Estreou-se no verão de 2020, ano de pandemia, e desde então tem-se afirmado como um dos festivais de ópera mais “fora da caixa” pelas propostas que apresenta. A soprano Catarina Molder, diretora artística, pretende que o Operafest continue a ser “uma montra do talento emergente nacional, cruzando tradição com vanguarda”, levando “a ópera a novos públicos e a outras idades”.
Este ano, assinalam-se os 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões, com a estreia de uma cantata-performance, numa edição que se estenderá de Oeiras (uma novidade) a Lisboa, a partir desta quinta, 22, e que decorrerá sob o tema Instinto Fatal, evocando a atração para situações-limite.
O festival começa nos Jardins do Palácio Marquês de Pombal, em Oeiras, com as óperas Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni, e Pagliacci, de Ruggero Leoncavallo (22, 24 e 26 ago), interpretadas por um elenco liderado pelo tenor basco Andeka Gorrotxategi. Ao maestro Osvaldo Ferreira caberá dirigir a Orquestra Filarmónica Portuguesa. Também nestes jardins se estreia o conto-ópera O Polegarzinho, da compositora francesa Isabelle Aboulker, a partir do conto de Charles Perrault, na versão portuguesa de Luís Rodrigues, com encenação de Sandra Faleiro (28-31 ago).
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Os restantes espetáculos, até ao encerramento do festival, a 11 de setembro, decorrem em Lisboa. Um dos destaques é a estreia absoluta da cantata-performance Tormento, para ensemble vocal feminino e eletrónica, a partir do Canto V d’Os Lusíadas (5-6 set, Palácio Sinel de Cordes).
Antes, no Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Calouste Gulbenkian, terá lugar a apresentação de Don Giovanni, de Mozart (30-31 ago, 2 e 4 set). João Pedro Mamede estreia-se na encenação de uma ópera, sob a direção musical de Pedro Carneiro e com a participação da Orquestra de Câmara Portuguesa.
Um ciclo de filmes (na Cinemateca Portuguesa), aulas de canto, conferências e workshops também fazem parte da programação.
O Operafest encerra com a já emblemática rave operática, desta vez no Titanic sur Mer, uma festa de fusão de ópera com eletrónica, pop e afrobeat e a atuação dos Ena Pá 2000 para dançar noite fora.
Operafest > Jardins do Palácio Marquês de Pombal, Oeiras, e vários locais em Lisboa > 22 ago-11 set > €5-€50 > programa completo aqui
Foi Barak Obama um grande (em todos os sentidos) presidente americano? Não. Foi decidido e eficaz interna e externamente? Não. Foi um modelo para novas gerações? Sim. Foi uma marca importante na História americana e mundial? Sim.
Colocando as coisas como elas foram: Obama foi um presidente indeciso, nada ousado e com grande dificuldade em fazer opções estratégicas. Não foi bom na economia, não se destacou na garantia da tranquilidade interna, não resolveu o problema da imigração desordenada, e falhou nas «linhas vermelhas» que traçou na política externa. Em última instância foi o exercício da sua Presidência que abriu espaço para um Trump.
Então, o que tem de especial Barak Obama? É a pergunta de um Bilião: é extraordinariamente carismático, inspira grande tranquilidade nas pessoas, tem uma sensatez sem limites – o que o impede de ser ousado – e soube proteger muito bem a sua imagem presente e futura. É um ícone democrata do século XXI, tal como John Kennedy foi nos anos 60 do século passado.
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Obama é uma marca indelével, e foi isso que levantou o fervor fanático nos milhares de democratas presentes em Chicago. É uma estrela do Rock político americano.
A informação foi confirmada pelas autoridades italianas à imprensa: foram recuperados seis corpos esta quarta-feira, dentro do iate Bayesian, que naufragou na costa da Sicília na segunda-feira de madrugada. Entre os mortos estão o presidente do Morgan Stanley, Jonathan Bloomer e o magnata da tecnologia Mike Lynch, bem como a sua filha Hannah.
O Bayesian, que velejava com bandeira britânica, foi atingido por uma forte tempestade na madrugada de dia 19 de agosto, tendo virado completamente e naufragado em apenas alguns minutos, segundo testemunhas oculares de embarcações próximas. Viajava com 22 pessoas a bordo, 15 das quais escaparam com vida graças ao bote salva-vidas ao qual conseguiram aceder. Um dos passageiros, que seria o cozinheiro da embarcação, faleceu ainda durante a tempestade, tendo o seu corpo sido resgatado pelas autoridades, e seis outras pessoas estavam desaparecidas até agora.
Ao final do dia de ontem, responsáveis da Proteção Civil italiana, que desde segunda-feira está com equipas de mergulhadores especializados a proceder às operações de busca e salvamento, já tinham dito ser “muito improvável” que os desaparecidos fossem encontrados com vida. Presumia-se – e confirmou-se – que teriam ficado presos nas cabines onde estariam a descansar. O acesso às mesmas foi dificultado pela deslocação do mobiliário da embarcação durante o naufrágio.
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Os corpos estão a ser transportados para a morgue de Palermo, onde serão autopsiados sob a supervisão de um representante do Ministério Público italiano, que já abriu uma investigação ao incidente.
