Bar, laboratório de experimentação musical, gastronómica e artística, palco de concertos intimistas, ponto nevrálgico da noite lisboeta. Há quatro anos que o Vago tem vindo a somar atributos, conquistando um lugar especial na vida do habitantes da capital.

Do número 11 da Rua das Gaivotas espera-se já inovação, a qual, desta vez, chega sob a forma de uma colaboração pop up com Matheus Zanchini. Até 28 de setembro, o chefe brasileiro atrás da cozinha do Borgo Mooca, em São Paulo, restaurante italiano distinguido pelo Guia Michelin, e do Pope, no Rio de Janeiro, tomará os comandos da cozinha do Vago, normalmente liderada pela chefe Leonor Godinho.

O “menu de pequenas porções, criado para picar e partilhar”, é composto por pratos que aplicam a técnica francesa, obtida durante os dois anos que Zanchini trabalhou entre Paris e a zona da Provença, a pratos clássicos da cozinha italiana, herança da avó calabresa, cozinhados com sabores tipicamente portugueses, como as ostras, as azeitonas, os coentros e o bacalhau.

De forma surpreendente e inusitada, o chefe senta à mesa Portugal, Itália e França, numa viagem gastronómica entre a montanha e o mar. Sobre as ostras fumadas, por exemplo, encontramos filet mignon e uma cremosa bagna cauda com cogumelos, típica da região italiana do Piemonte, enquanto que o bacalhau é batido com natas, num creme leve e fresco, e apresentado sobre biscoitos de azeitona e pistácio.

Já o lagostim cru é servido com tomate assado e queijo azul sobre massa de pizza frita, o arancino de risotto de cogumelos, com maionese de amendoim e grelos, esconde um ovo quente no seu interior e a sobremesa chega sob a forma de uma queijada de coco acompanhada de um creme de queijo parmesão.

Sentado a uma das mesas do Vago, Matheus Zanchini conversou com a VISÃO sobre o seu percurso, o amor pela cozinha e os ingredientes que dão alma e calor às suas criações.

Ao longo dos seus 22 anos de carreira, passou por França, regressou ao Brasil, mas, uma vez aí, decidiu cozinhar pratos italianos. De onde surge esta decisão?

Apesar de a minha formação ser em cozinha francesa, a ideia do Borgo foi a de regressar às origens. A minha avó era italiana e o bairro onde abri o restaurante, inicialmente, em São Paulo, tem uma forte imigração italiana. No fundo, é uma cozinha de base francesa com o perfume italiano, que leva Itália de um modo muito “brincalhão”.

Foi o que tentou fazer no menu que apresenta no Vago?

Já cheguei a Lisboa com uma ideia concebida, mas respeitei sempre muito a chefe Leonor Godinho, que percebe muito de cozinha típica portuguesa.

Respeitar os sabores locais é uma prioridade?

O método francês, no qual sou formado, leva muito a sério a questão da origem dos produtos. Ou seja, onde você está pisando é onde você tem de comer. E aqui come-se muito bem. O cardápio foi totalmente devotado à região, à terra. No menu, coloquei muito Portugal, muitos coentros e bacalhau.

E também ostras e carne bovina no mesmo prato. É uma combinação pouco comum.

As ostras foram um prato que nasceram no Borgo, da vontade que, um dia, eu tive de comer uma ostra Rockfeller do bar de ostras da estação central de Nova Iorque. Sabendo que poderia fazer uma dessas ostras, apesar de não ser a mesma coisa, fiz aquilo que um cozinheiro faz, que é construir, de forma respeitosa, em cima de uma receita já existente. A primeira proposta, na realidade, foi a de colocar atum cru sobre a ostra e só depois é que surgiu a versão servida no Vago, com carne de boi.

Qual o ingrediente que mais gosta de usar?

O que tem mais força na minha cozinha é a manteiga. Em França, aprendi a comer basmati com manteiga, pão com manteiga e rabanete. É uma delícia isso. Eu faço da manteiga o conforto da minha cozinha

Em Portugal também usamos muita manteiga.

Sim! Ontem eu fui no Ramiro e o que tem de melhor lá é aquele pão torrado com manteiga que você pega logo à chegada.

E da cozinha italiana tem algum predileto?

