Até 1991, era a Dona Helena quem tomava conta da pensão da Rua Dr. Pádua, com muito boa reputação. Depois da sua morte, nesse ano, ninguém mais lhe pegou e a casa, com mil metros quadrados, caiu em ruína. Só em 2019, este edifício histórico de Olhão, do século XIX, seria salvo pelo casal de franceses Jack e Walter – conheceram-se, imagine-se, no festival de marisco que acontece todos os anos em agosto (há muitos souvenirs deste certame pela casa). 

Depois, apesar de continuarem a viver os dois em Paris, meteram mãos à obra para a reabilitar para um turismo de habitação com 10 quartos. Só há dois anos abandonaram a capital francesa para passarem a viver na terra em que se apaixonaram e gerirem este alojamento, aberto em março. Será por isso que a casa se chama Amor? “Não é um nome fantástico?”, questiona, sem responder, Jack, o nosso anfitrião.  

O boutique hotel tem 10 quartos

Walter está mais arredado dos hóspedes, porque entretanto tirou um curso de pastelaria e encarrega-se das delícias que se comem por aqui: desde as madalenas, que são servidas no quarto, à pastelaria que há na coffee shop de porta aberta para a rua ou no pequeno-almoço especial, de cariz caseiro. O restaurante também há de servir para passantes, mas só em caso de residências culinárias, com chefes convidados a fazerem aqui algumas experiências. 

Ainda cheira a novo nos três andares deste recente boutique hotel. Existem vários recantos que nos envolvem em indiscutível bom gosto e nos puxam para o desligamento quase total, apenas concentrados nos pormenores que garantem o respeito pela originalidade da arquitetura, das paredes caiadas às abóbadas ou às pedras ocre, típicas da região. 

A piscina de água salgada

Um dos pontos irresistíveis da Casa Amor é a sua açoteia, o local onde antes se secavam os polvos. Hoje, existe aqui uma pequena piscina de água salgada, perfeita para refrescar do calor do verão. Dentro de água, dá para apreciar o recortado árabe, muito evidente nesta cidade algarvia, a que se chama de capital do cubismo: um mar branco, sem telhados, pintalgado de chaminés de balão e mirantes. Podemos até dizer, sem mentir, que o cenário em tudo se assemelha a uma terra do Norte de África, que fica já ali, no final do oceano que conseguimos avistar desde o ponto mais alto do terraço.

Casa Amor > R. Dr. Pádua, 24 A > T. 91 066 9436 > a partir de €127,50 > coffe shop > ter-sáb 9h-15h 

Aqui à volta 

Mercado de Olhão  Dois edifícios gémeos, um de peixe e marisco e o outro de fruta e legumes, qual deles o melhor. Av. 5 de Outubro > seg-sáb 7h-14h 

Marina com Noélia  O novo spot da chefe Noélia Jerónimo, aberto neste verão em Olhão, com uma ementa diferente da que nos habituou em Cabanas de Tavira. Real Marina Hotel & Spa, Av. 5 de Outubro > T. 91 330 8129 > seg-dom 19h-23h 

Ilhas É daqui que partem os barcos que navegam na ria Formosa e nos levam até às ilhas com praias paradisíacas, como a Deserta, Culatra ou Armona. 

Associação República 14  Aproveite-se esta agenda cultural, que está preenchida por exposições, concertos e cinema ao ar livre, além de atividades mais regulares como ioga ou capoeira. Av. da República, 14 > ter 16h-20h30, qua 10h-20h30, qua-dom 16h-20h30 

Miguel Pinto Luz chegou ao edifício da Parpública ao final da tarde. Dois dias antes, o Programa de Governo tinha sido chumbado pelo Parlamento, mas a privatização da TAP era um comboio em andamento que o executivo não quis travar. Tinha ficado decidido que Pinto Luz, secretário de Estado das Infraestruturas, e Isabel Castelo Branco, secretária de Estado do Tesouro, estariam presentes na assinatura dos contratos para a venda da TAP a David Neelman e Humberto Pedrosa. “Achámos que o governo devia estar presente”, diz à VISÃO uma fonte que estava na altura no executivo de Passos. Os papéis iam passando pelas mãos dos compradores. “Havia muitos contratos conexos, leasings de aviões. Aquilo prolongou-se. Andámos de uma sala para a outra”, conta quem estava presente. A dada altura, mandou-se vir comida, quando se percebeu que o processo ia arrastar-se pela noite dentro. Já muito tarde, é feita a fotografia que o Expresso publicou no dia 12 de novembro de 2015 e que até hoje persegue Miguel Pinto Luz.

Novembro de 2015 Assinatura do contrato na sede da Parpública

Nessa foto aparece David Neelman no topo da mesa, ao lado de um sorridente Pedro Ferreira Pinto, o então presidente da Parpública, enquanto do outro lado de Neelman está Humberto Pedrosa, ao canto da mesa, de caneta em punho a desenhar a assinatura. Do lado oposto, Isabel Castelo Branco olha para o fundo da sala e Pinto Luz tem as mãos debaixo da mesa. Essa imagem ficou para a história como a da assinatura de uma privatização politicamente muito contestada e amarrou Miguel Pinto Luz a um negócio que nove anos depois volta a ser notícia por causa de um relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) que confirma o que uma auditoria interna da TAP e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a empresa já tinham sinalizado: a venda da companhia aérea foi realizada graças a um acordo que Neelman fez com a Airbus, que na prática pôs a TAP a pagar a sua própria capitalização.

As dúvidas em torno não só da legalidade (questionável à luz do Código das Sociedades Comerciais), mas sobretudo da vantagem do negócio para o Estado puseram Miguel Pinto Luz na mira da oposição, com os partidos da esquerda à direita a questionarem como pode o hoje ministro das Infraestruturas liderar uma nova privatização da empresa quando a sua assinatura está num contrato tão duvidoso. Um pormenor para a história: a assinatura de Pinto Luz não está nos tais contratos assinados já de madrugada para concretizar um negócio que o PS tentou travar até à última, quando se sabia que os socialistas estavam prestes a chegar ao poder, derrubando o governo PSD-CDS com a ajuda da esquerda. Uma fonte ligada ao processo explica à VISÃO que nem Miguel Pinto Luz nem Isabel Castelo Branco assinaram nada. A assinatura que vinculava o Estado nos papéis que se veem na fotografia é a do presidente da Parpública, Pedro Ferreira Pinto. Ironia das ironias, Pinto Luz e Castelo Branco estavam presentes só para a fotografia.

Pinto Luz está na foto, mas a sua assinatura não consta nos contratos assinados jáde madrugada para concretizaro negócio

A decisão de avançar com a privatização da TAP, mesmo nas circunstâncias políticas de grande fragilidade em que se encontrava o Governo, foi do Conselho de Ministros, onde nem Miguel Pinto Luz nem Isabel Castelo Branco tinham assento. A decisão foi tomada pelo ministro da Economia, Miguel Morais Leitão, pela ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, e, claro, pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.

