Os 133 cardeais eleitores fecharam-se na Capela Sistina esta tarde para dar início às votações em segredo para eleger o sucessor do Papa Francisco. O resultado da primeira votação foi conhecido por volta das 20h00 de Portugal Continental, quando da chaminé instalada na Capela Sistina saiu fumo negro, indicando que ainda não foi escolhido o novo Sumo Pontífice. Esta foi a única votação do dia e a primeira do conclave para escolher o sucessor de Francisco.
As votações continuarão agora até que um dos cardeais elegíveis deles obtenha a maioria de dois terços e se torne o líder dos 1,4 mil milhões de católicos do mundo.
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Durante os restantes dias do conclave, terão lugar quatro votações, duas de manhã e duas à tarde.
Depois de cada escrutínio, os boletins são queimados num forno, previamente instalado na capela Sistina.
Na quinta-feira, o primeiro sinal de fumo pode ser por volta do meio-dia (11h00 em Lisboa), a menos que seja escolhido um novo papa na primeira votação do dia, caso em que o fumo branco sairá da chaminé por volta das 10h30 (09h30).
À tarde, o resultado das votações dos cardeais será conhecido pelas 17h30 (16h30) e 19h00 (18h00).
Na varanda da Basílica de São Pedro, onde o Papa eleito fará a sua primeira aparição pública, já estão instaladas, desde o início da semana, cortinas vermelhas.
O Papa Francisco morreu a 21 de abril, aos 88 anos, depois de um pontificado de 12 anos.
De uma forma ou de outra, por este ou aquele motivo, nesta ou naquela idade, e em todas as áreas de atuação, é visível um enorme cansaço com esta paragem governativa e política. Estas eleições existem apenas para cumprir o calendário e obrigação institucional, mas os eleitores desejam estabilidade e tranquilidade. São agora as legislativas, seguir-se-ão as autárquicas e, logo no início de janeiro, teremos as presidenciais.
Nota-se cansaço nos eleitores, o que se reflete, naturalmente, no abrandamento do ritmo dos partidos políticos. A razão parece simples: ninguém queria derrubar este Governo nem travar o andamento das reformas e das decisões políticas e legislativas. Na verdade, o Parlamento não compreendeu esse sentimento e arriscou avançar para eleições. O resultado não será favorável para a oposição. Longe disso.
Para haver uma mudança de cor no Governo, ou a ascensão emblemática de uma nova força política, é necessário tempo. Tempo para corroer a governação, tempo para verificar se as dificuldades são ultrapassadas e, sobretudo, tempo para que outras soluções possam vingar — ou não. Não era esse o caso, dada a dinâmica que o Governo da AD trazia consigo, como é evidente nas sondagens.
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(Volto a apelar à mudança dos calendários eleitorais em Portugal. São longos, insustentáveis em democracias modernas, e exigem alterações a leis com 50 anos de existência. Até o novo Papa será escolhido antes do nosso primeiro-ministro. Não faz qualquer sentido.)
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
Um grupo de investigadores do Medialab do ISCTE divulgou esta quarta-feira um relatório centrado no “apagão” da semana passada, concluindo que a teoria que começou rapidamente a circular e que apontava para um ciberataque russo terá tido origem em Portugal.
Esta narrativa começou a circular nas redes sociais portuguesas por volta das 11:50, cerca de 20 minutos após o início do apagão, em publicações que reproduziam uma alegada notícia da CNN Internacional com declarações atribuídas à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
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A origem da publicação é incerta, mas a análise feita pelos investigadores do Medialab indica que a difusão inicial poderá ter ocorrido em Portugal, com uma versão em português que depois serviu de base para outras traduções, incluindo em russo.
Pelas 13:55, começam também a surgir as primeiras reações ambíguas de ‘media’ russos, como o BFM, que misturavam elementos noticiados e rumores não verificados, com sugestões de ataque coordenado e sabotagem transnacional.
De acordo com o relatório, a informação era replicada no WhatsApp e em canais do Telegram associados a ambientes pró-russos, alcançando logo nas primeiras horas dezenas de milhares de visualizações.
Nos dias seguintes, grupos de ciberativistas pro-russos reivindicaram responsabilidade pelo suposto ataque, associando alegadas provas de ataques de negação de serviço distribuído.
“No entanto, especialistas em cibersegurança consultados descartaram qualquer relação com o apagão, sublinhando que estes grupos não possuem a capacidade operacional para causar falhas na infraestrutura elétrica”, refere o relatório, que acrescenta que estes grupos aproveitaram o apagão para tentar capitalizar-se mediaticamente.
Além desta, circularam outras teorias para tentar explicar o corte energético, cuja origem ainda não é conhecida, e os investigadores referem até mensagens disseminadas que, por outro lado, apresentavam um ‘spin’ ideológico que favorecia a Rússia.
No Telegram, circularam publicações que insinuavam que o apagão seria um “teste de resiliência” promovido pela NATO, ou uma operação de engenharia social para justificar uma escalada militar futura.
Outra teoria associava a falha energética às políticas ambientais de transição energética, ou às sanções contra a Rússia e à degradação da infraestrutura europeia, e o relatório cita algumas das mensagens partilhadas neste sentido, com indícios de tradução automática ou de terem sido criadas com recurso à inteligência artificial.
Ao longo daquela semana, a maioria das publicações relacionados com o apagão foram partilhadas no X (58,21%) e no Facebook (33,68%), seguindo-se o Instagram (6,03%), TikTok e Reddit (ambos 1,04%).
Além do motor de inteligência do X, com respostas a perguntas dos utilizadores a perguntas sobre as várias narrativas, as contas dos meios de comunicação foram aquelas que mais publicaram sobre os conteúdos desinformativos relacionados com o apagão, sobretudo para os desconstruir.
A esmagadora maioria das publicações (81%) feitas naquele período são consideradas neutras, mas aquelas que aparentam acreditar ou propagar essas narrativas são mais do dobro daquelas que as desmentem (12% contra 6%) e chegaram a muitas mais pessoas em comparação com a verificação dos factos.
Os investigadores sublinham ainda que “a ausência de comunicação institucional eficaz nas primeiras horas contribuiu para um vácuo informativo”.
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) e o MediaLab, do ISCTE, em parceria com a agência Lusa, estão a monitorizar as redes sociais para identificar e medir o impacto da desinformação na campanha das legislativas de maio, prolongando-se até 24 de maio.
O Medialab produz semanalmente relatórios sobre o fenómeno da desinformação.
Vivemos uma época perigosa, em que a propagação de falsidades – cada vez mais verosímeis, em grande parte devido à Inteligência Artificial – está de tal modo generalizada que já se tornou uma arma capaz de moldar a opinião pública e desestabilizar eleições, erodindo a confiança das populações nos processos democráticos.
