Em todas as revoluções tecnológicas, a riqueza cresceu exponencialmente e desapareceram muitos postos de trabalho. Lentamente, à medida que os custo de certos bens e serviços baixaram, o rendimento disponível potenciou a criação de novas necessidades e, com isso, novos trabalhos e o acesso a um maior número de bens, permitindo vidas mais confortáveis (a creative destruction).
Com a Inteligência Artificial, o desafio é mais exigente. Estima-se que 80% das tarefas são passíveis de ser automatizadas. O ritmo desenfreado da automatização implica a eliminação de empregos e pressiona para uma conversão acelerada de competências.
Como assegurar que a comunidade em geral, e não apenas os que disponibilizam soluções informáticas, beneficia dos ganhos de produtividade? E será que a sociedade está preparada para suportar os custos de conversão de milhões de trabalhadores?
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A política fiscal tem como principal função assegurar a redistribuição de riqueza. Como podem os Estados financiar as estruturas que garantem o direito de propriedade (como os tribunais), a segurança, defesa, infraestruturas, investimento em inovação, educação e requalificação, se não tributar? [A eficiência de cada Estado na aplicação dos impostos é uma discussão autónoma.]
No entanto, este fim tem vindo a ser comprometido. Estados utilizam o regime fiscal para atrair investimento, criando distorções de concorrência. A tributação mais favorável da tecnologia em relação ao trabalho constitui um subsídio à automatização, mesmo quando esta não cria maior produtividade e, ainda por cima, destrói empregos.
Assim, não obstante beneficiarem da estrutura do Estado, empresas e multibilionários utilizam a liberdade de circulação de capitais para reduzirem ao mínimo a sua contribuição para o bem comum.
Mas tem de ser assim? Não, mas a solução exige um esforço concertado.
Em 2023, os membros da OCDE chegaram a acordo em tributar num mínimo de 15% os dividendos das multinacionais, mas Trump, no primeiro dia do seu mandato, retirou os Estados Unidos da América também deste acordo. Importa por isso que a União Europeia (UE) avance, também aqui, numa maior integração e uniformização fiscal, que se estenda além da tributação concertada de dividendos.
Igualmente, é imprescindível que a UE implemente políticas que promovam o investimento em tecnologias com maior impacto social (como as energias renováveis), em que o mote não é automatizar apenas, mas criar novos postos de trabalho.
Também cada um de nós pode ativamente preparar-se para este mundo novo, através de uma formação continua. Na incerteza sobre o que é o futuro, é já certo que aqueles que melhor utilizam as ferramentas tecnológicas são os que apresentam um nível de literacia elevado e apurado sentido crítico.
No estudo conduzido pela OCDE, em 2023, sobre literacia, numeracia e resolução de problemas em adultos, em 31 países, Portugal ficou em penúltimo lugar. Cerca de 40% da população adulta não compreende uma frase complexa e apenas “4% são capazes de compreender e avaliar textos longos e densos, entender significados complexos ou ocultos e utilizar conhecimentos prévios para compreender textos e realizar tarefas” [site oficial do Programa 2030].
É essencial retomar hábitos de leitura, participar ativamente nos programas de formação da sua empresa (incluindo no desenho dos mesmos), matricular-se em disciplinas específicas da universidade pública (com o custo apenas da propina da disciplina e sem pré-requisitos de admissão). Invista em si, para que no Jogo do Tecnopólio os vencedores não sejam apenas os bilionários da tecnologia.
A inclusão de um jornalista, diretor da Atlantic, na rede social “Signal” não é o pior que poderia ter acontecido à Casa Branca e a todo o seu sistema de segurança e defesa.
A verdadeira loucura reside na ideia de se criar um grupo nessa rede pública e acessível para a troca de informações secretas, que poderiam ter comprometido toda a operação militar e colocado em risco a vida dos soldados e meios envolvidos.
Esta administração — a começar pelo Conselheiro de Segurança Nacional (diz que não foi ele, mas foi!), o Secretário da Defesa, o Secretário de Estado, mais a CIA, a DIA e o FBI, com a Diretora Nacional de Informações (DNI) — é composta por perigosos amadores, que partilham um plano de ataque entre si, como se estivessem a comentar um filme de guerra. Numa rede social!
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Diga-se que o diretor da Atlantic só acreditou naquelas mensagens quando se concretizou o ataque aos Houthi. E fez o que devia: publicou, voltou a publicar e, eventualmente, ainda terá mais para mostrar. Não comprometeu a segurança da operação, não pôs em risco a vida de soldados e, pelos vistos, foi o único que se apercebeu da bandalheira que reina na Casa Branca e na Administração.
Isto não é apenas uma vergonha. É um vexame e um enxovalho para os americanos. Por razões óbvias, a Defesa e os Serviços de Informações são as áreas mais secretas do poder executivo dos EUA — e, afinal, trocam-se num “chat” todas as informações sobre o ataque ao Iémen, revelando horários, mísseis, bombas, drones e outros equipamentos, mais os respetivos alvos. Cresce o constrangimento, nunca antes visto, entre os aliados dos EUA.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
As eleições ainda não têm data marcada e não devem acontecer antes de outubro. Mas já não se fala de outra coisa entre as hostes benfiquistas. Mesmo numa altura em que o clube tem ainda em aberto as hipóteses de se sagrar campeão nacional e de vencer a Taça de Portugal, várias individualidades começam a posicionar-se. É o caso do advogado Cristóvão Costa Carvalho que, apesar de não se assumir ainda como candidato, não poupa nas críticas à atual direção liderada por Rui Costa. Critica-lhe a falta de qualidades de liderança e de ambição. E aponta alto, muito alto. Com ele na presidência, o Benfica terá de ser, no mínimo, três vezes campeão nacional e ganhar três Taças de Portugal, a cada quatro anos. Isto além de voltar às conquistas europeias.
