Visão
O Ministério Público pediu esta sexta-feira o estatuto de maior acompanhado para Ricardo Salgado, ao quarto dia do julgamento do processo do Grupo Espírito Santo, que decorre no Campus da Justiça, em Lisboa. Salgado é o principal arguido do caso e responde em tribunal por 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014, entre os quais associação criminosa, corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, manipulação de mercado e branqueamento de capitais.
O requerimento tem em conta o estado de saúde do ex-banqueiro, que sofre de Alzheimer, e está assinado pelos procuradores Carla Dias, César Damas Caniço e Sofia Gaspar, que acompanham o caso. Na primeira sessão do julgamento, realizada esta terça-feira, Salgado conseguiu dizer aos juízes o seu nome e o do seu pai, mas mostrou dificuldades em dizer o da mãe e em dar a sua morada.
O que é o estatuto de maior acompanhado?
O estatuto de maior acompanhado é um regime jurídico que se encontra em vigor desde 2019 e que substitui o anterior regime da interdição e inabilitação. Trata-se de um estatuto destinado a adultos em situações de demência ou de deficiência mental que impossibilitem a tomada consciente de decisões sobre a sua própria vida, competindo a um juiz avaliar a necessidade de medidas de acompanhamento. Nestes caso, é definida uma pessoa com a responsabilidade de tomar decisões pela pessoa que se encontra diminuída.
“O tribunal constata que a pessoa não está no uso de todas as faculdades e designa uma pessoa que substitua a pessoa diminuída. Pergunta-se ao beneficiário para se conseguir, dizer quem quer ser o acompanhante e pode ser a mulher. Se não for possível, o tribunal pode não aceitar também a escolha e nomear outra”, explicou a advogada Ana Pires, coordenadora do Departamento de Família e Menores da sociedade RSA, à agência Lusa.
De acordo com a lei, este é um instrumento legal que visa garantir o bem-estar e o pleno exercício dos direitos da pessoa acompanhada, “bem como a observância dos deveres do adulto”. O acompanhante designado não presta, no entanto, declarações pela pessoa que está a substituir.
Francisco Proença de Carvalho, advogado do antigo homem forte do BES considera uma “boa notícia” o requerimento do MP. “Dentro dos seus deveres de objetividade e de legalidade, o MP está a fazer o procedimento adequado. No fundo, reconhece aquilo que dizemos há muito tempo, que Ricardo Salgado não tem condições de se defender, não tem condições cognitivas de participar no processo e isso tem de ter os seus efeitos”, referiu em declarações aos jornalistas.
Estão ainda em julgamento outros 17 arguidos, incluindo Amílcar Morais Pires, Manuel Espírito Santo Silva, Isabel Almeida e as sociedades Rio Forte Investments, Espírito Santo Irmãos, SGPS e Eurofin.
Palavras-chave:
Ao recordar quatro décadas de vida académica, Gilberto Santos destaca as “muitas horas passadas a escrever artigos científicos e comunicações a congressos”, por vezes, noite dentro, ou nos fins de semana. “Abdiquei do meu tempo de lazer, investi em mais conhecimento para fazer a minha agregação e subir na carreira.” Ligado ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA) desde 2006, professor na Escola Superior de Design (ESD), assinou 142 artigos científicos indexados, tem um número recorde de citações (3 360), viu o seu currículo validado por um júri externo, tem livros publicados em Portugal e no estrangeiro, mas apesar de ter “o melhor CV de entre cerca de 500 professores da instituição”, garante, continua, aos 69 anos, no patamar mais baixo da carreira docente (como professor adjunto ou auxiliar), sem conseguir vaga nos concursos que poderiam garantir-lhe a promoção (para professor coordenador ou associado).
“Contribuí para o desenvolvimento do IPCA desde o primeiro minuto. Criei cursos, o primeiro mestrado da instituição, pertenci e pertenço a vários órgãos, tenho nota de “excelente” em todas as avaliações , considero-me uma pessoa cordata, que atua dentro das regras da boa educação”, enumera. “Há professores catedráticos com pior currículo do que o meu, mas fui muitas vezes ultrapassado por quem tem pior CV, pior produção científica, menos anos de carreira. Diria que sou alvo de uma perseguição por parte de quem manda, de uma injustiça que não consigo perceber”, afirma.

“É muito estranho, realmente”, comenta um colega e amigo próximo, mas que prefere manter o anonimato. Em anos recentes, Gilberto Santos avançou para a Justiça para contestar diversos procedimentos, como aquele a que chama “veto de gaveta” de um concurso na ESD, “decidido”, acusa, “por vontade da dirigente Paula Tavares”. “Senti-me pessoalmente prejudicado”, diz, o que o levou a contestar a decisão no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e a fazer também uma queixa-crime por abuso de poder, denegação de justiça e prevaricação contra a atual vice-presidente do IPCA. Ao ver “pessoas com um currículo incomparavelmente inferior” a progredirem na carreira, decidiu ainda apresentar providências cautelares para exigir que sejam anulados quatro concursos internos, o último dos quais aberto já este ano.
Em resposta à VISÃO, o IPCA nega a versão do professor, diz que “não é verdade” que Paula Tavares “não tenha dado seguimento” à abertura de um concurso e acusa Gilberto Santos de querer que lhe seja dada uma promoção “ilegal”. Em comunicado, o IPCA informa que Paula Tavares “manifesta a sua total revolta e contestação contra as acusações de ‘ter prejudicado’ o queixoso” e vai avançar para “queixa-crime por difamação e ofensa ao seu bom nome”. Em relação às outras queixas, o IPCA garante a legalidade de todas as práticas. “Ao longo da sua existência (a fazer 30 anos), o IPCA nunca teve um concurso para recrutamento de docentes que tivesse sido objeto de uma decisão de condenação pelo tribunal. E houve várias situações de impugnação de concursos tendo sido dado, sempre, vencimento à posição do IPCA”, lê-se na nota.
