Na última sexta-feira, os advogados da X no Brasil informaram o Supremo Tribunal do país de que estavam a cumprir todos os pedidos feitos pelas autoridades. Os representantes legais esperam que, dessa forma, a rede social X possa voltar a operar no Brasil dentro de poucos dias. O Supremo Tribunal confirmou no sábado que recebeu estas indicações dos advogados, mas que nem toda a documentação necessária foi apresentada e estipulou um prazo de cinco dias para que tal seja feito.
Recorde-se que a X estava obrigada a remover certos perfis acusados de estar a espalhar desinformação, a pagar multas e a ter representação legal no Brasil, por ordem do juiz do Supremo Tribunal Alexandre de Moraes.
Na Índia e Turquia, a X já tinha concordado em censurar algumas publicações, mas no Brasil e Austrália, o próprio Elon Musk veio discordar publicamente das ordens governamentais e acusar as autoridades locais de censura. Desde o bloqueio da X no Brasil, muitos dos 20 milhões de utilizadores da rede recorreram a plataformas alternativas como a Bluesky ou a Threads, do grupo Meta. Além disso, o Supremo Tribunal retirou dois milhões de dólares da Starlink para pagar multas que a X, do mesmo grupo, tinha recusado pagar.
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Muitas das contas que o Tribunal determinou que fossem removidas pertencem à extrema-direita e já tinham publicamente elogiado Musk pela resistência às ordens. Agora, muitas criticam o recuo do empresário norte-americano. Paulo Figueiredo, uma figura da extrema-direita e cuja conta do X estava entre as que o Tribunal determinou serem bloqueadas, escreveu que Musk “vergou-se” na altura em que se soube que a empresa contratara advogados no Brasil, num sinal de que se preparava para cumprir as ordens legais. Figueiredo escreveu que “é um dia muito triste para a liberdade de expressão”, mas, mais tarde, revelou que percebia a posição de Musk e que lhe agradecia “os seus esforços”, avança o The New York Times.
Alexandre de Moraes é uma das figuras mais polarizadoras do Brasil, tendo já pedido o bloqueio de pelo menos 300 perfis de redes sociais desde 2019. O juiz determina estes bloqueios em segredo de justiça e defende que está a proibir quem esteja a atacar as instituições democráticas do Brasil. No caso da X, Moraes afirmou que Musk pretendia “permitir a divulgação massiva de desinformação, discurso de ódio e ataques à democracia”.
Durante o ano, Musk publicou insultos ao juiz, apelou à sua prisão e assumiu que iria desafiar sempre as suas ordens, encerrando os escritórios no Brasil para poder evitar consequências. Agora, ao cabo de algumas semanas e de ter sentido o impacto económico, o executivo teve mesmo de recuar e ceder.
A viagem de demonstração foi curta, de apenas alguns minutos, mas num ambiente urbano com alguma complexidade. A versão do e-ATAK, da Karsan, com tecnologia de condução autónoma lidou bem com intersecções, rotundas, passadeiras e até com algumas manobras menos cuidadosas de alguns condutores. Como um carro que saiu do lugar de estacionamento repentinamente, e sem fazer qualquer sinal, e um outro carro que fez uma curva ‘fora de mão’. O e-ATAK reagiu atempadamente e de modo suave, dando sempre prioridade à segurança. Num ecrã montado no interior foi apresentado o que o autocarro ‘via’, incluindo as vias, os sinais de trânsito, os outros veículos e os peões. Um sistema que também indica, através de cores linhas e animações, o nível de risco quando é necessário lidar com obstáculos e até o percurso previsto para outros veículos e peões. Tudo em tempo real.
Os LIDAR são o principal sistema usado pelo autocarro da Karsan para criar uma representação digital do ambiente em redor do veículo
Esta ‘visão’ do Karsan e-ATAK resulta de um sistema de fusão de sensores. Ou seja, um sistema que obtém informação através de diferentes tecnologias: radares, câmaras e sistemas LIDAR (um género de radares que usam lasers para criar uma representação 3D do ambiente). Segundo nos foi explicado por Ali Ihsan Danisman, diretor de comunicações da Adastec, que desenvolve a plataforma de condução autónoma usada pela Karsan, “os dados recolhidos pelos diversos sensores são todos usados no processamento feito pelo sistema, mas a informação gerada pelos LIDAR tem prioridade sobre as restantes”. O Karsan e-ATAK utiliza cinco LIDAR: um de grande dimensão e resolução, montado no topo do autocarro, e outros quatro instalados em cada um dos cantos do e-ATAK.
