Enquanto a Europa se foi afastando progressivamente da fé cristã devido ao secularismo, à falta de identificação religiosa e à desinstitucionalização da religião, privatizando-a e retirando-a do espaço público, os Estados Unidos mantiveram o mito da terra prometida dos crentes perseguidos no velho continente.

Todavia, terão sido as duas guerras mundiais que devastaram as nações europeias que fizeram vacilar a fé de muitos que se questionavam como é que Deus tinha permitido tal catástrofe, nunca entendendo que as guerras são feitas pelos homens. Acresce que o facto de no período entre guerras uma boa parte das igrejas cristãs terem apoiado ativamente o nazismo e o fascismo, levou a que muitos crentes desistissem da fé por não entender como podiam líderes religiosos apoiar a barbárie, a ditadura e o genocídio.

As razões da crescente perda da fé dos americanos são bem mais recentes e parece que se devem a outras razões. As gerações mais jovens têm dificuldade em entender, por um lado, a promiscuidade entre religião e política, mas também o conservadorismo profundo que pontifica em muitos setores religiosos e que condiciona a vida pessoal dos indivíduos.

Os europeus anteciparam-se a este percurso de esvaziamento da fé devido ao caminho que escolheram em direção à modernidade, o caminho do secularismo, enquanto os Estados Unidos optaram pela via da religião, e isso é muito percetível ainda hoje na vida pública, nas artes e na política. Mas a verdade é que a sociedade americana mudou e já não é o que era há vinte ou trinta anos.

De facto, é em África, na Ásia e na Oceânia que o cristianismo mais se tem desenvolvido nos últimos tempos. É verdade que em África existe a tendência para misturar o evangelho com as referências religiosas das tradições do continente, numa espécie de sincretismo ou de cristianismo mais

imaturo, por assim dizer, recorrendo a práticas vindas do ocultismo. Mas também a América Latina se move por esses caminhos, com base nas influências antropológicas do subcontinente, de expressão índia e negra e que resultam em parte da multiculturalidade que a caracteriza.

Na Oceânia temos uma presença cristã significativa na Austrália e Nova Zelândia, apesar das influências orientais, e até Timor-Leste mantêm a bandeira da fé católica como marca distintiva.

No continente asiático, as Filipinas e a Coreia do Sul mantêm-se um reduto fortíssimo da fé cristã numa região do globo mais entregue ao Islão, ao budismo, hinduísmo e filosofias orientais, provavelmente devido ao seu percurso histórico. No entanto, o Japão manteve as suas tradições religiosas apesar de ter recebido influências idênticas ao longo do século passado.

Depois temos a China, que já não é o tal gigante adormecido mas sim um gigante discretamente escondido atrás dum muro. Ninguém sabe ao certo o que se passa no país profundo. Mas sabe-se que a fé cristã é poderosa e tem vindo a crescer muitíssimo, apesar da dura perseguição religiosa que ali se verifica, tanto por via direta como pela imposição duma espécie de religião civil centrada numa espécie de endeusamento da figura do presidente Xi Jinping.

É certo que os observadores ocidentais mostram grande dificuldade para compreender o fenómeno devido à sua falta de abertura para o religioso. Como escrevia Henrique Raposo no Expresso: “O cristianismo em expansão é um tema ainda mais estranho para esta lente analítica pós-religiosa, mas a verdade é que o cristianismo está em larga expansão no Oriente, em geral, e na China, em particular (…) É impossível fixarmos o número de cristãos chineses. Sabemos apenas que são milhões e que o seu número cresce todos os dias de forma legal ou clandestina. Há institutos de estatística que falam em 57 ou 68 milhões de cristãos declarados, aos quais temos de acrescentar aqueles que praticam o culto de forma clandestina. É por isso que há quem diga que estamos na presença de 120 milhões de protestantes e 20 milhões de católicos.”

Resta saber se não serão os chineses e outros asiáticos a vir evangelizar o hemisfério norte daqui a umas décadas.

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Uma amiga ligou-me ontem, ao final do dia, com a habitual questão: “Como estás?”. Depois dos primeiros minutos de conversa sobre as vidas de ambas, atirou-me a frase “vou fazer-te perguntas estranhas”. E começou: “Tens uma lanterna em casa? Pilhas? Comida enlatada? Dinheiro vivo? Iodo? Não tens iodo? Devias ter”.