Simultaneamente, Gilberto Santos lamenta “não ter sido valorizado” dentro de casa. “Somos todos iguais, mas no IPCA há uns mais iguais do que outros. Agora, conto com o tribunal. É desgastante, muito injusto e triste, mas acredito que só desta forma será feita justiça”, diz. À VISÃO, o IPCA adianta ainda que “vai apresentar uma queixa-crime de ofensa a pessoa coletiva” contra Gilberto Santos, pois “não é admissível a afirmação ou a divulgação de factos inverídicos sobre uma pessoa coletiva, bem como a difamação e a colocação em causa do bom nome dos trabalhadores do IPCA, que muito têm contribuído para o aumento de qualificações e competências das pessoas”.
A lei da rolha
Gilberto Santos sabia ao que vinha. O artigo 22º do Código de Ética, Conduta e Integridade do IPCA regula o “relacionamento com os meios de comunicação social”, definindo que o trabalhador da instituição “deve abster-se de qualquer pronúncia pública ou prestar qualquer esclarecimento ou informação (…) sobre quaisquer matérias” relacionadas com a sua profissão. Talvez por isso as posições sobre o tema tenham surgido apenas em artigos de opinião, como o publicado, em abril de 2022, por Jorge Duarte Pinheiro, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na Revista do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP), em que alerta para os riscos da “contratação endogâmica e à medida” no Ensino Superior em Portugal e as retaliações para quem ousa “tocar na ferida”.
A VISÃO escutou mais de uma dezena de docentes no âmbito deste artigo, profissionais de várias gerações, ligados a instituições públicas e privadas, localizadas em diferentes zonas do País, mas a regra continua a ser o “receio” que impede de dar a cara, quando o assunto são processos que todos descrevem “não tendo transparência nem ética”. “Não se trata de falta de coragem, mas temos consciência de que há consequências para o nosso futuro. As pessoas têm família, têm compromissos, e é muito difícil colocar tudo isso em risco”, refere um dos envolvidos. A partir deste parágrafo, todas as identidades são fictícias.
“O vil comércio”
Um investigador da Universidade de Florença gravou os colegas a pressionarem para que desistisse de concurso. A investigação resultou em sete professores detidos e 22 suspensos
A semente da “revolução” na Universidade de Florença, Itália, brotou no primeiro dia de outono de 2017, mas fora plantada quatro anos antes. Philip Laroma Jezzi começou a gravar conversas tidas nos bastidores da instituição, depois de se ter candidatado à vaga de professor de Direito Tributário. Certo dia, Philip foi chamado ao escritório do professor jubilado Pasquale Russo, que prontamente lhe sugeriu que desistisse da corrida a favor de um candidato menos qualificado. “Para a próxima” o lugar seria seu, terá garantido. Durante o encontro, Russo explicou-lhe como funcionava “o vil comércio da troca de lugares”, mas o jovem investigador não alinhou na encenação e manteve a candidatura. Seria excluído do concurso, e ainda chamado à presença do professor Guglielmo Fransoni, um dos membros do júri naquele processo. Fransoni transmitiu-lhe o incómodo: “Não entendia” a teimosia de Philip, mesmo tendo este “recebido a mensagem para desistir”. Por esta altura, ninguém desconfiava de que Philip gravava todas as conversas. As provas seriam entregues ao Ministério Público e à Guarda de Finanças, que conduziram a Operação Maxi. As autoridades italianas investigaram 59 pessoas, entre as quais Augusto Fantozzi, um antigo ministro dos governos de Lamberto Dini e Romano Prodi. No final desse dia, sete professores foram detidos e outros 22 suspensos por um ano. Philip recorreu para a Justiça e o tribunal atribuiu-lhe a vaga de professor.
Miguel B. é professor “numa das duas melhores universidades públicas portuguesas”. Iniciou a carreira de docente em 1995 e, pelo caminho, desejou “garantir a nomeação definitiva” numa instituição no Centro do País. O que lhe parecia “natural, simples, dado o currículo”, tornou-se tarefa impossível, mesmo quando ganhou o concurso “a grande distância do segundo classificado”. Depois, “começou o inferno”, descreve. “O concurso foi simplesmente cancelado. Porquê? Porque os concursos no Ensino Superior são uma autêntica selva, abertos à medida de certo candidato, e quando não se consegue chumbar o outro concorrente, aquele que não se quer, apesar de ter um currículo muito melhor, decide-se pela suspensão ou pelo ‘congelamento’. Foi o que me aconteceu”, lamenta. Miguel B. confessa ter-se sentido “perseguido” durante vários anos, e ainda aguarda, há quase cinco, pela decisão de uma queixa que apresentou por danos morais contra três professores catedráticos.
Entretanto, a experiência parece agora repetir-se, num concurso interno para a progressão na carreira, realizado na instituição para onde se mudou. “O concurso foi aberto em janeiro de 2023, mas, até ao momento, o júri ainda não terá conseguido reunir-se.” A lei indica 90 dias úteis como prazo “desejável” para a conclusão do procedimento, mas nada deriva deste incumprimento. Passaram 19 meses, Miguel B. está convencido de que o “congelamento” se deve à sua candidatura. “A situação só comprova, mais uma vez, o pantanal em que se tornou o Ensino Superior em Portugal.”