O azeite. No pescado, na pizza, no bacalhau, na mousse de chocolate. Azeite à “beça” [em grande quantidade]. Já do Brasil, o meu preferido é o pão. Não pode faltar. Com o pão podemos fazer tudo, até sorvete. Eu amo pão, é algo maravilhoso, não vivo sem pão. O vosso pão também é muito bom.

Após 28 de setembro, poderemos voltar a provar a sua cozinha em Lisboa?

Este menu é uma demonstração, um teste, para algo que poderei vir a criar, em 2025, num novo projeto, uma garrafeira, do Vago.

Vago > R. das Gaivotas 11, Lisboa > ter-sáb 19h-2h

Afinal, a escassez de água não leva as plantas a adotarem as mesmas estratégias de sobrevivência. Pelo contrário: quando sob pressão da aridez, as plantas diversificam as suas defesas. É esta a principal conclusão do estudo científico “Diversidade fenotípica imprevista de plantas num mundo seco e pastoreado”, publicado na Nature, que contou com a participação de 120 cientistas de 27 países.

“O cruzamento de um limiar de aridez de aproximadamente 0,7 (perto da transição entre zonas semiáridas e áridas) levou a um aumento inesperado de 88% na diversidade de características”, resume o estudo.

Os investigadores admitem ter ficado espantados com os resultados, que é o oposto do que esperavam encontrar. “O mais surpreendente é que, a partir de um certo nível de ariedez, notava-se um aumento de diversidade de valores destas características, uma diversidade funcional de estratégias”, explica Alice Nunes, investigadora do cE3c (Centre for Ecology, Evolution and Environmental Changes), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, uma das co-autoras do estudo (que, no caso português, contou também com a investigadora Cristina Branquinho e uma equipa de técnicos no trabalho de campo).

Isto significa, por exemplo, que, em caso de secura do seu ambiente, uma planta pode “decidir” procurar água estendendo as suas raízes em profundidade, ao passo que a planta do lado “opta” por tornar as raízes mais superficiais, em busca de água perto da superfície.

“Dá-se um boom de estratégias quando a precipitação média baixa para 400 milímetros anuais, o que acontece no Alentejo em alguns anos”, diz Alice Nunes. “É um salve-se quem puder que contraria a hipótese de que ficavam parecidas umas com as outras. Não vão todas procurar o recurso escasso da mesma maneira.”

Uma das hipóteses para a variedade de armas contra a aridez que as plantas desenvolvem é a menor contacto entre elas. “Neste limite de 0,7 [de aridez], havia um colapso, com menos 50% de solo coberto com plantas. As plantas ficam mais isoladas umas das outras, pelo que há menor competição entre elas e menos interações positivas. Há uma grande heterogeneidade na distribuição dos recursos, no espaço e no tempo, muita sazonalidade e maior imprevisibilidade, o que pode ser uma das explicações da variabilidade de estratégias.”

No papel, esta descoberta pode ser uma boa notícia para a adaptação às alterações climáticas (que, para grande parte de Portugal, deverão fazer aumentar a desertificação) – se soubermos aproveitá-la, avisa Alice Nunes. “Tudo depende do que fizermos com esta informação. As zonas áridas são um reduto de diversidade, o que nos dá um elenco de possibilidades para quando pensamos em estratégias para lidar com a desertificação, em ferramentas para recuperar os ecossistemas. Mostra-nos que não devemos pôr os ovos todos no mesmo cesto. É uma lição que a natureza nos ensina, a prova de que a diversidade é importante para a resiliência a médio e longo prazo.”

O estudo foi realizado ao longo de oito anos e passou pela análise de mais de 1300 conjuntos de observações de 300 espécies, em todos os continentes exceto a Antártida. Em Portugal, as amostras de plantas foram recolhidas nas regiões de Castro Verde e Grândola (Alentejo) e na Companhia das Lezírias (Ribatejo).

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A sua nomeação como ministro da Defesa foi uma forma de cumprir o legado do CDS nesta nova Aliança Democrática (AD) ou tinha, de facto, um interesse particular nesta pasta?
O legado responsabiliza, naturalmente. O CDS teve vários ministros da Defesa que deixaram uma marca muito forte na tutela. Mas, neste caso, não se trata de tradição. A pasta da Defesa era, para mim, uma primeira escolha e, felizmente, recebi o convite do primeiro-ministro para a assumir.