A desinformação com propósitos políticos tem nas redes sociais uma autoestrada. Estas plataformas, ao darem um megafone a milhões de pessoas (e bots), tornaram-se terreno fértil para conteúdo manipulado. As notícias fabricadas – consciente ou inconscientemente, mas quase sempre amplificadas por campanhas coordenadas – semeiam a confusão e a desconfiança, através das mais variadas táticas, explorando divisões sociais e exacerbando a polarização da sociedade e dos eleitores.
A IA veio tornar as águas ainda mais turvas. A desinformação visual, incluindo deepfakes e imagens manipuladas, acrescenta outra camada de sofisticação e complexidade. Os limites entre a verdade e a falsidade esbatem-se, tornando o discernimento desafiante até para o cidadão mais vigilante – incluindo jornalistas, vítimas de uma pressão crescente para serem os primeiros a dar a notícia. A pressa, afinal, é inimiga da perfeição.
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As consequências são profundas, seja pelo sucesso direto das fake news, ao convencer cidadãos da veracidade de informações falsas, seja pelo indireto, ao desconvencê-los da veracidade dos factos. A apatia dos eleitores, alimentada por um sentimento de realidade manipulada, pode, na menos má das hipóteses, reduzir a participação eleitoral. Na pior, recompensar principescamente aldrabões. De uma maneira ou de outra, o objetivo é o mesmo: a tentativa de distorção dos resultados eleitorais.
Como aconteceu nestes cinco casos.
EUA Vale tudo para eleger Trump
“Fake news” A linha Trump – acusar de serem falsas todas as notícias esfavoráveis – está a fazer escola na Europa
As eleições que redundaram na eleição do atual Presidente dos EUA tiveram um pouco de tudo, desde episódios bizarros propagados pelo próprio candidato republicano (“os imigrantes que comem os nossos cães e gatos” há de entrar no anedotário americano, quando a poeira assentar) a um dilúvio de desinformação mais “séria”, como dúvidas sobre a inviolabilidade do voto eletrónico e por correspondência, e fraudes com imigrantes sem direito a voto, com o objetivo de preparar a contestação caso o resultado não fosse satisfatório para Donald Trump – como acontecera em 2020, culminando na invasão do Capitólio. Entre os casos concretos com maior alcance encontram-se um vídeo feito com IA (provavelmente com origem na Rússia, segundo a AFP) do candidato democrata a vice-presidente Tim Walz a abusar sexualmente de um aluno, quando era professor, e uma foto antiga de Kamala Harris alterada de modo a que o seu namorado de então parecesse P. Diddy, o rapper atualmente em julgamento por tráfico sexual. Resultado? Um inquérito da Pew Research, realizado este ano, conclui que 62% dos americanos estão agora céticos sobre a fiabilidade dos resultados eleitorais em geral.
Alemanha Investir em grande
As eleições federais de fevereiro foram alvo de inúmeras campanhas concertadas de desinformação para catapultar o partido da extrema-direita, a AfD. Sem surpresa, tratando-se do país mais poderoso da Europa, a Rússia parece ter investido fortemente nestas eleições, para tentar pôr no poder um partido “amigo”, que pudesse abandonar o apoio à Ucrânia e enfraquecer a UE, sendo a AfD “eurocética”. O impacto foi profundo, apesar das medidas que o governo alemão implementou para tentar combater a interferência externa. Uma das campanhas de desinformação mais impactantes foi a de que o autor do ataque ao mercado de Natal de Magdeburgo, em dezembro, era um terrorista islâmico (sendo o discurso anti-Islão basilar na AfD), quando, na realidade, se tratou de um ativista anti-Islão. As várias operações de desinformação russas identificadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros germânico ampliaram o sentimento anti-imigração e contribuíram para o forte desempenho da AfD e para a fragmentação do eleitorado. Musk também apareceu para dar um empurrão ao partido de extrema-direita, mas não é claro se o seu apoio ajudou ou prejudicou a AfD.
Eslováquia O tamanho não importa
As eleições parlamentares de 2023 resultaram no regresso ao poder dos populistas do partido Smer, liderados por Robert Fico. Neste caso, um dos principais veículos de propaganda foi o Telegram, mas o perpetrador não mudou: a Rússia esteve por detrás de várias campanhas de desinformação anti-Ocidente. Uma das mensagens centrais era o risco de uma guerra com Moscovo, se se mantivesse em funções um governo pró-Ucrânia, pró-NATO e pró-UE, o que instigou o medo numa população que viveu durante décadas debaixo do terrível jugo soviético. Entre os fakes com maior alcance encontram-se áudios falsificados de dirigentes políticos. Esta campanha deixou marcas: um relatório do think tank eslovaco GLOBSEC revelou que 54% da população acreditaram em teorias da conspiração sobre o Ocidente. Porquê este interesse russo num Estado com apenas cinco milhões de habitantes? Simples: o propósito passa por enfraquecer a UE, um pequeno país de cada vez.
Roménia Morrer da doença e da cura
O marionetista A Rússia de Putin tem estado por trás de várias campanhas de desinformação destinadas a desvirtuar eleições
O caso romeno teve um (primeiro) desenlace diferente dos outros – face ao tsunami de desinformação com origem em Moscovo, o Tribunal Constitucional acabou por optar pela “bomba atómica”, anulando a primeira volta das eleições presidenciais, ganhas pelo ultranacionalista, anti-NATO e pró-Rússia Călin Georgescu. Os serviços de espionagem romenos identificaram uma campanha coordenada e altamente profissional de contas de TikTok ligadas à (mais uma vez) Rússia. Moscovo, concluiu a investigação, pagou a influencers e patrocinou a criação de milhares de bots para espalhar a mensagem de que a Roménia corria o risco de guerra iminente com a Rússia se continuasse a apoiar a Ucrânia, tal como fizera na Eslováquia. O medo do conflito e de um recrutamento forçado para benefício das supostas “elites governantes” polarizou os eleitores e desvirtuou os resultados. Georgescu não pôde recandidatar-se, mas a semente ficou lá: a desconfiança fomentada com esta campanha e a própria anulação das eleições, vista por muitos romenos como um golpe das “elites globalistas”, acabariam por ajudar outro líder de extrema-direita, George Simion, a vencer a primeira volta das eleições repetidas, a 4 de maio.