O Conselho de Ministros reuniu de manhã e, à tarde, Pinto Luz e Isabel Castelo Branco rumaram para a sede da Parpública para formalizar um acordo que, como noticiava a imprensa na altura, permitiria uma entrada imediata nos cofres da empresa de 150 milhões de euros, numa altura em que crescia a ideia de que a TAP lidava com problemas de tesouraria que podiam mesmo impedi-la de abastecer os aviões. Fernando Pinto, então administrador da TAP, carregava nas cores, em cartas enviadas aos trabalhadores e em conferências de imprensa, onde ia repetindo que o “importante é salvar a companhia”.

Na altura, a TAP estava há anos sem uma injeção financeira do Estado, mas o negócio (considerado ruinoso pela IGF) de compra da brasileira Varig Manutenção e Engenharia (VEM), decidido por Fernando Pinto, a tensão com os trabalhadores da empresa e a subida dos combustíveis criavam uma tempestade perfeita na transportadora aérea. Meses antes da assinatura de venda de 61% do capital da TAP a Neelman e Pedrosa, o negócio foi pensado e montado por outros protagonistas, que não ficaram na fotografia: António Pires de Lima e Sérgio Monteiro. Foram eles que, enquanto ministro da Economia e secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, puseram em marcha a venda de capital da TAP, no primeiro governo de Passos Coelho, onde já estava Maria Luís Albuquerque, que acompanhou o processo desde o início.

O operacional do negócio

Quando Miguel Pinto Luz chegou ao governo, depois de resistir muito aos convites de Pedro Passos Coelho para sair da Câmara Municipal de Cascais (onde era vice-presidente) e ir para secretário de Estado, tornou-se, porém, o operacional do negócio. “Era ele que garantia que tudo estava a correr, era ele que fazia os telefonemas”, relata quem acompanhou de perto o processo. Foi assim durante os 26 dias que esteve em funções, tratando de dar seguimento a um acordo que tinha sido fechado por Pires de Lima, Albuquerque e Monteiro.

Miguel Pinto Luz e venda da TAP passaram a ser sinónimos. Tanto assim que no PSD não faltava quem se inquietasse por ser Pinto Luz, enquanto vice-presidente de Luís Montenegro na oposição, a dar sempre a cara pelo tema. Mas nem Montenegro nem Pinto Luz viam qualquer problema nisso. Pelo contrário, na cúpula do partido o conhecimento de Pinto Luz na matéria era visto como um ativo. “É quem mais percebe do assunto”, repetia-se.

O apoio de Montenegro

A serenidade de Luís Montenegro face às dúvidas que foram levantadas pela participação de Miguel Pinto Luz na privatização da TAP em 2015 é total. Tanto assim que, ao que a VISÃO apurou, no momento em que a bomba do relatório da IGF rebentou e Pinto Luz ficou sob fogo de políticos da oposição e comentadores, o primeiro-ministro não sentiu sequer a necessidade de falar com o seu ministro sobre o tema. Para ambos, era claro que o lugar de Miguel Pinto Luz não estava em causa.

Apesar disso, Pinto Luz pôs-se publicamente nas mãos de Montenegro. “Desde o dia em que assumi funções, o meu lugar pertence ao senhor primeiro-ministro”, disse em reação aos jornalistas, ao mesmo tempo que garantia não ter intenções de se demitir. Montenegro punha-lhe a mão por baixo. “O dr. Miguel Pinto Luz está fortalecido pelo excelente trabalho que tem feito como ministro das Infraestruturas e da Habitação”, afirmou o primeiro-ministro.

O plano no Governo é o de matar o caso, sublinhando a falta de novidade das conclusões do relatório da IGF face ao que já se sabia pela auditoria interna da TAP – que o governo PS enviou para o Ministério Público em 2022 – e da própria CPI, por cuja recomendação o então ministro das Finanças, Fernando Medina, pediu a inspeção à IGF. “Não traz nenhuma novidade face a outros relatórios”, declarou na altura Montenegro, dando o mote para a defesa que os sociais-democratas fizeram do tema. Miguel Pinto Luz, esse, não voltou a falar sobre o assunto. Aliás, questionado pela VISÃO, sublinhou que não tinha qualquer intenção de prestar declarações sobre um caso que no Governo é visto como “um fait divers para fragilizar um ministro que é muito próximo do primeiro-ministro”.

No Governo temem-se os efeitos desta polémica: “Vai ser um circo de dois ou três meses, mas entretanto a companhia vai perder valor”

No Ministério das Infraestruturas garante-se, aliás, que Pinto Luz está “totalmente tranquilo” e que aguardará por ser ouvido no Parlamento para voltar a falar da privatização da TAP. Ainda assim, no Governo temem-se os efeitos desta polémica. “Vai ser um circo de dois ou três meses, mas entretanto a companhia vai perder valor”, diz um governante, admitindo que neste momento a venda da TAP pode ser feita mantendo o controlo público.

Mesmo que essa pudesse não ser a preferência do Governo da AD, parece ser o desfecho mais provável para a privatização que o Executivo de Montenegro quer fazer, mesmo sem estar obrigado a isso por Bruxelas. Por um lado, a Lufthansa – que tem mantido contactos com o Governo para a compra da empresa – já sinalizou a sua disponibilidade para entrar no capital da TAP sem ficar com a maioria, por outro, tanto o PS como o Chega – os dois partidos que mais pesam no Parlamento – já deixaram claro que travarão qualquer negócio que faça o Estado perder o controlo de uma companhia que entendem ser estratégica.

As luzes e as sombras do ministro

Em menos de seis meses de Governo, Miguel Pinto Luz é um dos ministros que mais vezes têm sido notícia e nem sempre pelas melhores razões. Passados oito dias da tomada de posse, Pinto Luz era o protagonista da primeira grande polémica desta AD. Em causa estavam buscas feitas pela Polícia Judiciária à Câmara Municipal de Cascais, no âmbito de dois inquéritos: um relacionado com um negócio imobiliário para a construção de uma fábrica de máscaras para a Covid-19 e outro sobre um contrato celebrado entre uma empresa municipal e a agência de comunicação que assessorou Miguel Pinto Luz na candidatura à liderança do PSD em 2019, quando era vice-presidente da autarquia. Numa nota enviada às redações, o Ministério Público esclarecia haver suspeitas de corrupção, participação económica em negócio, prevaricação e abuso de poder, mas sublinhava não ter ainda constituído arguidos.

“Tenho 20 anos de vida pública, estou completamente habituado a este escrutínio, é saudável, deixemos a Justiça funcionar”, reagiu na altura Miguel Pinto Luz, dizendo-se “completamente tranquilo” perante os inquéritos sobre os quais, entretanto, não voltou a haver qualquer notícia.

Sem sinais de ter ficado politicamente fragilizado, Miguel Pinto Luz apareceria, cerca de um mês depois das buscas, como o protagonista de um episódio que pareceu marcar um ponto de viragem na afirmação do Governo: o anúncio da localização do novo aeroporto de Lisboa. Depois de um começo recheado de casos e casinhos, o Governo retomava o controlo da agenda política e mediática, com Pinto Luz a aparecer como o homem que tinha desembrulhado uma (in)decisão que se arrastava há 50 anos.

Mesmo com todas as dúvidas (a maioria ainda por esclarecer) sobre os custos, os prazos de construção do aeroporto e os acordos com a ANA, Miguel Pinto Luz ficou claramente a ganhar com o anúncio, que incluía também uma terceira travessia sobre o Tejo e um TGV, que o País espera há décadas.

