Agora que estamos sentados numa esplanada numa pequena povoação de pescadores, paredes meias com a cidade de Tregor, ouvindo conversas ora em croata, ora em alemão, relembramos a semana que passou e tiramos umas quantas conclusões. Duma maneira muito geral, dos que passamos até agora, concordamos que a Croácia é o país mais bonito a nível de beleza natural. Concordamos também que é exageradamente caro. Concordamos ainda que, assim como em Portugal em algumas zonas mais turísticas, cresce desorganizadamente a nível de imóveis, facto que se tornará irreversível quando o betão e as construções duvidosas a nível de gosto e qualidade tomarem conta de toda a costa. Que o país tem demasiada oferta de alojamento e que, se tivéssemos de fazer um desenho da maneira como vemos o país, esboçaríamos com certeza imensas placas de ofertas de quartos, apartamentos e campismos, umas em cima das outras e, do lado esquerdo, o mar. Concordamos também, por último, que as pessoas atiram demasiado lixo para as florestas, pois a costa está repleta de maços de tabaco, latas, garrafas e, mais incrível, velhos electrodomésticos. Um país que tem tanto para oferecer e tão caro…que se cuide.
Saídos de Zagreb, quisemos atravessar parte do interior para visitar dois sítios que, pelo que víamos nas fotografias, mereciam uma visita. Na primeira paragem, em Slunj, vimos do lado de cá da estrada o mesmo que se via do lado de lá, mas pagando-se. Na segunda paragem, chegamos ao fim de uma série imensa de quilómetros a uma subida que, tivesse ela aparecido no princípio, tinha-se feito a brincar, mas no fim da viagem, foi ela que brincou connosco! Os carros e as motas passavam a alta velocidade e nós, em tom de ironia, mas também para nos mentalizarmos que tinha de ser, gritávamos: “Isso é para meninos…”. Para meninos ou não, o facto é que chegavam lá acima muito mais depressa do que nós, que demorámos mais de uma hora para subir aqueles 8km. Suados, estafados e sem vontade de sorrir, demos graças por termos visto de longe parte de tamanha beleza, o parque natural de Plitvicka Jezera, pois ali, pagava-se “forte e feio”. E nós que somos tão contra pagar-se para se ver natureza…ainda para mais quando é Património Mundial da Humanidade. Deveria ser acessível a todos, sem custo? Julgamos que sim.
Depois de passarmos a noite no parque de campismo mais caro e com menos condições de toda a viagem, um 3 estrelas (duvidoso), seguimos em frente para aquele que seria o dia mais complicado de toda a travessia pelo país. Atravessar duas montanhas com 1000 metros, intercaladas por duas imensas planícies, com aquele calor terrível, fez-nos perder uns quilitos nesse dia, temos a certeza. A ideia de fazer o trajecto em duas etapas, passou-nos pela cabeça, mas ao mesmo tempo, se as montanhas são uma coisa que cansa, são também o tipo de terreno que nos dá mais prazer, pois torna-se desafiante e, quando no topo, a felicidade sobrepõe-se a tudo! As paragens iam-se repetindo, pois das duas vezes demoramos mais de 1h30 a subir. Quando olhávamos um para o outro, pingávamos e aproveitávamos para dar força e chamar todo o tipo de nomes menos simpáticos àqueles fenómenos da natureza! No entanto, a melhor visão que tivemos veio no fim da segunda montanha. Não sabemos se de propósito ou não, o que é um facto é que aquele túnel, no fim daquela enorme subida, foi feito por um génio! Não tem mais de 30 metros mas, ao entrar-se nele, temos a ideia da famosa expressão “luz ao fundo do túnel”. À medida que a luz aumenta, do outro lado só vemos céu mas, quando saímos, todo o espectáculo que é a costa croata, com as suas ilhas e o fenomenal mar Adriático abre-se à nossa frente e os gritos de emoção saem, sem sequer termos cuidado com quem está à nossa volta! Saímos das bicicletas, saltamos, rimos, e gritamos “Conseguimos! Conseguimos!” e algumas lágrimas caem pela face abaixo! É tão bonito que nem conseguimos descrever, mas a nossa felicidade é visível! “Conseguimos!”. O que se segue, são 12km sempre a descer, ao ponto das mãos doerem de tanto travar! O tão esperado mergulho é dado uma hora depois, na água mais transparente que alguma vez vimos! Nessa noite, dormimos ao relento, sob as estrelas e com uma música horrível e em alto volume até às 3h.
Os dias que passamos depois do primeiro contacto com o Adriático, foram sempre feitos sem o perdermos de vista, ora dum lado, ora do outro! Entre parques de campismo e campismo selvagem, estes dias foram de “férias” e não quisemos pensar em nada, fazer nada e ter de decidir onde íamos, a que horas e se comíamos ou não. Quando acordávamos íamos para a praia e só saímos de lá quando tivéssemos fartos de sol e água salgada! Jantávamos e descíamos até um qualquer café em busca de gelados de cores saborosas! Moles e desgastados pelo dia, arrastávamo-nos até à tenda e adormecíamos sem muitas palavras. Zadar apareceu pelo meio mas nem por isso o ritmo lento foi diferente! A única coisa que veio cortar toda esta “pasmaceira propositada”, foi o termos encontrado 3 senhoras da cidade de onde partimos – Ovar – que viajavam com uma excursão e após tantos meses sem nenhuma cara conhecida, ver e falar em português dá imenso prazer!
Mas não poderíamos acabar esta crónica sem relatar a melhor experiência que tivemos até agora na Croácia! Entre Zagreb e as famosas cascatas, perdidos entre as montanhas ainda pequenas, sem placas a oferecer quartos, por entre tantas casas abandonadas por todo o lado, aldeias despidas de vida e de pessoas que se viram obrigadas a sair para viverem noutro país – Bósnia ou Sérvia – aquando da divisão da Jugoslávia, tivemos a sorte de pedir espaço para montar a tenda num quintal, da família mais bondosa das redondezas, disso temos a certeza! Um casal dos seus cinquentas, com dois filhos nos seus trintas, pararam o que faziam para nos receber e connosco estar até partirmos, no dia seguinte, com as lágrimas de saudade – seriam já? – no canto do olho! Desde que entramos, passando pelo lanche, pelo jantar, pelas histórias de guerra e de família, pelas fotografias que nos passavam pelas mãos, até ao momento em que, rindo como nunca antes tinha acontecido, quase rebolávamos no chão, pelo caricato de alguns momentos – alguns captados em vídeo, claro está! – que a estadia com esta família foi mais que perfeita! Quando tomávamos o pequeno-almoço, sentíamos já que ia ser complicada a despedida e até com o cão quisemos tirar fotos! Montámo-nos nas bicicletas e, por entre abraços, beijos e risos nervosos, tentando conter aquilo que era inevitável, o filho mais novo vira-se para a Tanya e diz que é uma “boa mulher” por não esconder a emoção e, quando se vira para o Rafael diz, rindo-se: “Tu também!”. A deixa estava dada, tínhamos de sair dali: “Obrigado por tudo! Foram fantásticos!”…e fugimos!