Foi algo que o líder do CDS exigiu ao parceiro de coligação?
Não, houve apenas um feliz encontro de vontades.

Sente que já conquistou os militares nestes primeiros cinco meses de mandato?
Não tenho dúvidas de que, neste período, fizemos o que não tinha sido feito durante muitos anos. E tenho recebido sinais desse reconhecimento por parte dos militares. Mas estes são apenas os primeiros passos para dignificar a carreira militar. Os jovens portugueses têm de ver nas Forças Armadas uma opção de carreira, e quem escolhe este caminho tem de sentir que o Estado lhe dá o retorno.

O que já foi feito neste período?
Muitas coisas. Começámos pela equiparação dos salários com os das forças de segurança, o que beneficiou, principalmente, praças e sargentos, o que significa que começámos da base para o topo. Depois, tivemos o aumento do suplemento da condição militar dos 100 para os 400 euros, 300 já em 2024 e mais 50 euros em 2025 e 2026. Agora, estamos a tentar responder a outros problemas que, ao longo dos anos, foram criando desalento entre os militares.

E que problemas são esses?
Há vários, alguns até já começámos a resolver. Por exemplo, também alterámos o suplemento de residência, que vai ser atribuído a todos os militares colocados a partir de 50 quilómetros da sua residência de origem, quando, antes, só era abrangido quem vivia a, pelo menos, 100 quilómetros de distância. Aumentámos o suplemento de serviço aéreo, não apenas para os pilotos, mas para todos os que participam em voos, aumentámos o suplemento de embarque para os marinheiros… Como temos a preocupação em relação a atividades particularmente perigosas, aumentámos o suplemento de deteção e inativação de explosivos. E também atuámos noutras áreas especializadas, aumentando o suplemento dos operadores de câmaras hiperbáricas. Gostava ainda de destacar que, até aqui, o Estado não apoiava os militares em caso de morte ou de incapacidade em serviço, e nós criámos esse apoio. Por fim, temos apoiado os antigos combatentes: os medicamentos são uma componente de despesa relevante para estas pessoas e achámos que comparticipar os medicamentos a 100% era uma forma decisiva de as ajudar. Há muitos antigos combatentes que tinham de optar entre comer e comprar medicamentos, mas vão passar a ter 50% desse apoio a partir de 1 de janeiro de 2025 e 100% a partir de 2026.

É uma lista longa, mas continua a dizer que “ainda há muito mais para fazer”. O que está, para já, em cima da mesa?
Há muito mais. Em cima da mesa está o projeto para reabilitar os edifícios das Forças Armadas que não estão a ser utilizados. O objetivo passa por utilizar estes locais para habitação de militares deslocados e, depois, introduzir os excedentários no mercado geral de arrendamento. Isto tem várias vantagens: cria uma fonte de receitas para as Forças Armadas, recupera património, devolve às cidades espaços, hoje desocupados, e, é claro, cria habitação para militares e civis.

A habitação para civis terá um carácter social ou vai entrar no mercado geral de arrendamento?
A prioridade do projeto é criar arrendamento a baixo custo para os militares, tornando a carreira mais atrativa e digna. Em relação aos civis, o modelo ainda não está definido, mas, para mim, faz sentido que o mercado geral possa reproduzir a mesma tipologia.

Vai contar com parceiros privados neste projeto?
Sobre isso não quero adiantar muito mais. Em breve, estarei em condições de dar novidades.

Quer chegar aos 32 mil efetivos nas Forças Armadas até ao final desta legislatura, em 2028. O número ronda, atualmente, os 23 mil. Quanto é que este investimento vai custar aos cofres do Estado?
A pergunta não deve ser quanto é que isso vai custar, mas, sim, quanto é que o País vai ganhar com isso. As Forças Armadas preparam-se para a guerra, mas, em paz, estão ao serviço dos portugueses, em ações de busca e salvamento, de prevenção e combate a incêndios, transporte de órgãos que salvam vidas, no combate ao tráfico de droga e de pessoas, e presentes em missões espalhadas pelos quatro continentes, ao serviço das Nações Unidas, da NATO, da Frontex [Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira] e de várias coligações. O que está em causa é garantir que as Forças Armadas têm um número de efetivos suficiente para cumprirem estas tarefas. O número que o poder político definiu é de 32 mil militares.