A máquina de Pinto Luz

O tamanho do anúncio condiz com o da ambição de Miguel Pinto Luz, o homem que há 30 anos se fez militante do PSD e que, mesmo sem ter conseguido chegar (ainda) a líder, tem uma impressionante rede de contactos e uma influência dentro do partido e fora dele, que lhe valeu muitas vezes o epíteto de “homem do aparelho”.

Quem o conhece de perto e domina os bastidores da máquina laranja diz que hoje Pinto Luz não gasta tanto tempo com o aparelho partidário. “Já não tem vida para isso, afastou-se muito”, garante um amigo, que justifica o afastamento com a vida pessoal exigente de Miguel Pinto Luz, que tem duas filhas gémeas de 7 anos e um rapaz com 5, aos quais dedica muito do seu tempo.

A verdade é que Miguel Pinto Luz tem já um estatuto na máquina, que está ainda mais reforçado pelo peso que tem no Governo. Mesmo que Hugo Soares seja, ainda que fora do Governo, aquele que mais influência tem sobre Luís Montenegro, Pinto Luz faz parte do grupo mais restrito que influencia o líder.

Junho de 2015 Assinatura da venda de 61% da TAP à Gateway Foto: José Carlos Carvalho

O estatuto que tem hoje não aconteceu por acaso. Em maio, o comentador, militante do PSD e consultor de comunicação João Maria Jonet dizia mesmo à VISÃO que Miguel Pinto Luz tinha “uma máquina de autopromoção gigante”. Essa máquina foi montada muito à custa do papel que teve como vereador na Câmara Municipal de Cascais, que lhe permitiu ficar colado à imagem da Nova SBE (ao ajudar a faculdade a instalar o seu Campus em Carcavelos), mas também das Conferências do Estoril, que dão palco aos mais poderosos e influentes e ajudam a projetar algumas figuras. Foi também em Cascais que contratou, como consultor de comunicação, Sebastião Bugalho, quando o comentador quis afastar-se dos jornais, pouco antes de fazer parte das listas para as legislativas do CDS.

O peso que tem no partido (onde foi durante muito tempo uma figura central na distrital de Lisboa), a influência que tem no Governo (antes das legislativas, foi a si que coube desenhar o plano para a Saúde da AD) e o acesso fácil aos jornalistas, com quem cultiva boas relações, fazem com que haja muitos que admitem que a ambição de Miguel Pinto Luz é a de chegar a primeiro-ministro.

Capacidade de realização não lhe falta. Licenciado em Engenharia Eletrotécnica pelo Instituto Superior Técnico, conseguiu conciliar a atividade intensa na JSD com os estudos, sem nunca ter perdido uma cadeira, desde que, aos 18 anos, o fim do Cavaquismo, em 1995, o fez inscrever-se no partido. Só é preciso que o longo percurso político não se transforme em cadastro à custa das polémicas. Mas isso só o tempo o dirá.

E AGORA, TAP?

Os próximos sete capítulos

O Governo mantém a intenção de venda da TAP, embora admita que o Estado continue maioritário. Na verdade, não teria maioria para fazer a privatização total, porque nem PS nem Chega apoiam essa solução.

O concurso para a venda ainda não está pronto, mas deve ser lançado em 2024.

Para já, há uma proposta em cima da mesa: a da Lufthansa, que está disponível para entrar com uma participação minoritária. Segundo o jornal italiano Corriere Della Sera, a empresa alemã terá manifestado interesse em comprar 19,9% da TAP. A confirmar-se uma participação abaixo dos 20%, não seria obrigatória uma avaliação da operação pela Comissão Europeia em matéria de concorrência.

O grupo IAG (que inclui a British Airways e a Ibéria) e a Air France-KLM também declararam interesse na compra da TAP.

Quanto vale a TAP? Ninguém sabe. Há avaliações que vão dos mil milhões aos três mil milhões. A Lufthansa fez uma proposta pelo valor mais baixo. Falta perceber como é que o Governo vai fazer essa avaliação.

Outra incógnita é a investigação à privatização de 2015. Desde 2022 que o Ministério Público tem elementos para investigar, mas não há notícia de desenvolvimentos.

Esta semana a Associação Peço a Palavra deu entrada com um pedido na Procuradoria-Geral da República (PGR) para a reabertura do inquérito judicial ao negócio, com base no relatório da IGF. A associação tinha feito uma denúncia que foi arquivada em 2019 por não haver “indícios suficientes”.

Palavras-chave:

Não foi preciso pensar muito no momento de decidir o nome. Oculto pareceu ser a palavra mais óbvia para o restaurante de Vítor Matos e Hugo Rocha, que ocupa uma cave descoberta durante as obras de renovação do Mosteiro de Santa Clara, transformado desde maio no The Lince Santa Clara Historic Hotel, em Vila do Conde. “Quando aqui vim pela primeira vez, tudo isto estava submerso”, aponta Vítor Matos (duas Estrelas Michelin no Antiqvvm, no Porto, e uma Estrela Michelin no 2Monkeys, em Lisboa), que desafiou Hugo Rocha (com quem trabalhou no Casa da Calçada, em Amarante, e no Antiqvvm) para se juntar ao projeto. As escavações deixaram à vista os belíssimos tetos abobadados em tijolo, bem como a pedra original de séculos passados, ajudando a criar um ambiente intimista.  

Aberto apenas ao jantar, o Oculto tem dois menus: o Imersão (de peixe e marisco, a grande maioria da comunidade piscatória de Vila do Conde) e o Flora (este totalmente vegetariano, à base de legumes da Póvoa de Varzim). O Imersão inclui cinco ou oito momentos (€120 e €160, respetivamente), iniciando com três snacks servidos junto à cozinha aberta – sapateira, bacalhau e fígado de tamboril, a reinterpretação de um clássico com enguia fumada que tem acompanhado o percurso dos dois chefes de cozinha.

O pregado selvagem é um dos momentos do menu Imersão (de peixe e marisco)

Já na sala (com 26 lugares sentados), chega o pão de fermentação lenta de uma padaria local e a manteiga das Marinhas (de Esposende), antes dos pratos principais: lírio dos Açores, gamba violeta, pregado selvagem e lula de anzol, a maioria confecionada na brasa. Ananás dos Açores com especiarias e tarte de chocolates rematam a refeição, que é acompanhada por seis vinhos de seis regiões do País (€60 a €80).  

Em breve, o menu poderá ser servido na wine cellar, uma sala-garrafeira com uma mesa comunal. “O objetivo é que as pessoas se esqueçam do mundo lá fora”, diz a dupla de chefes.

O Mosteiro de Santa Clara foi renovado e reconvertido a hotel de cinco estrelas

Uma a duas vezes por mês, o restaurante organiza jantares vínicos (€120). Os próximos estão marcados para os dias 18 de setembro, 2 e 16 de outubro, e 6 de novembro.

Oculto > The Lince Santa Clara Historic Hotel > Lg. Dom Afonso Sanches, Vila do Conde > T. 252 035 300 > ter-sáb 19h30-21h30    

Visao 1593
A capa da VISÃO de 14 de setembro de 2023

A mudança do quarto para o quinto ano é abissal. Dentro da sala de aula, já se sabe, muda tudo quando se deixa a “escola primária”, mas nos recreios também. Começa o silêncio. Isolados ou em pequenos grupos, todos convergem para o pequeno ecrã. Para muitos miúdos, é a primeira vez que têm um telemóvel só seu e, aos 10 anos, tudo é obsessão e vertigem. Os grupos de WhatsApp correm à solta (a idade mínima para se entrar nesta rede social é 16 anos), e as “aves raras”, a quem os pais não deram um telemóvel, ficam sem amigos para brincar.