Concorda com Rui Costa, que disse recentemente que o Benfica tem de se assumir como um dos grandes da Europa?
Eu li estas declarações e senti uma desilusão absoluta. O Benfica não tem de se assumir. O Benfica já é um dos grandes do mundo e o que o presidente tem de dizer é como é que vai ganhar títulos europeus. O Benfica precisa é de alguém que faça aquilo que deve ser feito.
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Esse alguém é o senhor?
O Benfica precisa de ter um projeto desportivo sustentado para ganhar títulos europeus. Posso eventualmente vir a ser eu. Estamos a ponderar isso seriamente. Mas uma coisa tem de ficar clara. Alguém que alvitre candidatar-se à presidência do Sport Lisboa e Benfica tem de ter obrigatoriamente o suporte e os meios para liderar um dos maiores clubes do mundo. Tem de haver uma equipa que tenha força, vontade e competências, e um líder com capacidade de alavancar esse projeto. Ninguém o consegue fazer sozinho. Esse tempo acabou.
E já tem esses apoios e essa equipa?
Há um grupo vasto de benfiquistas da sociedade civil que estão extremamente preocupados com a situação financeira e desportiva do Benfica. São pessoas que têm as características, a experiência e o conhecimento e estão dispostas a dar o seu tempo para encontrar soluções.
Habilitado A alteração estatutária, que baixou de 25 para 15 os anos de sócio necessários para alguém se candidatar à presidência, abriu caminho a este advogado com 20 anos de ligação ao clube
Estamos a falar de investidores?
Não. O tempo dos mecenas acabou. Hoje em dia, em projetos como o do Benfica, o que temos de ter são as pessoas que na sua vida trabalharam e trabalham em empresas, em negócios, que alavancam situações parecidas, próximas e superiores ao Benfica. Será através desses instrumentos e da escolha destas pessoas que o Benfica terá todas as condições para se poder financiar. Porque o problema do clube, neste momento, não é financiamento. É de liderança, de necessidade de ganhar títulos e de ter um projeto a longo prazo. Quem se apresentar às eleições não pode dizer que tem um projeto para 4 anos. Tem de se apresentar com ideias para pelo menos 12 anos, que correspondem ao limite de três mandatos que os novos estatutos vieram introduzir. Isto permitirá duas coisas absolutamente essenciais, que são a de colocar em marcha um projeto financeiro sólido de longo prazo que permita cumprir um projeto desportivo também ele sólido e ganhador. O Benfica tem de ter ambição.
E qual seria essa ambição?
Fácil. Quem se candidatar tem de ter ambições ao nível da grandeza do clube. A cada quatro anos, o Benfica tem de conquistar três campeonatos e três Taças de Portugal. Se eu vier a apresentar o meu projeto, em 12 anos o Benfica terá de ganhar três títulos europeus, sendo que um deles terá de ser uma Liga dos Campeões. É esta ambição que a liderança tem de transmitir à equipa, ao contrário do que acontece hoje, com a direção a reagir em função dos resultados que acontecem no campo. Somos um dos maiores clubes do mundo, se não o maior em número de sócios e adeptos, que está entre os oito com melhor historial europeu. No mínimo, o Benfica terá de chegar sempre aos quartos de final da Champions.
Admite vender parte do capital da SAD?
O Sport Lisboa e Benfica é um clube associativo e os novos estatutos vieram reforçar essa condição. Quer isso dizer que terá sempre de ter a maioria das ações da Sociedade Anónima Desportiva, que é um modelo com o qual eu concordo. Apesar de, a seu tempo, eu poder vir a apresentar um plano detalhado aos sócios, o que posso dizer agora é que defendo a necessidade de agregação dos cerca de 30 por cento de ações que estão dispersas por vários investidores, para, depois, capitalizar o Benfica e valorizar essas ações, sempre na condição de que o clube mantenha a esmagadora maioria do capital, no mínimo entre 60 e 70 por cento. Depois, será necessário escolher parceiros estratégicos e de referência, eventualmente patrocinadores, com percentagens pequenas, mas que agreguem e acrescentem valor ao negócio e à gestão. Uma solução semelhante àquela que foi adotada pelo Bayern de Munique. Poucos, mas com muita qualidade.
O que acha que tem sido feito de errado na gestão do Benfica?
Tudo aquilo que ouvimos até agora sobre soluções para o Benfica não passam de paliativos. O modelo de gestão faliu. É um modelo falido, que se mantém há 10 ou 15 anos alicerçado em receitas extraordinárias, ou seja, venda de jogadores, para cobrir défice. Para isso, foram utilizados os jovens da academia, que foram a mina de ouro aonde todos foram buscar. Este modelo terminou. O Benfica não pode ser um intercâmbio de jogadores. O clube tem de ter um plano estratégico de longo prazo que lhe permita resolver dois problemas de base, que são o aumento exponencial dos seus custos e a estagnação ou até descida das suas receitas.
Como é que isso se faz?
Essas ideias irão ser apresentadas no momento próprio e em sede própria, que é algo importante para mim e faço questão de frisar. Quem se quiser candidatar à presidência do Benfica não poderá limitar-se a indicar os problemas do clube e prometer que os vai resolver. Terá de apresentar um projeto aos sócios, apontando as soluções para os resolver. Se o meu projeto avançar, isso será apresentado e explicado.
Que soluções teria para evitar a venda precoce dos talentos do Seixal, dada a dificuldade de clubes como o Benfica de competirem com a capacidade salarial dos clubes dos principais campeonatos europeus?
