É com a estética das animações Looney Tunes, em especial de Bugs Bunny, que abre esta sequela de Joker. A personagem principal ganha uma versão animada (foi, aliás, assim que tudo começou, nos livros da saga Batman da DC Comics) e recordamos o que levou Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) a estar a caminho do “julgamento do século”. Matou cinco pessoas, uma delas em direto na televisão nacional. Na verdade, são seis, mas só o espectador sabe.

Será Joker apenas um alter ego alucinado e inimputável? Um mártir ou um monstro à beira da pena de morte? Ou apenas uma vida encenada por alguém triste, egocêntrico e indiferente aos outros, exímio em criar relações imaginárias?

Em Joker: Loucura a Dois, a história mantém-se intensa, sem ir demasiado ao passado buscar explicações. Os momentos musicais existem, mas a banda sonora selecionada por Jason Ruder, Randall Poster e George Drakoulias não faz desta sequela um filme-musical. As canções, algumas bem conhecidas – Oh, When the Saints, What The World Needs Now, That’s Life, When You’re Smiling, To Love Somebody, Gonna Build a Mountain ou If You Go Away –, são pensamentos, respostas, anseios ou verdadeiros pedidos de ajuda do supervilão e de Lee Quinzel/Harley Quinn (Lady Gaga).

A ação do novo filme de Todd Phillips, estreado também no Festival de Veneza, mas sem vencer o Leão de Ouro, como aconteceu há cinco anos, divide-se de forma equilibrada entre Arkham, centro de correção onde Arthur Fleck está sempre a ser desafiado a contar uma nova piada, e o tribunal, onde nas alegações finais cresce para os jurados num momento de stand-up sem comédia. Com argumento escrito a meias pelo realizador e Scott Silver, Joker: Loucura a Dois volta a expor as fragilidades da doença mental, da tormenta do sentimento de invisibilidade numa sociedade também ela atormentada. E, no fim, nem o Apocalipse os salvou.

Joker: Loucura a Dois > De Todd Phillips, com Joaquin Phoenix, Lady Gaga, Catherine Keener, Brendan Gleeson > 138 min

O negócio de Samir Fernandes parecia correr “de vento em popa”. As encomendas tinham disparado na última semana do ano de 2022, ao ponto de o stock ter esgotado. “Amanhã vou entregar as últimas de zida [crack] e burro [heroína] e não vai dar para a semana toda.” A SMS, enviada por um cúmplice, chegou ao telemóvel do narcotraficante a 2 de janeiro. Samir arregaçou as mangas e pôs-se ao caminho – não havia tempo (nem dinheiro) a perder.

No dia seguinte, pelas 23h30, a Polícia Judiciária invadiu um apartamento, localizado no 3º andar, de um prédio situado na zona da Flamenga, junto a Santo António dos Cavaleiros (município de Loures). No interior da habitação, Samir foi apanhado em flagrante a “cozinhar” grandes quantidades de crack, misturando, numa panela a fervilhar, pousada num fogão elétrico, uma receita com cocaína, água, bicarbonato de sódio e amoníaco.

“Ano Novo” O narcotraficante foi detido pela PJ no dia 3 janeiro de 2023, rodeado por quilos de droga, armas de guerra e um colete antibalas

Na sequência de uma investigação da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE), que se prolongou durante quase 18 meses, a PJ derrubava, naquele instante, “um dos mais importantes narcotraficantes da região da Grande Lisboa”, descreve, à VISÃO, fonte ligada ao processo. No âmbito da Operação Ano Novo, foram identificados nove suspeitos, que, alegadamente, faziam parte da organização criminosa. 

A leitura da sentença dos oito acusados (um dos arguidos morreu quando estava em preventiva), presentes a julgamento, que corre no Tribunal Lisboa Norte (Loures) –, está agendada para esta quinta-feira, dia 3, data em que a VISÃO chega às bancas.

O “grupo de Chelas”

O Cartão de Cidadão de Samir Mayonko Lacerda Vaz Fernandes, 45 anos, indica que este homem, com raízes guineenses, nasceu na cidade de Aveiro, mas foi no Bairro do Condado, em Chelas, uma zona de Lisboa conhecida anteriormente como Zona J – celebrizada pelo filme de Leonel Vieira, de 1998 –, que, há vários anos, se fixou com a família.