Cristiano Ronaldo já tem um canal no YouTube. O anúncio foi feito através das redes sociais do internacional português, e estão publicados 18 vídeos que dão a conhecer um pouco mais da vida privada do jogador do Al-Nassr. Também a companheira de Ronaldo, Georgina Rodríguez, está presente nos vídeos do canal “UR · Cristiano”.
O anúncio foi feito nas várias plataformas de redes sociais do craque português.
O canal, que foi anunciado há apenas algumas horas, tem, à hora que foi escrita esta notícia, mais de 3,5 milhões de seguidores. Em apenas uma hora, o canal atingiu um milhão de subscritores. O antigo recorde mundial estava fixado em 5 horas, de acordo com o Website Republic World.
Estive há dias no Jardim Zoológico de Lisboa e parei extasiada junto à elegância dos flamingos cor-de-rosa. Quando desviei o olhar desta exuberante colónia pernalta, uma placa chamou-me a atenção ao anunciar que “o amor está no ar”. Aprendi então o seguinte: “Nós somos animais monogâmicos, ou seja, os casais mantêm-se para toda a vida.”
Curioso. Acabara de ler, no livro Novas Formas de Amar, da psiquiatra brasileira Regina Navarro Lins, que os estudos de etologia, biologia e genética não confirmam a monogamia como padrão dominante nas espécies, incluindo a humana.
Estaria eu maravilhada perante uma das poucas exceções da Natureza, no que toca à exclusividade de parceiros? É que, apesar de ser esse o comportamento “normalizado” dos seres humanos na nossa cultura, sabe-se hoje que se trata justamente de uma aquisição cultural, criada há cerca de cinco mil anos, a par do aparecimento da propriedade privada.
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Nessa altura, os homens, até então não monogâmicos, como dita a sua Natureza, ficaram obcecados com a ideia de obter a certeza da paternidade, por causa das heranças. Ninguém queria deixar os terrenos, ou animais, a um filho que não fosse do próprio sangue e essa segurança só era possível se houvesse exclusividade sexual – por parte da mulher, claro.
Daí em diante, a situação só piorou para elas. Na Roma antiga, o marido tornava-se dono e senhor na hora do casamento. Na Idade Média, entre os séculos V e XIV, o sexo ilícito era crime público, até ao extremo de ter sido inventado o cinto de castidade que aprisionava a mulher a um determinado homem, detentor da chave que o abriria para que pudesse usá-la.
Anarquia relacional Estas quatro parceiras afetivo-românticas, Marco Graça, Andreia Correia, João Pinheiro e Maria (nome fictício), na casa dos 30, seguram a bandeira que simboliza a forma de estabelecerem relações
Na Renascença, a coisa não ficou de feição: até ao século XVI, qualquer ato sexual fora do contrato matrimonial era considerado ilegal. Os infratores sofriam fortes punições, com destaque para o género feminino, que se via humilhado publicamente em caso de prevaricação.
Embora tenha aparecido um pequeno balão de oxigénio com o Iluminismo, gerando-se algumas mudanças nas atitudes e nos comportamentos sexuais, o século XIX ficou marcado pelo pudor e verificaram-se bastantes retrocessos. A sexualidade voltou a ser reprimida – para a mulher o sexo só era válido com o marido e servia apenas para procriar. O prazer ficava, evidentemente, fora desta equação e era procurado nos bordéis, pelos homens.
A seguir à I Guerra Mundial, a honra masculina dependia da conduta feminina, que deveria ser contida. Quando se determinou que quem ama de verdade só sente desejo por essa pessoa (se tal não acontecer, algo vai mal), nasceu o conceito de traição, que também pode ser chamada infidelidade ou adultério, para usar termos mais bíblicos.
Esperava-se que, com a libertação sexual das últimas décadas e com a emancipação feminina, a questão da exclusividade fosse quebrar. Antes pelo contrário: com o amor a ditar a escolha do parceiro para casar (em vez da conveniência do passado), até as mulheres passaram a exigi-la aos homens, realidade até então impensável. Regina Navarro Lins defende, no livro citado, que é o “medo da solidão e do desamparo que leva ao controlo”.
Já a antropóloga americana Helen Fisher, que se dedica há décadas a estudar a ciência do amor romântico, congratula-se que a nossa tendência para as relações extraconjugais seja o “triunfo da Natureza sobre a cultura”. Seres humanos – 1, flamingos cor-de-rosa – 0.
Atração por outra pessoa?
Fazemos um “corta!” para regressarmos ao século XXI, ano 2024. Já não estou no zoo, em frente a belos flamingos monogâmicos, mas na plateia do teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, à espera que as luzes se apaguem para entrarem em cena Diogo Faro, 36 anos, e Joana Brito Silva, 30, vestidos de Adão e Eva, para mais uma exibição da peça Querido, Quero Beijar Outras Pessoas. Num registo satírico, em que interpelam diretamente o público, vão falando disto de ser não monogâmico, baseado na sua própria experiência.
Durante três anos, foram um casal e experimentaram esta forma de estar numa relação. Resultou tão bem que até se dedicaram a produzir esta peça sobre o tema quando perceberam como o assunto interessava a muita gente. E nem eram, como esperavam, só pessoas de esquerda, da comunidade LGBT+ ou da idade deles, eram curiosos de várias classes, credos e faixas etárias. Sempre mais mulheres do que homens.