A partir desta quinta-feira, 14, os cerca de três mil alunos das nove escolas de Almeirim, no concelho de Santarém, terão grandes limitações ao uso do telemóvel – para as crianças do 1.º, 2.º e 3.º ciclos, a proibição é total, nem durante as aulas nem nos tempos livres; no Secundário, os adolescentes colocam os dispositivos em suportes, nas salas de aula, e a sua utilização nos intervalos está a ser ponderada.

“A situação mais crítica passa-se no 2.º Ciclo: os alunos, no recreio, não estão preocupados em comer, brincar ou ir à casa de banho, só pensam em jogar”, descreve José Carreira, diretor de um dos dois agrupamentos de escolas de Almeirim. “Se fosse só para telefonar… Filmam coisas que não deviam filmar, publicam no Instagram [idade mínima exigida é 13 anos], e é uma ótima ferramenta para fazer bullying”, acrescenta.

Entre os riscos mencionados pela UNESCO, no seu relatório A tecnologia na Educação (2023), está precisamente o bullying digital, com dados de 32 países a mostrarem que, em média, pelo menos 20% dos estudantes do 8.º ano já foram vítimas.

Mas não é só. O documento mostra que o fascínio pela tecnologia não é assim tão benéfico em termos educativos, recordando dados de avaliações internacionais em larga escala, que sugerem uma correlação negativa entre o uso excessivo das tecnologias de informação e comunicação e o desempenho académico. “Temos de ensinar as crianças a viver com e sem tecnologia; a tirar o que precisam da abundância de informação, mas a ignorar o que não é necessário; a deixar a tecnologia apoiar, mas nunca suplantar as interações humanas no ensino e na aprendizagem”, referiu Manos Antoninis, diretor da equipa que elaborou o relatório.

Eles vão estrebuchar, e ainda bem, é normal, mas o papel dos pais e das escolas é proteger

Graça Milheiro, Pedopsiquiatra

Ao nível europeu, há países que começam a reavaliar a utilização dos manuais digitais, como a Noruega e a Suécia, e por cá também há novidades, como pode ler a seguir, na entrevista com o ministro da Educação.

A E-READ, rede europeia de pesquisa de leitura, chegou à conclusão de que o uso de ecrãs para a leitura, na área da educação, afetava a compreensão e a profundidade de processamento da informação. Uma preocupação acompanhada por Filipe Palavra, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia: “Do ponto de vista clínico, os manuais digitais não deviam avançar. Quando as crianças ainda estão a adquirir competências de motricidade fina, é pernicioso colocar-lhes um computador à frente”.

A brutalidade do “cyberbullying”

Segundo um inquérito feito a crianças e jovens portugueses, entre os 9 e os 17 anos, conduzido pela rede EU Kids Online e divulgado em 2020, 90% usam o telemóvel todos os dias e 87% têm acesso frequente à internet por smartphone. A maioria (80%) utiliza a internet para ouvir música e ver vídeos, assim como para comunicar com familiares e amigos e consultar as redes sociais (75%). Já 24% das crianças e jovens portugueses admitiram ter sofrido bullying (online e offline), sendo o cyberbullying mais referido do que o bullying cara a cara.

“A permanência e a recorrência deste tipo de episódios são altamente fragilizantes e desafiadores”, aponta a psicóloga Diana Alves. No online, acrescenta, “há um palco com um risco maior, porque há reações e palavras que presencialmente não se era capaz de ter. Esta ausência de rosto deixa-nos libertos de alguns filtros, que nos tornam menos sensíveis ao impacto que vamos ter nos outros, porque faltam-nos a presença física e a sua reação”.

Recreio Na mudança para o 5.º ano, as crianças a quem os pais ainda não deram um telemóvel queixam-se: “Não tenho amigos com quem brincar”

Já existe investigação extensa a demonstrar que o bullying (incluindo o cyberbullying) na escola pode ter consequências graves, a curto e a longo prazos, para os alunos: insegurança na escola, sofrimento psicológico, níveis mais baixos de desempenho académico e de frequência escolar. Alguns estudos também associam o cyberbullying a sintomas depressivos, de moderados a graves, ao uso de substâncias, à ideação suicida e a tentativas de suicídio. Com a utilização constante dos telemóveis, há inevitavelmente mais portas de entrada para situações de risco.

A medida radical agora adotada em Almeirim já leva seis anos de execução em Santa Maria da Feira. Em 2017, uma mudança ponderada pela direção do agrupamento António Alves Amorim, em Lourosa, foi aprovada num Conselho Geral, do qual também fizeram parte encarregados de educação e representantes dos alunos dos vários ciclos de ensino.

A possibilidade de se poder fotografar ou filmar dentro da sala de aula e nos balneários, deixando professores, crianças e adolescentes expostos nas redes sociais, foi um “bom” argumento para se validar a proibição de telemóveis nos oito estabelecimentos de ensino do agrupamento, com cerca de 1 500 estudantes, dos 3 aos 16 anos.

“Se, sem telemóveis, o bullying existe em pequenos grupos; com fotografias e vídeos, esse ato é multiplicado numa escala muito maior na comunidade escolar”, alerta Mónica Almeida, diretora do agrupamento.

Proibir ou não: o que os outros países andam a fazer

Portugal não está sozinho na discussão sobre o uso de smartphones nas escolas, dentro e fora de aulas. Outros países já tomaram uma posição

A UNESCO estima que um em cada quatro países proibiu smartphones nas escolas. O problema é global, mas as soluções adotadas foram variadas.

França foi dos primeiros a banir o uso de telemóveis, tablets e smartwatches nas escolas por menores de 15 anos, a qualquer hora do dia e inclusive nos recreios. A medida, adotada em setembro de 2018, tinha sido um dos motes de Emmanuel Macron durante a campanha presidencial, face às dependências e perturbações na aprendizagem. A lei francesa estabelece que são as escolas a determinar toda a logística. 

Neste ano letivo, os três tipos de aparelhos foram igualmente banidos das salas de aula dos Países Baixos, por serem considerados disruptivos para a aprendizagem. Mas o governo holandês deixou para as escolas a definição das regras exatas, entre professores, pais e alunos.

Já em 2015, Taiwan proibiu que crianças menores de 2 anos usem dispositivos eletrónicos como iPads, televisões e smartphones. Os pais que permitem que os seus filhos brinquem com estes gadgets terão de pagar uma multa. A lei também estabelece que os pais devem garantir que os menores de 18 anos só utilizem aparelhos eletrónicos durante um período “razoável”.