Polónia O perigo que vem de dentro
Não é apenas a interferência externa que se deve temer. No caso das eleições parlamentares polacas de 2023, o problema foi outro: o controlo dos meios de informação do Estado para beneficiar o partido no poder, que no caso era o partido Lei e Justiça (PiS). A OSCE (Organization for Security and Co-operation in Europe) destacou que a televisão pública proporcionou uma “cobertura distorcida e abertamente partidária”, dando primazia ao PiS e destaque a temas que eram caros ao partido do governo, como histórias apontadas a exacerbar o sentimento anti-imigração. De pouco serviu, no entanto, tendo o moderado Donald Tusk, líder da oposição, vencido as eleições. O caso serviu ainda para despertar a Polónia. Para estas eleições presidenciais, que vão decorrer no mesmo dia das legislativas em Portugal, o governo lançou um programa ambicioso com um exército de monitores online para identificar e prevenir interferência externa – leia-se interferência russa. A iniciativa é coadjuvada por uma aposta robusta de fact-checking dos meios de comunicação polacos.
O diretor do curso de pós-graduação em Informação, Desinformação e Fact-Checking do ISCTE-IUL e coordenador do MediaLab (que tem um protocolo com a CNE para monitorizar a desinformação durante este processo eleitoral) fala sobre as diferentes causas da desinformação, o impacto da IA e como Portugal está a importar as táticas de Trump.
A desinformação em atos eleitorais é cada vez mais omnipresente? Cada campanha tem tido desinformação à sua maneira. Veremos se esta vai ter mais ou menos do que as anteriores. O padrão é sempre o mesmo: quanto mais próximo o dia da eleição, mais coisas vão aparecendo. A desinformação está lá sempre, faz parte do nosso quotidiano, é uma característica do nosso tempo e da nossa forma de comunicar. Mas, tal como há dias em que a poluição de uma cidade pode ser tão intensa que nos provoca problemas respiratórios, o mesmo acontece com a desinformação em tempo de eleições. Há picos desinformativos que causam interferência no processo.
Quão organizada é a desinformação? Depende das suas origens. Há vários tipos de situação. Por exemplo, há cidadãos “normais” do Sul de Portugal que foram dos primeiros a partilhar desinformação sobre os russos e o ataque cibernético, na origem do apagão, que estamos a estudar. Essas pessoas dizem-nos que não foram elas que criaram a desinformação, mas a criação hoje em dia é muito fácil. Pode ser feita com recurso a IA. Alguém diz: “Produz-me um artigo com a mesma linha editorial da CNN sobre um ataque cibernético russo à Europa” e em segundos temos um texto pronto. A questão é a motivação. Sabemos que há motivação, porque é esse o histórico – os Estados em algum tipo de conflito ou de exercício de poder projetam propaganda para outros locais com o objetivo de desestabilizar. Todos os Estados o fazem, mas é mais visível quando há guerras, e neste caso temos guerra na Europa, na Ucrânia. É algo que as democracias fazem às não democracias e que os Estados autoritários fazem às democracias. É uma arma que toda a gente utiliza.
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E com a chegada da internet… A desinformação feita por pessoas “normais” sempre existiu, mas chamávamos-lhe boato. Era o que se partilhava na mesa do café ou ao jantar com a família. Basta pensar em todas as coisas que se disseram sobre Sá Carneiro e Mário Soares nos anos 70 e 80. Com a chegada da internet, a ferramenta [de propagação] passou a estar ao alcance também do cidadão comum. Vimos muita coisa durante a pandemia, muita desinformação, nomeadamente áudio, que não parece ter sido fabricada. Era, sim, produto da necessidade das pessoas de dizerem que sabiam mais sobre o que se estava a passar, de contar a história…
Ou seja, não tinha um propósito maquiavélico por trás. Não tinha um propósito maquiavélico, apenas o propósito de dizer “Eu sei o que se está a passar”, que é uma coisa muito comum no ser humano. Os jornalistas gostam de dar a notícia em primeiro lugar, mas o cidadão que não tem uma profissão de lidar com a informação também gosta de dizer que sabe. As dinâmicas de desinformação em momentos de crise, seja no apagão, seja na Covid-19, são muitas vezes um espaço ocupado pelos cidadãos. Não quer dizer que não existam organizações, políticas ou outras que aproveitem determinados momentos para fazer passar mensagens. Claro que há. Hoje temos Estados exteriores, organizações internas e cidadãos. É um ecossistema muito mais complexo do que foi noutros tempos, pelo seu alcance, embora a natureza humana não tenha mudado assim tanto.
Deu o exemplo da notícia falsa da CNN no apagão, que provavelmente terá sido feita com recurso a IA. Até que ponto é que a IA veio tornar mais difícil distinguir a verdade da mentira? Primeiro, é preciso a pessoa ter um mínimo de conhecimento para saber fazer a pergunta certa à IA. Essa exigência é uma das limitações. Mas é verdade que a IA claramente muda as regras do jogo, porque torna as coisas mais difíceis. Por outro lado, também permite apontar rapidamente, pelo menos, algumas hipóteses sobre a origem da desinformação. O fundamental é que o grau de sucesso de uma mentira ou desinformação é tão maior quanto ela tiver uma parte verosímil. No momento do apagão, era verosímil tratar-se de um ataque russo, devido aos três anos de guerra na Europa e a os russos serem tratados como inimigos da UE. Tudo aquilo bate certo, porque já temos o preconceito na nossa própria cabeça. Lá estão os russos… Mas quando é que a desinformação ganha preponderância e se torna avassaladora? Quando existe algum ator público que lhe dá visibilidade. Por exemplo, nas últimas eleições, a história dos rateres da caravana do Chega em Famalicão foi divulgada primeiro por pessoas anónimas ou pouco conhecidas. A partir do momento em que chegou à conta de André Ventura, ganhou uma visibilidade muito maior. É sempre assim. E não é preciso ser político, basta ser alguém que tem um elevado reconhecimento nas redes. Quando chega a esse momento, dispara. É como se lhe deitasse gasolina para cima.
A desinformação ainda precisa, então, de validação por alguém reconhecido. Claro. De alguém que tem interesse ou que não está suficientemente preparado para lidar com essa situação. O ministro Castro Almeida, ao dizer “Pode ser um ciberataque”, está a fazer o mesmo papel que André Ventura na situação dos rateres, porque é alguém cuja função lhe confere visibilidade e confiança. Se essa pessoa diz “talvez”, toda a gente ouve automaticamente “foi”, e a partir daí ganha outra visibilidade. A desinformação é sempre um misto de alguma coisa que faça sentido para as pessoas, que vai ao encontro de algo que nós já pensamos, combinada com uma figura pública que lhe dê visibilidade. E visibilidade nas redes é, na maior parte das vezes, credibilidade.