Desconhece-se o momento em que passou a dedicar-se ao narcotráfico, embora o nome “Samir” circulasse no submundo do crime há, pelo menos, uma década. No entanto, foi apenas a partir de junho de 2021 que, de facto, este homem entrou nos radares das autoridades antidroga, devido às “fortes suspeitas” de liderar um grupo que se dedicava ao comércio de cocaína, heroína e canábis na região da Grande Lisboa. O esquema não parecia diferir de outras organizações similares. Segundo apurou a investigação, Samir adquiria os estupefacientes no estrangeiro. Depois, transportava e armazenava o produto. De seguida, revendia aos consumidores.

Hoje, sabe-se que a maior parte destas cargas era guardada num dos quartos de um apartamento em Santo António dos Cavaleiros, onde residia um dos seus cúmplices. A misteriosa “casa b”, como era designada, passou a servir como quartel-general do “grupo do Chelas” – além do chefe, somente mais três pessoas conheciam a sua localização.

Samir dominava o negócio do crack entre a Mouraria
e Chelas, diz a investigação.
A ascensão do seu grupo coincidiu com o aumento
do consumo desta droga na região da Grande Lisboa

O grupo apostou forte no crack. Ao contrário de outros “narcos”, Samir mantinha-se na linha da frente. A investigação acredita que era o próprio quem “cozinhava” esta droga, um derivado da cocaína, descrito, pelos especialistas, como “mais potente e destruidora” para os consumidores.

O crack provocou uma autêntica epidemia nos Estados Unidos da América, nas décadas de 1970 e 1980, e instalou-se profundamente no Brasil, tornando o país sul-americano o maior mercado do mundo desta droga. A ascensão de Samir coincidiu com o reaparecimento em força do crack em Portugal. A situação chamou a atenção das autoridades policiais e de saúde. Os dados mais recentes do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) apontam que, em 2022, havia 39 mil consumidores desta droga em território nacional, seguindo uma tendência crescente no pós-Covid-19. O Observatório Europeu da Droga chegou a apontar Portugal como um dos locais onde o consumo desta substância era “mais preocupante”. “Samir é, certamente, um dos principais responsáveis por este aumento”, admite, à VISÃO, uma fonte policial.

De acordo com a investigação, a estrutura desta organização adotava um modelo piramidal: no topo, estava o “cozinheiro” Samir. Logo abaixo, surgiam Domingos Quebi, conhecido como Douglas, o seu “braço direito”, um “número dois” capaz de dar ordens na ausência do chefe. No mesmo patamar, posicionavam-se Edemilson Fernandes (o arguido que faleceu na prisão), que residia no quartel-general em Santo António dos Cavaleiros, e também Amadu Baldé (o único envolvido neste processo que continua em parte incerta). No escalão imediatamente a seguir, figuravam Ivo Craveiro, Cátia Mendes, Sérgio Barbosa e Carlos Ramos, responsáveis por fazer a “ponte” entre a cúpula e os “vendedores”, recrutados para lidar com os consumidores. Em certas ocasiões, estes quatro elementos terão chegado a vender os produtos diretamente nas ruas. No banco dos réus, senta-se também Sérgio Monteiro, um amigo de Samir Fernandes que a investigação concluiu ter aceitado ser “testa de ferro” do narcotraficante para a aquisição de uma moradia, em Vialonga (Vila Franca de Xira). As autoridades acreditam que o negócio seria feito com dinheiro proveniente da atividade criminosa.

O “dono” da Mouraria

A droga com a chancela de Samir passou a circular, em grande velocidade, pelas ruas da capital. O grupo tinha passado a controlar, em especial, a zona da Mouraria. Era um corrupio diário. Os telemóveis não tinham descanso. O grupo utilizava linguagem cifrada, não fosse estar alguém a ler ou a ouvir as comunicações. A investigação concluiu, por exemplo, que “z”, “zda” , “zia” e cz” correspondiam a cocaína cozida (crack), “burro”, “b”, “cv” e “kavalo”, a heroína e “crua”, “cr” e “k”, a cocaína. O dinheiro entrava a rodos.