Recentemente, a administração do ciberespaço na China propôs a regulação do uso de telemóveis por menores: até aos 16 anos, só poderiam ser usados uma hora por dia; dos 16 aos 18 anos, durante duas horas. Isto exigirá que os fabricantes de dispositivos, sistemas operativos, aplicações e lojas de aplicações introduzam o chamado “modo menor” para limitar o tempo gasto nos ecrãs. De acordo com o plano, os dispositivos com este modo ativado ficariam praticamente inutilizáveis ​​entre as 22h e as 6h. Além do mais, mensagens pop-up lembrariam as crianças da necessidade de descansar após usarem os telefones por 30 minutos. Estas regras ainda não entraram em vigor, mas já provocaram a queda das ações das empresas tecnológicas chinesas na bolsa. O governo chinês já tinha imposto restrições aos jogos online para crianças e jovens, limitando o uso a apenas três horas por semana.

Na Finlândia, berço dos Nokia, o governo de extrema-direita anunciou que fará as alterações legislativas necessárias para permitir restrições mais eficientes ao uso de dispositivos móveis durante o dia escolar, para que os alunos possam concentrar-se melhor no ensino.

Nos Estados Unidos, um relatório de 2020 do Centro Nacional de Estatísticas da Educação afirmava que 76% das escolas já proibiam o uso de telemóveis.

Sustentada pelo Estatuto do Aluno, na Lei 51/2012, no seu Artigo 10.º, alínea r), em que se diz: “Não utilizar quaisquer equipamentos tecnológicos, designadamente telemóveis, equipamentos, programas ou aplicações informáticas, nos locais onde decorram aulas ou outras atividades formativas (…)”, a direção do agrupamento António Alves Amorim entende que os intervalos integram as “outras atividades formativas”. “Para nós, o que se passa no intervalo é englobado no tempo total que se passa na escola. Ali, os alunos também estão a formar-se. É muito importante que desenvolvam as capacidades de socialização, de resolução de problemas cara a cara, sem se esconderem atrás do pequeno ecrã”, justifica a docente.

Ideias partilhadas pelos autores da petição Viver o recreio escolar, sem ecrãs de smartphones!, com mais de 19 mil signatários e a caminho de discussão na Assembleia da República. “Se o Estatuto do Aluno peca na sua alínea r), por não mencionar o recreio, o local específico de lazer nos intervalos, e se a sua alínea s) já proíbe a captação de sons e imagens de atividades letivas e não letivas, sem autorização prévia da direção escolar, porque não avançar com a revisão da lei?”, questiona Mónica Pereira, uma das primeiras peticionárias. “A petição também serve para os pais se questionarem se é preciso dar um telefone. E, se é só para fazer chamadas, porque têm de ter acesso à internet?”, acrescenta.

Tradicional ou digital?

São precisos mais joelhos esfolados e recreios menos silenciosos. “É uma mais-valia as crianças não terem os telemóveis no recreio. Os jovens estão a maior parte do tempo em contexto de sala de aula, em aprendizagem, num ambiente mais formal. Mas nos intervalos existe outro tipo de aprendizagem, a aprendizagem das relações, em que eles interagem com os pares, trabalham a empatia e as competências sociais, que só se desenvolvem cara a cara. Ganham a capacidade de demonstrar afetos; os jovens precisam de se tocar. O telemóvel vai bloquear a capacidade de brincar, correr, rir e de estimular a sua criatividade”, defende Graça Milheiro, pedopsiquiatra e diretora do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência, do Centro Hospitalar de Leiria.

Nas salas de aula de Lourosa, o professor da primeira hora guarda os telefones numa caixa e o do último tempo devolve-os à saída. Se os alunos permanecerem na escola, em atividades de desporto ou de apoio escolar, mantêm-se sem telefone. A única exceção contemplada passa por atividades curriculares na aula, que incluam algum tipo de jogo ou o uso da Kahoot!, plataforma com atividades de múltipla resposta.

Mundo de problemas Filmagens não autorizadas, cyberbullying, o vício dos videojogos e a grande distração na sala de aula, os jovens não estão preparados para resistir ao fascínio do telemóvel (nem muitos adultos)

“Somos completamente a favor do uso dos vários recursos digitais na sala de aula. Há disciplinas que utilizam o computador como recurso privilegiado. O ideal é existir a combinação entre os métodos tradicionais e as abordagens digitais. No Ensino Básico, não devemos descartar nenhum deles”, esclarece Mónica Almeida.

E acrescenta: “Temos o projeto Robótica no Pré-escolar; no 1.º Ciclo há, pelo menos, um dia em que as crianças utilizam o computador como recurso pedagógico; para o 7.º e 8.º anos, na disciplina STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática), com recurso aos mais diversos meios tecnológicos, desenvolvem projetos nessas áreas.”

Enquanto Portugal, neste ano letivo, terá 21 260 alunos de 160 escolas a estudar com manuais digitais, a quarta fase do projeto-piloto lançado pelo Governo e que abrange turmas do 3.º ao 12.º anos de escolaridade, na Suécia os professores estão a voltar a usar os tradicionais livros em papel. Ao mesmo tempo que a Agência Nacional de Educação sueca fala na introdução de tablets logo nos jardins de infância – medida que a ministra da Educação quer reverter –, os docentes estão a privilegiar o tempo dedicado à leitura silenciosa e à prática da caligrafia.

“Analfabetos motores”

A Ciência ainda não chegou a conclusões definitivas sobre os efeitos do tempo passado à frente dos ecrãs. A inovação constante dos dispositivos torna difícil seguir o rasto do impacto. Onde começa a surgir informação mais credível é no que diz respeito às idades precoces, de tal forma que a Organização Mundial da Saúde já lançou diretrizes quanto a tempos-limite para crianças com menos de 5 anos (ver infografia).

Apesar de existirem no mercado inúmeros produtos digitais, que prometem estimular e educar, há cada vez mais evidências de que os ecrãs não são uma ferramenta eficaz para bebés e crianças. Há estudos a associar mais tempo passado nestes dispositivos a um pior desempenho em testes de triagem comportamentais, cognitivos e de desenvolvimento social ou a mostrar que assistir a programas educativos de televisão, para menores de 2 anos, não era tão eficaz quanto a interação ao vivo, por exemplo em tarefas simples de imitação, na aprendizagem de línguas e na aprendizagem emocional.

Vida “offline” Correr, brincar em grupo, jogar à macaca, à bola, às escondidas, saltar à corda, ao elástico… recreios barulhentos e cheios de energia

Filipe Palavra, neurologista e neuropediatra, é perentório: “Em crianças pequenas, abaixo dos 2 anos, a utilização de tecnologias e de ecrãs devia ser proscrita, porque pode contribuir para amputar aquisições importantíssimas do desenvolvimento, como as competências sociais. É imprescindível a interação olhos nos olhos, com os pares e não só; não podem estar concentradas num ecrã”. Consequências na linguagem, na memória, na capacidade de concentração e no desenvolvimento da empatia também têm sido registadas.

Dezenas de investigações mostram um padrão comum: as crianças aprendem melhor cara a cara do que a olhar para uma tela e, normalmente, consideram os conteúdos digitais confusos, a não ser que tenham a presença de um adulto por perto a ajudar.

Para Carlos Neto, um dos maiores especialistas na área da brincadeira e do jogo, “até aos 6 anos, as crianças precisam de experiências multivariadas, de uma multiplicidade de contactos do ponto de vista sensorial, motor, percetivo, social, emocional, para criarem uma relação com os próprios corpos, os outros, os objetos, o mundo. Os ecrãs convergem para uma estimulação unilateral. É urgente redescobrir o corpo nesta revolução digital que estamos a viver”.