Um dos problemas do Benfica é precisamente esse negativismo que existe na estrutura de achar que não se pode resolver essa questão. Como não é possível? Claro que é. É fácil, com competência e profissionais que sabem o que estão a fazer. Vamos usar o exemplo do João Neves, que saiu muito novo. Basta fazer as contas e ver quanto custaria ao Benfica manter o jogador mais dois anos e quanto é que o clube gastou para o substituir. Seria mais barato ter mantido o João mais um ano ou dois. Portanto, o que acontece é que o Benfica não tem estratégia. Se a tiver, vai conseguir que os atletas da formação se comprometam a entregar pelos menos três anos ao clube como profissionais, sendo certo que haverá índices salariais compatíveis com a sua performance desportiva. O João Neves merecia e deveria ter visto melhoradas as condições salariais quando era um elemento fulcral. O Benfica tinha obrigação de lhe ter feito uma proposta adequada para que ele ficasse pelo menos mais dois anos. Mas o Benfica não faz isso por estratégia. Não é porque não pode, é porque não quer, é porque não tem as pessoas que saibam fazer as coisas. Se chegar à presidência do Benfica, saberei o que fazer. Tem que ver com estratégia, com pessoas que a sabem delinear e que sabem liderar. Em dois ou três anos, o clube estará perfeitamente alinhado e poderá ter uma equipa equilibrada e capaz de se bater ao melhor nível nacional e internacional.
Tendo em vista aumentar a competitividade da Liga portuguesa e a capacidade de reter talentos, admite bater-se junto do governo para que a carga fiscal e as contribuições para a Segurança Social dos profissionais de futebol sejam reduzidas, tendo em conta que podem ser consideradas atividades de desgaste rápido?
É um caminho que deve ser feito e o Benfica deve liderar essa negociação. A profissão de jogador é, de facto, de desgaste rápido e deve ser enquadrada nesse sentido. Essa e outras questões que ajudem a proteger o nosso mercado, de modo a que os jogadores portugueses tenham mais espaço. É necessário encontrar juntamente com a Liga, a Federação e o governo pontos de equilíbrio, para que tenhamos melhores espetáculos e possamos ser mais competitivos.
Outra reivindicação da indústria do futebol é a de fazer baixar o IVA dos bilhetes para os 6%. Acredita que, num ambiente político tão crispado, medidas como estas encontrarão eco em próximos governos?
Bem, admito que será difícil. Mas eu estou habituado a casos que são políticos. Sei do que falo nesta matéria. Para se definir uma situação política tem de se criar as condições para que ela aconteça e fazer as outras partes perceberem que é vantajosa para o Estado português. Dá trabalho e implica esforço. Nada se consegue de forma fácil, mas com o Benfica a liderar o processo e com a nação benfiquista a apoiar, será perfeitamente possível encontrar soluções, até porque todos ficarão a ganhar. O Estado até poderá perder em impostos e contribuições diretas, mas o que poderá ganhar em impostos indiretos pelo aumento da qualidade dos jogos e da indústria iria compensar ou até aumentar as receitas.
Foto: JCC
Falando sobre a atualidade, o que espera até ao final da época?
O que espero é que o Benfica seja campeão nacional. É uma exigência que se tem de fazer ao atual presidente. Temos o melhor plantel a nível nacional e, com estes jogadores, já deveríamos estar seis, sete ou oito pontos à frente dos rivais que enfrentam dificuldades. Além disso, o Benfica tem também de vencer a Taça de Portugal. Não ganhar estes títulos será um fracasso desportivo absoluto.
Nas ideias que tem para o futebol, acredita nas vantagens de uma estratégia como a que Frederico Varandas tentou implementar no Sporting, de ter uma estrutura técnica capaz de resistir aos fracassos e que evite a troca permanente de treinadores e filosofias de jogo?
O Benfica não é comparável ao rival de que falou. É imensamente maior, não há comparação, e a estratégia para o projeto desportivo do Benfica não é comparável com a de nenhum clube em Portugal. Temos de o assumir claramente. Dito isto, o Benfica tem de ter um projeto financeiro e desportivo sustentável, vencedor e com estabilidade, porque tem de ganhar títulos internacionais. Temos de nos posicionar e olhar para os clubes europeus que ganham nas suas ligas e ganham internacionalmente e perceber que, nesses casos, os treinadores e as equipas técnicas perduram no tempo. Nessa perspetiva, a direção tem de escolher os melhores. O Benfica não pode fazer experiências. Tem de ter um treinador à altura dos seus pergaminhos e dar-lhe estabilidade e condições técnicas e humanas para que ele construa uma equipa para atingir os objetivos. O meu projeto, a ser apresentado, eleva-se na perspetiva de ter um dos melhores treinadores.
E já tem um nome para apresentar?
Nomes todos temos e sonhos também. Agora, só temos de os realizar no Benfica. Repito, quem se alvitrar a ser candidato terá de explicar tudo, no devido momento, aos sócios, que serão os primeiros a ser informados no devido momento. Agora, fica a garantia de que tudo está pensado e trabalhado ao pormenor, com Plano A, Plano B e Plano C. Eu defendo uma estrutura profissional e essa estrutura já está a preparar-se, neste momento, para apresentar soluções, porque o modelo financeiro e desportivo do Benfica está falido. Completamente falido!
Por falar em falência, uma das principais fontes de receita do clube são os direitos de transmissão televisiva, que, daqui a dois anos, terão de ser negociados de forma centralizada na Liga. Admite que o Benfica venha a perder dinheiro?
Neste momento, creio que estarão a ser renegociados os dois anos que ainda faltam e espero honestamente que esta direção tenha tido o pulso forte para fazer os dois melhores contratos de sempre, porque a dimensão do Benfica assim o exige, mas, se não conseguir, que tenha pelo menos a nobreza de esperar para que essa revisão seja feita após eleições. Estamos a falar de uma receita fundamental. Quanto ao que irá acontecer com a centralização, existe ainda muito para fazer e o risco de o Benfica ser prejudicado é enorme, pelo que terá de liderar este processo com extrema competência. Se não o fizer, corre o risco de perder montantes significativos.