No submundo do crime, Samir passou a ameaçar a concorrência. O “grupo de Chelas” entrou na mira dos rivais, dando início a uma “guerra” pelo domínio do narcotráfico na região da Grande Lisboa. As notícias dos tiroteios sucediam-se. O “narco” luso-guineense chegou a ser alvo de duas tentativas de assassínio (ver caixa A “guerra” invisível por Lisboa), optando por se “evaporar”, sem nunca ter deixado de trabalhar. A “mão de ferro” de Samir resistia, mantendo-se ao corrente do que se passava. E fazia-se notar quando se justificava.

O acordo com um neonazi

O neonazi Mário Machado estava preso quando recorreu ao “grupo de Chelas”, liderado pelo afrodescendente Samir, à procura de ajuda para ameaçar e extorquir dinheiro a skinhead rival

É uma “amizade” improvável que se estabeleceu desde finais de 2013. “A necessidade aguça o engenho”, dizem. E foi nesse contexto que Mário Machado deixou para segundo plano o perfil de supremacista branco, de racista militante, que sempre cultivou publicamente, ao longo de três décadas, para tentar fechar acordos com Samir Fernandes, narcotraficante com raízes africanas. A história consta do processo n.º 2178/14.7TDLSB. Mário Machado estava preso desde 2009, mas os Portugal Hammerskins (PHS) continuavam a pagar-lhe uma mesada. Passaram-se quatro anos, e as relações com a nova liderança daquela organização, encabeçada por Bruno Monteiro, degradaram-se. O apoio foi cortado, e Machado não perdoou a “traição”. A partir da cela, gizou um plano para se vingar. Por esta altura, Machado ainda contava com alguns partidários no exterior. Com a ajuda de João Dourado – outro destacado skinhead português –, começou a ameaçar e a tentar extorquir a namorada de Bruno Monteiro, Rute P. A vítima chegou a temer pela própria vida e pela segurança dos seus filhos. Durante meses, Rute P. foi aterrorizada. A loja que detinha, no bairro de Alvalade, em Lisboa, passou a ser visitada por homens de Machado. O neonazi era claro: Rute P. tinha de se afastar de Monteiro e pagar-lhe €30 mil. As ameaças eram constantes, e um papel redigido pelo punho de Machado chegou às mãos de Rute P. A determinada altura, Machado recorreu a Samir, pensando em contratar “homens” capazes de “apertar” com a vítima, a quem estava disposto a pagar por cada visita €400. Assustada, Rute P. alertou as autoridades. O caso culminou em novo julgamento e na condenação de Machado. O neonazi viu serem acrescentados mais dois anos e nove meses à pena de prisão que já cumpria. A condenação por tentativa de extorsão agravada valer-lhe-ia mais 11 meses atrás das grades, de onde saiu em maio de 2017.

Como se comprovou, numa fase em que as receitas do negócio começaram a cair a pique, sem razão aparente. Os números que chegavam da Mouraria deixavam Samir furioso, sem saber o que fazer ou pensar. “Estou a ser enganado!”, insistia, junto dos mais próximos. Os intermediários procuravam respostas, mas sem sucesso. Decorrido algum tempo, Samir terá conseguido confirmar as suspeitas, informado que o “funcionário” M.B. andava a vender estupefacientes nas suas costas. O próprio Samir decidiu encarregar-se do assunto.

No dia 27 de setembro de 2022, o “narco” deambulava pelas ruas da Mouraria, na companhia dos cúmplices Sérgio Barbosa e Carlos Ramos, disposto a resolver o “problema” ainda naquela noite. Por volta das 21h30, o trio atravessava a Rua do Benformoso, quando avistou o “traidor” no interior de um estabelecimento comercial. Samir foi direto a M.B., não lhe dando sequer tempo para pensar ou reagir. M.B. foi levado para o exterior, até a um beco perto dali. Naquele local discreto, Samir quis dar-lhe uma lição, começando por atirar a sua cabeça contra a parede, projetá-lo para o chão e dar-lhe murros e pontapés em várias partes do corpo. “A banca da Mouraria é minha, eu é que mando na rua, daqui até Chelas [cinco quilómetros em linha reta]”, gritou Samir. M.B. pensava que chegara o seu fim, ao mesmo tempo que tentava proteger o rosto com as duas mãos. Samir não estava para brincadeiras: “Toma cuidado comigo, que vou mandar putos para te vigiarem e eu mesmo venho cá matar-te se não te fores embora daqui.”