O professor jubilado da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa fala de uma “tragédia” do ponto de vista do sedentarismo. “Estamos a criar analfabetos motores.” Vários estudos comprovam-no, associando o uso elevado de smartphones e de redes sociais a um menor envolvimento em atividades físicas, assim como a um aumento do consumo de comida não saudável.

Os dispositivos digitais, a que Carlos Neto reconhece algumas vantagens (desde que usados com moderação), não são os únicos culpados desta inatividade. “Os espaços exteriores das escolas são uma vergonha. Temos de valorizar, humanizar e naturalizar os recreios. Se tiverem, nestes espaços, grandes desafios, os miúdos largarão os telemóveis”, acredita o professor. O problema estende-se ao modelo de aprendizagem. “As crianças estão quietas, caladas, aparafusadas às cadeiras… Os adultos estão com dificuldades em tolerar a energia delas. Mas corpos ativos dão cérebros ativos. O corpo não pode ficar à porta da escola.”

Falamos em atividade física, mas também não nos podemos esquecer do repouso. “Há implicações no ritmo biológico do cérebro devido à exposição a este tipo de ecrãs, cuja radiação o cérebro interpreta como correspondente à luz do dia, provocando uma diminuição da melatonina, que faz com que o sono venha mais tardiamente. A criança adormece mais tarde e tem necessidade de acordar mais tarde, só que não pode fazê-lo, porque tem de ir para a escola. Então, vai cheia de sono, irritada, com dores de cabeça, não aprende tão bem… E isto é uma bola de neve difícil de gerir no seio familiar”, avisa Filipe Palavra.

Redes sociais: o inimigo?

A atratividade dos telemóveis é consensual. “A disponibilidade e a acessibilidade dos smartphones propiciam e exacerbam a dependência. A riqueza dos estímulos, a quantidade infinita de informação acessível, numa zona de conforto, difícil de alcançar noutras circunstâncias, pois não exige deslocações nem ajustes, permitem uma exploração muito autónoma, prazerosa e compensadora. Em muitos aspetos, as alternativas ficam aquém”, sublinha a psicóloga Diana Alves.

“É muito fácil ficar viciado nestes dispositivos”, aponta Filipe Palavra. “O nosso cérebro está preparado para responder de forma favorável a algo que lhe dá prazer. Estes circuitos positivos reforçam-se intrinsecamente: quanto mais os usamos, mais gostamos deles, mais dependentes ficamos e mais irritados também ficamos, se não tivermos acesso a este tipo de coisas. Ora, isto numa fase precoce do desenvolvimento é catastrófico”, alerta o neurologista, e daí a importância de se limitar e de se racionalizar a sua utilização.

O contexto pessoal e social das crianças e adolescentes pode tornar mais propício o vício na utilização de ecrãs. “Se tiverem poucos amigos, sem uma ocupação extracurricular, que os desafie e estimule, com relações menos marcadas com os elementos da família, a ponto de não sentirem ímpeto a realizarem atividades em conjunto, podem, por exemplo, ter mais tendência a se isolarem no quarto, na exclusiva companhia da tecnologia”, adianta Margarida Crujo, coordenadora da equipa de pedopsiquiatria do Centro da Criança e do Adolescente, do Hospital CUF Descobertas.

Tempos pandémicos O Estudo em Casa foi uma operação extraordinária; por outro lado, os miúdos ficaram mais agarrados aos ecrãs

Um inquérito, divulgado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) – a mais de 70 mil jovens de 18 anos, que participaram em 2021 no Dia da Defesa Nacional –, revelou que seis em cada dez jovens passam mais de quatro horas por dia online (mais 8% do que em 2019). Cerca de 30% permanecem seis ou mais horas por dia nas redes sociais (usadas por 99% dos inquiridos) e 24%, quatro a cinco horas diárias. Além disso, 60% dos inquiridos jogam online (mais 6% do que em 2015) e, destes, 15% assumem passar aí seis horas ou mais. Preocupante é o facto de cerca de um terço reconhecer que o tempo passado online tem causado problemas: mal-estar emocional, diminuição do rendimento escolar e mau comportamento em casa.

Quando a psicóloga Jean Twenge, da Universidade de San Diego, publicou em 2017 o artigo Os smartphones destruíram uma geração, na revista The Atlantic, os alarmes soaram estridentemente. O crescimento nas taxas de depressão, nos suicídios e na solidão na Geração Z (nascidos nos finais da década de 1990 até ao início da década 2010) perspetiva uma crise mundial de saúde mental no horizonte, e Twenge culpava os smartphones.

Muitos críticos apontaram a fragilidade da tese. Uma delas foi Amy Orben, investigadora na Universidade de Cambridge, que chamou a atenção para o facto de o uso dos ecrãs ser muito diferenciado e, por isso, devia evitar-se uma correlação simplista com o bem-estar dos adolescentes. Procurou então ser mais específica. Num estudo publicado em 2022, Orben chegou à conclusão de que há uma maior sensibilidade às redes sociais e um menor índice de satisfação com a vida em certas faixas etárias: em raparigas, entre os 11 e os 13 anos; nos rapazes, entre os 14 e os 15 anos, e, em ambos os sexos, aos 19 anos.

As crianças estão quietas, caladas, aparafusadas às cadeiras… Os adultos estão com dificuldades em tolerar a energia delas. Mas corpos ativos dão cérebros ativos

Carlos Neto, Professor jubilado da Faculdade de Motricidade Humana, da Universidade de Lisboa

O psicólogo Jonathan Haidt tem reunido, analisado e tornado pública uma quantidade expressiva de informação sobre o tema, que aponta para o contributo das redes sociais no aumento das depressões e da ansiedade nos adolescentes. Para ir mais longe, a Ciência precisa de perceber o que os torna mais suscetíveis aos riscos e quais os conteúdos mais problemáticos.

Nem todos os miúdos são afetados negativamente pelas redes sociais. “Para uns, podem servir para exposição, na perspetiva de uma valorização, para se sentirem apreciados com comentários ou pelo número de visualizações ou de ‘gostos’. Para outros, o contacto com perfis encarados como perfeitos, que se idealizam, poderá contribuir para uma desvalorização do próprio, para a ideia de que ‘a minha vida é muito pior do que a dos outros’”, aponta Margarida Crujo.

Ter telemóvel é ser crescido

Enquanto alguns agrupamentos de Lisboa vão concretizar, neste início de ano letivo, a proibição dos telemóveis nas escolas, sem fazerem grande alarido e sem esperar julgamentos de estudantes e progenitores – caso do Gil Vicente, na Graça, em Lisboa, que acabou de anunciar a proibição em todos os ciclos –, outros mantêm o regime aberto, com algumas restrições. No Agrupamento de Escolas de Benfica, os telemóveis podem entrar na instituição escolar e na sala de aula: quando não leva o computador, o aluno pode usar o telemóvel para fazer pesquisa, caso isso seja necessário para a disciplina; os jovens de língua portuguesa não materna podem usar o tradutor do equipamento durante a aula. “Não existe proibição do uso de telemóvel, desde que este esteja enquadrado na atividade pedagógica”, explica Rosário Alves, diretora do coletivo, com cinco escolas e cerca de 2 700 alunos, dos 3 aos 18 anos.

