da tarde ninguém regressa a casa porque nos botecos “sempre tem um lerolero legal”. Também tem favela, e roubo, mas a “dobradinha” prefeito e governador (Pimentel e Aécio Neves), fez, dizem, um bom trabalho no combate ao crime, e conquistou a aprovação de 70% do eleitorado.
Enfim, nada que se compare ao Rio de Janeiro ou a São Paulo, “em que eles matam, só para ver o lado em que vai cair”.
A sua lonjura das praias do litoral turístico e de outros carnavais, garantiram-lhe, até muito recentemente, um certo anonimato internacional.
Mas visitar Bê-agá, “devagarzinho”, bem ao jeito mineiro, é uma experiência invulgar. Tanto se sai das esquinas dos botecos para as grandes avenidas, escrupulosamente traçadas, no século XIX, de Savassi, e Lurdes: na época os automóveis eram raros, a maior parte das ruas tem sentido único, de repente, tudo se engarrafa, e o senso de orientação prega grandes partidas aos turistas. Mas fora o trânsito, resta o cheiro bom que vem da cozinha, mas também do verde que cerca a cidade.
A cerca de 60 quilómetros, estamos no meio do mato, em Brumadinho, onde, no Museu Inhotim, se abriga a céu aberto uma das mais importantes e impactantes colecções de arte contemporânea. Onde as obras de arte e da natureza se cruzam no mais improvável encontro.
É preciso não esquecer que foi Bê-agá que Niemeyer escolheu para a sua estreia como arquitecto e deixou as suas envolventes curvas a marcarem o traçado da cidade, na década de 40, no fantástico complexo da Pampulha, onde se encontram a famosa e provocadora igreja de São Francisco de Assis (com desenhos de Portinari nos azulejos), a Casa do Baile e o Museu de Arte, todos em torno da lagoa, na mais suave harmonia ondulante. E da suavidade de Niemeyer novamente para o centro da cidade, mais precisamente para o Mercado Central, onde as cores, os cheiros e os sons se agridem numa estridência de sensações. Tem papagaio, cachorro, mais botecos, muito fruto tropical exótico e abacaxi no espetinho…
À mesa de uma das shopperias mais famosas, Pinguim, quebra-se mais um estereótipo desta viagem de não reconhecimento do cliché brasileiro. Na TV, passa o final da copa, mas poucos levantam a cabeça para assistirem à partida. Quem disse que os brasileiros eram “grudados ” em futebol? O garçon nem sabe quem é a equipa rival do Flamengo, e o comensal mais interessado no desenlace do jogo é… português repórter fotográfico da VISÃO. E de boteco em boteco, de “lero-lero” em “lero-lero”, Bê-agá é fonte de histórias. Como a do Bar do Pó, do seu Neguinho. Chama-se assim, porque o casal, Seu Neguinho e Dona Nenei, “teve de mastigar muito pó, de passar muita privação, para chegar até aqui”. Seu Neguinho fez peito firme frente ao coronel que se opunha ao namoro com a mais nova das suas dez filhas. O resultado foram três buracos de bala, e a fuga apressada, do casal de namorados, ele com 20 anos, ela com 19. Passaram muita fome, perderam um filho pelo caminho, mas conseguiram chegar e erguer este boteco. Agora, a família se reconciliou, foi Seu Neguinho quem deu a mão pacificadora ao velho coronel, quando os filhos lhe faltaram na velhice.
Paraty é fim de viagem. É pau, é pedra, é o fim do caminho velho.
Paraty, em língua tupi, quer dizer isso mesmo, fim do rio, golfo, largada para o mar. Já na época pré-cabralina os índios usavam um trilho que descia do vale do Paraíba até à foz do Rio.
Era aqui que todos os brilhos do ouro e diamante embarcavam, num porto furtivo, que não constava do mapa por causa dos piratas. Com o correr dos anos, a coroa portuguesa incentivou a abertura de uma segunda via de escoamento da preciosa mercadoria, de Ouro Preto em direcção ao Rio de Janeiro, mais rápido e mais preparado para tamanho fluxo populacional em trânsito para as cidades mineradoras.
O caminho onde outrora circulavam 400 mil forasteiros, desertificou-se.
Paraty ficou sendo fim de caminho para lado nenhum e.. fim do mundo.
Por isso, ficou esta cidade, candidata a Património Cultural da Humanidade, com o seu cheiro a antigo e a novo, ao mesmo tempo. Tal como tem cheiro a rio Perequê-Açu e a mar, ao mesmo tempo. Ou cheiro a cocada e a Pé de Moleque vendido nas ruas que rumorejam de gente.
Nesta terra, que nas marés cheias, em certas fases lunares, se torna inundável, numa Veneza tropical, os velhos sobrados do século XVII, com as suas inúmeras janelas abertas, dão à cidade uma estranha sensação de transparência. Tudo flui através dela, os ares, os mares, os tempos, as boas energias, os turistas… Nas 13 ruas do centro histórico, porta sim, porta não, há um bar, um restaurante, uma pousada, uma casa de manufacturas. Debaixo da quietude do olhar milenar dos primeiros habitantes, os índios tupiguari que vendem artesanato, sem alardes nem excesso de palavras. No auge do Inverno, é possível alugar um barco e aportar em centenas de ilhas que “pipocam” por aqueles mares. Paraty tem 35 mil habitantes, mas pode encher com mais 25 mil. Por ocasião da FLIP (Julho), a festa literária, considerado um dos maiores eventos literários do mundo. Ou do festival da Cachaça (Agosto). A cidade dispõe de mais de 5 mil quartos e mais de uma centena de restaurantes.
A estagnação e o abandono de Paraty foi a causa da sua preservação e florescimento. “Todo o edifício é tombado se não cumprir a traça.” Foram precisos quatro séculos, muito ouro escavado, muito pó tragado, muito pés desgastados, muitos quilómetros percorridos, muitas histórias de vida e morte, para chegar até aqui. A História dá estas voltas e tem destas ironias a de escrever certo por caminhos tortos.