Nas viagens de demonstração, os passageiros puderam ver, em tempo real, como funciona o software que gere a condução autónoma
Num dos painéis de discussão que decorreram no ENVE (Encontro Nacional de Veículos Elétricos), Ali Ihsan defendeu que, a médio prazo, a aplicação da condução autónoma a autocarros vai permitir poupanças significativas, relacionadas com os motoristas e maior eficiência da condução, “bem como reduzir significativamente os acidentes e melhorar o conforto a bordo para os passageiros”.
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De acordo com os representantes da Karsan, o e-ATAK demonstrado permite condução autónoma de nível 4 e deverá começar a operar, sem motorista, em alguns países em 2025. A solução proposta pela Karsan e pela Adastec prevê operadores remotos que podem assumir controlo do autocarro em situações em que o autocarro fique ‘preso’.
A Karsan forneceu o primeiro autocarro elétrico à Parques Tejo, que se estabeleceu recentemente como operador de transportes públicos em Oeiras.
Assim que as notícias saíram – e a violência com que as televisões invadiram os portões da escola da Azambuja devia ser algo de reflexão profunda – as teorias multiplicaram-se: era vítima de bullying; via conteúdo relacionado com o ideário nazi na internet; tinha problemas psicológicos… a verdade é que ainda hoje não sabemos o que terá levado o pequeno Dinis a esfaquear seis colegas na escola que frequentava há anos. Mas ninguém se coibiu de tentar adivinhar: nem colegas, nem encarregados de educação, nem comentadores televisivos.
Ainda não tinham passado duas horas do ataque, e era possível ouvir nas rádios e ver nas televisões crianças de 11 e 12 anos a fazer declarações “com a autorização do encarregado de educação” – como, aliás, não poderia deixar de ser. Crianças que estavam em choque porque tinham visto um dos seus a cometer uma atrocidade inominável eram colocadas defronte de microfones para falar ao País inteiro sobre algo que nem ainda tinham processado.
Os grupos de Whatsapp encheram-se de teorias, as contas de Instagram acompanharam – ter eliminado a minha conta de Facebook há anos não me deixar afirmar o que por lá se terá passado, mas aposto que não terá sido diferente.
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O medo é solo fértil para o crescimento de certezas, sobretudo quando tememos pelos nossos. Mas é preciso puxar o travão de mão para que não entremos em histerias coletivas e, sobretudo, para conseguirmos dar aos nossos filhos aquilo de que eles precisam em situações como estas: tranquilidade, segurança e recolhimento.
Apesar do mediatismo do caso – óbvio e expectável – não é preciso embarcarmos nós na aventura do espetáculo. Proteger os nossos filhos é também protegê-los da vida pública, ainda que agora os termos públicos e privados pareçam muito baralhados. Não deviam estar.
A minha filha no outro dia dizia, com ar de absoluta incredulidade: “Mãe, eu não apareço na internet! Ninguém sabe quem eu sou!” Ainda não tem idade para perceber, mas não aparecer na internet com a idade dela é, possivelmente, o melhor presente que lhe podemos dar nesta altura. A ideia de que tudo tem de ser partilhado com um exército de seguidores foi-se inculcando na nossa cultura, mas não sei bem em que altura deixámos de pensar nos riscos que isso acarreta. E não estou a falar somente das questões mais fáceis de explicar– pessoas que não conhecemos saberem em que escola andam os miúdos, conhecerem as suas rotinas, saberem como as aliciar se lhes der na gana – mas sobretudo das outras: o perfeito disparate de fazermos os miúdos acreditarem que a vida dentro dos ecrãs é muito mais importante e real do que a vida (pasme-se!) real que devem viver.
E sim, a culpa é nossa, que tantas vezes lhes atiramos um “vou já”, quando nos chamam e estamos a responder a mensagens ou a ver contas nas redes sociais. A culpa é nossa, que tantas vezes estamos a passear com eles, mas de olhos postos no telefone. A culpa é nossa, que nos sentamos a ver um filme, mas temos o olho a espreitar o telefone. Porque o que lhes estamos a dizer, de cada vez que uma dessas coisas acontece, é que eles não são suficientemente importantes. Que o que está naquela vida digital é prioritário.