Nos intervalos, nem todos se comportam da mesma maneira, como descreve a professora do 1.º Ciclo. Se entre os alunos mais novos a percentagem de utilizadores é muito reduzida, já no 2.º e 3.º ciclos abundam as crianças a jogar em rede, enquanto os mais velhos, do Secundário, vão trocando mensagens e convivendo em simultâneo.

Conta-me como foi Uma aula da Telescola nos anos 80. O ecrã era outro

Há dois anos, com o Plano de Ação de Desenvolvimento Digital da Escola, que está contemplada a atividade em sala de aula com computadores, “o que obriga a refletir também sobre o recurso ao telemóvel”. “O objetivo passa por usar menos os telemóveis no recreio. Sobretudo os alunos do 2.º Ciclo, entre os 10 e os 13 anos, que de repente passam para uma escola maior e, num contexto emocional, ter telemóvel é uma forma de se sentirem mais crescidos”, nota Rosário Alves.

Na base da motivação para Mónica Pereira e outros encarregados de educação terem feito a petição estiveram os relatos de crianças que, em 2022, ao irem para o 5.º ano e ao mudarem para uma escola maior, tendo mais disciplinas e novos colegas, chegavam a casa e se queixavam: “Não tenho amigos para brincar, estão sempre com o telemóvel.” Com a maioria das crianças no recreio distraídas em aplicações que modificam a sua aparência física, a jogarem online e a conseguirem ver alguns conteúdos de cariz sexual, “onde fica a inclusão quando os pais ainda não deram um telefone aos filhos?”, interroga Mónica Pereira.

São precisamente crianças como essas que Graça Milheiro acompanha em consulta. “Os pais não podem permitir que os filhos estejam até às três e quatro da manhã agarrados ao telemóvel. Eles vão estrebuchar, e ainda bem, é normal, mas o papel dos pais e das escolas é proteger, contribuindo para o desenvolvimento psicossocial dos jovens. Há quem chegue a casa e não tenha irmãos nem ninguém para brincar”, corrobora a médica.

Crianças com poucos amigos, sem uma ocupação extracurricular que as estimule, podem ter mais tendência a se isolar na companhia da tecnologia

Margarida Crujo, Pedopsiquiatra

No Agrupamento de Escolas D. Filipa de Lencastre, em Lisboa, com três escolas e quase 1 900 alunos, do jardim de infância até ao 12.º ano, a direção liderada por Ana Capitão também não é a favor da proibição total do uso dos telemóveis. “Preferimos o uso consciente em situações com autorização do professor na sala de aula. Em algumas disciplinas, este poderá ser usado para pesquisas, trabalhos de grupo e jogos didáticos”, exemplifica.

Por forma a promover o convívio nos tempos livres, nos recreios, é proibido usar o telemóvel no bar, em locais de refeições e nos corredores. Neste ano letivo, haverá um reforço dos temas na disciplina de Cidadania, incluindo a abordagem do uso consciente do telemóvel. Além disso, terá início um projeto de voluntariado, em que uma das propostas passa pelos alunos de o Secundário dinamizarem jogos coletivos nos intervalos. Sensibilizando os mais velhos, o exemplo ajudará os mais novos a não se tornarem tão dependentes do telemóvel.

Decidir com eles

Ninguém duvida de que é preciso estar atento aos efeitos negativos dos abusos dos telemóveis, mas há quem acredite que proibir não é a melhor forma de combatê-los. “É benéfico criar regras, mas estas deviam ser discutidas, analisadas e explicadas, junto das crianças e dos jovens. Se não os envolvermos na decisão, é só uma regulação externa, e o que queremos é desenvolver processos internos de autorregulação, porque isto não vai desaparecer, vai evoluir”, entende Eduarda Ferreira, psicóloga, membro das equipas de investigação Net Children Go Mobile e EU Kids Online Portugal. “Nem todos os pais têm competências de literacia digital para ajudar os filhos. A escola é o local que garante maior igualdade social e já tem autonomia e currículos para desenvolver estas estratégias”, acredita.

Há implicações no ritmo biológico do cérebro devido à exposição aos ecrãs, provocando uma diminuição da melatonina

Filipe PalavraVice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia

No Agarrados à Net – projeto criado por Tito de Morais e Cristiane Miranda, com o objetivo de promover o bem-estar digital, e não só o combate ao uso excessivo e problemático das tecnologias, mas o ciberbullying, o impacto negativo que as redes sociais têm na imagem corporal das crianças ou os abusos sexuais online –, costuma-se usar a analogia entre uma piscina e a tecnologia.

“Enquanto pais, falamos com os filhos sobre os perigos da água, ensinamo-los a nadar, não tiramos os olhos deles, colocamos cercas à volta da piscina para os proteger. Com as tecnologias, atiramos as crianças diretamente para alto-mar, sem lhes mostrarmos os perigos e ensinarmos a nadar.” Vamos deixá-las em águas abertas?

Artigo publicado na VISÃO de 13 de setembro de 2023

Crie e cumpra regras
Redijam em conjunto regras sobre a utilização de ecrãs, com limites consistentes, prioridades, recompensas e castigos. Uma espécie de contrato digital, escrito e assinado por todos, para ser mantido à vista. Quanto mais cedo o fizer, melhor.

Mantenha-se informado
Faça pesquisas sobre temas que não domina ou procure workshops e formações sobre parentalidade digital. Saiba quais os conteúdos e tempos de visualização apropriados para cada idade. Existem organizações, como a Common Sense, que fazem esse tipo de avaliações, disponíveis online.

Seja bom ouvinte
É importante criar momentos para conversar com os seus filhos. Ouça com atenção, sem julgamentos, faça frequentemente perguntas e fale tanto no problema em si como em soluções.

Use softwares de controlo parental
Não os instale em segredo, é importante manter uma relação de confiança com o seu filho. Funcione, não como um espião, mas como um guardião digital. Defina limites de tempo e conteúdo para os dispositivos e verifique com frequência as configurações de privacidade nas redes sociais. Um dos softwares mais populares é o Family Link, disponível no Google Play. Além disso, em plataformas como o YouTube, é possível configurar nas definições os conteúdos que estão acessíveis. No entanto, saiba que não há nenhum software que seja 100% eficaz. Trabalhe, sobretudo, o pensamento crítico da criança, para que saiba ponderar sobre aquilo que vê e aprenda a autorregular-se.

Ensine-os a navegar em segurança
Ensine regras básicas sobre o uso da internet: nunca disponibilizar dados pessoais, falar sempre com os pais quando acontecem coisas invulgares, nunca abrir ou responder a emails que não conhecem, não fazer downloads de ficheiros estranhos, duvidar de ofertas boas demais para serem verdade.

Conheça os limites das redes sociais
A idade mínima permitida pelo Facebook, pelo Instagram e pelo TikTok para ter uma conta é 13 anos. O WhatsApp não é apenas um serviço de mensagens, é uma rede social e a idade mínima é 16 anos.  Explique aos seus filhos que a imagem de uma pessoa só pode ser difundida com o seu consentimento e, tratando-se de um menor de idade, só com o consentimento dos pais. 