Mas este não é um processo que devia envolver um entendimento entre os clubes, nomeadamente entre os três grandes?
Volto a dizer o que disse há pouco. O Benfica não é comparável com nenhum clube em Portugal. A nossa dimensão não é comparável. É um facto! Nessa perspetiva, o Benfica terá um plano estratégico de gestão que olhe para os seus interesses. É óbvio que vão estar em disputa vários interesses conexos e que o Benfica não vai estar sozinho. Terá de falar com os seus parceiros, mas defender intrinsecamente os seus direitos, à sua dimensão. Será impensável qualquer proposta em que Benfica perca receitas em relação àquelas que já tem. Depois, o que se vai discutir é mensuração de quanto mais é que o Benfica terá. Agora, como se trata de uma negociação, nós estaremos sempre abertos a fazer acordos e cedências, desde que o Benfica não seja prejudicado num cêntimo que seja.
Este tipo de discurso, de que o Benfica é diferente e não tem comparação, não põe em causa a necessidade de as relações entre clubes e dirigentes serem muito menos conflituosas? Não sente falta de uma lufada de ar fresco?
Uma coisa é nós reconhecermos e termos a noção e a consciência daquilo que somos. O Benfica é o maior clube português e não é comparável a nenhum dos outros rivais. Isso é um facto e não temos que ter vergonha de o dizer. Outra coisa são relações institucionais com outros clubes, que eu defendo que devem, obviamente, existir, sobretudo em determinados pontos que permitam melhorar o futebol português. É, aliás, essa filosofia que pretendo instalar no Benfica, onde todos deverão reger-se pelo rigor e a ética.
No capítulo da ética, gostaria de saber se tem alguma ideia de como lidar com as claques, que tantos problemas têm causado ao Benfica?
Esse é um problema profundo que se agudiza, na minha perspetiva, pela absoluta falta de liderança que reina no clube. O Benfica não tem tido qualquer interesse em ajudar a resolver o problema. Eu não sei porque é que esses adeptos fazem o que fazem, mas a verdade é que prejudicam o Benfica. Mas também não posso dizer que está tudo errado. A maioria são sócios que amam profundamente o Benfica e o acompanham por todo a País e nas deslocações ao estrangeiro. Por isso, não podemos apenas sancionar. Temos de falar com eles. É o que pretendo fazer. Tenho de perceber qual é o problema e de certeza que, com sócios que amam tanto a equipa, nós vamos encontrar uma solução. O que é que falta? Coragem!
Não sendo ainda candidato oficial e partindo do princípio de que Rui Costa se recandidatará, o que fará de si a pessoa indicada entre as várias personalidades que se têm vindo a perfilar para derrotar o atual presidente?
Neste momento, só há um candidato, o meu colega João Diogo Manteigas, mas que ainda terá de apresentar o seu projeto. De resto, existem nomes, mas eu não discuto nomes. Eu só me pronuncio sobre projetos. Quando eu apresentar o meu, os sócios saberão qual é e vão poder comentá-lo. Até lá, só posso falar sobre o atual presidente do Benfica e o mandato que tem vindo a desempenhar. E a minha opinião é muito simples. O presidente Rui Costa foi um ato falhado. Como jogador, é alguém que todos os benfiquistas trazem no coração e de quem se orgulham. Foi um maestro brilhante e tem um benfiquismo gigante e indesmentível. Acredito que até seria uma pessoa necessária no Benfica, mas nunca na cadeira de presidente. Não é um líder e não tem experiência e conhecimento para poder liderar um clube desta dimensão. Mas se ele se vier a candidatar, terá de apresentar também um projeto e cá estaremos para o discutir. Da mesma forma que eu, quando e se tiver o meu, identificarei os problemas, as soluções para os resolver, em quanto tempo, e quem são as pessoas que me vão ajudar a fazê-lo!
Benfiquista desde pequenino e “sempre de luvas pretas”
História de uma paixão que começou no adro da Igreja de Courelas, em Trancoso
As origens de Cristóvão Carvalho estão alicerçadas em diversos pontos, não só do nosso país mas do mundo. Nasceu em Paris, a 25 de dezembro de 1972, para onde os pais tinham emigrado. Por diferentes motivos, diga-se. O pai, oriundo de Alcobaça, escolheu emigrar depois de ter cumprido serviço militar em Angola, como operador cripto. Os segredos que trouxe do Ultramar não lhe davam outra hipótese que não fosse ser, durante três anos, agente da PIDE. “Como era absolutamente contra o regime, decidiu rumar a França”, conta Cristóvão. O caso da mãe foi diferente. “Nasceu em Trancoso, numa família muito modesta”, conta o advogado, acrescentando que, tendo-se ficado pela quarta classe, e apesar de grande mestria nas artes da costura, “aos 19 anos, percebeu que a vida aqui não dava e rumou também a França”. Por lá se conhecem e “iniciam uma linda história de amor”, da qual nasceu Cristóvão, que não haveria, porém, de ficar por terras gaulesas por muito tempo. Com um ano, veio viver com os avós maternos, em Courelas, perto de Trancoso, distrito da Guarda. Lá viveu até aos 9 anos, sempre “à espera do carro preto dos pais que chegava no dia 1 de agosto”. Foi também por lá que nasceu o amor pelo Benfica, incentivado pelos relatos que ouvia na rádio ao lado do avô e pelos jogos Benfica-Sporting que fazia com os amigos no adro da Igreja, “sempre de luvas pretas”, porque o seu ídolo era João Alves, e invariavelmente do lado dos encarnados. “Se assim não fosse, não havia jogo, pois a bola era minha. Tinham sido os pais a trazê-la de França”, recorda.