Foto: Marcos Borga
A IA também pode servir de arma para combater a desinformação? Pode. Se alguém fizer uma pergunta ao Gemini, ao ChatGPT ou ao DeepSeek sobre uma determinada notícia que recebe, eles normalmente dizem: “Verifique com os jornalistas.” Mas se a pergunta for mais elaborada, do tipo: “Consegues identificar nesta informação algum traço característico de desinformação?”, vamos ter coisas que podem levar-nos a tirar conclusões. Por exemplo, há casos de traduções de russo para português em que são utilizadas palavras diferentes do que seria normal naquele contexto, e que soam algo estranho. Outras pistas são as notícias para português europeu que vêm com uma formulação gramatical mais do português falado no Brasil. Há sempre pistas…
Os jornalistas têm esse treino para conseguir distinguir factos de ficções. Mas as pessoas ainda dão a credibilidade que davam aos jornalistas, nestes tempos de redes sociais, em que qualquer um tem credibilidade e ninguém tem credibilidade? A resposta direta é sim, as pessoas continuam a dar credibilidade aos jornalistas. Agora, é preciso perceber o contexto em que nos encontramos, que é muito diferente do de há 20 anos, quando ainda não havia grande presença das redes sociais e tínhamos uma autenticidade factual associada ao jornalismo e à ciência. Essa autenticidade, para as pessoas, estava associada não tanto ao conteúdo, mas ao facto de ser publicado. A partir do momento em que nós, jornalistas e cientistas, passámos a conviver no mesmo espaço de publicação do cidadão comum, gerou-se uma grande mistura. E essa mistura produziu uma realidade diferente, em que dois tipos de autenticidade convivem simultaneamente: uma factual, que continua a ser a do jornalismo e da ciência, e outra que é negociada. Negociada na conversa, no post que publico e a que alguém responde. Já tínhamos isto no futebol, onde é muito difícil ter uma autenticidade factual – é maioritariamente negociada, porque quando uma pessoa diz que o jogador do Benfica fez uma falta sobre o do Sporting, eu aceito ou não, dependendo se sou do Sporting ou do Benfica, mesmo que esteja a ver a imagem na televisão. É interpretação pura.
E acontece o mesmo com os vieses políticos? Exatamente. E essas esferas mais fechadas, em que um jornalista perguntava alguma coisa a alguém que tinha um viés político, alargaram-se para toda a gente. Hoje vivemos numa realidade em que a autenticidade factual convive com uma autenticidade negociada. E as pessoas usam, para os seus próprios argumentos negociais, a produção jornalística, e por isso é que eu digo que ela continua a ser válida: quando é preciso impor a minha verdade ao outro, vou buscar o que o jornalista diz. Mas haver uma alta autenticidade factual a conviver com uma autenticidade negociada não é nada de novo. Há 100 anos, a discussão era sobre a convivência entre uma autenticidade científica e uma de dimensão religiosa. Era o que vinha na Bíblia versus o que está a ciência a demonstrar. Hoje, temos uma transferência dessa oposição para este mundo entre as conversas das pessoas que querem fazer valer a sua visão sobre o mundo versus a publicada pelos cientistas e pelos jornalistas. Mudou a tecnologia, mudou o contexto – a religião já não é o elemento central –, mas continuamos a ter um mundo de factos e opiniões a interagir. Construir um mundo melhor depende de tomarmos consciência disso.
Esta desinformação proporcionada pela internet, em que toda a gente tem um megafone, já se tornou uma ameaça séria à democracia? Há aqui um paradoxo. Um exemplo concreto: as eleições na Roménia a 6 de dezembro do ano passado. Anularam-se as eleições porque se entendeu que existira uma interferência externa. Essa interferência não foi manipulação dos votos a serem colocados na urna, apenas a ideia de que havia uma manipulação da perceção, e que as pessoas estavam a ser influenciadas por essa perceção. Qual é o paradoxo aqui? A democracia baseia-se no facto de as pessoas serem capazes de decidir por si. Se nós eliminamos eleições porque as pessoas podem ser influenciadas por outrem, estamos a pôr em causa o próprio âmago da liberdade de exercício da democracia, do voto. Eu, pessoalmente, sou muito crítico da decisão tomada, porque acho que foi tomada por questões políticas dos partidos que estão no poder contra os que poderiam ter hipótese de ganhar as eleições.
Por outro lado, é suposto as pessoas decidirem com base na boa informação. Uma avalancha de desinformação não pode ser considerada um bloqueio ao processo democrático? Temos de combater a desinformação, como é óbvio. Mas a questão está em assumirmos se as pessoas são ou não capazes de lidar com isto. No caso da Roménia, não era desinformação do género da que nós tivemos nas eleições em Portugal, a dizer que o primeiro-ministro, António Costa, estava de férias durante os fogos de Pedrógão. Não era esse tipo de mentira. Eram muitas pessoas a dizer que gostavam do candidato tal. Havia muita informação a circular de apoio a um determinado candidato, neste caso, o da extrema-direita. Temos de ter muito cuidado com esta questão, porque a desinformação não nos hipnotiza, e nós estamos a tratá-la como se nos hipnotizasse.
Se não é legítimo anular as eleições devido à desinformação, que formas legítimas temos para blindar os processos democráticos? Combatê-las, como já se faz, exceto se estivermos nos EUA, que optaram por uma via diferente, que foi a de dizer “não, não, isto é liberdade de expressão, as pessoas dizem o que quiserem e não tem de haver controlo nenhum”. Baniu-se, inclusive, a palavra desinformação, que tem uma conotação anti-Trump, o que é uma coisa surreal, mas mostra os tempos que estamos a viver.
E há aquela expressão “factos alternativos”, usada por uma conselheira de Trump… Exato, há essa tentativa, que a dada altura se perdeu. Mas, acima de tudo, a via Trump para lidar com a desinformação passa por dizer: “Não acreditem em ninguém, exceto em mim.” É a inversão do ónus da prova. Antigamente, o jornalista dizia ao político: “Atenção, nós sabemos que aconteceu isto, qual é o seu comentário?”; aqui, é ao contrário. A ideia das fake news foi um spin político para dizer: “Nós é que somos os watchdogs dos jornalistas, não são os jornalistas que são os watchdogs dos políticos.”
Porque é que isso funciona? É uma mentalidade de culto, neste caso de Trump? E é exportável para Portugal? A sociedade norte-americana é bastante diferente da nossa. A Europa é uma sociedade mais laica. Os EUA, na sua fundação, não adotaram uma religião de Estado simplesmente porque não havia uma congruência de religião entre os diferentes Estados, cada um tinha a sua. Seguimos dimensões distintas dos dois lados do Atlântico, por razões diferentes: porque efetivamente houve uma separação maior da religião do quotidiano.