Não sei em que momento perdemos a noção de presença, mas sei que temos de repensar urgentemente os exemplos que estamos a dar às novas gerações. Está mais do que provado que os ecrãs têm muito mais custos do que benefícios para as nossas crianças e adolescentes, cujos cérebros ainda estão em formação. Se não conseguimos, nós adultos, afastar-nos das redes, da exposição pública e do apelo constante das notificações, não sei bem como lhes podemos ensinar o contrário. E esse contrário, neste caso específico com que comecei este texto, era precisamente agarrar nas crianças profundamente traumatizadas, que viram um dos seus colegas esfaquear amigos, e dar-lhes a presença de que eles precisavam. Um abraço, o sossego de casa e as explicações que ajudam a processar. Atirá-los para televisões, rádios ou redes sociais não é – garanto – proteger as pessoas a quem queremos mais. Lamento, pais, mas a culpa de parte desta loucura que vivemos é também v(n)ossa. Quando mais cedo admitirmos, mais rápido resolvemos.
O sociólogo alemão Max Weber, em 1910, deixou um considerável contributo para a sociologia da comunicação. Na primeira reunião da Sociedade Alemã de Sociologia, apontava o conteúdo dos jornais diários como campo de pesquisa pertinente aos programas da instituição. Delineava-se, pois, um campo de estudo genuinamente científico: o de uma sociologia da imprensa. Os contactos dos jornais com os partidos, com o mundo dos negócios, com todos os variados grupos e pessoas que influíam na vida pública e que eram, consequentemente, influenciados por ela, apontavam, naquele tempo-espaço, o campo de investigação sociológica.
Volvidos 114 anos sobre a primeira reunião da Sociedade Alemã de Sociologia, podemos certificar que Max Weber era um visionário e que as suas teorias se propagaram ao longo do tempo, mantendo-se atuais.
Nos 114 anos que nos separam do manifesto de Weber, surgiram a rádio, a televisão e a internet, mas todos têm um denominador comum: o poder de comunicar e influenciar a sociedade através de uma notícia.
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O Código Deontológico dos Jornalistas portugueses é um verdadeiro exemplo de correção, honestidade e galvanização da pessoa do Jornalista.
Impõe, desde logo que, o jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.
Por outro lado, a Constituição da República Portuguesa estabelece no n.º 4, do art.º 38.º que o Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória e impedindo a sua concentração, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas.
Mas, como se disse, Max Weber já em 1910 anunciava que existiam contactos dos jornais [entenda-se, meios de comunicação social] com os partidos, com o mundo dos negócios, com todos os variados grupos e pessoas influentes na vida pública por quem eram influenciados, o que contraria exatamente o que a Constituição da República visa salvaguardar com mencionado normativo.
Tudo isto para aportar a uma conclusão: como em todas as áreas de atividade existem bons e maus profissionais – existem bons e maus jornalistas.
Mas fundamentalmente aqueles que realmente importam são os bons jornalistas, nomeadamente os que cumprem o Código Deontológico e não cedem perante poder político e o poder económico.
Sabemos que as empresas/grupos de comunicação social têm um escopo lucrativo e que os editoriais têm de ser dimensionados consoante as possibilidades financeiras das empresas, sendo que na maioria dos casos a justiça se encontra no editor da sociedade (um “saco” onde são colocados diversos temas de abordagem jornalística).
Existem, porém, redações com editores específicos para a área da justiça, o que se explica pela quantidade de noticias com interesse que este setor produz para as empresas de comunicação social. Ou seja, “a justiça vende”.
No jornalismo judiciário existem profissionais de reconhecida seriedade, rigor e honestidade intelectual. As posições que defendem, são assentes em argumentos válidos, sólidos e confirmados, demonstrando estudo e análise dos factos, cujas peças jornalísticas demonstram a exigência e cumprimento do Código Deontológico.
São estes jornalistas que têm o poder-dever de levar ao cidadão uma pedagogia judiciária séria, assente na análise rigorosa dos factos, mostrando o funcionamento do sistema jurídico português, das suas virtualidades, entropias e imperfeições.