Assim que o grupo abandonou o local, M.B. pôs-se a caminho de uma esquadra da polícia. O pânico que sentia falava mais alto e, por isso, decidiu apresentar queixa. À PSP, descreveu o ataque, garantindo que, a determinada altura, Samir “empunhou um objeto” que lhe pareceu ser “uma arma de fogo, pistola de cor preta”.

O ponto final

O episódio recolocou as autoridades na pista de Samir. O dossier passou para o topo das prioridades da PJ. Os resultados apareceram três meses depois, com os elementos da UNCTE a invadirem o apartamento em Santo António dos Cavaleiros. A operação permitiu desmantelar toda a organização, e colocar Samir atrás das grades. A polícia seria “surpreendida” pelo arsenal bélico que encontrou na chamada “casa b” – diversas armas de fogo, como uma pistola-metralhadora UZI, uma Glock (semelhante às que os polícias usam), uma shotgun, uma carabina de longa distância, uma pistola e ainda dois silenciadores, uma soqueira e um colete antibalas com padrão camuflado. No local, havia relógios de luxo (das marcas Rolex e Hublot) e ainda quatro mil euros em dinheiro. A PJ encontrou também várias anotações das “entregas”, “dívidas” e “pagamentos”, que a investigação acredita estarem ligadas ao negócio da droga. No interior do quarto que servia como armazém, as autoridades contabilizaram 31 quilos de cocaína, 11 quilos de heroína e 29 quilos de canábis. A carga estava avaliada, à época, em €1,5 milhões.

Chelas Samir nasceu em Aveiro, mas fez-se homem no Bairro do Condado, na antiga Zona J. O seu cunhado foi baleado naquele local Foto: José Carlos Carvalho

Samir mantém-se em preventiva desde essa data, não evitando as confusões. Depois de um ano no Estabelecimento Prisional de Lisboa, seria colocado numa cela disciplinar, por ter sido apanhado pelos guardas a agredir outro recluso. O episódio valeu-lhe a transferência para a cadeia de alta segurança de Monsanto. Hoje, partilha a morada com o rival “Xuxas”, embora colocado à distância. Samir Fernandes aguarda pela sentença do tribunal, acusado por associação criminosa, tráfico de estupefacientes, branqueamento, posse de arma proibida, coação e ofensas à integridade física. Já estava detido quando a sua namorada vendeu todos os carros do casal, por cerca de €100 mil. Quando o Ministério Público deu ordem para arrestar todos os bens do casal, já só encontrou uma conta bancária com… €1 891,16. Os investigadores acreditam que Samir tenha obtido, no espaço de dois anos, lucros brutos no valor de €2,5 milhões.

A “guerra” invisível por Lisboa

Samir era um dos “generais” numa “guerra” pelo controlo do narcotráfico na capital. Foi alvejado a tiro; a namorada e o cunhado escaparam por pouco à morte. Desapareceu da vista, mas a PJ acabou por encontrá-lo e prendê-lo 

Foto: ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Nos dez meses que antecederam a sua detenção, Samir Fernandes tinha desaparecido de vista. A retirada estratégica aconteceu na sequência do escalar da violência, numa “guerra” invisível disputada na região da Grande Lisboa. Nos primeiros meses de 2022, a polícia contabilizou vários tiroteios, que associou a “ajustes de contas entre grupos rivais”, confirmou, à VISÃO, fonte policial. A violência pelo controlo do mercado do narcotráfico atingia números inusuais. Samir era um dos “generais” no “campo de batalha” – acreditava estar na mira dos rivais; e, por isso, preferia dormir sempre de olhos bem abertos. As preocupações viriam a confirmar-se brevemente.

O “narco” luso-guineense chegou a sofrer duas tentativas de assassínio. No dia 17 de março, um dos carros de Samir foi atingido por vários tiros, quando circulava em Odivelas. Porém, ao volante do Mercedes não era ele quem seguia, mas a sua namorada, que escapou por pouco ao ataque. Os disparos, a partir de um veículo em movimento, resultaram em ferimentos ligeiros, provocados por estilhaços de vidro. No dia 31 do mesmo mês, foi o próprio Samir a ser alvejado, em Marvila, Lisboa, próximo do lugar onde vivia. Na semana seguinte, foi a vez de o seu cunhado ser baleado, agora em “casa”, no Bairro do Condado. O “grupo de Chelas” estava a ser alvo de uma forte ofensiva.