Mas não respondeu à pergunta sobre o valor do investimento…
O investimento vai rondar os 120 milhões de euros até 2026, o que não é nada, tendo em conta o retorno. As Forças Armadas não são um capricho. Quando os socialistas chegaram ao poder, em 2015, as fileiras tinham pouco mais de 29 mil militares. Quando tomei posse, em abril, havia 23 mil. A minha missão é garantir que as Forças Armadas têm número suficiente para cumprir missões que nada nem ninguém pode substituir.

Os anteriores governos PS cuidaram mal dos militares?
Quando chegámos ao Governo, encontrámos as Forças Armadas num impressionante estado de abandono político. Mexemos no que não se mexia há muitos anos. Em oito anos, o PS apenas aumentou um bocadinho o suplemento da condição militar, esquecendo-se, porém, de colocar o dinheiro no Orçamento Geral do Estado. As Forças Armadas eram o reflexo de não terem sido uma prioridade da ação governativa e política. Connosco, realmente, as Forças Armadas estão na primeira linha das prioridades, o que faz todo o sentido, nem que seja pelas alterações que ocorreram no mundo, que hoje está mais perigoso e imprevisível.

E já sente os efeitos práticos desta mudança?
As nossas reformas têm muito pouco tempo, mas temos informações de que, até ao mês de agosto, já se registaram mais 300 candidaturas para o Exército do que em igual período do ano passado. E a Força Aérea está convicta de que, em 2024, pode ter mais candidatos do que nos últimos dois anos. Há, sem dúvida, uma nova tendência de subida de candidatos às Forças Armadas.

O compromisso de Portugal, no âmbito da NATO, é o de investir até 2% do PIB na Defesa até 2029. O País vai acompanhar, desde já, a tendência que se verifica em alguns países da União Europeia, aumentando o investimento neste setor?
Em 2016, o investimento na Defesa foi de 1,27% do PIB e, em 2023, duvido que ultrapasse 1,4%…

Uma diferença de 0,6% para os 2% do Produto Interno Bruto [PIB]…
Espero bem que sejam mesmo apenas 0,6%…

Tem dúvidas em relação às contas do governo anterior?
As contas do último governo têm saído ao lado muitas vezes, espero, sinceramente, que não tenhamos nenhuma surpresa em relação ao investimento na Defesa, mas logo se verá…

De onde surgiu essa dúvida?
Surgiu do somatório que está a ser feito. Quero ter certezas e espero que não se chegue à mesma conclusão a que já se chegou noutras áreas.

Acha que os portugueses, de forma geral, compreendem e concordam com o aumento do investimento na Defesa?
Se os portugueses não querem ter ações de busca e salvamento, prevenção e combate a incêndios, emergência médica nos Açores e na Madeira, etc… Não se trata de especular, mas de decidir se Portugal quer ou não estar na NATO, que tem garantido a paz desde os finais da II Guerra Mundial. E pertencer à NATO implica compromissos.

Qual é a sua posição sobre o serviço militar obrigatório?
Cumpri o serviço militar obrigatório, e devo muito às Forças Armadas pela minha formação como homem e cidadão, mas as circunstâncias que existiam, na época, não são replicáveis. A questão não se põe neste momento, e espero que o mundo em mudança não obrigue a tanto.

Se houver uma guerra alargada na Europa, que papel terá Portugal?
Portugal já está presente em inúmeras missões internacionais, mas há outras áreas para as quais temos de avançar, investindo numa perspetiva de criação de riqueza. Hoje, a indústria da Defesa portuguesa representa 300 empresas, 30 mil pessoas, 2,5% das exportações, mas pode ser muito mais. A intenção do Governo é a de investir neste setor, para tempos de guerra e para tempos de paz. Produção de munições, drones, indústria aeronáutica… Portugal pode ser muito mais relevante. 

Luís Montenegro “ofereceu” 126 milhões de euros em apoio militar à Ucrânia, mas 100 milhões já tinham sido prometidos pelo governo de António Costa. Não acha um apoio curto?
Na verdade, o compromisso para 2024 é de 221,5 milhões de euros, tendo sido já entregues à Ucrânia 135 milhões de euros, repartidos em bens e equipamentos, treino militar, compra de munições, ações de reconstrução na Ucrânia… A minha intenção é a de que parte desse esforço possa ser garantida através da capacidade de produção da indústria portuguesa. Acredito que isso é mais importante do que ajudar, simplesmente, com a entrega de numerário.

A resposta militar da Ucrânia em território russo tem tido o “aval generalizado” da UE. Qual é a sua posição?
A posição de Portugal em relação à guerra na Ucrânia está alinhada com a doutrina da NATO. Referi, há pouco tempo, que o armamento cedido a Kiev pelo Ocidente deveria poder ser utilizado em solo russo para ações defensivas, incluindo a eliminação de peças de artilharia prontas a disparar contra o território ucraniano. As declarações causaram polémica, mas vão ao encontro da posição da NATO, não se trata, apenas, da opinião de um ministro.

Recentemente, o Bloco de Esquerda entregou uma queixa na Procuradoria-Geral da República por, alegadamente, um navio com bandeira portuguesa estar a transportar explosivos para Israel, pondo em causa a lei internacional. Portugal está a incumprir a lei neste caso?
Como ministro da Defesa, tenho a exata noção de que tudo aquilo que digo representa o Governo, e este tema tem uma componente de política externa relevante. Não conheço suficientemente bem os factos para poder dar uma opinião. Mas a situação deve, naturalmente, ser esclarecida.

Tem defendido a participação de ex-militares na vida pública e política…
Os militares são, normalmente, pessoas muito qualificadas, mas estão obrigados a respeitar certas restrições. Os ex-militares, por outro lado, são cidadãos como os outros e, por isso, têm os mesmos direitos constitucionais de participar na vida política ativa do País.

Fala-se muito de uma possível candidatura do almirante Gouveia e Melo à Presidência da República. Seria um bom candidato?
O almirante Gouveia e Melo é um militar muito competente e qualificado, com quem tenho, aliás, um relacionamento muito bom. Para já, é o que tenho a dizer sobre o assunto.

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O ministro da Defesa dispensa que lhe mostrem os cantos à casa. Passaram-se 32 anos, mas a memória de Nuno Melo reconhece cada pedra de que é feito o quartel do Regimento de Cavalaria nº 3, em Estremoz (Évora). Ao cruzar os portões da morada dos seculares “Dragões de Olivença” – cidade “disputada”, onde, a 15 de setembro de 1707, foi criada esta unidade do Exército português –, o presidente do CDS-PP regressa a “casa”, recebido pelos militares como “um dos seus”, braços abertos, numa viagem ao passado que a VISÃO pôde testemunhar, e em que se brindou às memórias da juventude, aos exemplos de camaradagem e às trocas de afetos que não esmoreceram com o passar dos anos.

O camuflado há muito que foi trocado pelo fato e gravata, mas Nuno Melo garante, a todos com quem fala, que “não esquece” o passado, e que, também por isso, “continua em missão”. O titular da pasta da Defesa promete “tudo fazer” para corrigir o que diz ser “o estado de abandono” em que encontrou as Forças Armadas, quando chegou ao Governo. O objetivo está traçado: “Dignificar” a carreira dos militares nacionais. “Os jovens portugueses têm de olhar para as Forças Armadas como uma oportunidade, algo que é atrativo”, sublinha.

Depois das cerimónias protocolares, Nuno Melo cumprimentou o busto de Mouzinho de Albuquerque, herói do chaimite e patrono da Cavalaria, que dá as boas-vindas a quem chega ao quartel de Estremoz. Mas só quando os portões voltaram a fechar-se é que o corpo do governante abandonou a pose formal. “Olha quem é ele!”, repetiu-se, vezes sem conta. Era como se tivesse outra vez 26 anos.

O ministro que “é muito diferente dos antecessores”

Em 1992, Nuno Melo era um jovem recém-licenciado em Direito, nascido e criado no Porto. À VISÃO, confidencia que “achava que sabia tudo, que conhecia o mundo”, mas, também admite, essa perceção seria rapidamente trocada pela experiência que o aguardava nos meses seguintes. De farda vestida, pôde conhecer o significado de “valores”, e aprender “lições” que, ainda hoje, considera “valiosíssimas”, e que confessa ter sempre procurado aplicar “ao longo da vida”, tanto no campo pessoal como no profissional, e “particularmente na política”.