Para efeito o jornalista tem necessariamente de conhecer e dominar a linguagem jurídica, o funcionamento das instituições judiciárias, as suas estruturas, competências, necessidades e dificuldades. Pese embora não seja propriamente fácil, já existem muitos que dominam na perfeição o tema da justiça e que contribuem para um cabal esclarecimento do cidadão.
Os outros [jornalistas], aqueles menos rigorosos, para quem o Código Deontológico é um mero documento de caixote do lixo, que se deixam influenciar pelos partidos, pelo mundo dos negócios e variados grupos e pessoas, esses não interessam!
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
Os fundadores do Partido Liberal Social (PLS) vão entregar, na próxima quarta-feira, no Tribunal Constitucional, mais de 7 800 assinaturas, com vista a formalizar esta nova formação política (a lei exige, pelo menos, 7 500 assinaturas válidas). À frente deste projeto está José Cardoso, ex-candidato à liderança da Iniciativa Liberal (IL) – na convenção da IL de janeiro de 2023, concorreu contra Rui Rocha e Carla Castro, obtendo apenas 4,3% dos votos. Rui Rocha seria eleito sucessor de João Cotrim Figueiredo com 51,7% (a lista de Carla Castro teve 44 por cento).
No início deste ano, José Cardoso tinha anunciado a desfiliação da IL, acusando a direção de Rocha de estar a desrespeitar os princípios do partido e de montar “uma fraude” que procurava impedir alterações na convenção estatutária de julho passado. Embora continue a “lamentar” os “erros estratégicos” da IL, José Cardoso diz, agora, que prefere “olhar para o futuro”.
“Depois de sair da IL, fiz uma longa reflexão, com várias pessoas, e cheguei à conclusão que havia espaço em Portugal para uma nova solução política com uma cultura liberal e social, capaz de ir ao encontro do perfil de projetos bem sucedidos, que existem no norte da Europa, em países como, por exemplo, Países Baixos, Suécia ou Dinamarca”. “Este projeto não é, naturalmente, para concorrer contra a IL, mas para ser alternativa a todos os partidos portugueses”, sublinha.
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Os responsáveis do PLS já tinham apresentado, em maio passado, o novo partido, publicando, na altura, cinco documentos estratégicos – a Identidade Política, a Declaração de Princípios, o Programa Político, os Estatutos e as Regras de Prática Política” –, que podem ser consultados no site da organização. “O liberalismo social oferece respostas políticas aos problemas reais dos portugueses. Acredito que o Partido Liberal Social irá ser inovador em múltiplos aspetos, trazendo novas soluções e novas formas de fazer política”, detalha José Cardoso. Convicto nesta solução, o dirigente admite, porém, que “o sucesso não será para amanhã”, apontando para o longo prazo. “Sabemos que temos um longo caminho pela frente, um trabalho para dez anos, que será feito a pensar nas novas gerações, que, claramente, desejam ter um País mais liberal”.
Como primeira grande meta, os responsáveis do PLS esperam que o partido “possa estar presente” nos boletins de voto nas Autárquicas de setembro de 2025.
Ponto prévio: sim, nas democracias, o povo é soberano. E uma boa parte do povo anda com medo do futuro (e dos “outros”) um pouco por todo o lado.
No quartel-general do do partido SPD em Potsdam, Alemanha, ontem ao final do dia respirou-se de alívio. Muitas sondagens davam como possível uma vitória do AfD, de extrema-direita, no estado de Brandenburgo mas isso não veio a confirmar-se. Mesmo em termos simbólicos esse teria sido um momento muito marcante não só para a Alemanha mas para toda a União Europeia.
Foi em Potsdam que, entre 17 de julho e 2 de agosto de 1945, se definiu a ordem mundial pós-guerra. Estaline, Harry Truman e Churchill (substituído a meio pelo trabalhista Clement Attlee, que entretanto venceu as eleições em Inglaterra) encontraram-se ali para, na Conferência de Potsdam, construírem sobre as ruínas do imperialismo nazi. Brandenburgo é o estado que rodeia a capital da Alemanha, Berlim, fez parte da RDA e desde a reunificação, em 1990, foi sempre governado pelos sociais-democratas do SPD. Nas eleições deste domingo a vitória foi tangencial: o partido do chanceler Olaf Scholz teve 30,9% dos votos e o AfD 29,2%.