A plateia em Leiria está, de facto, lotada e muitos são os aplausos quando os atores os pedem enquanto resposta positiva à pergunta que dirigem aos que aqui se encontram sentados: “Quem é que já sentiu atração por outra pessoa?”
Parceria Ema e Ana estão unidas pelo Lab Não Mono. Ambas se empenham em esclarecer as pessoas sobre os problemas que se levantam quando as relações saem da monogamia
Diogo e Joana nunca viveram juntos, mas tiveram diversas parcerias ao longo do relacionamento de três anos. “Tudo isto implicou honestidade e comunicação – muita conversa à medida que conhecíamos outras pessoas”, lembra Joana, agora que já não são namorados. “Este tipo de relação também ajuda a que os finais sejam mais pacíficos.”
Diogo gosta de salientar que este assunto não é sobre a quantidade de pessoas com quem se está, mas sim sobre uma “tentativa de desconstrução do modelo a que sempre fomos sujeitos”.
Apesar de, nesta noite, em Leiria, terem recebido ameaças de invasão do teatro por parte do grupo de extrema-direita conservadora Habeas Corpus, e de terem sido acionadas medidas extraordinárias de segurança, o espetáculo sobre a liberdade amorosa, que já vai numa dezena de exibições é, por norma, muito mais bem recebido do que mal. E provavelmente tem ajudado alguns a saírem do armário da monogamia, com frases como esta, ditas em palco: “Traição é sobre expectativas. É controlar o comportamento dos outros quando o que não conseguimos controlar são as nossas inseguranças.”
Mais visibilidade, por favor
Da investigação que fez sobre poliamor, em 2009, a propósito do seu mestrado em Ciências da Comunicação, Daniel Cardoso, 37 anos, hoje professor na Universidade Lusíada, concluiu que a honestidade, o consentimento, a abertura, a preocupação com a ética e a autonomia eram as preocupações centrais de quem participou no seu estudo. E tudo isso se mantém atual e talvez até acentuado, pelo aumento de casos. Descobriu também, na altura, que o mundo da não monogamia consentida é quase infinito, com uma panóplia de opções tailor made, com uma linguagem muito própria (ver caixa Para não nos perdermos na tradução).
“Apesar de o assunto ter evoluído e de haver mais visibilidade e literacia, ainda assim estamos perante experiências de discriminação, que podem afetar a saúde física e mental. Isso acontece por parte de pessoas que têm visões conservadoras do que são os relacionamentos e a família, de uma forma geral”, explica.
A verdade das coisas
Há muitas ideias erradas acerca dos relacionamentos não monogâmicos consentidos. Vamos corrigir algumas?
O oposto de monogamia não é a poligamia O oposto de monogamia é a não monogamia, em que os relacionamentos são consentidos e acordados previamente entre os envolvidos, que estão sempre em pé de igualdade – na poligamia, as relações podem ser de dominação, nomeadamente o clássico do homem com as duas famílias.
Os relacionamentos não monogâmicos não existem apenas para se ter sexo desenfreado Quem procura o chamado sexo desenfreado normalmente fica solteiro para poder estar com pessoas diferentes todos os dias, sem qualquer tipo de ligação. Nas relações não monogâmicas há pactos e compromissos acerca do que todos decidirem e isso pode incluir sexo desenfreado ou não.
As pessoas não monogâmicas são mais cuidadosas em relação às doenças sexualmente transmissíveis No que toca à saúde sexual, as relações não monogâmicas consensuais são melhores do que andar a enganar o parceiro sem o outro saber. Há até evidência científica a demonstrar que as pessoas em relacionamentos abertos usam mais vezes o preservativo com as suas parcerias do que os ditos monogâmicos em situação de infidelidade.
Os não monogâmicos também constituem família Se os filhos fruto de uma relação monogâmica desconhecem como é a vida sexual dos pais, por que haveria de ser diferente nestes casos? No entanto, uma criança que cresce num ambiente não monogâmico vai acabar por considerar isso natural, pois não tem preconceitos. Muitas vezes, as parcerias de ambos os pais também se tornam significativas para os miúdos, alargando-se assim a rede de apoio.
Existem menos mentira nas relações não monogâmicas A não verdade está presente em todos os relacionamentos, mas, neste caso, ao suprimir-se da equação as mentiras que têm a ver com as traições ou os flirts, diminui-se muito esse problema.
Aliás, Daniel consegue dissecar, com base no seu trabalho académico, de onde vêm esses argumentos: da superioridade ontológica, que determina que o amor “a sério” só pode ser vivido entre duas pessoas; do receio da destruição da sociedade, através da degeneração moral do tecido social e do fim da família; e da negatividade sexual, baseada na premissa de que “fazer sexo com muitas pessoas é mau, uma falha moral e até patológico”. Nenhum destes receios tem algum fundamento real, conforme afirma o académico.
“A monogamia é estatisticamente incomum e isso pode avaliar-se pelas taxas de infidelidade não consentida que se situam entre 50% e 75%, dependendo dos países. Portugal está dentro destes números”, assegura o especialista. Mas não existem modelos ideais, até porque os dados apurados até ao momento não mostram que haja diferenças em termos de felicidade, de estabilidade ou de satisfação relacional. “Todos podem correr bem ou correr mal, depende daquilo que as pessoas querem.”