O negócio do crack ameaçava a concorrência. E as tréguas pareciam ser uma miragem. Perante o perigo que corria, Samir “evaporou-se”, escondendo-se no quartel-general do grupo, em Santo António dos Cavaleiros, onde vivia a “cozinhar” crack, rodeado por material de guerra. 

Samir regressou ao radar da PJ quando subiu à Mouraria para ameaçar um “funcionário” que andava a lucrar vendendo droga nas suas costas. A vítima, temendo pela vida, apresentou queixa numa esquadra da PSP. E a UNCTE não voltou a perder Samir de vista. 

As autoridades consideram que um dos principais rivais de Samir era Rúben Oliveira, conhecido como “Xuxas”, e acreditam que trabalhava com o brasileiro Sérgio Roberto de Carvalho. “Xuxas” seria detido em junho de 2022, sete meses antes do adversário.

Samir ainda terá tentado aproveitar esta detenção para aumentar os contactos do outro lado do Atlântico, nos meses que antecederam a Operação Ano Novo (na qual foi detido). Já não teria, porém, tempo para desfrutar desse upgrade. A PJ decretou a paz.

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Depois de ter registado uma ligeira recessão no final do ano passado, a economia alemã volta a dar sinais de abrandamento.

Os alertas vão surgindo um pouco de todo o lado. A poderosa economia alemã poderá enfrentar um novo período de recessão. Depois de já ter registado uma contração económica de 0,1% no segundo trimestre deste ano, os analistas preveem que o PIB possa ter um crescimento negativo entre julho e setembro. Tecnicamente, é considerada recessão económica quando um país tem dois trimestre consecutivos de contração do PIB.

Os dados oficiais mostram que a produção industrial caiu, o investimento baixou, as encomendas diminuíram e o consumo privado está claramente em queda, provocado não só pela incerteza económica como pela incerteza política, o que leva muitos alemães a controlar os gastos.

Face a todo este cenário, a moral dos empresários também não é a melhor. O índice que mede o otimismo das economias na União Europeia, o ZEW Economic Sentiment Index, mostra que, na Alemanha, este indicador está no seu nível mais baixo dos últimos 11 meses, caindo de 19,2 pontos em agosto para 3,6 pontos em setembro. Face a estes números, Achim Wambach, o presidente deste organismo que mede o sentimento económico a médio prazo, foi perentório na sua afirmação quando apresentou os números: “A esperança de uma rápida melhoria da situação económica está visivelmente a desvanecer-se.”

E nem a descida dos juros por parte do Banco Central Europeu parece ter mudado a opinião dos decisores económicos. “Apesar de existir um pessimismo crescente em toda a Zona Euro, a forte quebra das expectativas na Alemanha são significativamente maiores. E a grande maioria dos inquiridos já tinha levado em conta a descida dos juros”, avançou Achim Wambach.

O desemprego também teima em não ajudar. Segundo os últimos dados disponíveis, a taxa de desemprego situou-se nos 6% em setembro, pelo quarto mês consecutivo. “O desemprego e o subemprego diminuíram em setembro, mas muito menos do que é normal neste mês. Prevê-se que a recuperação outonal do mercado de trabalho seja mais lenta este ano”, disse Andrea Nahles, presidente da agência alemã do emprego.

E os números são ainda maiores se compararmos os atuais níveis de desemprego com o mesmo mês do ano passado. A Alemanha tem agora mais 179 mil desempregados do que em setembro de 2023 e, em contrapartida, as ofertas de emprego baixaram em 65 mil novos postos de trabalho.

Para explicar as principais causas desta estagnação, os analistas consideram que as exportações alemãs não recuperaram desde a pandemia, o que se deve em parte ao aumento dos preços da energia e à escassez de mão de obra qualificada, que, nalguns setores, torna as empresas alemãs menos competitivas do que as suas congéneres chinesas.

O efeito “elétrico”

E um dos setores que mais sente este efeito é o setor automóvel, que muitos consideram o coração da indústria germânica. Direta e indiretamente representa mais de 6% do PIB e cerca de 24% da faturação industrial do país, ou seja, por cada 4 euros de riqueza gerada, um euro é proveniente do setor automóvel.