Noutra cidade, as mesmas denúncias. Rui L. ingressou na carreira em 2003. Ao longo de duas décadas, somou um vasto currículo. Ligado, há oito anos, a uma universidade pública, pareceu-lhe “natural” concorrer a um dos dez lugares para professor associado. “O meu currículo era, sem dúvida, dos melhores”, mas de nada lhe valeu. Rui L. foi “eliminado [do concurso] administrativamente”, decisão que o júri justificou com o facto de o candidato ter mencionado a autoria de 300 publicações, mas ter apresentado apenas 290 a concurso. “Sabe quem ficou num dos dez primeiros lugares? Um professor que tem apenas seis papers publicados, o mínimo previsto nos requisitos”, refere. “Se a meritocracia deixa de ser o critério principal, se não promovemos quem produz mais e melhor, não está somente em causa o prejuízo para a pessoa, mas também para o próprio Ensino Superior e para o País. É gravíssimo”, sintetiza Rui L..

Noutro processo, destaca-se a coincidência entre requisitos e perfil de um dos candidatos (que ganhou o concurso). Nos corredores das instituições universitárias, designa-se o “fenómeno” como “concursos com fotografia” (ver imagem acima). Entre os critérios de avaliação num concurso para professor associado, o conselho científico propôs valorizar concorrentes que tivessem publicado, pelo menos, dois livros originais (sendo autores principais em, pelo menos, um deles), na área disciplinar de Sistemas de Informação, especialidade em Linguagem de Modelação de Sistemas de Informação e Dados. O exemplo de requisitos “demasiado ao encontro de um perfil”, como descreveu, à VISÃO, o professor José António Moreira, presidente do SNESUP, têm resultado em escândalos internos, abafados pelo medo. “Ninguém tem dois livros naquela área. O exemplo mostra que falamos de processos onde não há ética. Trata-se de dinheiros públicos, da Educação de um País. Percebemos que sobe na carreira quem presta vassalagem a determinadas pessoas”, resume João P., que não foi promovido, mesmo figurando, na maioria dos indicadores consultados pela VISÃO, à frente de alguns dos candidatos selecionados. Docente há dez anos, admite que, antes de entrar nesta universidade (onde trabalha desde 2016), “não tinha noção do que se passava” no Ensino Superior. “Hoje, questiono-me porque me dediquei tanto, porque abdiquei de tanto tempo com a família e amigos…”. Confrontado com os resultados, avançou para tribunal. “As pessoas costumam dizer: ‘Pronto, é assim.’ Acham mal, claro, mas depois não fazem nada… Não é uma questão de dinheiro, mas de reconhecimento, de recompensa, de evolução. O resultado foi muito injusto. As próprias votações dos membros do júri foram muito discrepantes. O que se pode fazer, nestes casos, é recorrer para a Justiça. E, confesso, ficaria chocado se, perante as evidências, o tribunal não atuasse”, conclui João P.
“Paz podre” nas universidades
As dúvidas em torno destes processos contribuem para “um clima de tensão dentro das instituições universitárias”, relata, à VISÃO, o professor José António Moreira (ver entrevista). Pedro L. entrou na carreira em 1989, mais de três décadas permitiram-lhe ver de tudo: desde júris que “não alinham” com a instituição e “nunca mais são convidados” ao estranho convívio entre protagonistas dentro das paredes da Academia. “É, no mínimo, desconfortável. É preciso ter grande força de vontade para, no dia seguinte, regressar ao trabalho e estar sentado ao lado de quem, injustamente, passou a ganhar um salário melhor; ou, por vezes, a chefiar. Instala-se uma paz podre, feita de silêncios e cumprimentos de circunstância. É um grande fator de desmotivação, com resultados na prestação de todos os profissionais deste setor.”
A advogada do SNESUP parece ter uma visão (mais) otimista deste tema. À VISÃO, garante que “a Justiça tem funcionado”, e até de forma “relativamente rápida, na primeira instância”. Celeste Dias Cardoso afiança que “há bastantes concursos que têm sido declarados ilegais pelos tribunais”, muitos deles “anulados por falta de fundamentação da avaliação”, outros “por falta de imparcialidade”. “As pessoas não devem ficar com a ideia de que a Justiça não funciona, de que não vale a pena reclamar, porque, regra geral, os tribunais decidem bem e não demoram assim tanto tempo”, diz.
José António Moreira
Presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP)
“Há um clima de tensão dentro das instituições [universitárias]”
O presidente do SNESUP lamenta nível de “conflituosidade” em torno dos concursos para docentes no Ensino Superior. José António Moreira defende que “número de casos” nos tribunais demonstra que processos “não são suficientemente claros”

Concursos feitos à medida, requisitos perfilados, avaliações pouco claras. A VISÃO ouviu muitas queixas. Existe falta de transparência e de justiça nos concursos para docentes no Ensino Superior em Portugal?
O que posso dizer é que o nível de conflituosidade dentro do Ensino Superior, público e privado, relativamente a concursos, é muito elevado. E isso é sinal de que algo não está bem.
Podemos, então, concluir que há concursos “manipulados”?
Não estou a dizer que os concursos não são justos. Digo, sim, que não estão suficientemente blindados para evitar essa conflituosidade, criando desconfianças. E podemos, por vezes, ficar com a ideia de que os concursos são manipulados, mas não temos dados para confirmar isso.