Mas o espírito está lá… É a cultura de “O meu Deus, a minha pátria, a minha família”. Essa visão cria efetivamente uma maior propensão à aceitação de verdades feitas de opinião e não tanto de factos. Depois, existem muitas outras coisas que explicam as diferenças. O que vemos nos EUA é produto do que se construiu, primeiro na rádio e depois na televisão e na internet. O que vemos hoje é um processo lento na sociedade norte-americana de erosão de um sistema baseado numa separação de poderes efetiva, na capacidade e na importância do jornalismo… Tudo isto cruzado com o surgimento da internet, que veio aumentar uma realidade que já existia na rádio e na televisão por cabo: apostar na opinião e depois as notícias verificam a opinião dada, que é o inverso do nosso mundo, onde comentamos as notícias com opinião.
O sucesso de Trump é prova de que estamos a perder esta batalha? Depende. É óbvio que há uma culpa política no processo. Os protagonistas políticos, ao não entenderem que as pessoas comuns não estão contentes com a forma como estão a ser governadas, abriram espaço para outra coisa, que surgiu na forma de Donald Trump. O que aconteceu com o Joe Biden, entre o primeiro Trump e o segundo, demonstra que é possível [vencer a batalha]. Aliás, será que Joe Biden não teria ganhado estas eleições resvés, mesmo estando como estava? A candidata democrata não era a ideal para uma eleição contra um candidato como Trump. A sociedade norte-americana claramente não aceita ter uma mulher como candidata. O problema maior é quando temos uma “trumpização” da comunicação. Tem sido interessante olhar para os últimos meses em Portugal e perceber que existe uma espécie de resvalar para essa influência da trumpização na forma como comunicamos.
Por exemplo?… O que caracteriza a comunicação de Trump? Nunca há erros. Se dizem que alguma coisa aconteceu, mesmo que não tenha acontecido, transforma-se em realidade. E quando acontece alguma coisa, o importante não é o facto em si, mas a razão por que estamos a falar disso. Quem deu esta informação? Como é que ela saiu? Nas conversas do pós-apagão ou sobre a Spinumviva existe muito disso. Não quer dizer que os políticos estejam a copiar o Trump, mas quem faz consultoria política está a fugir-lhe o chinelo para o Trump.
Ou seja, a verdade deixa de ser o mais importante. Desvia-se a conversa para o lateral. E por isso é que estou a dizer que é uma trumpização. Quando temos um ministro que diz: “Não tenho vergonha nenhuma do que disse e diria outra vez”, mesmo o facto não tendo acontecido, qual é a diferença com aquilo que Trump faz? Qual é a diferença entre o caso dos novos clientes da Spinumviva, quando se diz: “Vamos mas é atrás de quem deu esta informação”, e o do Signal, nos EUA?
Isso quer dizer que o Trump está a fazer escola também em Portugal? Portugal pode seguir esse caminho? Está a fazer escola entre o exercício político. As pessoas sabem que são táticas de curto prazo que podem resultar. O que Trump faz é utilizar as táticas de curto prazo de uma forma regular e permanente. E nós estamos a ensaiar isso. Mas nunca é bom sermos aprendizes de feiticeiro, porque depois volta-se contra nós próprios. Nem Pedro Nuno Santos nem Luís Montenegro são Trump, mas André Ventura gostaria de ser Trump, e o resultado final disto não favorece quem utiliza estes métodos. Favorece, sim, o partido ao lado.
Porque é que parece haver uma preponderância da desinformação por parte da extrema-direita? Estamos a sair de um tempo, que em Portugal é de 50 anos e noutros casos é mais longo, desde o final da II Guerra Mundial, em que o centro-direita e o centro-esquerda estiveram praticamente sempre na ribalta. A extrema-direita esteve fora de jogo e a extrema-esquerda teve alguma representação durante um tempo, embora depois também se fosse erodindo. E quando as coisas não funcionam, a extrema-direita ganha uma apetência maior, porque é quem está contra.
E há o contexto do que se passa nos EUA. Quando o país que lidera o mundo, os EUA, de repente muda, tem uma influência na Europa, porque temos um comum cultural, uma aliança militar… E é preciso perceber que Donald Trump adota o Partido Republicano porque percebe que é este o partido que ele pode moldar mais facilmente à sua imagem. O que ele fez foi juntar uma série de narrativas e dar razão a cada uma delas. A figura de Trump unifica, mas depois é tudo o resto: as vacinas, a imigração… Tudo aquilo vai sendo moldado, mas o elemento de união é o Trump. Acontece também que as narrativas que se opõem ao resto foram criadas em torno da extrema-direita. A extrema-direita construiu um conjunto de narrativas sobre a imigração, sobre a corrupção, etc., que vão criando escola. Ganham espaço, mas só ganham o poder quando conseguem cooptar o centro-direita.
É uma dinâmica que favorece a extrema-direita. Quem quer conquistar o poder é a extrema-direita. Todos os outros estão a jogar à defesa, a desconstruir as narrativas que nos são apresentadas pela extrema-direita. Se as pessoas não estão satisfeitas, uma parte delas vai apoiar quem quer mudar as coisas. As pessoas também funcionam numa lógica que é emocional e racional em simultâneo. Diria que, em Portugal, há pessoas que tanto votam no PSD como no PCP, que tanto votam no Chega como no PS. Isto tem muito a ver com os ciclos e menos com fidelidades. A política não é o futebol. É muito difícil a pessoa mudar de clube. Na política, depende de quem está à frente do partido e de como estou a sentir-me perante essa relação. Mas quando a extrema-esquerda está em ambientes de oposição, de mudança e de protesto, e consegue capitalizar a opinião das pessoas, também surge desinformação desse lado. A desinformação está nos extremos, muito mais na extrema-direita do que na extrema-esquerda e quase sempre ausente ao centro.
O apagão foi um ciberataque russo, diz a CNN. Não, não, foi um incêndio num avião de combate a incêndios, acabei de ler no Expresso. Ah, a minha irmã mandou-me uma notícia por WhatsApp a dizer que afinal foi um incêndio no Sudoeste de França que obrigou a desligar uma linha de alta tensão. Espera, a Reuters cita a REN para dizer que foi um fenómeno atmosférico raro.
Duas horas depois de termos ficado sem luz, milhões de portugueses já tinham todas as respostas possíveis e imaginárias. Só não tinham – e mais de uma semana depois continuavam sem ter – a resposta verdadeira. Essa é uma das vantagens das fake news face às news: a mentira é mais rápida do que a verdade.