“Desconhecia, na altura, o que esperar do serviço militar obrigatório”, reconhece, muito menos que, tantos anos depois, o sangue lhe continuasse a “ferver” perante paradas, o ribombar que acompanha a marcha, ou até mesmo quando salta para dentro de carros de combate, que sabe e gosta de tripular. “Sabe que, recentemente, tripulei um Leopard 2A6?” [aquando do exercício militar Orion24, que decorreu, em maio passado, no campo militar de Santa Margarida, no município de Constância, Santarém], questiona Nuno Melo. Cinco destes veículos estão, até ao início do próximo ano, a participar numa missão na Eslováquia, integrando uma unidade espanhola, no âmbito das medidas definidas pela NATO para reforço da fronteira leste da União Europeia.

1 Líder Nuno Melo (em primeiro plano) liderou a instrução, durante nove meses, no Regimento de Cavalaria n.º 3, em Estremoz

2 Pontaria O ministro da Defesa destacava-se na carreira de tiro.A experiência como caçador ter-lhe-á dado jeito no serviço militar

3 Duro Na recruta, as marchas corridas podiam ter mais de 30 quilómetros, começar de madrugada ou decorrer sob o sol ardente do verão de Santarém

A postura “impressiona” os militares e “agrada”, revela fonte do Exército. “Sentimos que é um dos nossos, que fala a nossa língua, que percebe o que é ser militar. De facto, é muito diferente, em comparação com os seus antecessores”, refere, à VISÃO, a mesma fonte.

Quando entrou na caserna pela primeira vez, Nuno Melo tinha 26 anos. Cumpriu três meses de recruta na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém e, depois, foi colocado em Estremoz, enquanto jovem oficial, para dar instrução à Polícia do Exército, durante mais nove meses.

“Foi um período feliz da minha vida. Gostei, realmente, muito do meu percurso militar. A recruta [em Santarém] que tive foi muito exigente, muito intensa, muito dura, mas isso permitiu que, depois, também transmitisse o mesmo grau de exigência quando estava a dar instrução [em Estremoz]. Foi difícil, naturalmente. Mas talvez seja precisamente por isso que, hoje, mantenha um grande sentimento de pertença a esta instituição e a esta casa. Habituei-me a sentir orgulho e privilégio por pertencer à arma de Cavalaria do Exército português. É, para mim, uma enorme honra. E, regressar aqui, recordar tudo… Vêm-me à cabeça as memórias, as pessoas, os afetos”, enumera, visivelmente emocionado.

À época, o ministro da Defesa era um dos 13 aspirantes que vieram dar instrução no Regimento de Cavalaria nº 3. Alguns aguardavam-no no regresso a “casa”.

Os fins de semana na Sevilha da Expo’92

“Olha quem é ele!” Nuno Melo não precisou de puxar pela memória para recordar os rostos que o aguardavam, de braços abertos, no interior do quartel de Estremoz. Antigos oficiais, camaradas de armas. Até o então “temido” alferes José Santos Torcato, que (com o sargento Rui Lopes) conduziu a recruta do ministro da Defesa, ensinando ao instruendo Melo o que era “superar os limites” físicos e psicológicos do corpo. Ao vê-lo, o governante deu um passo atrás, talvez instintivo, recuando às recordações do “marcor”, marchas corridas, quilómetros percorridos de arma e mochila pesada às costas, durante as madrugadas ou os dias de sol ardente de Santarém. As memórias seriam seladas com trocas de abraços. “O então alferes [José Santos] Torcato, acabado de sair da Academia Militar, era um militar muito completo, com grande capacidade atlética, grande preparação física, grande sentido de disciplina, mas também com uma grande dimensão humana”, recorda.

Reencontro Nuno Melo regressou a “casa” 32 anos depois, acompanhado pelo chefe do Estado-Maior do Exército, general Eduardo Mendes Ferrão (à direita). No aniversário do regimento fundado em Olivença, em 1707, o ministro da Defesa não esconde o “orgulho” pelo passado militar: “Sou um ‘Dragão de Olivença’”

A visita guiada incluiu o regresso à sala de bilhar, mantida quase inalterada, onde os jovens militares passavam (e ainda passam) as horas livres, de descontração. No tempo de Nuno Melo, porém, os fins de semana tinham rota traçada. Com estradas piores, o Porto natal ficava “a quatro, cinco horas”, então o melhor era mesmo aproveitar o evento do momento: a Exposição Universal que se realizava em Sevilha, na vizinha Espanha.