Explore e partilhe
Conheça o mundo digital dos seus filhos, peça-lhes que lhe mostrem os seus jogos ou aplicações favoritas. Fale sobre aquilo que viram. Mas passe igualmente tempo offline com eles.

Desligue
Devem ser evitados os ecrãs uma hora antes de dormir. E não deixe os seus filhos adormecerem com o telemóvel ao lado. Aliás, o ideal é libertar os quartos de qualquer tecnologia. Os smartphones também não devem estar presentes na hora de fazer os trabalhos de casa.

Eduque-os
Converse com os seus filhos sobre ser respeitoso online e como mensagens negativas podem ser prejudiciais. Ajude-os a resistir ao impulso de publicar conteúdos sem refletir.

Converse sobre o cyberbullying
Não ameace retirar ou reduzir o acesso aos ecrãs, pois os seus filhos encará-lo-ão como uma punição e resistirão a contar-lhe outras situações de bullying. Fale sobre o que aconteceu, faça capturas de ecrã ou guarde outras provas, se quiser reportar o caso à escola ou a outras entidades. Para mais informações, contacte a Linha Internet Segura (T. 800 21 90 90 ou linhainternetsegura@apav.pt). O cyberbullying por si só não é crime, mas estes comportamentos podem enquadrar-se em vários crimes – ameaças, coação, difamação, gravações e fotografias ilícitas… – tipificados no Código Penal.

Fonte: Agarrados à Net, Ordem dos Psicólogos, American Academy of Pediatrics

Lisboa anda um susto. Tudo graças aos filmes de terror exibidos neste festival internacional de cinema de terror. A maioria deles não são indicados para a tua idade, no entanto, os espectadores mais novos não foram esquecidos, por isso, no MOTELX podes contar com uma programação indicada para a tua idade. Chama-se Lobo Mau e inclui filmes e atividades, que começam já esta quinta-feira e vão até domingo.

Sustos Curtos

Cena do filme Os Nossos Medos

Curtas-metragens são filmes com uma duração de poucos minutos, e os Sustos Curtos são uma sessão de curtas dirigidas a espectadores com mais de 10 anos. Da meia dúzia de filmes que serão apresentados, destaca-se o filme Os Nossos Medos, do realizador português Bernardo Gramaxo. Bernardo falou com um grupo de jovens do Bairro da Estrada Militar do Alto da Damaia sobre os seus maiores medos, e é isso que vamos descobrir no seu filme.

As restantes curtas que poderás ver na sessão estão relacionadas com os medos de que estes jovens confessaram: assombrações, extraterrestres, bullying, ou o receio de perder as pessoas de quem gostamos, por exemplo. Não são assuntos são fáceis, e alguns podem ser mesmo assustadores, mas os filmes não têm a intenção de te assustar, mas de te pôr em contacto com as tuas emoções, sejam boas ou más, e tentar perceber como podes lidar com elas.
Quarta-feira, 12, às 13 horas, na sala 2 do Cinema São Jorge

No dia seguinte, uma outra sessão dirige-se a miúdos com mais de 6 anos. Vindos de países como Alemanha, Suécia, EUA e Portugal, estes filmes contam histórias com protagonistas inesperados, como um monstro que só quer uma boa selfie, zombies nomofóbicos (ou seja, que têm medo de ficar sem contacto por telemóvel) ou um castor capilar muito azarado. A sessão de 6 filmes dura aproximadamente uma hora.
Quinta-feira, dia 13, às 13h10, na sala 2 do Cinema São Jorge

O “grande filme”

Um dos destaques do Lobo Mau é o filme Flow, cuja história se passa no futuro, quando o mundo parece estar a aproximar-se do fim, repleto de vestígios deixados pelos humanos que o habitaram. Gato é um animal solitário, mas quando a sua casa é devastada por uma cheia catastrófica, ele encontra refúgio num barco povoado por várias espécies com as quais terá de colaborar, apesar das suas diferenças.
Podes ver o filme no dia 14, às 14h10, na sala Manoel de Oliveira, no Cinema São Jorge.

Outras atividades

Mas no MOTELX há mais para ver e fazer além de filmes. No sábado, 14, se tiveres mais de 6 anos, podes participar num peddy paper, em que deverás desvendar um dos segredos mais bem guardados do Cinema São Jorgee libertar os fantasmas (pouco) assustadores que habitam nas salas de projecção, terraço e outros espaços.
Cinema São Jorge, 11 horas, dois turnos de 45 minutos

No mesmo dia, realiza-se o ateliê Medos a Muitas Mãos: Animámos um Monstro! Quem te vai ajudar é o Fernando Alle, um realizador de filmes de terror português, que te desafiará a criar o teu “Coca”, um monstro que se encontra em lendas de várias regiões do país e que, dizem, tem cabeça de abóbora, cospe fogo e alimenta-se de crianças desobedientes. (Ui, que medo…). E para lhe dares vida, o Fernando irá ensinar-te alguns efeitos especiais tradicionais.
Entrada do Cinema São Jorge, 14, sábado, às 15 horas, maiores de 10 anos, €15

Os mais novinhos tambem têm direito a sustos, mas mais pequeninos, claro. No ateliê ALMA, os participantes vão poder dar asas á sua imaginação enquanto exploram os seus cinco sentidos. É por isso que se chama um ateliê sensorial, uma atividade que terá alguns elementos um pouco “terríveis”, com cores e texturas diferentes – viscosos, secos, molhados… Se tens irmãos bem mais novos, de certeza que vão gostar.
Entrada do Cinema São Jorge, 15, domingo, às 10h30, maiores de 1 ano, €15

O Casalinho do Diabo é um livro de Jerónimo Rocha que nos conta a história de dois diabretes que chegam de noite e levam as almas das crianças. E aqui vais poder ouvir a história ao mesmo tempo que, de dentro de uma caixa mágica, surgem objetos da história que te vão fazer “entrar” nela.
Cinema São Jorge, sala 2, 15, domingo, às 16 horas, maiores de 6 anos, €10


Palavras-chave:

Para quem viu o debate presidencial americano no dia seguinte, depois de ler todas as análises e prognósticos, não ficou com a impressão de que Kamala Harris deu uma tareia a Donald Trump. Uma tareia das antigas. Ganhou, é verdade, mas um debate não determina nem escolhe um presidente.

Kamala esteve excecionalmente bem, muito preparada, e sempre pronta para desmanchar os argumentos do adversário. Aliás, o gesto inicial de se dirigir a Trump para o cumprimentar foi um pormenor decisivo para se colocar no patamar certo: sem nenhum medo do ex-presidente.

Trump esteve como sempre: caótico no discurso e na narrativa, saltitando daqui para ali, e repetindo os augumentos políticos que se conhecem há muitos anos. Não desiludiu, por isso, os seus apoiantes. Não levou uma pancada que o deitasse ao chão, não ficou sem saber o que dizer, mas perdeu o debate. Curiosamente, em 2016, também Hillary foi dada como imbatível no frente a frente com Trump, e perdeu as eleições.

Kamala gostou tanto que quer repetir: mais um, ou dois, para encostar Trump às cordas. Não parece que o ex-presidente responda ao desafio, mas nada nele é constante, previsível e coerente. A cada um convirá, agora, olhar para as sondagens das próximas semanas. O efeito positivo de um debate dura escassas horas ou dias e as eleições são a 5 de novembro.

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