Olhando agora para trás, a onda de mentiras durante o dia do apagão parece inofensiva. As falsidades não passaram de brincadeiras, crimes sem vítima, pensamos nós. E talvez fossem, se ficassem limitadas a acontecimentos menores ou não causassem consequências graves. Mas há dois problemas: primeiro, a crescente desinformação está a tornar os factos cada vez mais indistinguíveis da ficção; segundo, não está confinada a apagões e quejandos. Temos à porta umas eleições sob um clima permanente de mentiras camufladas de verdades, e boa parte da camuflagem é proporcionada pela Inteligência Artificial (IA), que tornou a realidade muito mais opaca.
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Antigamente, dizíamos que só podíamos confiar nos nossos olhos e ouvidos. Hoje, já nem nos nossos olhos e ouvidos podemos confiar. No caminho para as últimas presidenciais americanas, por exemplo, eleitores das primárias democratas do New Hampshire receberam ficheiros áudio com a voz de Joe Biden (fabricada em IA) a apelar à abstenção. Uns meses mais tarde, Elon Musk partilhou um vídeo manipulado, igualmente feito com recurso a IA, em que Kamala Harris fazia declarações falsas que a prejudicavam politicamente.
A candidata à presidência foi, aliás, a maior vítima de vídeos e imagens produzidas com IA, espalhadas pelas redes sociais como um fogo em agosto. “Fotos antigas” suas, em que surgia vestida como prostituta de luxo (“Foi assim que Kamala subiu na política”, asseguravam os textos que acompanhavam as imagens), foram partilhadas milhares de vezes, atingindo milhões de eleitores. Os desmentidos e os fact checks nunca conseguiam chegar ao mesmo número de pessoas, nem convencer toda a gente de que eram efetivamente falsas. Quantas pessoas terão sido levadas a votar em Donald Trump ou simplesmente se abstiveram devido a estas imagens?
A desinformação em processos democráticos não está confinada aos EUA. Na Europa, as suas consequências têm desvirtuado eleições, quase sempre com benefício para os movimentos e partidos de extrema-direita (e muitas vezes com dedo russo por trás). A democracia está sob ataque cerrado – e os portugueses, como se viu no apagão, não estão mais imunes do que os outros ao boato massificado.
Um risco crescente
O ano de 2024 e os primeiros meses de 2025 foram marcados por eleições de grande impacto para o mundo, com as dos EUA e da Alemanha à cabeça. Em ambos os casos, tal como noutros da União Europeia, da América do Sul, de África e da Ásia, a desinformação foi um desafio constante. As redes sociais, aliadas às novas ferramentas de IA, transformaram-se numa máquina poderosa para a disseminação de conteúdos falsos, e os processos eleitorais são os alvos preferenciais. A sofisticação crescente de manipulação da informação está a reconfigurar o debate democrático, a influenciar o voto e a ameaçar a integridade das instituições. Ironicamente, ou talvez não, são Estados autocráticos, onde a democracia é uma ilusão, os maiores autores de campanhas de desinformação destinadas a erodir as bases democráticas: Rússia, China, Irão e Coreia do Norte.
O fenómeno de tentar influenciar o resultado de eleições com propósitos geopolíticos não é novo, mas ganhou proporções inéditas nos últimos anos. A velocidade e o alcance de uma informação falsa não são comparáveis com os dos tempos em que a imprensa tradicional era o principal mediador do espaço público. Os jornalistas deixaram de ser os guardiães da informação, apenas publicando os factos, e passaram a ter de “perder tempo” com fact-checking, num trabalho interminável de validação da informação espalhada pelas redes. A mentira, antes confinada a conversas de café, é agora difundida pelas redes sociais. O público deixou de ser quem está na mesa do lado e passou a ser, potencialmente, todo o planeta. O boateiro da aldeia, hoje, tem um megafone.
Legislativas
A resposta da CNE
A Comissão Nacional de Eleições assinou um protocolo com o ISCTE para monitorizar e combater a desinformação nestas eleições
A principal ferramenta da CNE para identificar e combater a desinformação ao longo destas legislativas é uma parceria com o MediaLab, do ISCTE. “A equipa analisa as redes sociais, identifica as situações e envia relatórios semanais para a CNE”, explica André Wemans, porta-voz do organismo. Ao abrigo do protocolo, há também um número de WhatsApp – 964 846 227 – que os cidadãos podem utilizar para denunciar desinformação ou publicidade paga (é proibido um político pagar a uma rede social para que a sua publicação chegue a mais gente, em época de eleições). O número, no entanto, não tem sido muito utilizado, o que o responsável da CNE atribui à sua “falta de visibilidade”.
Durante a pré-campanha, já foram identificados alguns casos de manipulação ou de desinformação, revela André Wemans. Entre os últimos casos analisados nos relatórios semanais, destaca-se um vídeo que anunciava Pedro Passos Coelho como candidato à Presidência da República pelo Chega.
Mas a CNE, à partida, não reage, “a não ser que sejam casos que ponham em causa o funcionamento ou a credibilidade das eleições”. Nessas situações, é enviada uma queixa para a Polícia Judiciária. “Têm sido comunicados alguns casos no âmbito destas eleições”, diz o porta-voz da CNE.
Após as eleições, o MediaLab fará um relatório, que ajudará a perceber o tipo e o nível de desinformação nestas legislativas, tal como já fizera para as europeias. O relatório de então teve algumas conclusões interessantes. Por exemplo, o tema da imigração em Portugal foi o mais visado pela desinformação, tal como na Europa em geral. Mas os temas do clima, da guerra na Ucrânia, da Covid-19 e LGBTQ+, por exemplo, também alvos de desinformação na UE durante as europeias, não tiveram expressão no nosso país. Sem surpresa, até atendendo ao tema dominante de desinformação em Portugal, o Chega foi o partido que mais publicou informação falsa ou enganadora nas redes sociais.
“A desinformação tornou-se, sem dúvida, um risco grave para os sistemas democráticos”, diz Cátia Moreira de Carvalho, investigadora do IPRI-NOVA e da Dublin City University. “A democracia baseia-se no acesso a informação credível, no debate público informado e na confiança das pessoas nas instituições. Quando a desinformação prolifera, sobretudo em momentos críticos como eleições, esses pilares ficam profundamente abalados.”
Além disso, continua a especialista em Radicalização e Extremismos, a erosão da confiança nos média e nas instituições públicas cria terreno fértil para que a desinformação se enraíze. “Tudo isto fragiliza o espaço democrático, tornando mais difícil o consenso, o compromisso e até a aceitação dos resultados eleitorais.”
Em 2020, vislumbrámos a que ponto as democracias são vulneráveis, com a invasão do Capitólio em Washington D.C. por uma turba MAGA que se recusou a aceitar a derrota de Donald Trump, instigada pelo então Presidente e as suas acusações de que a eleição havia sido “manipulada e roubada”. Até esse momento, a democracia dos EUA era considerada sólida como uma rocha. Hoje, atravessa o seu período mais negro desde, talvez, a Guerra Civil Americana.