O Secundário já foi feito em Alcobaça, depois de os pais terem regressado a Portugal para se estabelecerem em Aljubarrota. O Benfica, nessa altura, chegava pela televisão e as primeiras idas ao antigo Estádio da Luz só aconteceram quando Cristóvão foi tirar o curso de Direito na Universidade Lusíada, a mesma onde agora estuda a sua filha. “Como tínhamos pouco dinheiro, eu e uns amigos conhecíamos um porteiro que, às vezes, nos deixava entrar a meio da primeira parte. Se não, víamos só a segunda, quando abriam as portas”, recorda o homem que só veio a fazer-se sócio do clube do coração bastante mais tarde, quando um paquete da sociedade onde começou a trabalhar, a Consultan, lhe apresentou, há 20 anos, uma proposta, sabendo da sua paixão pelos encarnados. Um amor que só cresceu e que até o levou a cometer algumas loucuras, “como aquela vez que, depois de perdemos a final da Liga Europa contra o Sevilha, a frustração foi tanta que eu e os meus amigos nos esquecemos que tínhamos de apanhar o avião de regresso a Lisboa e tivemos de passar mais uma noite em Turim”.
Já aos comandos da sua sociedade, a CCA (Costa Carvalho Advogados), especializada em corporate, negócios, empresas, assessoria e governance, dedicou-se ainda mais ao Benfica, “sobretudo nos últimos dez anos, com intervenção em assembleias gerais e participação em discussões com outros benfiquistas.” Há cinco anos, nas últimas eleições ganhas por Luís Filipe Vieira, foi candidato a vice-presidente na lista de Rui Gomes da Silva. Em 2025, será a sua vez? É possível, até porque a recente mudança de estatutos, pela qual se bateu juntamente com vários dos seus apoiantes, já o permite, pois baixou para 15 o número de anos de sócio necessários para se poder concorrer à presidência. Antes, eram 25.
Não é o lema do clube de futebol Liverpool que quero lembrar. Nem tão-pouco uma música favorita da minha adolescência. É apenas o título de uma canção sem palavras, tocada ao piano por Nina Simone em 1959. Uma frase simples que reflete o desejo que muitas vezes expresso a alguns adolescentes que conheço no meu trabalho de médico de pedopsiquiatria. Evoca a vontade de, para muitos, podermos ser uma base segura, capazes de uma escuta ativa e de uma compreensão sem juízo prévio de tudo o que os adolescentes possam ser capazes de sentir e pensar, recordar e sonhar, enquanto pessoas em transição por idades fundamentais da nossa vida interior e de relação.
É comum associarmos os anos da adolescência aos melhores da nossa vida. Ligá-los à ideia banal de estar bem, feliz e em festa. De ser ativo, sonhador, capaz de contestar regras, desafiar limites e, de verdade, mudar para melhor o que se herdou da geração anterior. De viver em harmonia amores e desamores, grandes paixões em dose igual às zangas, como se tudo fosse sempre a primeira vez e nunca estivéssemos enganados ou existissem dúvidas sobre decisões a tomar. Também de ter pais por perto que se possam contrariar, ouvir sem ligar nada, mesmo que depois se reconheça que até podiam estar certos em algumas coisas e que, de verdade, aquilo que se chama “experiência” acaba por contar. De hesitar em que escolhas fazer quando a escola nos lança esse desafio, mas de seguida estar seguro delas e lutar pela ideia de tornar essa vontade real, dizendo que um dia, quando for grande vou ser… (já sou!) …isto ou aquilo.
E ter ainda referências, pessoas e lugares a quem nos ligamos, que estão presentes quando é preciso, de forma sólida, esses sim imutáveis e acolhedores na sua capacidade de esperar e abraçar mesmo quando tudo correu mal ou nos metemos por caminhos estranhos ou ainda se vivemos finais complicados, em tudo contrários ao que antes se idealizou. “Portos de abrigo” povoados de adultos que são mesmo gente crescida, que olha para nós através de si mesmo, sabendo que há mudanças gigantes entre como era antes a vida em geral e o que acontece agora e que, realmente, não… não era tudo melhor há uns anos, as pessoas mais cultas, os jovens mais respeitadores e conscientes dos seus deveres como dos direitos dos outros, as sociedades justas e pacíficas. Não era mesmo e quem for sério, lembra-se bem de coisas que viveu de certa maneira ou que não viveu nunca em liberdade e alegria como hoje pode muito bem acontecer.
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O que se passa é que tudo muda, felizmente, e, embora nunca pareça, tudo muda para realmente melhor na maioria dos aspetos, embora de forma diversa, com mais e diferentes desafios. E ainda bem. Que seria se tudo permanecesse imutável e nada fosse uma espiral de crescimento e transformação contínua?
Contudo, como médico psiquiatra de crianças e adolescentes, reparo que nem sempre é assim. A luz de demasiados rapazes e raparigas apaga-se cedo demais, é trémula em várias ocasiões sem que assim tivesse de ser, num mundo em que se lhes pede cada vez mais, se lhes oferece também cada vez mais, embora de forma tão incongruente e frágil que os ouvimos de menos, lhes damos espaço para se descobrirem e ganharem autonomia de maneira mais volátil e claramente insegura. Não está fácil o panorama da saúde mental de grande número de adolescentes. A prevenção de dificuldades e a resposta rápida de certos males são ainda uma triste miragem. Falta concretizar melhor a possibilidade de estar atento e dar valor a idades tão importantes. Sobram ideias e promessas.
As famílias mudaram, cada vez mais existindo em modelos múltiplos, com adaptações exigidas aos mais novos que nem sempre são fáceis: agora uma semana com o pai, depois uma semana com a mãe. Não, a seguir, anos depois, o tribunal determina que passem a viver as semanas com a mãe e os fins de semana alternados de sexta a domingo, com o pai. Mas era melhor ser até segunda, ou ter um jantar ou uma dormida a meio. Porque agora vamos conhecer a nova “tia” ou “tio”, leia-se namorados/as dos pais e, não raramente, os filhos ou filhas respetivas. Partilhar quartos com quem não se conhece só porque também se é rapaz e se tem idade próxima, por exemplo. E tempos após, essa relação não resultou bem e, de novo, perdem-se pessoas e ligações; andando em diante, assim se volta para trás, com outros recomeços.
Adolescentes que se descrevem sem energia, se dizem fartos e que encolhem os ombros, desinteressados. À volta, pais cansados, absorvidos pelo trabalho, repetindo sem filtro expressões como “estou exausto”, “não aguento mais”. Pais querendo ser eternos jovens, cada vez mais vivendo o seu papel em “sociedades de adolescentes”, por vezes demasiado companheiros dos filhos, melhores amigos em excesso de intimidade, noutras muito distantes afetivamente, mesmo se próximos do ponto de vista físico. Pais criticando as redes sociais dos mais novos, mas usando-as na mesma e exata proporção, publicando tudo (ou quase) das suas vidas e dos filhos tornados objeto de mostra e valorização global (pode-se sempre acrescentar um cão).
A luz de demasiados rapazes e raparigas apaga-se cedo demais, é trémula em várias ocasiões sem que assim tivesse de ser, num mundo em que se lhes pede cada vez mais
Pelo meio, houve o drama da Covid-19, o aumento de uma certa inabilidade social por falta de experimentação no plano da realidade, o reforço do uso das tecnologias não apenas como forma de ligação ou entretenimento, mas como força de isolamento e dependência. O mundo a meus dedos, para o melhor e o pior. A gestão mais complexa da frustração e da contrariedade, a insuportabilidade prática de ouvir a palavra “não” ou, simplesmente, “agora, não”. O escape das ligações à distância, a confabulação dos amigos ou namoros da net, gente do outro lado do mundo, jamais possível de ser vista ou tocada no tempo ou no espaço real. O quarto dos adolescentes enquanto espelho do seu mundo, mas que mundo para lá de uma divisão, uma janela e a porta? Porta mais para fechar do que de abrir, não fossem os adultos, a sociedade, a cultura dominante, funcionarem enquanto focos intensos de alerta, avisos “laranja” ou “vermelhos” de que nova tempestade vem a caminho, e o futuro, esse, o futuro só pode ser mau.
Nuvens negras, cuidado muito cuidado, o ar que se dá a respirar aos mais novos é pouco e parece sempre dominado de partículas eventualmente tóxicas: “a vida é uma selva” e segue as leis de Darwin em que só “os mais aptos sobrevivem”. Não há margens, não pode haver, elas seriam (são) complicadas e de alto risco: é mais fácil excluir do que ter um trabalho empático para saber incluir. Por isso, na escola, dizem-lhes, “só podes ser o melhor”. “Meu filho, meu tesouro”, um ser perfeito a quem dou tudo, aqui e agora, por ele me sacrifico e abdico até do mais sensato de mim, dos outros, do mínimo de sensibilidade e bom senso que diz respeito a um elementar sentido da vida.
Dizemos-lhes ou, se assim não é, mostramos-lhes que “ter” importa mais do que “ser”. De que marca são os ténis? O telemóvel já é o de última geração? A escola tem uniforme chamativo ou lidera os rankings nacionais? “Meu filho, meu sol, meu tudo”, escuta, afinal “não há limites”, “tudo pode ser o que quiseres”. O mundo dá-se assim em ilusão. Dá-se, quer dizer, vende-se. E em excesso. As maiores patologias atuais da adolescência são patologias desse mesmo excesso, causa de doses intensas de ansiedade de antecipação e desempenho, perturbações depressivas da intolerância à falha e à falta.
Contudo, sempre que ouvimos os adolescentes em que contexto for, eles dizem-nos. Explicam-se lindamente. Têm quase sempre ótimas capacidades e bons corações. São ainda crianças e já não são crianças porque, felizmente, ainda lhes falta um pouco para chegarem a ser adultos. Ajudemo-los sobretudo na tarefa de uma vida toda, a possibilidade de amar e de serem amados. E, já agora, se houvesse receita possível, ajudemo-los ainda a manter viva a ideia de esperança. E agora sim, o título de uma música da minha adolescência, The Smiths, There is a light that never goes out.
(Pedro Strecht é médico de psiquiatria da infância e adolescência. Trabalha com crianças e adolescentes em consulta privada. Trabalhou com pessoas destas idades jovens enquanto professor do ensino secundário e universitário, no Chapitô, em Centros Educativos do Ministério da Justiça, no Lar de Infância e Juventude GPS e na Comunidade Terapêutica ART. De todos os que conheceu, guarda sempre boas recordações, a chama de vida e vitalidade que a adolescência sempre pode encerrar.)
Dedicou uma vida inteira ao trabalho com os jovens, no Hospital de Santa Maria. Hoje, aos 78 anos, está jubilado, mas mantém-se ativo, nas escolas, nas consultas e nos livros. Pioneiro da terapia familiar no País, Daniel Sampaio tem, claro, muito a dizer acerca dos temas abordados pela série Adolescência.