A expressão “jobs for the boys” entrou no léxico político pela boca de António Guterres e nunca mais deixou de ser usada. Em 2011, em plena crise financeira e com a Troika de arraiais montados em Portugal, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas criaram uma agência que pretendia recrutar os dirigentes da Administração Pública por concurso, para acabar com os tais “boys”. Foi assim que nasceu a CReSAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública). A sua missão era fazer com que o mérito fosse o único critério de seleção, mas a prática mostra que a lei deixou “alçapões” que têm sido usados por todos os governos (o de Passos e Portas incluído) para contornar aquilo que devia ser um procedimento apartidário de recrutamento.
Desde que tomou posse, o Governo de Luís Montenegro tem feito uma verdadeira razia nos cargos de topo da Administração Pública. Desde maio, o Governo mexeu na direção de 24 organismos do Estado e nomeou 66 dirigentes de topo. A lista inclui o presidente do IAPMEI, a direção do Instituto Camões, o conselho diretivo da Agência para a Modernização Administrativa (AMA), a administração da AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), a Museus e Monumentos EPE, o Instituto do Património, o Instituto de Informática da Segurança Social, a diretora-geral da Administração Escolar (DGAE), o vogal do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Educação (IGeFE) e o diretor-geral de Energia e Geologia (DGEG).
“Buracos” no sistema
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Na maioria dos casos, a razão invocada pelo Governo para exonerar os dirigentes foi a necessidade de “imprimir uma nova orientação à gestão” ou “dar um novo impulso”, na formulação usada no caso da substituição do presidente do IAPMEI, na semana passada. Em quase todas estas situações (presidência do IAPMEI incluída), a mudança foi feita “em regime de substituição” para “assegurar o normal funcionamento do serviço até à abertura do procedimento concursal e subsequente nomeação de um novo titular”. Problema? À luz da lei, nenhum. Mas João Bilhim, o homem que fundou a CReSAP em 2011, vê nesta fórmula o recurso a expedientes que, na prática, inquinam os concursos.
“Para despolitizar o processo de recrutamento, é preciso fazer três alterações ao Estatuto dos Dirigentes da Administração Pública”, defende João Bilhim à VISÃO, identificando o que diz serem os “três buracos do sistema”. A saber: “O ponto que permite que o governo exonere alegando a necessidade de imprimir uma nova orientação à gestão dos serviços, que só fazia sentido quando os dirigentes não eram nomeados por concurso; o ponto que permite o regime de substituição; e fazer com que a lista de nomes escolhidos pela CReSAP em concurso, em vez de ser por ordem alfabética, passe a ser por ordem de classificação numérica, obrigando o governo a justificar a nomeação no despacho quando não escolhe o primeiro nome”.
Passagem de testemunho António Costa, no seu 1.º governo, fez, em quatro meses, 273 nomeações sem concurso (em regime de substituição). E Montenegro já mexeu em 66 lugares de topo… Foto: Filipe Amorim
João Bilhim acha mesmo que “com o uso e abuso dos regimes de substituição, as pessoas deixaram de acreditar que o concurso seja isento” e isso pode até desmotivar outros candidatos, já que, na prática, quem é nomeado em regime de substituição ganha uma experiência que pode vir a ser imbatível no concurso. “Esse tirocínio no cargo, dado de forma injusta, dá uma vantagem que é tanto maior quanto mais tempo se ficar nesse regime de substituição”, acusa Bilhim, explicando que facilmente os prazos se dilatam de forma a que o nomeado em substituição possa ficar até dois anos no cargo nesse regime. “É legitimar um processo ilegítimo”, critica.
Ora, se o expediente está a ser usado por Luís Montenegro, este não é o primeiro a fazê-lo. No primeiro governo de António Costa, foram nomeados 273 novos dirigentes do Estado sem concurso, em apenas quatro meses. Todos em regime de substituição. Poucos meses antes, em 2015, foi o próprio António Costa, ainda na oposição, a pedir uma avaliação aos concursos da CReSAP, porque a maioria dos candidatos escolhidos por concurso para os centros distritais de Segurança Social tinha ligações ao PSD ou ao CDS.