Retrocesso no Facebook
Tal como a má moeda expulsa a boa moeda, também a primeira vítima da má informação é a boa informação. A confusão provocada pelas fake news redundou numa desconfiança crescente do público que já atinge os média convencionais (para o que contribuiu, certamente, a moda de se chamar fake news às notícias que não agradam). Na década de 70, os inquéritos mostravam que, nos EUA, cerca de 70% diziam confiar nas televisões, rádios e imprensa escrita. Atualmente, segundo uma sondagem da Gallup realizada no ano passado, os níveis de confiança estão em 31% – um recorde (negativo) histórico.
Mesmo que a confiança na imprensa fosse ainda elevada, os jornalistas partem sempre em desvantagem. Um estudo do MIT publicado na Science, em 2018, concluiu que as “notícias” falsas têm 70% mais hipóteses de serem partilhadas no Twitter (atual X) do que as verdadeiras; as notícias a sério demoram seis vezes mais tempo a atingir 1 500 pessoas. A explicação é deprimentemente simples: “As notícias falsas soam mais a novidade, e as pessoas são mais propensas a partilhar informações novas”, explicou na altura Sinan Aral, coautor do estudo. É quase uma caricatura do velho princípio do jornalismo: notícia não é quando o cão morde o homem, mas quando o homem morde o cão.
Face a esta realidade, é natural que as redes sociais – cujo propósito, é bom que não nos esqueçamos, é fazer dinheiro – tenham mais a ganhar com mentiras do que com verdades. Sabendo-se disso, tem havido várias pressões por parte das instituições para que as redes combatam ativamente a desinformação. Foi esse o objetivo da Lei dos Serviços Digitais, em vigor desde agosto de 2023 – a Comissão Europeia percebeu que o Código de Prática sobre a Desinformação, um mecanismo autorregulatório assinado pelas principais redes sociais em 2018, era insuficiente.
“Plataformas como o Facebook, o Instagram ou o X continuam a lucrar com o conteúdo mais polarizador, que é precisamente o que mais circula”, realça Cátia Moreira de Carvalho. “E, apesar de algumas medidas positivas, como parcerias com verificadores e avisos em conteúdos falsos, a aplicação das regras é inconsistente e falta transparência.”
A investigadora acrescenta que não só as redes não estão a fazer o suficiente como, nalguns casos, estão até a recuar na luta contra a desinformação. “Tomemos o caso da Meta [dona do Facebook]: recentemente, a empresa acabou com o programa de fact-checkers nos EUA, substituindo-o por um sistema de ‘notas comunitárias’, onde são os próprios utilizadores a adicionar contexto às publicações. A ideia levanta sérias dúvidas sobre eficácia e fiabilidade – sobretudo em períodos eleitorais.” Ou seja, ao mesmo tempo que aumenta a disseminação da mentira, enfraquece-se a verificação da verdade.
É a extrema-direita que melhor tem aproveitado esses buracos para difundir mensagens rápidas e emocionais. “O uso de desinformação é uma forma de mobilização política e de radicalização, especialmente num ambiente digital onde a velocidade de propagação é exponencial. A desinformação cria uma perceção de ‘situação de emergência’ ou de ‘luta pela sobrevivência’, o que leva os seguidores a sentirem-se justificadamente motivados a agir de forma mais agressiva ou extremista.”
Eterno jogo do gato e do rato
As autoridades nacionais e europeias têm feito “progressos importantes” para impedir a propagação de informações falsas durante eleições, refere Cátia Moreira de Carvalho, que destaca a criação do Observatório Europeu dos Meios de Comunicação Digitais e de centros de monitorização da informação. Mas há limitações importantes. “Muitos dos esforços continuam a depender da boa vontade das plataformas digitais, que ainda têm margem para definir o que é ou não considerado desinformação. A moderação de conteúdos em línguas locais ou dialetos, por exemplo, continua frágil, o que deixa espaço para campanhas altamente segmentadas em contextos nacionais – como vimos em países da Europa de Leste ou do Sul, ou em África. Além disso, a resposta institucional é muitas vezes mais lenta do que a velocidade com que as campanhas de desinformação se propagam.”
A especialista identifica outros problemas, como falta de coordenação entre autoridades eleitorais, organismos de segurança e reguladores da comunicação social, além de haver uma grande disparidade na capacidade de resposta. “Alguns países investiram em equipas de cibersegurança eleitoral e parcerias com fact-checkers, mas outros continuam sem mecanismos robustos de resposta rápida.” Em Portugal, a principal ferramenta para acompanhar e combater a desinformação durante os processos eleitorais é um protocolo que a Comissão Nacional de Eleições assinou com o MediaLab, do ISCTE (ver caixa A resposta da CNE).
Esta luta, no entanto, não pode ser feita apenas de cima para baixo. “É importante sublinhar que combater a desinformação não pode ser só uma questão de regulação. Envolve educação digital, reforço do jornalismo de qualidade e transparência nos processos eleitorais e governamentais. Sem estas dimensões, qualquer resposta corre o risco de ser superficial ou, pior ainda, percebida como censura.”
A desinformação tornou-se um risco grave para os sistemas democráticos. Fragiliza o espaço democrático, tornando mais difícil o consenso, o compromisso e até a aceitação dos resultados eleitorais
Cátia Moreira de Carvalho,investigadora
Os passos dados são “relevantes”, sim, e “indicam a compreensão de uma mudança de paradigma”. Mas, reforça, “ainda estamos num jogo de gato e rato, onde quem propaga desinformação continua muitas vezes um passo à frente das instituições que procuram travá-la e combatê-la”.
A IA veio dificultar ainda mais a distinção entre boa e má informação, continua. “A evolução das ferramentas de IA, como os deepfakes e os algoritmos capazes de criar textos, imagens e vídeos falsos extremamente realistas, tem tornado a tarefa de identificar desinformação muito mais difícil. Além disso, a IA está agora a ser usada para gerar notícias falsas em grande escala, criando artigos, posts e até mesmo discursos completos que podem ser distribuídos automaticamente em plataformas digitais. Como esses conteúdos são produzidos rapidamente e em massa, podem atingir um grande número de pessoas antes que sejam identificados como falsos, o que dificulta a tarefa das plataformas de redes sociais e dos fact-checkers.” Tudo isto tem implicações perigosas, conclui, “especialmente em contextos como eleições ou crises políticas, em que vídeos falsificados de figuras públicas podem ser usados para manipular a opinião pública ou incitar o caos.”