Uma das principais queixas é a existência de “concursos com fotografia”, destinados a candidatos escolhidos atempadamente
Olhando para alguns editais, percebemos que os requisitos, por vezes, vão demasiado ao encontro de um perfil. De resto, posso acrescentar que, de facto, alguns processos não cumprem a lei. Por exemplo, a todos os candidatos a posições iniciais da carreira docente no Ensino Superior não pode, segundo a lei, ser pedida experiência docente, mas essa regra é frequentemente violada.
O que pode fazer um docente que se sente injustiçado nestes processos?
Pode apresentar queixa no tribunal. Estamos a falar, sobretudo, de concursos de promoção interna (o número de concursos para ingressar na carreira tem sido reduzido). Nestes processos, na verdade, as pessoas ficam inibidas em apresentar queixa, com receio de serem prejudicadas no futuro.
Quais as consequências disto para a Academia?
Para começar, instalou-se um clima de tensão no interior das instituições. As relações degradam-se, a situação é terrorífica para as pessoas que se sentem prejudicadas… Importa dizer, porém, que os docentes que ganham os concursos não têm qualquer influência nos resultados. É a própria instituição que, por vezes, considera que certa pessoa tem melhor perfil para ocupar um cargo ou uma posição.
Ainda assim, o relacionamento entre docentes deve sair prejudicado…
Sem dúvida. Na maioria das instituições de Ensino Superior há muitos problemas de relacionamento devido a estas injustiças (ou à perceção de injustiças). E é algo que acontece porque, de facto, os processos não são suficientemente claros. Isso é trágico para as relações entre docentes.
Concretamente, que problemas identifica o SNESUP nos concursos para docentes?
Principalmente, falta de transparência: os requisitos definidos, as escolhas feitas, isto nem sempre é devidamente explicado. E resulta no grande número de impugnações de concursos que temos em tribunal.
De que número estamos a falar?
Centenas de casos por ano. E mesmo que os tribunais acabem por dar razão ao queixoso, o processo pode arrastar-se por muitos anos. É um inferno.
A “desconfiança” e a “conflituosidade” nestes processos tornaram-se um “novo normal”?
Não digo que todos os concursos estão feridos de legalidade ou de justiça, naturalmente. Mas o elevado número de casos nos tribunais demonstra que algo não está a correr bem.
Palavras-chave:
Nunca é demasiado tarde para fazer escolhas de estilo de vida saudáveis, sugere um estudo da Universidade do Michigan (UM), nos Estados Unidos da América, que estimou o número médio de anos de vida ganhos quando se deixa de fumar em diferentes idades.
É sabido que a curto prazo a cessação tabágica leva a melhorias substanciais nas funções cardiovascular e pulmonar. E que a longo prazo diminui consideravelmente o risco de doença pulmonar obstrutiva crónica e cancros relacionados com o tabagismo.
Investigações anteriores haviam já demonstrado de forma consistente que deixar de fumar traz benefícios para a saúde em qualquer idade. No entanto, nenhuma incluíra pessoas com mais de 65 anos.
Os cientistas da UM descobriram agora que os benefícios a longo prazo não se limitam aos adultos jovens. Mesmo quem larga o tabaco aos 75 anos, após décadas seguidas a fumar, pode ver a sua esperança de vida aumentada, conclui este novo estudo, publicado no American Journal of Preventive Medicine.
“Queríamos mostrar que parar de fumar é benéfico em qualquer idade e fornecer um incentivo para que as pessoas mais velhas que fumam parem”, explicou, em comunicado, a autora principal da investigação, Thuy Le, do Departamento de Gestão e Políticas de Saúde da Escola de Saúde Pública da UM. “Vimos uma queda notável no tabagismo entre jovens adultos na última década, mas as taxas entre os adultos mais velhos que fumam permaneceram estagnadas. E nenhum estudo havia estabelecido quais são os benefícios de parar de fumar para eles.”
FAZER CONTAS À VIDA
Thuy Le tem-se dedicado a desenvolver modelos matemáticos para a investigação sobre cancro e tabaco. Desta vez, utilizou dados de saúde representativos a nível nacional, dos EUA, para realizar uma série de cálculos e estimar o número médio de anos perdidos devido ao tabagismo e os anos médios ganhos ao deixar-se de fumar, em várias idades.
Le e os colegas começaram por dividir os indivíduos entre os que nunca tinham fumado, os que fumavam naquele momento e os que haviam deixado de fumar. De seguida, estimaram a esperança de vida de cada grupo, separando os ex-fumadores conforme haviam largado o tabaco aos 35, 45, 55, 65 e 75 anos.
Comparando com quem nunca fumou, os cientistas estimam que os fumadores de 35 anos que mantiverem esse hábito até morrer perdem 9,1 anos, o que representa 23% da sua esperança de vida total. Os de 45 anos, arriscam-se a perder 8,3 anos. Os de 55 anos, terão menos 7,3 anos. Os de 65 anos, menos 5,9 anos. E os de 75 anos, menos 4,4 anos, ou seja quase 50% da esperança de vida nessa idade.
Porém, se uma pessoa deixar de fumar aos 35 anos, a redução da esperança de vida é de apenas 1,2 anos. Largando o hábito aos 45 anos, terá menos 2,7 anos de vida; aos 55 anos, menos 3,9 anos; aos 65 anos, menos 4,2 anos, e, aos 75 anos, menos 3,7 anos.
Olhando para o copo meio cheio, quem deixa o tabaco aos 35 anos tem mais 8 anos de esperança de vida do que quem fuma até morrer. Após essa idade, o ganho vai naturalmente diminuindo: aos 45 anos, são mais 5,6 anos; aos 55 anos, mais 3,4 anos; aos 65 anos, mais 1,7 anos; e, aos 75 anos, mais 0,7 anos.
