JAPÃO
A harmonia que enche a alma
Embora esteja a bater recordes de visitantes, o Japão mantém a sua beleza intocada
— por Rui Tavares Guedes
O Instagram está, este ano, repleto de imagens do Japão, seja por causa da Exposição Mundial em Osaka, pelos templos sempre fascinantes de Kyoto, o colorido de Tóquio, a pontualidade dos comboios-bala ou a profusão de pratos deliciosos que compõem uma das ofertas gastronómicas mais vibrantes e variadas do globo.
Este aparentemente súbito interesse pelo Japão não surge por acaso: o país que durante muito tempo foi visto como uma espécie de sonho exótico e alcançável apenas para os mais abastados tornou-se, desde a pandemia, muito mais próximo e acessível, devido ao incremento das ligações aéreas, que permitem viagens com menos escalas, e à baixa do iene face à moeda europeia. Ao mesmo tempo, a sua cultura universalizou-se e o seu ritmo de vida, lento e suave, passou a ser motivo de admiração, e até de alguma inveja, no Ocidente.
Não admira, por isso, que o Japão esteja a bater recordes sucessivos de visitantes internacionais, obrigando as autoridades a prepararem medidas para evitar os efeitos nefastos do crescimento exagerado do turismo de massas. Ou seja, é de aproveitar agora enquanto os preços não começam a subir, outra vez.
Uma viagem ao Japão tem sempre um efeito transformador. Para já, porque, quando lá chegados, começamos de imediato a derrubar, um após outro, todos os estereótipos que fomos acumulando ao longo de anos acerca do país e da sua gente. E, depois, aos poucos, começamos a admirar a beleza do silêncio, a harmonia dos espaços verdes, a delicadeza quase congénita do povo, a forma ordeira como milhões de pessoas se deslocam, sem atropelos nem empurrões.
Sem dificuldade, passamos a apreciar a “ordem” de nos descalçarmos antes de nos sentarmos à mesa. E, de forma quase instintiva, passamos a achar natural brindarmos uma refeição com saké e, em sinal de respeito, retribuir o curvar da cabeça com os nossos interlucotores.
Se procurarmos respeitar as regras locais e soubermos retribuir o respeito e a gentileza com que somos recebidos, o Japão é também um destino que nos impele a sermos melhores viajantes. Rapidamente, aprendemos a manter o silêncio nos transportes públicos, percebendo que não é “civilizado” começar a falar alto ao telemóvel numa viagem de comboio. Seguindo os locais, também evitamos comer enquanto caminhamos e, nas estações de metro, respeitamos ordeiramente as linhas traçadas no chão – com cores diferentes para cada destino, sabendo que a carruagem vai chegar à hora exata e parar no local assinalado, sem se desviar um centímetro.
Por tudo isto, é uma viagem em que, invariavelmente, regressamos a casa de cabeça limpa e com a alma cheia. E repletos de recordações: seja da vibração noturna dos muitos bares e restaurantes de Osaka, seja da descoberta quase caleidoscópica da imensa metrópole de Tóquio. Na memória ficam também as muitas horas a percorrer os templos harmoniosos de Kyoto, bem como a beleza imponente dos palácios de Nara, onde os visitantes partilham o espaço com centenas de veados. Inesquecível é sempre a experiência de um banho quente num osen, especialmente, quando pode ser feito com vista para o monte Fuji. No muito que há para descobrir e viver, numa viagem apenas na ilha central e maior do país, fica sempre guardada a impressão deixada pelas caminhadas nos trilhos místicos de Kumano Kodo e pela beleza quase irreal das casas de madeira de Shirakawa-go. E, claro, o silêncio esmagador que nos absorve em Hiroshima – que não pode ser esquecido.