Segundo os últimos dados, a indústria automóvel continua a enfrentar sérios desafios. No último ano, os três maiores fabricantes de automóveis da Alemanha viram as suas receitas caírem de forma abrupta. Em agosto, as vendas de automóveis no país desceram 27,8% face a igual mês do ano passado, sendo a maior quebra nos veículos elétricos. Venderam-se apenas 27 mil carros com motor elétrico, uma descida de 68,8% face a agosto de 2023.

A quebra da procura de veículos elétricos foi tão elevada que o gigante Volkswagen admitiu, pela primeira vez na sua história, fechar fábricas na Alemanha, depois de já ter anunciado, em julho, que estava a pensar encerrar a unidade fabril de Bruxelas.

Os problemas já levaram alguns governantes, como foi o caso de Hubertus Heil, ministro do Trabalho, a pedir ao seu próprio executivo governamental que avançasse com novos incentivos para a compra de carros elétricos.

Já o ministro da Economia, Robert Habeck, convidou os altos representantes da indústria automóvel do país para uma “cimeira”, para discutir quais as medidas necessárias para ajudar o setor a recuperar.

Segundo a Bloomberg Intelligence, uma em cada três fábricas de automóveis de construtores como a BMW, Mercedes e Volkswagen está com a produção muito abaixo do previsto. Algumas das unidades fabris estão a laborar a menos de metade da sua capacidade de produção.

A Alemanha tem agora mais 179 mil desempregados do que em setembro de 2023 e, em contrapartida, as ofertas de emprego baixaram em 65 mil postos de trabalho

Segundo o economista-chefe do banco alemão ING, Carsten Brzeski, a indústria automóvel europeia está “a meio de uma transformação estrutural” que afeta todos os construtores. “A adoção cada vez mais global da mobilidade elétrica está a criar maior concorrência nesta indústria”, disse à DW.

A pressão sentida pelos fabricantes de automóveis europeus tem origem na China. Apesar da União Europeia ter criado tarifas sobre os veículos elétricos fabricados naquele país, as vendas dos carros chineses não têm abrandado. Não só existem cada vez mais marcas chinesas a tentar conquistar o mercado de carros elétricos na Europa mas também muitas delas, como a Geely, a Chery, a Great Wall Motor e a BYD, planeiam produzir estes veículos em solo europeu, de forma a contornar as novas tarifas impostas.

Mas nem tudo são más notícias. A descida das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu já está a dar os primeiros efeitos na economia. Pela primeira vez desde fevereiro de 2021, a Alemanha conseguiu, em setembro, ter a inflação controlada abaixo dos 2%, aquele que é considerado o limite ideal para ter os preços estabilizados, um dos fatores críticos para o crescimento económico.

Os números ainda são preliminares, mas tudo indica que a Alemanha, o motor da economia da União Europeia, poderá entrar em recessão. Falta saber qual a amplitude e a duração que terá e quais os efeitos que irá provocar nas economias dos outros países europeus.

Como vai o mundo

A economia deverá crescer, em média, 3,2% em 2024 em todo o planeta, mas nem todas as regiões terão o mesmo desempenho, segundo as previsões do FMI

Economia global
Globalmente, a economia deverá crescer acima dos 3% nos próximos dois anos

2024
3,2%

2025
3,3%

União Europeia
Será a região a registar os crescimentos económicos mais baixos

2024
0,9%

2025
1,5%

EUA
Ao contrário da UE, a economia cresce menos em 2025 do que no final deste ano

2024
2,6%

2025
1,9%

Ásia
É o continente que apresenta o maior desenvolvimento da economia

2024
5,4%

2025
5,1%

América Latina
A economia da região tenderá a crescer nos próximos anos

2024
1,9%

2025
2,7%

África
É a segunda zona do globo com maior crescimento económico

2024
3,7%

2025
4,1%

Palavras-chave:

“Não podemos esquecer-nos de que temos de ser cidadãos, antes de tudo, com direitos e deveres, independentemente do sistema que escolhamos para nos organizarmos enquanto sociedade”, diz Catarina Romão Gonçalves, chefe da Divisão Museológica e para a Cidadania da Assembleia da República, logo no início da visita à Casa do Parlamento – Centro Interpretativo. Por esta altura, o dedo indicador já havia tocado numa série de ícones que se mostravam nos primeiros ecrãs interativos deste novo equipamento cultural instalado no edifício pintado de amarelo-torrado, na Rua de São Bento, em Lisboa.