Largar a primazia do casal
A relação de Mariana Silva, 34 anos, e Bruno Matos, 35, tem corrido bem, embora já tenha passado por vários formatos. A brincar, a brincar, estão juntos há quase duas décadas, a última das quais em versão não monogâmica. Pelo meio, durante a pandemia e quando ainda faziam um trio com Cris Deolindo, formaram o Rambóia com Moderação, que se materializou num podcast e numa página no Instagram, na tentativa de fazer face à escassez de conteúdos nacionais sobre a matéria. Em português do Brasil, pelo contrário, o assunto está muitíssimo bem esmiuçado.
O casal, casado mesmo de papel passado (“se fosse hoje, já não o faríamos”) há nove anos, evoluiu para esta nova vida depois de Mariana ter entrado no mundo dos conteúdos mais disruptivos por via da leitura. Ela propôs, ele aceitou e depois estabeleceram regras muito apertadas, como não poder haver emoções envolvidas nos encontros de cada um ou a obrigatoriedade da mudança de lençóis se levassem outras pessoas para casa. Rapidamente, o contrato evoluiu, alargou-se, deixou de vez as amarras da monogamia, especialmente quando descobriram o espectro LGBT+.
“Regularmente sentamo-nos a discutir a relação, a dizer o queremos, e não é sempre o mesmo. Tem de haver fluidez, porque as pessoas mudam e as relações devem acompanhar essa mudança. Quanto mais comunicamos, mais confiança há. Esta é a base do nosso relacionamento”, conta Mariana, sob a anuência de Bruno. Hoje, estão juntos, mas também estão com outras pessoas e até podem apaixonar-se por elas. “Largar a primazia do casal é o mais complicado. Assim como desconstruir a hierarquia do parceiro romântico que nos vai dar tudo e colmatar todas as necessidades”, nota Bruno.
Só amigos? Ana, Diogo, João, Fernanda e Natacha desenvolvem entre si afetos, que vão de amizade com benefícios a relacionamento platónico, como um namoro sem a parte sexual
Neste momento, cada um deles tem outro parceiro sexual fixo, há mais de dois anos, mas já aconteceu terem mais do que um, dependendo das fases em que se encontram, das necessidades do momento. Normalmente, conhecem-se todos entre si e por vezes convivem em conjunto, como acontecia no tempo de Cris, que fez parte do triângulo durante cinco anos.
O casal não quer ter filhos, ou pelo menos não está nos seus planos, mas a questão da educação das crianças é um dos comentários desagradáveis que ouvem quando se revelam a alguém. “Não podem criar filhos. Quando forem velhos, isso passa-vos…”
Bruno e Mariana confessam que já deixaram as aplicações de encontros de lado, um dos locais onde iam procurar parcerias. Chegaram a ter quatro ao mesmo tempo, mas depois abrandaram por temerem a polissaturação, que é quando a agenda se enche de compromissos e escasseia a energia para mais envolvimentos afetivo-sexuais. “É preciso investimento emocional para lidar com as pessoas”, realça Bruno.
Quando não dá mais
A polissaturação é precisamente o tema da sessão do ComPartilha a que assistimos e a discussão foi arregimentada, como habitualmente, pelo grupo de WhatsApp, que junta cerca de 100 membros. É a primeira vez que se reúnem neste bar, meio escondido num beco em Xabregas. Aqui estão, num sábado à tarde, 15 pessoas, sentadas em cadeiras de madeira dispostas mais ou menos em círculo, à volta de Diogo Montemor, 44 anos, a quem coube a tarefa de moderar o debate sobre aquele momento em que sentem que “não dá mais”.
O brasileiro lembra, com recurso a slides projetados numa tela, a tese “soma zero”, defendida pela monogamia: existe a ideia de que há uma quantidade finita de algo, como uma pizza, por exemplo – se uma pessoa levar uma fatia, fica menos quantidade disponível para os outros. “Mas o amor e o afeto não são ‘soma zero’, não são fatias de pizza que acabam, há sempre mais para dar. O amor é você se disponibilizar, dar atenção”, expõe Diogo para a assistência, que se vai refrescando com imperiais trazidas do balcão. “O sentimento não ocupa tempo nem espaço. O agir, sim. E a saturação vem da gestão da disponibilidade.”
Sempre a crescer
A não monogamia consensual tem crescido na última década. Alguns estudos internacionais pintam essa realidade com a evidência dos números.
• Em 2014, um em cada cinco americanos solteiros estava envolvido em alguma forma de não monogamia, segundo o inquérito anual patrocinado pela Match.com. Este ano, a relação passou a ser de uma em cada três pessoas.
• Em 2019, um estudo canadiano, que também incluiu pessoas casadas, chegou à mesma equação: um em cada cinco inquiridos já havia experimentado outras formas de se relacionar.
• Dois estudos, de 2012 e 2015, encontraram entre 2,5% e 4% de pessoas em relações românticas que tinham optado pela via da não monogamia.
• Entre 2021 e 2023, a aplicação OkCupid verificou um aumento de 45% nos termos não monogâmicos usados nas descrições dos perfis dos utilizadores.
• De acordo com a empresa de sondagens americana YouGov, em dezembro de 2020, 5% dos adultos assumiram que estavam em relações abertas e 3% disseram-se poliamorosos. Três anos depois, o mesmo estudo apurou números ligeiramente mais elevados, passando para 6% e 4% respetivamente.