UZBEQUISTÃO
Samarcanda, Bukhara e Khiva, o coração da Ásia Central
O imaginário exótico da Rota da Seda permanece bem vivo através de três cidades históricas que, nos últimos anos, têm atraído cada vez mais viajantes ao Uzbequistão. Classificadas como Património Mundial pela UNESCO, Samarcanda, Bukhara e Khiva são verdadeiros museus a céu aberto. A mais conhecida será porventura Samarcanda, que dá nome a uma das aventuras de Corto Maltese. Habitada desde o século VIII a.C., é a cidade mais antiga da Ásia Central e, ao longo da História, por aqui se cruzaram culturas, povos e impérios (dos persas a Alexandre, o Grande, de Genghis Khan à União Soviética), deixando a sua marca. Foi o ponto mais central da Rota da Seda e através dela prosperou, até se tornar uma das mais importantes urbes do mundo. No século XIV, foi a capital do império Timúrida – sob o comando de Tamerlão, estendia-se desde a Índia à Turquia e da Rússia à Pérsia. O brilho da outra “cidade eterna”, como também é conhecida, por ser “tão antiga quanto Roma”, permanece até hoje, como se percebe ao entrar na enorme praça do Reguistão, a principal joia deste imenso tesouro que é Samarcanda. Igualmente impressionantes são Bukhara e Khiva: a primeira fica situada num oásis à porta de um imenso deserto e, devido à situação privilegiada, foi cobiçada pelos inúmeros impérios que por aqui passaram e cujas influências se mantêm até hoje, como é o caso da língua tajique, de origem persa, maioritariamente falada nestas ruas; já Khiva, reza a lenda, terá sido criada por um dos filhos de Noé, que aqui, no meio do deserto, terá cavado um poço de onde brotava uma água sempre fresca. Hoje, parece suspensa no tempo, onde a História se materializa não só em edifícios, mas também nas feições, nas vestes e nos usos e costumes da população. M.J.

MARROCOS
A pérola azul das montanhas do Rife
Foi por ali, no coração do Rife, que, há 100 anos, o futuro caudilho espanhol, Francisco Franco, se entreteve a submeter os povos marroquinos e a aquecer os motores para a guerra civil espanhola. Mas o que nos interessa é mesmo o exotismo marroquino que nos acompanha pela estrada, entre Tetuão e Chefchaouen, a histórica cidade azul, que, a todos os títulos, nos deslumbra os sentidos – apesar de bastante massacrada pelo turismo intensivo. Pode fazer-se a jornada de carro, embarcando, rumo a Tânger, a partir do porto espanhol de Algeciras, que, parecendo que não, é um dos maiores da Europa. Ou pode ir-se de autocarro, com guia e pensão completa, havendo várias agências portuguesas que oferecem o destino. A cidade que os portugueses administraram, durante 190 anos, antes de ser incluída no dote de D. Catarina de Bragança no seu casamento com o monarca inglês Carlos II, é hoje uma urbe ocidentalizada. Mas a fortaleza impressionante, que cerca a medina, não engana: os canhões são espanhóis, mas as pedras são portuguesas. Uma hora e meia por estrada leva-nos a Tetuão, cidade tipicamente marroquina. A medina local, bem mais característica do que a de Tânger, merece ser visitada longamente. Mais uma horita de carro para sul conduz-nos, então, à “pérola azul”, Chefchaouen, um labirinto encantador, digno das “maravilhas de Alice”, que permanece como um ponto azul entre montanhas. A cidade mudou várias vezes de mãos entre franceses e espanhóis, mas também foi capital marroquina da República do Rife, nos anos 20 do século passado. Sempre um ponto estratégico, Chefchaouen foi erguida, no século XV, precisamente para servir de barreira ao avanço dos portugueses. E o seu nome, que deriva do árabe e do berbere, significa “Olhar os Chifres” (em alusão aos bicos das duas montanhas que a envolvem). Cheia de água, oferece um ponto de paragem para o explorador a pé, que pode refrescar-se, junto ao rio, com um rodízio de fruta fresca lavada na corrente. F.L.