O projeto partiu de uma ideia do ex-presidente da Assembleia da República (AR) Eduardo Ferro Rodrigues, conta José Manuel Araújo, diretor de Informação e Cultura da AR. A Casa do Parlamento abriu este ano, no passado dia 25 de abril, sete anos depois do desafio lançado pelo político. São quatro pisos, cada um com um tema – Cidadania, Parlamento, Democracia e Memória –, onde se aprendem conceitos muitas vezes difíceis de explicar e de simplificar. Como funciona o sistema político português, o papel da Assembleia da República, quais são os órgãos de soberania e quem são os deputados, estas são algumas das questões a que se dá resposta com recurso a tecnologia e muita interatividade.

Aprendidos os conceitos do piso inicial dedicado à Cidadania, seguimos de elevador diretamente para a Democracia, no quarto andar, a forma correta de fazer o circuito expositivo. A Constituição da República Portuguesa de 1976 ganha protagonismo. Numa vitrina expõe-se um fac-símile e, ao lado, uma edição digital para descobrir os seus 312 artigos. Mais à frente, dois circuitos ativados com o toque num botão explicam os quatro órgãos de soberania e as várias etapas da lei, simplificando o processo legislativo. Os círculos eleitorais também estão representados, mas os cartazes das campanhas eleitorais, projetados num grande ecrã em semicírculo, e o quiz chamam-nos a atenção.

Ninguém fica indiferente à chegada ao piso três, referem-nos os responsáveis pela nossa visita. É altura de apresentar o Parlamento e vestir a pele de um deputado. Invariavelmente, a missão causa burburinho na sala, seja qual foi a idade do visitante – e já passaram por aqui alguns ilustres, caso da presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola. “Os deputados olham para o Centro Interpretativo também como um espaço para falar sobre a sua atividade. A Assembleia está a virar-se para fora, a reconstruir aquilo que é a relação com o cidadão e com a democracia, atenta aos níveis de abstenção”, sublinha José Manuel Araújo.

Em 230 tablets apresentam-se os 230 deputados eleitos, com fotografia, e noutros dois ecrãs, dados relativos à representatividade, ao género, à profissão ou a que comissão parlamentar pertencem. “É muito interessante perceber como os diferentes públicos interagem”, destaca Catarina Romão Gonçalves. Ainda no piso três, somos convidados a fazer parte de uma audição, sentados na sala de comissões, e a fazer um discurso no plenário, de improviso ou lendo os apresentados, como o de Sophia de Mello Breyner na Assembleia Constituinte de 1975, em celebração e defesa da Revolução de 25 de Abril de 1974.

A visita está quase a terminar com a chegada ao piso da Memória. Para não revelarmos tudo, dizemos apenas que aqui se encontram alguns dos mais famosos duelos parlamentares entre deputados. “Convidámos os Artistas Unidos a dramatizar os textos reais e apresentamo-los em ecrãs. Vale a pena ficar a vê-los”, conta, entusiasmada, Catarina Romão Gonçalves. E não é que ficámos mesmo?

Casa do Parlamento – Centro Interpretativo > R. de São Bento, 148, Lisboa > T. 21 391 9414  > seg-sáb 10h-17h > grátis

Entre 2008 e 2019, o mês de abril era sinónimo de Peixe em Lisboa. Foram 12 edições de um festival dedicado ao peixe e marisco da nossa costa, trabalhados em ementas especiais por chefes de cozinha convidados, e que contava ainda com apresentações e um mercado gourmet.

Olhando para o programa do novo festival Heróis do Mar, que decorre entre os dias 3 e 6 na Doca da Marinha, é impossível não lhe ver semelhanças. “É um bocadinho a ideia original do Peixe em Lisboa”, admite Duarte Calvão, responsável pelo já desaparecido festival e que é curador deste Heróis do Mar, ao lado do jornalista Rafael Tonon. Mas há uma diferença, sublinha: “Lisboa é hoje uma cidade diferente em termos gastronómicos, com mais restaurantes, mais chefes, maior diversidade de cozinhas, pessoas mais interessadas, e mais clientes por conta do turismo e dos residentes estrangeiros.”