Não foi preciso dizer mais nada, e o nosso telefonema não se cingiu às perspectivas trágicas que o escalar do conflito entre a Rússia e a Ucrânia pode ter para o mundo. Porque isso não mudaria nada. Na verdade, passámos o resto do tempo a acertar agendas para o futuro próximo, ainda que de quando em vez ela atirasse um “isto se ainda houver planeta”.

Estamos a viver tempos estranhos, ainda que não surpreendentes. A decisão de Vladimir Putin de alterar a doutrina de uso de armas nucleares, em resposta às declarações de Joe Biden, que autorizou o uso de mísseis de longo alcance por parte da Ucrânia, abalou o tabuleiro do xadrez geopolítico mundial.

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A Administração de Joe Biden acaba de reconhecer Edmundo González Urrutia, exilado em Espanha desde setembro, como presidente eleito da Venezuela. “O povo venezuelano pronunciou-se de forma contundente a 28 de julho e escolheu Edmundo González como presidente eleito. A democracia exige respeito pela vontade dos eleitores”, afirmou o secretário de Estado, Antony Blinken, na rede social X, antigo Twitter. 

Os EUA já tinham dito que González Urrutia – galardoado, juntamente com Maria Corina Machado, com o prémio Sakharov 2024 – foi o mais votado nas eleições venezuelanas, mas não o tinham reconhecido oficialmente como presidente eleito. Recorde-se que esta mudança ocorre imediatamente após o encerramento da cimeira do G20 no Rio de Janeiro e a dois meses da tomada de posse de Nicolás Maduro para um novo mandato, a 10 de janeiro, e também da entrada em funções de Donald Trump na Administração norte-americana. 

Nas eleições de julho, o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela proclamou Nicolás Maduro vencedor, mas até agora ainda não publicou a ata com os resultados desagregados, apesar da insistência dos EUA, da União Europeia e de vários países da América Latina. A principal coligação da oposição, a Plataforma Unitária Democrática, publicou algumas atas na internet que revelam que González Urrutia, o seu candidato, foi vencedor com mais do dobro dos votos de Maduro. 

Depois da mensagem de Blinken, Urrutia também se pronunciou no X para agradecer o apoio dos EUA: “Este gesto homenageia o desejo de mudança do nosso povo e o feito cívico que juntos realizámos no dia 28 de julho.” 

O PCP não vai estar na sessão solene que se vai realizar este ano pela primeira vez na Assembleia da República para celebrar o 25 de Novembro. Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP, diz que se trata de uma tentativa de reescrever a História, mas está sobretudo preocupado com um processo de desmantelamento das conquistas do 25 de Abril, que acredita ter como objetivo “transferir o máximo da propriedade social para o grande capital”.

“Não desvalorizando a necessidade de combater a reescrita e falsificação da História, o essencial não é nesta ocasião de demonstrar o que o 25 de Novembro foi ao contrário do que dizem ter sido (um golpe contrarrevolucionário e não um contragolpe)”, disse Paulo Raimundo numa sessão sobre privatizações no Centro de Trabalho Vitória, em que apontou as privatizações dos últimos 48 anos como instrumentos para reverter o processo de conquistas de direitos sociais de Abril.

As “dinâmicas antagónicas” de 1976 que ainda persistem

“Depois de 1976, o processo político português é marcado por duas dinâmicas antagónicas: por um lado as energias libertadas pela Revolução e pelas nacionalizações, a fazer avançar o País, e por outro lado, a ação contrarrevolucionária, a querer reverter, inverter as conquistas da Revolução”, declarou o secretário-geral do PCP, defendendo que essa dinâmica continua hoje.

“À sombra das privatizações muitos dos principais protagonistas do PSD, do CDS, do PS, mas também do Chega e da IL, encontraram guarida em conselhos de administração e lugares cimeiros de muitas destas empresas. Este processo leva 48 anos. Mas não está concluído. E essa é uma tarefa a que o atual Governo do PSD e CDS se propõe”, denunciou, num discurso no qual fez o retrato das privatizações na comunicação social, na banca, na saúde e agora na TAP como processos marcados pela “mentira, a falta de transparência, a corrupção massiva”.

“Elas foram ótimas para as grandes famílias e para as multinacionais. À sombra das privatizações enriqueceram um conjunto de intermediários pelo papel que tiveram no processo ou pela colocação que alcançaram no modelo liberalizado, como consultores ou reguladores ou gestores da acumulação privada de capital”, atacou o comunista, que acredita que, além da venda da TAP, estão em curso políticas na RTP, na CP, nos portos e nas águas que procuram enfraquecer o serviço público e abrir as portas aos privados.