Além de poderem nomear dirigentes em substituição sem qualquer ligação ao cargo que vão exercer para aí ganharem experiência, os governos ficam livres de nomear quem quiserem para os lugares sempre que a CReSAP chegue ao fim de um concurso sem conseguir indicar três nomes aptos para as funções.
Concursos desertos
A VISÃO contactou a CReSAP para saber quantos concursos tinham chegado ao fim, nos últimos três anos, sem que fosse possível apresentar a tal short list obrigatória por lei, mas a comissão diz não ter meio de o saber. “A CReSAP não dispõe de dados estruturados que permitam saber quantos concursos ficaram sem short list nos últimos três anos, nem de pessoal que possa ser alocado a tal tarefa, tão-pouco dispõe de estudos que permitam conhecer as causas de tal fenómeno”, respondeu por escrito o gabinete do presidente.
A única informação sobre o assunto que é possível encontrar está no Relatório de Atividade da CReSAP, embora o mais recentemente publicado seja de 2022. Nesse ano, a comissão concluiu 46 concursos, dos quais 22 tiveram de ser repetidos por não terem produzido três candidaturas aptas para o lugar. “Dos 22 procedimentos concursais repetidos, 12 continuaram a não permitir obter short list, sendo que nessas situações os membros do governo competentes para os respetivos provimentos podem proceder a recrutamento por escolha, a qual é sujeita a avaliação, não vinculativa, de currículo e de adequação de competências ao cargo, realizada pela CReSAP”, lê-se o no relatório.
A CReSAP não sabe quantos concursos ficaram sem “short list” nos últimos três anos nem tem estudos que permitam apurar porque é que tal acontece
Porque é que há tantos concursos sem candidatos adequados? “Não sei dizer”, assume à VISÃO a vogal da CReSAP Cristina Coelho, admitindo que “há muita gente a concorrer por concorrer”, sem ter os requisitos mínimos pedidos, e que há áreas muito específicas em que “há poucas pessoas competentes”. Serão os lugares que oferecem condições pouco atrativas? “Isso exigia um estudo que a CReSAP não tem capacidade para fazer”, diz Cristina Coelho. João Bilhim tem uma resposta mais incisiva. “Se não fosse atrativo, o governo não teria tanto empenho em colocar lá os seus”, afirma, com ironia.
Apesar de tudo, a CReSAP queixa-se de poucos meios para uma vasta missão. Cristina Coelho recorda que no último ano foram pedidos 46 concursos a esta comissão, que trabalha com um presidente e três vogais (“um dos quais vai para a reforma em breve”) e com apenas três pessoas de apoio. “Até parece impossível fazermos tantos concursos”, desabafa a dirigente.
“A falta de meios tem sido em Portugal sempre a grande desculpa para explicar o que não funciona”, reage com acidez João Bilhim, que se gaba de ter posto a CReSAP a funcionar com quase nada. “Quando foi constituída, havia um decreto-lei. Nem papel higiénico havia”, ironiza, explicando que montou tudo com dois vogais, um técnico, um administrativo, um motorista e uma secretária “de carne e osso”, que a “de madeira” foi buscar a um armazém do Ministério da Saúde, assim como foi buscar os aparelhos de ar condicionado e os sofás ao Ministério da Economia e ainda adiantou 200 euros do seu bolso para pôr os aparelhos a funcionar.
“Fiz das tripas coração”, gaba-se, explicando que fez “mais de 500 concursos de 2012 a 2016” e emitiu cerca de três mil pareceres para nomeações em empresas públicas. Nessa época, recorda, “não chegaram a seis os concursos que ficaram sem três nomes para o governo nomear”. Um deles foi o concurso para presidente do IPMA, por ser uma área muito específica.
O que terá feito disparar, então, a quantidade de procedimentos concursais que acabam sem uma short list? “Na altura, as pessoas acreditavam que valia a pena concorrer”, diz, admitindo que isso possa ter mudado graças aos expedientes usados pelos vários governos para nomearem contornando as regras, mesmo que respeitando a lei. Na sua época, foi feito um estudo no qual se perguntou aos cerca de 7 000 candidatos que entraram em mais de cinco centenas de concursos se voltariam a concorrer através da CReSAP. “Numa escala de 0 a 10, 90% responderam com um oito”, recorda João Bilhim, que acredita que essa crença já não será igual hoje.