A seleção dos dez restaurantes, todos da região de Lisboa, pretende mostrar a qualidade e essa diversidade, reunindo chefes de cozinha que praticam uma cozinha de receituário tradicional – caso de Justa Nobre (O Nobre), Luís Gaspar (Pica-Pau) e Vítor Adão (Plano) – ou com influências do mundo – Paulo Morais (do japonês Kanasawa) e Kiko Martins (A Cevicheria e Las Dos Manos), por exemplo. Os outros restaurantes que estarão presentes são As Esquinas de Vítor Sobral, Epur by Vincent Farges, Zunzum de Marlene Vieira, Nunes Real Marisqueira e Maré de José Avillez (no Guincho). Para acompanhar, serão servidos vinhos da região de Lisboa.

O chefe italiano Moreno Cedroni, do La Madonnina del Pescatore (2 Estrelas Michelin) e do Clandestino Susci Bar. Foto: DR

Além dos menus informais (pratos €5 a €20), servidos numa área com 700 lugares sentados, vão realizar-se os chamados Banquetes – almoços e jantares a quatro mãos, que vão juntar, por exemplo, Quique Dacosta, do restaurante com o mesmo nome em Dénia, Espanha, com 3 Estrelas Michelin, com José Avillez (2 Estrelas no Belcanto, 1 no Encanto). Moreno Cedroni, do La Madonnina del Pescatore (2 Estrelas Michelin) e do Clandestino Susci Bar, ambos em Itália, cozinhará com André Lança Cordeiro (Essencial, Lisboa); Rafa Costa e Silva, do Lasai, no Rio de Janeiro, com João Oliveira do Vista (Algarve); e Justa Nobre e Vítor Adão vão preparar um almoço transmontano neste domingo, 6, último dia do festival.

Doca da Marinha em Lisboa

O programa inclui ainda tertúlias (sobre espécies de peixe desconhecidas, os efeitos do turismo e se há crise na restauração), apresentações de cozinha ao vivo com chefes e aulas de cozinha (com Cristina Manso Preto). Todas as noites haverá concertos, numa celebração da lusofonia, com a cabo-verdiana Lura (dia 3), o angolano Matias Damásio (dia 4), os portugueses GNR (dia 5) e a brasileira Mallu Magalhães (dia 6).

O festival é uma iniciativa do grupo Lean Man que explora a Doca da Marinha, dirigido por Bernardo d’Orey Delgado, e é produzido pela Essência Company, de Nuno Guedes Vaz Pires.

Heróis do Mar > Doca da Marinha > 3-6 out, qui-sex 17h-24h, sáb 12h-24h, dom 12h22h > entrada €5 (inclui um copo Riedel de oferta, uma degustação de vinho e duas águas), pratos €5-€20, Banquetes €150, €250 (jantar do dia 5, com Quique Dacosta e José Avillez) > programa completo aqui

Pedro Nuno Santos sabe ao que vai em S. Bento, no encontro com o primeiro ministro: receber uma proposta irrecusável. E se é irrecusável, então é incontestável, indiscutível, inegável, irrefutável. Aqui elencam-se sinónimos e não antónimos.

O líder do PS não pode, por isso, em nome da lealdade, da boa-fé e do sentido de responsabilidade fazer de conta que não ouviu a proposta. Que não tomou nota. Que não percebeu o sentido. Estamos perante um dogma político: não se pode recusar o que é irrecusável. Entendidos?

O país escolheu este Governo, estabilidade e sensatez. Por agora, ninguém está a pedir uma Cúpula de Ferro. Caberá ao líder da oposição deixar passar o Orçamento para 2025 na sua versão indubitável. O que não poderá acontecer, neste dia especial, é o PM dar dois passos em frente e Pedro Nuno Santos recuar os mesmos dois passos. Não dá. Assim nunca se encontrarão. É uma Lei da Física e não da Química Política.

Nem o país, nem o mundo, está para crises de angústia, estratégias falhadas, passos trocados. Já basta o que temos, e vamos ter, lá fora. PM e PNS que se entendam.

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