E é por isso que Raimundo diz que “neste momento o que importa é destapar e expor a operação que está por detrás das chamadas comemorações do 25 de novembro que a direita mais reacionária há muito enseja e que decidiu tentar impor”.

“As forças da revanche querem rescrever a História”

“O que está por detrás da iniciativa dos que suportam o Governo da PSD/CDS, com o apoio dos seus sucedâneos da IL e do Chega e a cumplicidade e anuência de outras forças políticas, é relançar a ofensiva contrarrevolucionária contra Abril e legitimar as suas próprias opções e política destruidora”, considera, lembrando que o 25 de novembro acabou por não levar, como queriam alguns dos seus promotores, à ilegalização do PCP.

“As forças da revanche querem rescrever a História, e apresentar o 25 de novembro, não pelo que foi, mas pelo que desejariam que tivesse sido de regresso ao passado de meio século de ditadura fascista”, argumentou, notando um “indisfarçável saudosismo, um revés reacionário” por trás de que quer hoje celebrar a data equivalendo-a ao 25 de Abril.

“O PCP rejeita a operação em curso e os seus objetivos antidemocráticos de desvalorização e apagamento do 25 de Abril, de promoção de conceções e projetos reacionários”, disse para anunciar que o grupo parlamentar comunista não estará na sessão, como já não esteve na comissão constituída para definir os moldes desta celebração.

“Não serão as comemorações do povo”

“É Abril que deve ser comemorado enquanto o momento mais marcante da nossa história e não o que contra ele se arquitetou de conspirações, golpes e práticas que o negam e pretendem desvalorizar. É essa luta para afirmar os valores de Abril que vamos prosseguir”, prometeu Paulo Raimundo.

Raimundo acredita mesmo que, a celebração ficará entre as paredes do Parlamento por não ter apoio popular. “Não serão as comemorações do povo, porque essas são e só as de Abril. E é com o povo que o PCP está, o povo que este ano em Abril encheu a Avenida da Liberdade e tantas praças e avenidas deste País a comemorar os 50 anos da Revolução Portuguesa”.

Putin é um gabarola que só mete medo aos que o rodeiam. É um assediador nato, valentão no Kremlin, presunçoso e pretensioso, mas que não assusta ninguém. Bazofiador, alterou a doutrina para o uso de armas nucleares, permitindo que possam ser disparadas por qualquer motivo e a qualquer momento, para mostrar que não brinca. Elevou o desafio, colocou meio mundo em alerta e sente-se profundamente orgulhoso do pavor que induz no seu país e nos países vizinhos.

O presidente russo sabe, como poucos, que não pode usar armas nucleares. Elas existem, mas não se utilizam. Servem apenas para dissuadir, gerar pânico e amedrontar o adversário. A última coisa que passa pela cabeça de Putin é ver o seu mundo destruído, arrasado e sem vida. Ou com uma réstea de vida que ninguém quer viver. Não sendo louco, nunca irá ordenar o disparo de uma ogiva nuclear, mesmo que tática e com poucas quilotoneladas.

O resultado seria a Destruição Mútua Assegurada (MAD). Este conceito, que se tornou válido e imperativo a partir dos anos 60 do século passado, resume, magistralmente, o apocalipse desencadeado pelas armas nucleares: quem as utilizar, mesmo que em primeiro lugar, inicia a sua própria destruição. Putin é muitas coisas, mas não idiota.

O síndrome MAD inibe, felizmente, todos os líderes de potências nucleares. Existe, contudo, um pequeno-grande problema: ao autorizar o seu uso de forma mais ou menos indiscriminada, apenas com autorizações dos comandos no terreno, pode desencadear-se a destruição maciça por um erro de avaliação, um disparo inadvertido ou uma insanidade momentânea. Há, porém, uma condicionante que joga a favor da humanidade: as ogivas nucleares nunca estão armadas ou prontas para serem disparadas. Nada disso. São necessários vários procedimentos técnicos e muitas pessoas envolvidas. Mesmo na Rússia de Putin, existem militares, oficiais e generais que não perdem a cabeça nem alinham na sua autodestruição.

E, a propósito, convém esclarecer que a pasta que acompanha sempre Putin, o presidente americano ou o primeiro-ministro britânico, não contém um botão que dispara mísseis nucleares. Isso é uma fantasia cinéfila. Na pasta, encontra-se um computador onde são inseridos os códigos de autorização presidencial, que depois passam por uma longa cadeia de comando até aos dois últimos oficiais, em terra, ar ou mar, que, em conjunto, carregam no botão.