“Como seria de esperar, os jovens são aqueles que mais beneficiam com a cessação tabágica”, lê-se no estudo. “Por exemplo, 52,8% dos indivíduos de 35 anos que deixam de fumar com essa idade ganham pelo menos 1 ano de esperança de vida e 36% ganham pelo menos 8 anos.”
O IMPACTO É RÁPIDO
Ainda assim, existem benefícios também para os mais velhos. Entre os que deixam de fumar aos 65 anos, 23,4% poderão ganhar pelo menos 1 ano de vida. E o mesmo acontece com 14,2% daqueles que largam o tabaco aos 75 anos.
“Embora os ganhos de parar de fumar em idades mais avançadas possam parecer baixos em valores absolutos, representam uma grande proporção da expectativa de vida restante de um indivíduo”, sublinhou Kenneth Warner, economista de formação e professor emérito na UM, que também participou neste estudo.
Embora os ganhos de parar de fumar em idades mais avançadas possam parecer baixos em valores absolutos, representam uma grande proporção da expectativa de vida restante de um indivíduo
Estes resultados são apoiados por uma análise recente de estudos observacionais, realizada por investigadores do Centro de Investigação em Saúde Global (CGRH) do Canadá e da UiT – Universidade Ártica da Noruega.
Prabhat Jha, fundador do CGRH, e os seus colegas concluíram que, se uma pessoa de qualquer idade deixar de fumar durante menos de três anos, pode potencialmente evitar a perda de cinco anos de vida. E, se conseguir não pegar num cigarro durante dez anos, poderá evitar uma década de vida perdida.
“Deixar de fumar é ridiculamente eficaz na redução do risco de morte e as pessoas podem colher essas recompensas de forma extremamente rápida”, disse, em fevereiro deste ano, Prabhat Jha. “Muitas pessoas pensam que é demasiado tarde para deixar de fumar, sobretudo na meia-idade. Mas nunca é demasiado tarde – o impacto é rápido e é possível reduzir o risco de doenças graves, o que significa uma qualidade de vida mais longa e melhor.”
Além de quantificar, por várias idades, as vantagens da cessação tabágica, e de cimentar a tese de que os mais velhos também podem beneficiar a longo prazo, o novo estudo liderado por Thuy Le conclui que deixar de fumar é a melhor coisa que as pessoas podem fazer para aumentar a sua esperança de vida.
Os seus resultados são, por isso, valiosos para os médicos que procuram provas científicas para motivar os seus pacientes a deixar de fumar. Mesmo aqueles que têm 65 anos ou mais.
Novo fármaco comparticipado
Portugal já tem dois medicamentos para ajudar a deixar de fumar
A partir deste mês de outubro, os fumadores passaram a ter mais um fármaco, para deixar de fumar, comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde. O novo medicamento, agora disponível, tem como substância ativa a citisiniclina e veio juntar-se a um genérico com a substância ativa vareniclina, também sujeito a receita médica e pago em parte pelo SNS.
Embora bastante mais caro (custa cerca de 60 euros por mês, enquanto o genérico ronda os 26 euros para o contribuinte normal e 20 euros para o pensionista), a chegada do novo fármaco foi aplaudida pela coordenadora da Comissão de Trabalho de Tabagismo, Sofia Ravara.
Ressalvando que a comparticipação de mais medicamentos é “uma excelente notícia”, a médica pneumologista no Hospital da Covilhã e professora na Universidade da Beira Interior defende que também seria importante a comparticipação dos substitutos de nicotina que “custam muito dinheiro”, lembra, como é o caso das pastilhas e dos adesivos com as formas orais de nicotina. E, de caminho, melhorar o acesso a consultas de cessação tabágica em todo o País.
Palavras-chave:
Na intervenção de abertura do 42.º Congresso Nacional do PSD, o presidente do PSD e primeiro-ministro recusou este sábado que o Governo esteja isolado e prometeu responder “pelo prestígio da política e pela palavra dada” e manter “um ritmo forte” de transformação do país.
Luís Montenegro nunca falou nem do Orçamento do Estado nem diretamente de qualquer adversário político. “Nós estamos a governar Portugal com o apoio das autarquias, com o apoio das Regiões Autónomas, com o apoio dos parceiros sociais, conquistando ou reconquistando a estabilidade e a paz na escola, nas forças de segurança, na área crítica da justiça, da saúde. E ainda há quem diga que nós estamos isolados?”, questionou.
Segundo o líder do PSD e primeiro-ministro, o Governo está “cada vez mais próximo daqueles que interessam, que são os portugueses, as famílias, as empresas, as instituições”. “Cá estaremos para responder pelo prestígio da política, pelo valor da palavra dada, pela concretização do compromisso”, disse, sem qualquer referência também ao Chega, cujo líder o tem acusado de prometer em privado acordos não confirmados em público.
Montenegro terminou a sua primeira intervenção no congresso, que decorre até domingo em Braga, citando o hino da recente campanha eleitoral da AD: “Estamos todos juntos. Ninguém nos pode parar. Eu vou com Portugal. Agora é hora de fazer o meu país mudar”, disse.