UGANDA
Beleza selvagem
Observar, de perto, os gorilas de montanha é também uma forma de contribuir para a preservação de uma espécie ameaçada
— por Rui Tavares Guedes
A Floresta Impenetrável de Bwindi, no Sul do Uganda, alberga a maior população de gorilas de montanha do mundo. Nela vivem cerca de 500 daqueles primatas e, quando nos pomos a caminho, depressa percebemos porque chamaram Impenetrável a este emaranhado de árvores e vegetação, a mais de 2000 metros de altitude. Para alcançarmos a família Mukiza, uma das mais numerosas, com 19 membros, foi preciso caminhar durante três horas, por um trilho que ia sendo aberto, à catanada, por um par de rangers, enquanto outros dois, armados com espingardas Kalashnikov, protegiam o grupo de oito visitantes. O esforço é inteiramente recompensado, durante a hora em que estamos autorizados a observar os gorilas de perto, no seu habitat e aparentemente indiferentes à nossa presença. O grande macho Mukiza que dá nome ao grupo mal se deixou ver, embora tenha feito questão de demonstrar o poder da sua força ao partir o ramo de uma árvore apenas com uma mão. Os membros mais jovens rebolavam-se continuamente por entre a vegetação, com dois deles a envolverem-se numa luta. No final, um deu uma corrida curta e, virando-se de frente para o oponente, bateu com o punho fechado no peito, a declarar-se vencedor. Na sombra de uma árvore, uma mãe gorila dava de mamar à mais recente cria do grupo. Cumprida a tarefa, aconchegou o bebé e passou vários minutos a fazer-lhe festas, como só as mães sabem fazer. Durante todo o tempo, os rangers são inexcedíveis para tentar dar confiança aos animais, fazendo sons a indicar que estão em segurança, que aqueles visitantes não são os caçadores furtivos do passado. A verdade é que os esforços para a preservação dos gorilas de montanha estão a ser bem-sucedidos. Continua a ser uma espécie em risco, mas já não está seriamente ameaçada. E o turismo gerado à volta dos gorilas tem sido fundamental, criando postos de trabalho, desenvolvendo comunidades, e originando receitas para os serviços do Parque Natural de Bwindi – o ponto alto de uma viagem ao Uganda, país conhecido como a “Pérola de África”, devido à sua impressionante diversidade natural, vida selvagem e riqueza cultural, com parques magníficos como os de Murchison Falls e Queen Elizabeth, além do impressionante lago Vitória, nascente do rio Nilo.

CABO VERDE
As melhores coisas da vida
As praias do Sal estarão sempre lá, apesar das hordas de turistas que, garantem-nos, nas últimas décadas, pós-crescimento das companhias aéreas low cost, têm enxameado a ilha. O bom é que, em Cabo Verde, há mais ilhas para descobrir, nomeadamente, Santiago – aqui, no total, são pouco mais de 50 quilómetros de uma ponta à outra da ilha. Na cidade da Praia, de manhã, visite-se o Mercado do Plateau, um festival de cores, cheiros e sabores a que é difícil resistir; à tarde, vá-se até à Cidade Velha, capital a partir de 1858 e Património Mundial da Humanidade desde 2009; à noite, o Quintal da Música, uma “instituição” da cidade e do país, tem mornas e coladeiras, grogues, polvo salteado, atum grelhado e arroz de peixe de comer e chorar por mais. Atravessando a serra da Malagueta, na outra ponta de Santiago, chegamos a Chão Bom, nome irónico para um local de muito má memória: vale a pena entrar no museu do antigo Campo de Concentração do Tarrafal, renovado por ocasião dos 50 anos do 25 de Abril. As ironias não se ficam por aqui: a melhor praia que visitámos em Santiago foi o pequeno areal do Tarrafal, uma baía de águas translúcidas, rodeada de barcos de pescadores, com restaurantes de peixe grelhado por perto. A recordar-nos – como se fosse preciso – que as melhores coisas da vida são muito simples. S.B.L.