Eventualmente — nunca se sabe — a pasta de Putin pode ter apenas uma sandes de chouriço e uma garrafa de tinto.

Fabricados nos Estados Unidos pela empresa Lockheed Martin, os mísseis ATACMS (Army Tactical Missile System, no original) foram desenvolvidos durante a Guerra Fria com o objetivo de serem usados contra os soviéticos. Estes mísseis balísticos, que podem transportar as polémicas bombas de fragmentação, têm a capacidade de atingir alvos que se encontrem a 300 quilómetros de distância, e de voar a uma altura superior a outros mísseis, o que lhes permite passar despercebidos pelos sistemas de defesa antiaérea.

Sendo mísseis com um longo alcance, estas armas podem ser utilizadas para destruir arsenais e locais estratégicos do exército russo, aliviando a pressão sobre os militares ucranianos na linha da frente do conflito. De acordo com o Ministério da Defesa russo, Kiev já terá utilizado estas armas militares para destruir arsenal militar russo, na região de Karachev, em Bryansk. A organização afirmou esta terça-feira ter abatido cinco mísseis e ter danificado um sexto dispositivo, o que ainda não foi confirmado pelo Estado Maior Ucraniano. No entanto, e apesar de serem conhecidos como mísseis de “longo alcance” e de permitirem agora às forças ucranianas atacar regiões que anteriormente não conseguiriam, estes mísseis tem uma trajetória menor que os mísseis de cruzeiro ou que um míssil balístico intercontinental.

A autorização norte-americana surge na sequência de um acordo, realizado em maio deste ano, sobre a utilização de armas fabricadas nos EUA para atacar o lado russo da fronteira, mas que não incluía os mísseis ATACMS. Kiev já tinha solicitado uma mudança a este acordo para incluir estes mísseis balísticos, mas a administração de Joe Biden mostrou-se relutante em tomar uma decisão até ao passado domingo, temendo o escalar do conflito.

Dois cabos de comunicação submarinos no Mar Báltico foram danificados e, segundo fontes oficiais, pelo menos um deles foi cortado de forma intencional. Um dos cabos, que liga a Lituânia à Suécia, foi cortado no domingo passado, por volta das 10 horas, confirmou a empresa de telecomunicações local Telia Lithuania. Um segundo cabo, que liga a Finlândia à Alemanha e que se situa a cerca de 100 quilómetros do primeiro, também sofreu uma avaria, embora o motivo da falha ainda não tenha sido apurado. As autoridades suspeitam, no entanto, que o incidente tenha sido causado por “dano intencional”.

O segundo cabo, operado pela empresa estatal finlandesa Cinia, ainda não foi inspecionado fisicamente, o que impede uma conclusão definitiva. No entanto, a avaria súbita e a localização do incidente fazem com que se suspeite também de um ato de sabotagem.

Este episódio segue-se a um aviso emitido pelos Estados Unidos em setembro, no qual se alertava para o risco de sabotagem russa a cabos submarinos, após uma investigação conjunta entre as rádios públicas da Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia, de acordo com a CNN Internacional. Segundo a investigação, que decorreu em abril de 2023, a Rússia terá enviado uma frota de navios espiões para as águas nórdicas, com o objetivo de comprometer não só os cabos de comunicação, mas também várias estações eólicas.

Apesar das interrupções, os países afetados não ficaram totalmente sem comunicações, uma vez que as redes de telecomunicações estão configuradas de forma a evitar a dependência excessiva de um único cabo. A redundância na infraestrutura permite que o tráfego de dados seja desviado por outras rotas, garantindo que os serviços continuem a funcionar normalmente.

Em resposta aos incidentes, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Finlândia e da Alemanha emitiram uma declaração conjunta, expressando uma profunda preocupação com o ataque ao cabo submarino entre os dois países. “Uma investigação minuciosa está em andamento. A nossa segurança europeia não está apenas ameaçada pela invasão da Rússia à Ucrânia (que teve início em fevereiro de 2022), mas também pela guerra híbrida de atores maliciosos. Proteger a nossa infraestrutura crítica partilhada é essencial para a nossa segurança e para a resiliência das nossas sociedades.”

No que diz respeito ao cabo entre a Lituânia e a Suécia, que representa cerca de um terço da capacidade de internet da Lituânia, espera-se que os reparos sejam concluídos nas próximas semanas, embora as condições meteorológicas possam influenciar o tempo previsto para a reparação do cabo.

Pode ficar a saber melhor como funciona um centro de cabo submarinos ou então ver (ou rever) a nossa reportagem num destes centros em Portugal: