Menos um governo, mais uma polémica que abala os alicerces do regime. O povo português já não sabe com que o pode contar: os autocarros da Carris não chegam a horas, a Escola Pública não garante um bom ensino e os nossos representantes políticos ou não se entendem uns com os outros, ou são apanhados em casos e casinhos. Tempos difíceis estes que se vivem na paróquia: com a ordem mundial a alterar-se por causa dos delírios estadunidenses, Portugal, uma vez mais, cai na armadilha de ir para eleições e aprofundar as incertezas políticas, em vez de se destacar na Europa como um aliado estável.
Mas nem tudo é mau aqui pelo burgo. Também há sol que ilumine a penumbra. Refiro-me, claro, à primeira parte do novo (e primeiro) álbum de Filipe Karlsson – uma promessa de sol e luz que, antes de aí chegar, questiona os tempos que passaram, passeia pela nostalgia de baloiçar sem preocupações e tenta descobrir o que há do outro lado rumo à felicidade.
O vai e vem dos dias, o passar do tempo, as preocupações da cidade: Karlsson está a falar para uma geração que está a braços com um novo modo de viver que, ao mesmo tempo que aproxima toda a gente, também afasta.
Filipe Karlsson chegou, há uns anos, sem compromisso nem hora de chegada, mas veio para ficar. Novos tempos da música portuguesa estão ao virar da esquina. Finalmente o dia amanheceu – Lá Vem o Sol.
A grande valência do artista português é, precisamente, a causa que leva a este primeiro álbum tardio, 5 anos depois do seu primeiro EP, Teorias do Bem-Estar. Nestes anos, cada single foi uma história, cada canção dos EPs uma narrativa própria. Nesta primeira parte do seu álbum, o mesmo acontece: cada canção, apesar da sonoridade coerente, fala com a sua própria voz e tem o seu próprio encanto. Cada música é um encontro feliz com o inesperado. E tudo faz sentido. Todas as canções podiam ser um single – e digo isto no melhor dos sentidos. Billy Joel construía os seus álbuns com a mesma lógica. Uma lufada de ar fresco numa época em que os álbuns mais comerciais se cingem pela regra: 2 hits, 8 canções palha para encher.
É caso, então, para contar as horas até sair o álbum inteiro. A estética, a sonoridade, as letras que falam para toda uma geração: os ingredientes estão todos lá. Karlsson está a arriscar tornar-se a próxima grande sensação de verão. É preciso talento para cantar sobre o ritmo frenético da vida, amores e desamores e aprendizagens in loco de como viver, ao mesmo tempo que se apresenta um som que convida ao pezinho de dança. Promete.
Caro, leitor, tem 1001 razões para ouvir esta primeira parte do seu primeiro álbum, nem que seja naquele período do dia em espera pelo autocarro da Carris que nunca mais vem, enquanto lê a notícia de que há mais uma escola sem professores de História e repara que na paragem os deixados em terra estão comentar a queda do Governo.
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