O êxito da série da Netflix está a chamar a atenção para a adolescência. Vê isto como positivo? Claro, até o primeiro-ministro britânico já disse que achava importante ter políticas relacionadas com a adolescência. Para quem, como eu, possui uma perspetiva histórica, o que é interessante é que, nos anos 80 e 90 e mesmo no início do século XXI, avaliávamos os adolescentes pelo seu corpo e pelo seu psiquismo, na família e na escola. Era este o nosso paradigma, era assim que falávamos da adolescência. Mas, neste momento, há uma nova adolescência, que é a adolescência da internet. O que atualmente caracteriza a adolescência é o facto de os jovens viverem num submundo virtual. A identidade adolescente é jogada no seio da família, da escola e dos amigos, mas também no seio do mundo virtual. Porque há uma identidade que tem que ver com o que se publica na internet, com as imagens do Instagram, as mensagens que se recebem acerca do corpo…
Todo esse mundo está fora do alcance dos pais? Sim. Ao mesmo tempo que, hoje, vemos pais francamente preocupados com os seus filhos, até afetivamente próximos deles, verificamos que há também um desconhecimento profundo da vida no mundo virtual. Como se existissem dois mundos: o mundo real, no qual o pai toma a refeição com o filho, leva-o à escola e à atividade desportiva, e depois o mundo que acontece no quarto do adolescente, ao qual os pais têm muito pouco acesso.
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Ao longo dos anos, tem vindo a chamar a atenção para a importância de não diabolizar os telemóveis e a tecnologia. Mantém essa posição? Se o fizermos, vamos perdê-los, não é? Se constituirmos uma frente de batalha, diabolizando os telemóveis e a internet, vamos fomentar aquilo que é muito importante na adolescência, que é fazer o que é proibido. É preciso regular, é preciso ajudá-los a autorregularem-se desde a infância. Como se sabe, há uma grande diferença entre um telefone e um smartphone, mas eu sou contra telemóveis até à adolescência, até aos 12 anos, digamos assim. A partir de 2010, quando os smartphones começaram a vulgarizar-se, assistimos a um afastamento cada vez maior do mundo real e do mundo virtual. Os pais julgam que, quando estão em casa, os filhos só estão a falar com os amigos. E eles não estão apenas a comunicar com os amigos. Por exemplo: hoje em dia, a questão dos cortes é muito importante. Temos muitos adolescentes com comportamentos autolesivos, que são potenciados pela internet porque contactam com outros jovens que se cortam e veem imagens de jovens que se cortam. Tenho dois assim na minha consulta e, quando digo para não o fazerem, eles respondem: “Mas isso é uma forma de eu sentir que há outro igual a mim…” “Noutra casa, às vezes noutro país, há outro igual a mim.”
“Não estou sozinho.” “Não estou sozinho.” Porque as pessoas que estão sozinhas no quarto, embora estejam a contactar com muita gente, do ponto de vista psicológico, estão sozinhas.
Outra das questões levantadas pela série é a dos modelos transmitidos através da internet e das redes sociais, nomeadamente, modelos masculinos. Isso é muito preocupante. Nas minhas consultas, também tenho jovens que me dizem que não querem fazer um curso superior, que o 12º ano chega perfeitamente, que não vale a pena andar muitos anos na faculdade para, depois, ganhar tão pouco dinheiro. E, então, como é que eles ganham dinheiro? Ganham dinheiro online, ganham dinheiro depressa, mesmo que seja a roçar a legalidade (por exemplo, jovens que revendem roupa vinda da China de forma ilegal). E depois há todos os outros valores que são exclusivamente veiculados pelos rapazes: que as raparigas devem servi-los, que os rapazes é que mandam…
O que hoje caracteriza a adolescência é o facto de os jovens viverem num submundo virtual que está fora do alcance dos pais
Desse ponto de vista, há quem considere que assistimos a uma regressão civilizacional. Não tenho nenhum estudo sobre isso em Portugal, mas encontro cada vez mais rapazes a dizê-lo nas escolas e nas consultas. Dizem coisas como: “são eles que têm de ganhar dinheiro”; “elas têm de estar ali, para os servir”; “os homens mandam nas mulheres”. Acho isto muito preocupante, porque acontece tudo ao arrepio do que se conquistou desde os anos 60, com a emancipação da mulher e com a dignidade do trabalho feminino. Isto também é visível ao nível da sexualidade, com a pornografia, que sempre existiu, mas que agora é de acesso muito fácil. A pornografia modifica a sexualidade, porque torna a masturbação sucessiva, muito frequente, diminui o desejo e facilita o prazer sexual momentâneo. Já ouço coisas como: “dá muito trabalho arranjar uma rapariga”, “elas mandam muitas mensagens”, “controlam muito e eu não tenho paciência”, “prefiro resolver este problema assim”. Evidentemente, isto é muito preocupante e faz-nos pensar que temos de reforçar a educação sexual nas escolas.
E os pais de hoje? São demasiado pressionados para não falhar? A sociedade atual é muito crítica em relação aos pais, muitas vezes diz-se que aquele é mau pai, que aquela é má mãe… Mas há pais que se esforçam muito e estão, de facto, bastante próximos dos filhos. A questão é que a maneira como a adolescência é vivida, hoje em dia, como disse, está fora do alcance dos pais. Tudo tem de ser conquistado na infância. Consegue-se uma boa adolescência através de uma boa infância, ou seja, uma infância de proximidade, de algum controlo, de regras e, sobretudo, de regulação do acesso à internet. Temos de conseguir fazer os jovens perceber que a internet é importante, mas não precisa de dominar as suas vidas, como acontece em muitos casos.
Incel é um acrónimo de “involuntary celibate” (celibatário involuntário), utilizado por homens heterossexuais rejeitados pelas mulheres e que culpam a sociedade pela sua falta de êxito amoroso ou sexual. Acreditam que o dinheiro é um passaporte para o sucesso em geral e são frequentemente homofóbicos, racistas, xenófobos e de extrema-direita.
O “líder” da misoginia online (conhecida como manosfera ou machosfera) é Andrew Tate, um antigo kickboxer britânico–americano que tem quase 11 milhões de seguidores no X, onde continua a disseminar as suas ideias machistas, enquanto aguarda julgamento por causa de crimes de violação, tráfico de mulheres e associação criminosa, nomeadamente com o seu irmão, Tristan. Recentemente, defendeu publicamente o lutador irlandês de artes marciais, empresário e político Conor McGregor que também tem sido acusado de masculinidade tóxica online.