Os presentes vão pondo o dedo no ar, à vez, participando ativamente na discussão, referindo, por exemplo, que esse problema não é um exclusivo do amor romântico, que os amigos, os pais ou os filhos também vão drenando a energia para as relações com eles. A certa altura, a pergunta paira no ar: “A relação com a gente devia ser a principal, né?”
O ativismo é uma das facetas da não monogamia. Não que seja obrigatório estar na linha da frente desta batalha pela visibilidade, mas enveredar por este caminho é quase como entrar para um clube em que as pessoas são vítimas de alguma discriminação, por ignorância e estranheza. E, por causa disso, há que demonstrar ao mundo que entrar neste consentimento é mais natural do que parece.
“A não monogamia ainda é vivida em sigilo, por medo de represálias familiares, sociais e profissionais. Assim se cria uma noção de comunidade em que as relações são mais próximas”, explica Sílvia Ribeiro, psicóloga e sexóloga, habituada a receber alguns casos mais complicados nas suas consultas e a ensinar a lidar com as adversidades.
O que fazer ao ciúme?
Onde fica o ciúme, quando as relações se vivem entre várias pessoas? Esta é uma das principais dúvidas que afloram a quem desconhece esta realidade e mesmo a quem acaba de largar as amarras da exclusividade.
Na lógica do “um para um”, vive-se em competição pelos recursos e alguém estar com outra pessoa é perder, pois significa que o outro é melhor do que nós. Na ótica não monogâmica, todos ganham – há que aprender a partilhar. Em vez de ciúme, fala-se então de compersão, o sentimento de alegria que se sente ao ver a parceria feliz com outro.
Marcela Aroeira, 36 anos, psicóloga clínica, desenvolve o projeto Amores Plurais, em franco crescimento no Instagram, para educar as pessoas que têm dúvidas acerca da não monogamia, baseando-se na sua experiência, assumindo-se, sem medos.
Depois de sete anos casada em regime monogâmico, decidiu abrir a relação quando um dia, num forró, ainda no Brasil, sentiu atração por outra pessoa, sem deixar de gostar do marido. “Sou casada, gosto dele, porque estou interessada noutra pessoa?”, questionou-se, com raiva. Pior, onde iria arrumar o seu ciúme patológico, de agora em diante?
Teatro Em palco, Diogo Faro e Joana Brito Silva falam despudoradamente sobre todas as questões que envolvem a não monogamia, baseados na relação que mantiveram durante três anos
Para aprender a lidar com isso, com o imenso medo de ser enganada, teve de fazer terapia. Hoje, esse sentimento negativo ainda aparece de vez em quando, mas Marcela já arranjou estratégias para diminuir a sua intensidade e assim lidar com as crises de ciumeira.
Desse casamento, que durou 13 anos, nasceu um filho. Hoje, a relação romântica entre ambos terminou, manteve-se a amizade e os elos da paternidade.
Além da não monogamia relacional, Marcela defende também a não monogamia política, em franca oposição à monogamia como modelo social, que constrói os contornos do comportamento na mesma lógica da propriedade privada. “Desejo desfazer a estrutura social em que fomos formatados. Luto para que os direitos sejam iguais, para que haja uma descolonização dos afetos e uma retirada das hierarquias das relações”, advoga esta brasileira radicada em Portugal faz tempo.
Marcela pensa nas relações como um jardim. E explica-se bem: “Umas precisam de mais sol, outras de água, sombra ou mais cuidado. É igual com os relacionamentos. Recuso esta tendência para padronizar tudo.”
Sozinha Na página de Instagram Amores Plurais, Marcela Aroeira não esconde a sua forma de estar. Para a foto, preferiu aparecer sossegada na rede que tem pendurada na sala da sua casa
É por isso que se está a trabalhar numa proposta de reconhecimento legal destes formatos de relacionamentos, numa lógica de proteção legal, em caso de morte de uma das parcerias, por exemplo, ou de filiação, em que se reconhecem mais do que duas figuras parentais. Mas também estão em causa os direitos dos cuidadores, o acesso a hospitais enquanto acompanhantes ou tomada de decisões, as questões patrimoniais em caso de separação, a guarda e a custódia dos filhos, a relação com a escola ou até a autorização para atravessar fronteiras.
“São conhecidas muitas experiências de ativismo jurídico no Brasil”, afiança Pablo Navarro, do Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra, e investigador responsável pelo Trialogües, um projeto de três anos, centrado no estudo dos processos de inovação jurídica no Brasil, em Espanha e em Portugal.
Por cá, a 19 de março de 2022, Décio, 39 anos, Eliana, 37, e Catarina, 22, um trisal de Cantanhede, organizou o seu “casamento” e tornou-o público, como forma de chamar a atenção relativamente à falta de cobertura jurídica para qualquer relação poliamorosa, para a forma como o Estado pretere estes modelos em relação ao imposto pela norma.
Estigma com consequências
Enquanto as leis não estão do lado destas pessoas, as associações, como o Lab Não Mono, vão abrindo caminho. Ana Vaz, 35 anos, é quem dinamiza, junto com Ema Fontes, 48 anos, esta página no Instagram, desenvolve um grupo de apoio e organiza workshops de acordo com as dúvidas mais persistentes. Alguns exemplos: como gerir o tempo, lidar com o ciúme ou equilibrar os relacionamentos.
Atualmente, depois de uma relação aberta que durou oito anos e outra não monogâmica de seis, assume-se como solopoli e é anarca relacional (ver caixa Para não nos perdermos na tradução). “Sou contra ser associada a outra pessoa e só assim ser validada. Existo em sociedade e com a minha comunidade. Não ponho a relação afetivo-sexual acima das outras”, resume.
Tal como Marcela Aroeira, também defende a não monogamia política, especialmente em proteção das mulheres, em seu entender as principais vítimas do sistema da exclusividade exigida. “A minha conversa inicial é: não vou casar, não vou coabitar, estou muito bem como estou, tenho o privilégio de viver sozinha. Não quero relacionar-me de forma intensa, duas vezes por mês está ótimo.” Neste momento, tem duas parcerias mais constantes, homens e mulheres, uma delas nem sequer é sexual.
Rambóia com Moderação Mariana e Bruno criaram um podcast com este nome para falarem abertamente sobre as suas parcerias. Na altura, formavam um trisal com Cris. Hoje, têm outras histórias para contar
David Rodrigues, subdiretor do CIS-Iscte – Centro de Investigação e Intervenção Social, especialista em relações não monogâmicas, descreve a forma negativa como a sociedade olha para quem não segue o modelo imposto, especialmente por parte dos menos familiarizados com o assunto, com base na investigação em que participou, Examining the Role of Mononormative Beliefs, Stigma and Internalized Consensual Non Monogamy Negativity for Dehumanization: “Consideram um ataque à moralidade católica, acham-nos sexualmente insatisfeitos e promíscuos. Este estigma latente tem consequências, pois as pessoas podem internalizá-lo e não saber lidar com a pressão que a sociedade impõe para a monogamia, acabando por se esconder ou reprimir o desejo de ir por outros caminhos.”
De facto, há quem se sinta mais confortável em esconder-se atrás de um anonimato depois de optar pela recusa de viver uma monogamia de fachada. São os casos de uma mulher de 53 anos, que falou à VISÃO da sua entrada a pés juntos nesta realidade, embora possa até estar um ano sem ninguém significativo e não é por isso que volta a considerar-se monogâmica; de João, nome fictício, quase da mesma idade, que se fartou de ser desonesto com as mulheres que escolheu para companhia, e quis viver vários amores, sem mentiras, por não acreditar que as pessoas sejam donas umas das outras. Não correu bem, mas um dia ele acredita que conseguirá; e de Sónia, 47, que preferiu usar apenas o primeiro nome, para contar a sua história enquanto não monogâmica católica.
“A não monogamia vem dos ensinamentos da Igreja de amar os outros. Sempre defendi que podia gostar de mais do que uma pessoa ao mesmo tempo. A anormalidade social de que ouvia falar era para mim a normalidade”, conta esta antiga catequista.
Esteve casada com o pai das filhas, hoje com 14 e 10 anos, sempre neste regime, tendo outros namorados e nunca o escondendo do marido. “Saí com quem quis e viajei com quem quis para todo o lado.” Sem ciúme de parte a parte, porque não havia sentimento de pertença. E com muita liberdade. Separaram-se há quatro anos, mas continuam amigos.
Gerir o tempo
Mas é preciso não “romancear o poliamor”, avisa a jornalista e escritora espanhola Noemí Casquet, especializada em sexualidade, ao El País. “É verdade que existe maior responsabilidade afetiva, muito diálogo e uma grande autoconsciência emocional, além de uma incrível gestão das emoções e do ciúme. Mas isso não significa que as relações sejam perfeitas.”
A comunicação é essencial para gerir as relações. Porque a agenda de um poliamoroso pode ser mais preenchida, porque é preciso lidar com sensibilidades (“porque não podes vir hoje ter comigo, mas vais ter com ela/ele?”), porque há vários tipos e graus de ciúmes que não se negam, mas se trazem à luz do dia – para melhor se lidar com eles.
Se, por um lado, se desconstroem as normas – vamos analisar o ciúme, sim, que depende de muitas coisas, mas não é aceitável haver violação de privacidade, ciúme extremo e violento –, também se aposta mais no tempo de qualidade. E aqui os casais monogâmicos podem aprender muito com os não monogâmicos, como sublinha a terapeuta Sandra Bravo, também ao El País.
A arte e o poliamor
No cinema ou nas artes plásticas, exemplos de relações não monogâmicas ao longo dos tempos
Jules e Jim Este filme de François Truffaut, de 1962, é um dos clássicos da Nouvelle Vague francesa, com a incrível Jeanne Moreau a ser disputada por dois amigos. O austríaco Jules e o francês Jim divertem-se a trocar as raparigas que conquistam, mas é Catherine quem lhes rouba o coração. Ela acaba por se casar com Jules. Com uma guerra pelo meio, o triângulo volta a encontrar-se anos mais tarde e vivem juntos, com bastante drama envolvido.
Three Lovers É a única pintura erótica conhecida de Théodore Géricault, pintor francês nascido em 1791 (morreu em 1824). Patente no Museu J. Paul Getty, em Los Angeles, mostra-nos dois amantes num abraço voluptuoso, enquanto uma mulher seminua os observa languidamente.
Challengers De 1962 para 2024, temos a atriz Zendaya no centro de um triângulo amoroso. Mais do que um triângulo, estamos a falar de poliamor. No filme, realizado por Luca Guadagnino, o enredo gira em torno de uma ex-prodígio do ténis, que é treinadora do marido, o qual irá enfrentar o ex-namorado dela. E não, não vamos ficar apenas pelos dois homens que disputam o amor de uma mulher; eles desenvolvem também a sua relação.
PaJaMa Paul Cadmus, Jared French e Margaret French foram um trio de artistas que assinavam como PaJaMa e se relacionavam entre si. Desde 1937, viveram como um trisal durante mais de 20 anos e a sua relação amorosa estendeu-se à colaboração artística, desafiando a noção do artista a solo. Fluidos na vida, no amor e na arte.
Vicky Cristina Barcelona Terminamos com este filme de Woody Allen, realizado em 2008. Uma divertida comédia romântica cujo protagonista (interpretado por Javier Bardem), o artista Juan Antonio, flirta e se sente atraído por duas amigas americanas. Mas não fica por aqui. Ele ainda está apaixonado pela ex-mulher, a temperamental pintora Maria Elena (Penélope Cruz), que obviamente entra em cena.
“Vivemos numa cultura que justifica formas violentas e de controlo ‘por amor’. Por outro lado, também nos convida a desconstruirmo-nos de tal maneira que não sintamos nenhuma mínima emoção que nos cause desconforto. Quem me dera que pudéssemos trazer mais empatia para as relações, de forma a compreender a gestão emocional dos outros. Os ciúmes são uma emoção contextual: têm a ver com a relação, com a nossa experiência passada, com a forma como a pessoa nos trata e com os obstáculos do nosso dia a dia”, explica.
E ainda há mais matérias para tirar notas, acrescenta no mesmo artigo a psicóloga Lara Ferreiro: “Os casais monogâmicos podem ganhar em ultrapassar, como os não monogâmicos, esta possessividade associada às relações. Não temos de pertencer a alguém porque somos um casal. O poliamor destrói essa ideia, valorizando a autonomia individual e a liberdade, em que cada um tem os seus interesses, passa tempo com família e amigos fora da relação.”
Felizes, enquanto durar
O número de pesquisas no Google acerca do tema tem aumentado, segundo o estudo Has the American Public’s Interest in Information Related to Relationships Beyond “The Couple” Increased Over Time?, feito já em 2017, pela autora e psicóloga Amy Moors. O interesse público vem da sua maior presença na esfera pública. Em 2022, por exemplo, o Channel 4, no Reino Unido, estreou o reality show Open House: The Great Sex Experiment. Não consta que fosse de grande conteúdo educacional, nem que tenha feito muito pela dignificação do conceito, mas pôs imensa gente a falar sobre relações com mais de duas pessoas.
Na realidade, tudo isto é muito mais filosófico e estrutural do que uma mera tomada de posição. Numa era em que a mulher finalmente está emancipada, a escalada social – somos empurrados, enquanto adultos, para um namoro, que desagua num casamento que por sua vez dá frutos – perde o sentido. Deixamos de ter de ser felizes para sempre, como nos filmes da Disney. Somos felizes hoje, agora, enquanto durar, sem stresse.
João Pinheiro, 30 anos, é um dos administradores do PolyPortugal, um grupo fechado que nasceu na década passada, no Facebook, para dar unidade e crescimento às pessoas que já funcionavam como um coletivo há 20 anos. Hoje, a página tem 1 200 membros. Nesta rede social, junta-se a comunidade, às vezes em festas em que só entra quem segue os princípios da harmonia e do respeito (não é aceitável engate ou comportamento predatório, por exemplo).
Enfrentar o ódio Ao exporem a sua opção pela não monogamia, enquanto figuras públicas, Diogo e Joana já tiveram de lidar com muitos comentários violentos. A discriminação é real
Na vida real, há muito mais para fazer enquanto grupo ativista, como contactar partidos políticos para lhes fazer ver que o conceito de família se modificou e que precisa de outro enquadramento legal, combater o estigma, manter a rede de apoio ativa para proteger e mitigar os riscos associados à discriminação e ao discurso de ódio.
João vive em anarquia relacional, sem pôr nomes ou classificações às suas parcerias. “Repudio qualquer forma de hierarquia. Nenhuma relação é mais importante do que a outra, depende das necessidades e das decisões que tomamos de mútuo acordo. O prazer e a vontade é que mandam”, explica, antes de referir que, em simultâneo, é poliamoroso.
“O amor está no ar” para todos, quer se trate de flamingos assumidamente monogâmicos, quer de seres humanos que optam por partilhar o seu coração com mais do que uma pessoa.
Para não nos perdermos na tradução
O mundo não monogâmico tem uma linguagem muito própria que pode tornar-se impercetível a quem não a domina. Aqui fica um glossário, em colaboração com o grupo ativista PolyPortugal, para ajudar à compreensão dos termos
— Trisal Relacionamento, comummente afetivo-sexual, a três, com ou sem exclusividade entre os envolvidos.
— Unicórnio Pessoa, frequentemente mulher bissexual ou pan, cobiçada por casais compostos de homem heterossexual, mulher bissexual ou bicuriosa.
— Quadrisal Relação entre quatro pessoas, em que se desenvolvem dinâmicas entre todas as partes envolvidas, tendo cada uma relações individuais com as outras e com o quadrisal como um todo.