Montenegro diz não acreditar que PS pretenda descaracterizar OE na especialidade
O presidente do PSD disse ainda não acreditar que o PS, depois de anunciar a viabilização do Orçamento do Estado, pretenda agora “adulterá-lo ou descaracterizá-lo” na especialidade. “Eu não acredito que um partido com a história e a responsabilidade do PS anunciasse a viabilização de um Orçamento ao mesmo tempo que quisesse adulterá-lo ou descaracterizá-lo. Não acredito nisso, sinceramente”, afirmou Luís Montenegro.
Bugalho e Ana Gabriela Cabilhas aderiram ao partido
O presidente do PSD anunciou que o eurodeputado Sebastião Bugalho e a deputada Ana Gabriela Cabilhas, até agora independentes, se tornaram militantes do partido.
Albuquerque exige compromisso para deputados das ilhas votarem a favor do orçamento
O presidente do Governo Regional da Madeira exigiu, na Convenção, um “compromisso claro” do primeiro-ministro no Orçamento do Estado relativamente aos direitos das regiões autónomas, avisando que, caso contrário, os deputados das ilhas votarão contra aquele documento.
“Não é uma ameaça, é uma circunstância que decorre da necessidade de o Estado assumir os compromissos com as regiões autónomas”, afirmou Miguel Albuquerque. “Neste momento, entendemos que, contrariamente às expectativas que existiam relativamente ao Orçamento do Estado, as questões que tem que ser resolvidas relativamente à região autónoma dos Açores e da Madeira não estão consagradas nesta apresentação inicial do Orçamento”, disse.
Renault 5. Só o nome já evoca memórias, imagens de um passado áureo da indústria automóvel francesa. Mas desengane-se se pensa que este novo R5 está muito focado no passado. É um salto em frente, um concentrado de tecnologia e design a condizer, que permite revisitar o passado… mas com olhos postos no futuro.
Tivemos a oportunidade de testar este pequeno elétrico e, desde logo, o que salta à vista é a forma como a Renault conseguiu integrar modernidade e referências vintage sem cair em clichés. O design exterior é uma homenagem clara ao modelo original, mas com linhas bem mais dinâmicas e, claro, atuais. Fizemos mais de 200 km no sul de França e vimos muitas cabeças a rodar para ver o ‘nosso’ R5 amarelo. Pessoas de todas as idades, o que demonstra bem que este R5 tanto apela aos nostálgicos como aos mais novos que, provavelmente, nunca viram um Renault 5.
Um assistente? Não, dois
No interior, a tecnologia impera, com destaque para o ecrã central que serve de porta de entrada para o infoentretenimento com o sistema operativo Google. O que significa que temos acesso a um ecossistema completo de aplicações e serviços, como o Google Maps, Google Assistente e Google Play (loja de apps). Sem, sequer, ser necessário ligar o telemóvel. A fluidez e rapidez do sistema são convincentes, e a integração com o smartphone é exemplar.

Mas a Renault foi mais longe e equipou o R5 com um assistente digital próprio, com direito a avatar e tudo, com forma do logo da marca – fez-nos lembrar o velhinho clip do Windows. Este assistente, que responde ao nome de “Renault” (ou “Reno”), é capaz de controlar vários aspetos do carro, como o ar condicionado, o sistema de som e a navegação. Não menos importante, é capaz de dar informações de forma proativa, como alertas de trânsito ou sugestões de pontos de interesse. Um exemplo muito concreto: se optarmos pela recirculação do ar na cabine e uma janela estive aberta, o ‘ami Renault’ sugere fechar a janela.
Mas é aqui que surge a primeira nuance na nossa experiência. Sentimos alguma confusão por existirem dois assistentes digitais distintos, o assistente da Renault e o Assistente Google integrado no sistema operativo. Por duas vezes, ao tentarmos ativar o assistente da Renault com o comando “OK Renault”, ambos os sistemas responderam em simultâneo – o som do “Ok Google” e do “Ok Renault” não parece ser assim tão diferente para os ouvidos artificiais. Questionámos os responsáveis da Renault sobre esta situação, que afirmaram não ter conhecimento deste comportamento. Suspeitamos que possa estar relacionado com a utilização em Português, mas a Renault irá analisar a situação. Também nos explicaram que o utilizador pode desativar um ou outro sistema. De qualquer modo, há alguma descontinuidade na experiência por existirem dois assistentes capazes de interagir connosco em linguagem natural. Por outro lado, podemos usar um ou outro em função das suas capacidades. Por exemplo, será preferível usar o Assistente da Google para perguntas mais genéricas e o ‘Reno’ para comandos mais relacionados com o controlo do carro.
Uma das funcionalidades mais promissoras prometidas pela Renault é a integração com o ChatGPT, o sistema de inteligência artificial da OpenAI que tem dado que falar. Um serviço que, segundo averiguámos, não terá custos para o utilizador. Infelizmente, não conseguimos testar esta funcionalidade, possivelmente porque ainda não está disponível em Português. Uma pena, pois seria interessante ver como a Renault conseguiu integrar esta tecnologia no seu assistente digital.
Gosta das curvas
Ao volante, o Renault 5 convence. A condução é fácil e intuitiva, com uma direção precisa e um bom comportamento dinâmico. O carro é estável e reage de forma eficaz aos comandos do condutor. Sentimos o carro bem agarrado à estrada e até choveu em boa parte do percurso. A aceleração é progressiva e forte q.b., mas não particularmente impressionante para um elétrico, sobretudo a partir de velocidades médias.

