No calendário anual, há momentos que assumem especial relevância para a comunidade de utilizadores de tecnologias de reabilitação auditiva. Esta terça-feira, 25, assinala-se o Dia Internacional do Implante Coclear e a 3 de março o Dia Mundial da Audição. Estes períodos não só comemoram avanços tecnológicos e médicos, mas também servem como oportunidades para refletir sobre os desafios e oportunidades que se colocam a quem depende de dispositivos como próteses auditivas e implantes cocleares.
A história da reabilitação auditiva tem sido marcada por grandes avanços, como a primeira cirurgia de implante coclear realizada com sucesso em 1957 pelo Dr. André Djourno e pelo Dr. Charles Eyriès em Paris. Este marco revolucionou o tratamento da perda auditiva severa a profunda, permitindo a milhares de pessoas recuperar a perceção sonora. Indicado para quem não beneficia de próteses auditivas, o implante coclear transforma sinais sonoros em estímulos elétricos que ativam o nervo auditivo, possibilitando uma audição útil.
A cirurgia é apenas o primeiro passo num longo processo de reabilitação, que inclui a ativação do implante e semanas ou meses de treino auditivo-verbal. O envolvimento diário do utilizador é essencial para maximizar os benefícios e consolidar o trabalho dos terapeutas. Em Portugal, a primeira cirurgia de implante coclear ocorreu em 1985, em Coimbra, e este ano assinala-se o 40.º aniversário desse momento histórico para a Saúde Auditiva no país.
A nível global, a consciencialização para a perda auditiva tem sido uma prioridade. Organizações internacionais têm enfatizado a importância da saúde auditiva e promovido ações para prevenir a perda de audição e melhorar o acesso à reabilitação. O mote atual sublinha a necessidade de garantir que as tecnologias auditivas e os serviços de reabilitação sejam acessíveis a todos.
Estatísticas e desafios no acesso à reabilitação auditiva
A perda auditiva afeta milhões de pessoas em todo o mundo. De acordo com o Relatório Mundial sobre a Audição da OMS, cerca de 1,5 mil milhões de pessoas vivem com algum grau de perda auditiva, número que poderá aumentar para 2,5 mil milhões até 2050 se não forem tomadas medidas adequadas. Destes, aproximadamente 430 milhões necessitam de reabilitação auditiva.
Em Portugal, cerca de 5% da população apresenta algum grau de perda auditiva incapacitante, mas a taxa de utilização de dispositivos de reabilitação auditiva permanece abaixo do desejável. Muitos indivíduos não têm acesso ou não procuram soluções que poderiam melhorar significativamente a sua qualidade de vida. Entre os principais desafios, destacam-se os custos elevados dos dispositivos, desigualdades regionais na oferta de serviços, falta de informação e barreiras burocráticas no acesso aos apoios públicos.
Acessibilidade e inclusão: o caminho a seguir
Garantir que as pessoas com perda auditiva possam participar plenamente na sociedade vai além da disponibilização de dispositivos. A acessibilidade nos meios de comunicação e a implementação de tecnologias assistivas são fundamentais.
A legendagem escrita em conteúdos audiovisuais é uma ferramenta essencial, mas em Portugal a sua implementação ainda é insuficiente. É necessário expandir a legendagem para todos os formatos, melhorar a sua qualidade e assegurar que esteja presente em espaços públicos.
Outras tecnologias assistivas, como sistemas de indução magnética e Bluetooth Auracast, aplicações de transcrição em tempo real e sinalizadores visuais, podem facilitar a comunicação e melhorar a acessibilidade. Paralelamente, a inclusão no mercado de trabalho, a sensibilização pública e a adaptação de infraestruturas são medidas indispensáveis para garantir uma verdadeira igualdade de oportunidades.
Caminhos para a melhoria
Para superar os desafios e garantir uma sociedade mais inclusiva, é essencial adotar medidas concretas:
- Aumento do financiamento público para dispositivos auditivos e respetiva manutenção.
- Redução das listas de espera para avaliação e cirurgia de implante coclear.
- Expansão dos serviços de apoio em audiologia e reabilitação auditiva.
- Reforço da sensibilização pública sobre a perda auditiva e a importância da reabilitação.
- Legislação para acessibilidade comunicacional, incluindo legendagem universal e tecnologias assistivas.
- Inclusão no mercado de trabalho, garantindo adaptações tecnológicas para uma comunicação eficaz.
Conclusão
A reabilitação auditiva não se resume a avanços médicos e tecnológicos, mas sim a um compromisso contínuo para garantir que ninguém fique preso no silêncio por falta de acesso. A acessibilidade auditiva é um direito fundamental, e cabe à sociedade assegurar que todas as pessoas tenham a oportunidade de ouvir e comunicar plenamente.
Nota final
Viver com perda auditiva é mais do que um desafio médico — é uma luta diária pela inclusão. Desde os 16 anos, quando comecei a usar próteses auditivas, até ao implante coclear em 2007, descobri que ouvir não é apenas captar sons, mas estar verdadeiramente ligado ao mundo. A otosclerose tentou impor-me o silêncio, tal como fez com Beethoven, mas a tecnologia devolveu-me a audição. Infelizmente, muitas pessoas em Portugal continuam sem procurar ajuda ou não têm acesso ao acompanhamento adequado. O primeiro passo deveria sempre começar com profissionais credenciados, seja um médico nos cuidados primários, um otorrinolaringologista ou um rastreio auditivo regulado. O País precisa garantir que ninguém fique isolado pela perda auditiva.
Porque ouvir é viver!
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