E é essa a principal ideia da desinformação premeditada: caos. A desinformação não quer convencer-nos a acreditar nas mentiras. Quer provocar-nos a dúvida, enlamear o espaço informativo, corroer a nossa confiança, dificultar a distinção entre o que é verdade e mentira, até ao ponto em que, não sabendo no que e em quem acreditar, duvidamos de tudo e de todos.
O objetivo é levar-nos a não acreditar em nada.
Manual de defesa
Fake ou news?
Nem sempre é fácil identificar desinformação, mas há métodos que ajudam
A fonte é de confiança? Confirme se a notícia é de um site de informação credível. No caso de ser um print (imagem) de uma notícia, faça uma busca na internet com a frase exata da notícia e veja se o artigo aparece na página do meio de comunicação. Consulte também outros média.
Atenção aos pormenores Desconfie sempre da informação quando é utilizada linguagem sensacionalista, palavras e frases inteiras em letra maiúscula e com pontos de exclamação. Erros ortográficos e vírgulas a separar o sujeito do predicado são outros sinais de alerta.
Use a IA contra a IA Deparou-se com uma foto ou um vídeo que não tem a certeza de ser verdadeiro? Abra uma ferramenta de IA (ChatGPT, Grok, Deepseek, Gemini…), carregue o ficheiro e escreva: estas imagens são verdadeiras? Se necessário, peça também um link para um site de fact-checking que tenha analisado as imagens.
Confirme a data Muitas notícias verdadeiras são partilhadas (propositadamente) nas redes sociais fora do contexto temporal, o que constitui uma outra forma de desinformação. Verifique sempre a data da notícia.
Desconfie sempre Se parece demasiado estranho, improvável ou inusitado para ser verdade, provavelmente é. Procure fact-checking em sites de média ou de organizações credíveis ligadas ao tema em questão (ONU, OMS, etc.).
Não tenha pressa Evite contribuir para disseminar desinformação. Resista ao impulso de partilhar imediatamente a “notícia” que recebeu por WhatsApp ou que encontrou no Facebook, X, TikTok ou Instagram. Faça uma pesquisa primeiro, para se assegurar de que é uma notícia verdadeira.
As campanhas eleitorais são propícias a exageros. É o momento em que se prometem sonhos, mesmo que todos saibam à partida que não podem ser realizados – como acontece, aliás, com a maioria dos melhores devaneios que temos. Mas não há mal no exagero, desde que as promessas sejam sinceras e percetíveis na sua justa dimensão: a de que, embora sendo exageradas, indicam o caminho para se poder alcançar um futuro melhor, mais justo, mais solidário e, preferencialmente, mais feliz e próspero. É aquilo a que se chama sonhar alto, seguindo o exemplo do velho slogan popularizado nas ruas de Paris em Maio de 68, com um apelo transcendental e provocador: “Sejamos realistas, exijamos o impossível.”
Nada contra os sonhos nem contra os exageros, portanto. Se há algo que falta na política atual, na verdade, é essa urgência antiga de perseguir utopias, de sonhar com um mundo melhor, mesmo que, realisticamente, possamos reconhecer que se trata de um sonho impossível. Se virmos bem, o debate político era muito mais rico e estimulante quando estavam em confronto modelos ideológicos de sociedade, quase sempre utópicos e impossíveis. E, por isso, as campanhas conseguiam ser muito mais excitantes, aguerridas e, porventura, enriquecedoras e memoráveis, do que as discussões centradas a discutir percentagens do défice ou a esgrimir estatísticas de saúde, sem que se perceba, tantas vezes, a sua associação com a realidade ou o que isso implica na experiência quotidiana de milhões de pessoas.
Com as utopias atiradas para o canto das velharias e, por isso, ausentes do debate, temos assistido a uma campanha eleitoral demasiado centrada em promessas apenas exageradas e tantas vezes irrealistas. Não porque prometam o impossível, mas porque se baseiam numa realidade que, porventura, não existe agora e será até muito diferente, para pior, dentro de alguns meses, dada a conjuntura internacional em que mergulhámos.
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De uma forma ou de outra, quase todos os principais organismos têm estado a rever em baixa as previsões de crescimento económico para o que resta do ano. Em todas as análises, leva-se em linha de conta o impacto das tarifas quase universais decretadas pela maior economia do planeta, liderada por Donald Trump, e as ondas de choque que elas estão a causar em todo o mundo. E acumulam-se os avisos sobre a necessidade de fazer previsões mais de acordo com a realidade que se adivinha e menos com a que se deseja.
Em tempo de campanha eleitoral, ninguém parece preocupado com esses avisos. E, como se aparentemente nada tivesse acontecido em Washington, continuamos a ouvir as mesmas promessas, baseadas em projeções que já se percebem ser irrealistas. Os sinais e a realidade aconselhavam prudência – mesmo que essa não seja uma “habilidade” que os diretores de campanha considerem útil para “caçar” votos. A verdade, no entanto, é que o FMI reviu em baixa as previsões de crescimento económico para Portugal (à semelhança do que fez para o resto do mundo) e os dados do Instituto Nacional de Estatística relativos ao primeiro trimestre confirmam o abrandamento da atividade económica no País. Apesar disso, o Governo enviou para Bruxelas uma estimativa de crescimento do PIB de 2,4%, bem superior aos 2,1% que tinha incluído, há poucos meses, na sua proposta de Orçamento do Estado, e que até o Conselho das Finanças Públicas considerou “provável, mas não prudente”.
Vale a pena brincar com o fogo? E prometer aquilo que o agravamento da situação internacional vai impedir de ser cumprido? Há muitas perguntas que precisam de ser feitas numa campanha eleitoral que decorre num momento demasiado volátil e imprevisível para o mundo. Mas quando não se prometem utopias nem grandes sonhos, o mínimo que devemos exigir é o compromisso de se falar verdade e com rigor. Não basta prometer “contas certas”. É preciso que as promessas estejam devidamente quantificadas, tanto no custo como no benefício. No fim, faremos as contas: quantas promessas vão resistir ao choque da realidade?
Dito isto, outra evidência é a de que os 133 cardeais eleitores (entre os quais estão quatro portugueses – Manuel Clemente, António Marto, Américo Aguiar e Tolentino de Mendonça) se confrontam em duas fações, a que defende mudanças estruturais na Igreja (que Francisco se esforçou por concretizar nos 12 anos do seu pontificado) e a que quer um regresso ao passado. A luta (ou o debate, para usar um termo mais benigno) oporá, pois, progressistas e tradicionalistas.
Os vaticanistas apontam que a ala progressista está bem posicionada, com vários nomes previsivelmente capazes de recolher os dois terços de votos necessários para que haja fumo branco e um novo Papa.