No capítulo da tecnologia elétrica, o Renault 5 também inova. Este carro carro conta com suporte para V2L (Vehicle-to-Load), permitindo usar a bateria do carro para alimentar dispositivos externos através de um adaptador que se liga à porta de carregamento. Mas a grande novidade é o suporte para V2G (Vehicle-to-Grid), uma tecnologia que permite carregamento bidirecional com postos AC (corrente alternada) da Mobilize. Imagine poder usar o seu carro como um power bank para a sua casa ou para a rede elétrica! Esta funcionalidade, que já está disponível em alguns países, abre um leque de possibilidades importantes em termos de gestão de energia. Podendo, até, transformar o carro, ou melhor, a bateria do R5 numa fonte de receita com venda de energia à rede em situações de pico. É importante explicar que, ao contrário de outros sistemas V2G, a solução da Renault usa corrente alternada, interagindo com a rede via wallbox da Mobilize. Uma solução muito mais económica e adequada às casas que os sistemas bidirecionais baseados em corrente contínua (DC).
A Renault e a Mobilize estão a analisar a viabilidade de disponibilizar este serviço em Portugal.
Primeira opinião
No geral, a nossa primeira experiência ao volante do Renault 5 foi bastante positiva. O carro é confortável, fácil de conduzir e cheio de tecnologia. O design e a irreverência das cores vivas arrancaram mais sorrisos e reações dos transeuntes, nas estradas entre Nice e Mónaco, que os muitos superdesportivos que por lá andam.

O infoentretenimento usa, quanto a nós, o melhor sistema operativo para automóveis e o assistente digital é uma adição que reforça a experiência tecnológica e funcionalidade. Se a isto juntarmos as tecnologias V2L e V2G, temos aqui um carro com trunfos para conquistar os condutores que também são utilizadores. Ou seja, pessoas que valorizam a experiências permitidas pela tecnologia. E há vários detalhes neste campo, como o 5, no capot, criado por barras luminosas, que nos permitem perceber o estado de carga da bateria quando nos aproximamos do carro.
É por isto que acabamos este primeiro contacto a reforçar a ideia inicial. Este não é um carro (só) para nostálgicos. O R5 destina-se a quem quer ter acesso às experiências tecnológicas que vão muito além da condução. É um carro em que a viagem, de A para B, ‘parados’ no trânsito ou numa roadtrip, pode ser pautada por momentos como interações com os assistentes para organizar a nossa agenda, obter informações sobre os sítios por onde passamos ou ouvir os nossos podcasts preferidos.
Ficámos com vontade de voltar ao R5 para um verdadeiro teste. Para aprofundarmos as capacidades da tecnologia e analisarmos questões mais práticas, mas também importantes, como a eficiência e as velocidades de carregamento.
Quanto às versões e preços, o muito falado R5 de €25000, com bateria de 40 kWh e motor de 95 cavalos, só vai chegar para o ano. Por enquanto, só estão disponíveis as versões mais bem equipados, Techno e Iconic, com preços anunciados de, respetivamente, €33.000 e €35.000.
Ficha técnica
Bateria: 52 kWh úteis (55 kWh total)
Carregamento DC: até 100 kW (30 minutos dos 15% aos 80%)
Carregamento AC: 11 kW (bidirecional, V2L até 3,7 KW e V2G até 11 kW)
Autonomia WLTP: 410 km
Potência: 150 cavalos
Dimensões: 3,922×1,808×1,489 (CxLxA)
Peso: 1499 kg
Afinal, o Orçamento vai ser ou não viabilizado?
Não é fácil. Há muito nevoeiro – não tanto como na Choupana –, mas, no dia da votação final, o Orçamento deve passar, com a abstenção do PS.
Como viu este folhetim, que se arrasta há meses?
Este é o exemplo claro de que o Orçamento se transformou numa arma política e partidária. E a prova disso é que desde o princípio do verão temos ouvido e lido dissertações sobre algo que ainda não existia. Discutiu-se não sei o quê. E a discussão enquistou-se em duas medidas, como se o OE se esgotasse naquelas duas medidas – o IRC e o IRS jovem.
São duas medidas importantes…
Sim. Mas estive a fazer umas contas e aquelas duas medidas representam 0,7% de um Orçamento que comporta 130 mil milhões de euros…
Portanto, o documento tornou-se objeto de luta política. Mas isso não terá que ver, também, com a jurisprudência imposta pelo Presidente Marcelo, relativamente às consequências do chumbo, ou seja, a inevitabilidade de eleições?
Essa consequência sempre esteve quase subjacente e talvez tenha sido mais potenciada. Mas isto não é uma invenção de Marcelo Rebelo de Sousa e já houve episódios de dramatismo muito antes de ele ser Presidente. Podemos mesmo estar a caminhar para uma espécie de “Orçamento limiano 2.0”… É uma comparação caricatural, claro. Mas parece-me que a jurisprudência orçamental manda que, pelo menos, o primeiro Orçamento do Estado de um governo minoritário passe. E esta seria a primeira vez em que se dava a fratura dessa prática… Ora, isto resulta de um taticismo excessivo. Vejamos a questão fiscal: além de ser uma minudência, um ponto percentual a menos ou a mais, o IRC foi eleito como arma ideológica. Uma linha vermelha – expressão de que não gosto, a não ser quando se trata do Benfica… – pode ser legítima e até desejável, para que o eleitorado faça escolhas. Mas causa-me muita impressão que o primeiro Orçamento de um governo minoritário possa estar em dúvida, não por causa de um ponto percentual a mais ou a menos, mas porque a questão foi eleita como uma restrição doutrinária e ideológica.
Mas AD e PS estarão de acordo nalguma coisa?
É curioso que ninguém fala de dois pontos fundamentais em que ambas as forças estão completamente de acordo, o que até é recente na nossa democracia: no controlo do saldo orçamental e na redução imperiosa da dívida pública!