“Éramos todos jovens oficiais, que, naturalmente, também gostavam de se divertir, de desfrutar da vida. Claro, tínhamos momentos de lazer no quartel, mas também fora dele”, conta Nuno Melo. O ministro da Defesa lembra como, a cada final de semana, arrancava, em carros partilhados com amigos, em direção à capital da Andaluzia, ao encontro da animação que marcava a cidade e a região naquele verão de 1992. “Foram muitos fins de semana. Partíamos na sexta-feira à noite e só voltávamos no domingo, por vezes de madrugada. Eram umas quatro horas de viagem, mas não custava nada [Risos]. E, depois, tínhamos de regressar com a mesma energia, sermos capazes de cumprir à risca a nossa missão militar. Bem, éramos jovens…”, realça.

1 Recruta Nuno Melo fez a recruta na Escola Prática de Cavalaria de Santarém. Durante três meses,o ministro recorda ter “superado limites” físicose psicológicos

2 A vala O instrutor Nuno Melo é recordado como alguém “capaz de assegurar” que todos davam o seu melhor. A vala era um dos exigentes exercícios (e assim continua)

O coronel Paulo Zagalo (na altura, tenente de esquadrão) destaca-se na multidão, longos bigodes brancos, olhar afiado e penetrante. Recuando 32 anos, a memória recorda-lhe um jovem Nuno Melo “imbuído de um espírito de missão”, com “qualidades extraordinárias” no tiro e na topografia, instrutor capaz “de definir tarefas, passos a dar, e de acompanhar e monitorizar o trabalho dos militares, assegurando que estes davam o que de melhor tinham pelo País”. “Ainda hoje, estas qualidades caracterizam-no”, destaca o superior hierárquico, de quem Nuno Melo se tornaria amigo. “As relações intensas que se estabelecem na vida militar, servindo Portugal, mantêm-se para a vida. Mantenho uma relação própria com muitos militares com quem me cruzei ao longo da carreira, e Nuno Melo não é exceção”, diz o coronel Paulo Zagalo.

No final da visita, a expressão do ministro da Defesa denunciava satisfação. “Esta visita não é só dever, mas também é memória e pertença. Parte de mim foi criada aqui, dentro destas portas, nos valores do Exército e da Cavalaria. Hoje, posso afirmar que sou um ‘Dragão de Olivença’. E isso enche-me de orgulho e privilégio”, resumiu, à VISÃO, Nuno Melo.

Olivença, “mi gran amor”

Na visita a Estremoz, Nuno Melo seguiu tradição do CDS e voltou a reclamar o território que Espanha se “esqueceu” de devolver a Portugal. “Olivença é portuguesa”, afirmou

Logo que chegou ao átrio da casa dos “Dragões de Olivença” – alcunha que se colou, há três séculos, ao Regimento de Cavalaria n.º 3, hoje aquartelado em Estremoz –, Nuno Melo vestiu a farda patriótica. Em resposta, aos microfones, faria a declaração que, nas horas seguintes, ocupou o debate político nacional: “Olivença é portuguesa [e] (…) por tratado deverá ser entregue ao Estado português.” As críticas da oposição multiplicaram-se. E apesar de rejeitar crises diplomáticas, o alcaide de Olivença, Manuel Andrade, lamentou discursos que, diz, “pertencem a séculos passados”. Nuno Melo explicou-se na rede social X, recordando a “posição de princípio” sobre o tema, que tem sido acompanhada por anteriores presidentes do CDS (José Ribeiro e Castro é um dos mais entusiastas da causa). A opinião, defendeu Melo, “não vincula o Governo”, tentando poupar embaraços a Luís Montenegro e Paulo Rangel. Enquanto se trocam argumentos, os tratados poeirentos continuam guardados nos arquivos, vigiados pela real politik. De memória, resistem os factos: Olivença foi anexada por Espanha, no âmbito do Tratado de Badajoz (1801), que pôs fim à Guerra das Laranjas. A primeira invasão napoleónica (1807), tornava-o nulo à luz da lei internacional, o que seria reconhecido pela própria Espanha, quando subscreveu o Congresso de Viena, em 1817, no rescaldo da Guerra Peninsular (1807-1814). Nessa ocasião, Espanha comprometeu-se a devolver Olivença a Portugal “o mais prontamente possível”. Até hoje.