— Swing Prática entre casais, na qual momentaneamente se trocam parceiros com outros casais em contexto sexual.
— Parceria Termo utilizado para descrever pessoas com quem se relacionam frequentemente, mas não exclusivamente de forma afetivo-sexual.
— Casal primário Casal que pratica a hierarquia relacional e retém privilégios na sua parceria, adicionando à sua dinâmica pessoas externas que devem respeitar esses privilégios.
— Relação aberta Define a dinâmica de um casal que concorda em ter encontros sexuais sem envolvimento romântico com outras pessoas – em separado ou em conjunto.
— Don’t ask, don’t tell Acordo em que se decide não perguntar e não reportar nada sobre outros relacionamentos.
— Poliamor Capacidade de amar várias pessoas ao mesmo tempo, desenvolvendo vínculos afetivos complexos, com consentimento informado da parte de todas as pessoas envolvidas.
— Solopoli Pessoa que se tem a si própria como relação principal.
— Anarquia relacional Aplicação dos princípios anárquicos aos relacionamentos, procurando abolir opressões, poder sobre as outras pessoas e maximizar a autonomia e a liberdade, dentro do respeito da autonomia e da liberdade alheias. Neste contexto, deixa de ser preciso categorias – cada relação é única e os seus termos são ditados apenas pelas pessoas envolvidas. Não há hierarquia nas relações.
— Polifidelidade Pessoas não monogâmicas que assumem relacionamentos de exclusividade entre várias parcerias.
— Monogamia em série Estar continuamente em relacionamentos exclusivos, de curta ou mais longa duração.
— Polissaturação Sensação de assoberbamento. Não tem a ver com a quantidade de parcerias que se mantém, mas com a intensidade e a sensação de perda de controlo no que toca à disponibilidade.
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, ataca a rentrée com três medidas, anunciadas na Festa do Pontal, o evento anual do PSD que, a meados de agosto, no Calçadão de Quarteira, costuma agitar a agenda política do verão. Os trabalhos de Montenegro, que aí vêm, são exigentes, mas, das três iniciativas anunciadas, há uma, o suplemento a pagar aos pensionistas, que visa “entalar” o PS, “proibindo” os socialistas de discordar de um “bodo” tão inesperado quanto extemporâneo (este tipo de prestação social, por ser extraordinária, costumava fazer-se em tempos extraordinários, como os da pandemia ou do surto inflacionista). Na verdade, as outras duas medidas, um passe único de 20 euros para andar de comboio e a abertura de novas vagas de Medicina em duas universidades que ainda não tinham o curso, destinam-se mais a embrulhar o pacote – para não parecer que tudo se resume a uma medida eleitoralista destinada aos reformados – do que a produzir verdadeiros resultados práticos. Com efeito, o passe é redundante: quem precisa de andar de comboio já dispõe de um passe e, no caso do passe único, válido para outros meios de transporte. Não vai tirar uma “segunda via”. E quem usa serviços como o Intercidades – ou, pelo menos, a maioria dos seus utilizadores – fá-lo de forma não quotidiana, e mais vale tirar bilhete. Relativamente às vagas de Medicina, é uma medida que ainda tem de passar por várias fases – António Costa, em tempos, anunciou esta mesma iniciativa… –, nomeadamente, a aprovação dos cursos: em que condições são ministrados e quem os administra? Sendo que só produziria efeitos, na oferta de clínicos, daqui a uma década. De qualquer modo, mesmo que isto não avance, ninguém vai lembrar-se da promessa. Esqueçam: não é isso que vai resolver os problemas imediatos do SNS. De forma que o suplemento extraordinário, anunciado para outubro, para as pensões mais baixas, que vai dos 100 euros, para as “mais altas das mais baixas”, até aos 200 euros, para as mesmo baixas, é uma medida imediata e visível, que pretende produzir resultados a curto prazo. Não é um aumento de pensões, mas uma prestação “one shot”, única, tirada da folga que o Governo de Montenegro dizia que Medina não tinha deixado (custa 400 milhões)… Já tínhamos percebido, na campanha eleitoral, que estava aberta “a caça ao pensionista” (uma numerosa faixa da população que tende a votar e não a abster-se), numa luta desesperada entre o PS, que julga ter ali uma coutada eleitoral exclusiva, e o PSD, que pretende recuperar a mesma coutada que, antes dos cortes de Passos Coelho, já tinha sido sua. Assim, a jogada de Montenegro procura atingir dois objetivos: primeiro, demonstrar aos pensionistas que as “declarações de amor” em campanha têm sequência, mesmo quando já se obteve o prémio (o Governo). Segundo, precaver o futuro próximo, não vá o Orçamento ser chumbado e o País ser precipitado em novas eleições.
O argumentário posterior ao anúncio da medida, nomeadamente a troca de (demagógicas) acusações entre o primeiro-ministro em exercício (Paulo Rangel substitui Montenegro nas férias) e Pedro Nuno Santos, comprova toda esta novela de faca e alguidar: Pedro Nuno acusa o Governo de enganar os pensionistas – queria ver-se era um aumento sustentado das pensões! – e Rangel fica “chocado” por o PS “discordar” [sic] desta medida de carácter social. No final, o que interessa é que quem tem pensões baixas terá um pequeno alívio – o resto são jogos florais.