Já disse que as cedências do Governo estavam a ser demasiadas. Depois de conhecer o documento, mantém essa ideia?
É um Orçamento que não se distinguiria muito de um apresentado pelo PS.
Poderia ter sido apresentado por Fernando Medina?
Sim, poderia. As duas grandes medidas do Orçamento são pacíficas: saldo orçamental positivo e redução da dívida pública. Agora, o secretário-geral do PS anda a percorrer as 400 páginas do articulado a procurar divergências. Claro que as haverá, mas já num grau secundário.
Estive a fazer umas contas, e aquelas duas medidas, IRC e IRS Jovem, representam 0,7% de um OE de 130 mil milhões…
Será que o líder do PS e o seu núcleo duro, se dependesse deles, teriam viabilizado os orçamentos de Centeno, de Leão e Medina?
[Risos.] Isso é uma excelente questão, em que nunca tinha pensado…
De qualquer modo, temos aqui um crescimento previsto de 1,8% para 2025. Isto não está em linha com a antes criticada falta de ambição dos orçamentos do PS?…
Os pressupostos macroeconómicos subjacentes a este Orçamento são relativamente esperados. Não temos aqui grandes surpresas. Quando estamos a discutir 0,1% do PIB, estamos a discutir dois cafés a mais ou a menos para os dez milhões de portugueses…
E sobre o Orçamento em concreto? Qual é a sua leitura?
É um Orçamento contido. Sendo um governo minoritário, não há reforma da despesa, coisa que, mais tarde ou mais cedo, terá de se fazer. Mas eu compreendo. Ironicamente, o saldo orçamental deste ano resulta de um sistema cujo obituário já foi descrito por muita gente: a Segurança Social!
É assim tão significativo?
Em 2024, a previsão é de 3998 milhões de euros de superavit e, para 2025, será de 4638 milhões. Se não fosse isto, teríamos um défice de 1,3% em 2025.
Isso também tem que ver com a taxa de emprego…
Não é só isso. Temos de considerar, nesta vitalidade da Segurança Social, o peso da contribuição dos imigrantes! É algo que deve ser valorizado! Não gosto é de considerar a imigração, apenas, pelo seu benefício económico, nem quero ter essa visão economicista. Mas a realidade é essa. Claro que isto terá a sua consequência quando estas pessoas começarem a beneficiar da Segurança Social, nomeadamente, quando se reformarem…
Mas estas pessoas também têm filhos, contribuem para a taxa de natalidade e eles serão futuros contribuintes…
Também é verdade! Portanto, ironia das ironias, talvez fosse interessante reconhecer como a Segurança Social, a tal que estava na falência, está a contribuir para o saldo positivo das administrações públicas!
Com um Parlamento tão fragmentado e uma maioria tão frágil, quais os riscos de desvirtuamento do Orçamento original?
A votação na generalidade é eminentemente política. Mas a aprovação final global é a votação técnica e verdadeira do Orçamento do Estado. Passando esta proposta na generalidade e não havendo sinais do PS de que, com essa aprovação, resultante da sua abstenção, a discussão na especialidade seja mais responsável, de forma a não gerar situações de maior custo, esse risco existe. No limite – e isto é uma caricatura… –, o PSD e o CDS ainda poderiam votar contra, isto é, rejeitar um Orçamento que já não seria o seu!
E o Governo passaria a ser o responsável pela tal crise política…
Ainda assim, Luís Montenegro é quem está numa posição mais confortável. Porque, das duas uma: ou o OE passa sem ser desfigurado e, portanto, ele tem uma vitória, ou não passa, porque será chumbado ou desfigurado pela oposição. E isso será uma situação que as pessoas não vão perceber. Até porque este OE, não digo que seja eleitoralista, mas procura satisfazer algumas clientelas que até são disputadas pelo PS, como os pensionistas e os funcionários públicos… E o eleitorado não deixará de pesar tudo isso.
Os timings também são muito curiosos… No próximo Orçamento, para 2026, em termos constitucionais, aconteça o que acontecer, o PR já não pode dissolver a Assembleia…
A AR só poderia ser dissolvida lá para outubro de 2026!
Exatamente. Isto não pesará na decisão do PS?
Se eu fosse do PS, pesava! [Risos.] Mas atenção: quando o PM diz que não governará em duodécimos, está a fazer uma afirmação demasiado perentória. A lei de enquadramento orçamental não é assim tão impeditiva de que se realizem despesas não previstas no Orçamento… São excecionadas despesas com pessoal da Função Pública, prestações sociais, encargos relacionados com a dívida pública e a componente nacional de financiamento por fundos europeus, ou seja, nem prejudicaria grandemente a execução do PRR.
Pedro Nuno Santos diz que o País deve ter dois polos, um no PSD e outro no PS. E que, por isso (pressupõe-se), viabilizar é deixar ao Chega a liderança da oposição…
Não concordo com essa tese. O facto de o PS, pela sua abstenção, deixar passar este orçamento, não o transforma em companheiro de viagem do Governo. Até lhe digo mais: em termos nacionais e patrióticos, provavelmente, terá ganhos eleitorais…
Imaginemos que o Orçamento passava com os votos favoráveis do Chega. Isto teria alguma consequência futura?
O Chega é, dos três partidos, o que menos quer eleições. É o mais potencialmente perdedor. Votar a favor, mesmo sem quaisquer condições, não seria necessariamente mau para o Chega: dava-lhe respeitabilidade e satisfazia muitas pessoas que votaram neles.