CAMINHO DE SANTIAGO
De olhos no mar
Do Porto a Santiago de Compostela, o caminho também se faz pelo litoral
Se antes os peregrinos do Caminho Português da Costa passavam despercebidos, nos últimos anos a afluência tem aumentado significativamente. Os dados são da Oficina do Peregrino em Santiago de Compostela, que certifica os caminhantes e atribui a “compostela”: em 2024, o caminho mais percorrido foi o Francês (mais de 236 mil pessoas), mas logo a seguir estão o Caminho Português (mais de 95 mil) e a variante do Caminho Português da Costa (mais de 74 mil). Este é apenas um exemplo do interesse renovado por uma peregrinação que, na Idade Média, era quase obrigatória para todos os cristãos, mas que, hoje, não se resume a questões de fé.
Esta rota de peregrinação histórica sobe o litoral Norte entre o oceano, a serra, rios, povoações e património arquitetónico. São 149,5 km em território português, com partida no Porto (onde se separa do caminho central) e passagem por Vila do Conde, Esposende, Viana do Castelo, Caminha e Vila Nova de Cerveira até chegar a Valença. Espanha começa para lá da ponte metálica sobre o rio Minho e, a partir dali, as principais rotas peregrinas portuguesas convergem num único trajeto assinalado em direção a Santiago de Compostela (distância total 258 km).
Diz-se que todo o caminho escolhido por um peregrino, desde o seu local de origem até ao túmulo do Apóstolo, é um caminho de Santiago. Desde que, em 2017, dez municípios do Norte Litoral, do Porto a Valença, se juntaram para valorizar o percurso e uniformizar a sinalização, o Caminho Português da Costa é não só uma rota de peregrinação até Compostela, como um site, uma aplicação móvel e um guia impresso, onde é possível planear um roteiro, encontrar dicas sobre os cuidados a ter antes, durante e depois da caminhada, assim como informação sobre os trilhos, a localização dos albergues oficiais, além dos muitos pontos de interesse que surgem ao longo do percurso. Um bom empurrão para se fazer ao Caminho.

VIETNAME
Perdidos na cidade de Hoi Han
Foi durante séculos uma próspera urbe graças ao seu porto, situado nas rotas marítimas do comércio da seda. Teve o seu auge nos séculos XV e XVI, quando mercadores vindos da China e do Japão, mas também de paragens mais distantes, como França e Portugal, aqui se instalaram, contribuindo para transformar Hoi Han numa verdadeira encruzilhada do mundo. O coração da cidade é a Cidade Antiga, situada numa das margens do rio Thu Bồn e classificada como Património Mundial pela UNESCO. Apresenta-se como um labirinto de ruas paralelas e ruelas perpendiculares, onde casas coloniais ao estilo francês coabitam com templos chineses, num total de mais de mil edifícios históricos. A Ponte Japonesa (século XVII) ainda liga os dois lados da cidade como símbolo silencioso da centenária tradição de convivência cultural, que se mantém. Um dos melhores locais para conhecer a essência deste singular local é nos mercados central e noturno, de preferência a saborear um aconchegante prato de cao lầu, uns noodles feitos com água retirada de um poço ancestral e preparados com cinzas de árvore. M.J.

IRÃO
O exotismo de Qeshm
A maior ilha do Golfo Pérsico tem estatuto de zona franca e, ao contrário do Irão continental, não é necessário visto para aqui chegar. E não faltam coisas para ver e fazer nesta ilha habitada pelos bandaris, um povo de origem árabe, cujas cultura e tradições misturam influências de latitudes tão distantes quanto a Índia ou Portugal. Sim, isso mesmo, porque Qeshm – ou Queixome, como era chamada na língua de Camões – foi governada durante cerca de 200 anos pelos portugueses, que além de uma fortaleza, hoje em ruínas, também deixaram alguma toponímia e uma ou outra palavra no dialeto local. Visite-se a aldeia tradicional de Laft e mesmo ali ao lado o imenso mangal de Hara, que pode ser percorrido em passeios de barco ou em pranchas de stand up paddle. O património natural da ilha, que lhe valeu o estatuto de geoparque pela UNESCO, inclui ainda o vale das Estrelas, onde a erosão formou caprichosos caminhos entre rochas em forma de coluna, ou a impressionante garganta de Chahkooh, um profundo desfiladeiro esculpido na rocha, onde, em certos pontos, as paredes estão tão próximas que se podem tocar com ambos os braços. Há ainda um sem-fim de praias paradisíacas e desertas. M.J.