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O que o fez querer trabalhar em Portugal? Os conceituados arquitetos portugueses tiveram alguma influência na aceitação dos projetos?

Sempre encontrei semelhanças entre Portugal e o Japão, nomeadamente nas suas relações com o mar. Fazer projetos em Portugal era um dos meus sonhos. Quanto à arquitetura portuguesa, Álvaro Siza tem desempenhado um papel vital após o movimento modernista. Já visitei muitas das suas obras e aprendo muito [em maio, foi organizado um encontro entre ambos os arquitetos, no Porto].

Tem projetos nas duas principais cidades de Portugal, Lisboa e Porto, e também no interior. Ficou surpreendido com as diferenças existentes em um país tão pequeno?

Tal como o Japão, Portugal estende-se de norte a sul com uma topografia íngreme e montanhosa. O país é abençoado com uma variedade de climas e culturas e inspiro-me nesta natureza diversa.

O engawa do renovado Centro de Arte Moderna, um conceito japonês, que significa um lugar de passagem entre o edifício e o jardim. Foto: Fernando Guerra

Utiliza dois conceitos japoneses nestes projetos: Komorebi, no antigo matadouro do Porto; e Engawa, no CAM, em Lisboa. O resto do mundo pode aprender com a cultura japonesa?

A arquitetura precisa de acomodar a natureza em rápida mudança em que vivemos atualmente. Komorebi, por exemplo, é uma expressão que se refere ao aproveitamento da luz solar filtrada pelas folhas das árvores. Engawa na Gulbenkian liga a natureza (o jardim) e o edifício, e vai mostrar um novo modelo de arquitetura para o museu do século XXI, que desempenhará o papel não só de um local para mostrar obras de arte, mas também para oferecer uma experiência especial aos visitantes.

E com o projeto para o Matadouro, no Porto, que cidade pretende moldar?
O nosso plano é preservar e proteger a estrutura antiga e adicionar um grande telhado no topo, e espero que a combinação seja como tocar um concerto musical perfeito. Acredito que o projeto pode propor uma nova abordagem para preservar e renovar os edifícios neste século.

O antigo Matadouro – agora M-ODU – irá juntar cultura, serviços, escritórios e restaurantes, preservando parte da arquitetura original. Só deverá abrir ao público no início de 2026. Foto: Lucília Monteiro

Foi o escolhido para projetar o Pavilhão de Portugal na Expo25 Osaka, uma decisão criticada por alguns arquitetos portugueses, porque pela primeira vez coube a um estrangeiro essa missão. Como responde aos críticos?

Não vemos a nossa prática limitada a um espaço físico, mas trabalhamos em todo o mundo e construímos ambientes na esperança de inspirar as pessoas. Atravessar fronteiras, trocar ideias e construir pontes culturais é uma grande parte da prática arquitetónica atual e do nosso ADN. Temos um grande respeito pelos arquitetos portugueses e somos continuamente inspirados pela qualidade do seu trabalho e design. Japão e Portugal partilham uma rica história de intercâmbio cultural. Nos últimos anos, tive o privilégio de trabalhar em estreita colaboração com artesãos e designers portugueses, aprendendo com eles. Em troca, trazer parte desse conhecimento de volta para o Japão é uma oportunidade maravilhosa.

Um elemento-chave é a corda que utilizamos no pavilhão. Simboliza a ligação entre o humano e o mar e uma ferramenta essencial para trabalhar no mar. As cordas aqui também podem suavizar a imagem da estrutura que tende a acabar como uma massa de betão duro e pesado.

Afirmou que a Covid-19 foi um ponto de viragem. As pessoas perceberam realmente a importância de estarem conectadas com a natureza?

Eu próprio fugi da congestionada Tóquio durante a pandemia e criei um novo escritório em Hokkaido, no extremo norte, e em Okinawa, no extremo sul, mas muitas pessoas no mundo agiram da mesma forma – regressaram a um ambiente menos agitado, com natureza abundante ou ficaram em teletrabalho. Penso que não voltamos ao modo de vida pré-pandémico. Já estamos a criar um novo estilo de vida.