Em Portugal, o youtuber Numeiro (João Barbosa) é conhecido como “o Tate da Tuga”, por causa dos seus comentários misóginos que frequentemente justifica como meras piadas. Mas há mais influencers na mesma linha.
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Eis algumas frases destes incels, estrangeiros e portugueses:
“As mulheres são para ter filhos, ficar em casa, estar caladas e fazer café”
“Culpam-nos pelo crime [induzido pelos imigrantes] para transformar todos os homens em eunucos feminizados”
“As raparigas que gostam de dançar em discotecas são prostitutas”
“Sou absolutamente misógino. Sou realista e, quando se é realista, é-se sexista. Não há maneira de estar enraizado na realidade e não ser sexista”
“As mulheres são intrinsecamente preguiçosas. Não existe uma mulher independente”
“Deem a um homem uma virgem leal e obediente e ele casar-se-á com ela no mesmo dia. Os homens não mudaram, as mulheres é que mudaram”
“Não podes ser responsável por um cão que não te obedece, nem por uma criança que não te obedece, nem por uma mulher que não te obedece”
“No caso de violação, querem atribuir zero culpas à vítima. Assumam alguma responsabilidade pessoal”
“Faz o mesmo que uma mulher e não me f*** a cabeça” (legenda a um aspirador autónomo)
“Um homem que não quer ter filhos, não é homem nenhum. É uma relação lésbica”
“Eu não sou nada racista, inclusive tenho alguns amigos pretos, para mim pretos é como se fosse um branco, amarelos é como se fosse um branco, chinocas é como se fosse uma pessoa normal”
“Mulheres comprometidas não deviam ter Instagram. Carro que não está para venda, não está no stand”
“A única coisa que para um gajo mau com uma arma é um gajo bom com uma arma. Está na hora de permitirem que os portugueses tenham porte de arma”
“Só sou capaz de ter algo sério com mulheres de famílias ricas. Sabem vestir, sabem estar, sabem falar. Têm low body counts [poucos parceiros sexuais anteriores], porque nunca precisaram de usar o corpo como moeda de troca”
“Homens e mulheres deviam ter limites de velocidade diferentes na estrada”
Estabelecer conexão Arranjar diariamente um bocadinho com o seu filho, seja à hora do almoço ou ao jantar. E criar momentos especiais a dois: a ver um jogo, uma série, a preparar o jantar ou a passear o cão. Estas pequenas conexões, ao serem frequentes, transmitem ao adolescente a certeza de que os seus pais gostam dele.
Conversar, conversar, conversar Nos 7 passos para a parentalidade positiva, documento elaborado pela associação Agarrados à Net, aconselha-se os pais a ouvirem os seus filhos sem julgamentos, a fazerem perguntas que os façam pensar, não só no problema mas também na solução.
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Procurar informação Sempre existiu um fosso entre gerações, mas agora é ainda mais importante estar dentro do mundo dos adolescentes, na medida do possível. Para isso, há que estar informado acerca do universo em que se movem, dos seus interesses, da sua linguagem – a isso chama-se literacia digital ativa. Uma boa ideia é fazer-se amigo deles nas redes sociais, sem ser intrusivo.
Pôr limites Não deixe o seu filho à deriva, que é o que acontece quando eles não têm normas para seguir. Especialmente no que toca ao uso de tecnologias, essas regras devem ser explícitas e permitir que o jovem tenha momentos offline bem determinados.
Mostrar que se preocupam Esta talvez seja a dica mais difícil de pôr em prática, sem que os seus filhos considerem que está a ser intrusivo. É preciso ter tato para estar constantemente em cima, sem que eles se sintam sufocados por uma parentalidade intensa.
Saber o que andam a ver online Da mesma forma que devem passar tempo juntos offline, é importante que isso aconteça também no mundo virtual. Entre no quarto e respeitosamente faça parte, perguntando-lhe que jogos e aplicações mais gosta e de que se trata.
Conhecer os amigos Saber com quem andam, dentro e fora do mundo online, é crucial para perceber quais são os seus interesses e modos de encarar a vida. Convide os amigos lá para casa, por exemplo, e veja quem são as pessoas com quem conversa online.
Acompanhar a vida escolar Não perca uma reunião de pais, por muito maçadora que seja. Vá à escola falar com a diretora de turma, sempre que tiver dúvidas acerca do que se passa por lá. Aproveite os grupos de Whatsapp para tentar perceber a realidade escolar em que o seu filho está inserido.
Este artigo contém spoilers, não há volta a dar. Mesmo que revelemos aqui alguns pormenores da trama, nada belisca as quatro horas que a minissérie Adolescência, estreada a 13 de março, na Netflix, proporciona a quem se atira a ela. Passando por cima dos arrojados aspetos técnicos desencantados pelo realizador Philip Barantini – cada episódio é filmado num único plano sequência, como se de tempo real se tratasse –, centremo-nos no conteúdo avassalador, do princípio ao fim, e em todas as questões perturbantes que ele levanta em relação à parentalidade do século XXI, em permanente mescla com os ecrãs dos smartphones e computadores.
“Desculpa, filho, podia ter feito mais.” Normalmente, não se deveria revelar a frase final da série, bem o sabemos. Abre-se a exceção para, a partir do desespero deste pai, que se confronta com a certeza de que Jamie, de 13 anos, esfaqueou até à morte uma colega da escola, darmos início à discussão. Se o leitor não pertencer a esta onda global que se espantou com Adolescência (24,3 milhões de visualizações numa semana), deixamos desde já a garantia de que, apesar de ficar a conhecer em traços largos a história escrita por Stephen Graham (que também desempenha o papel de pai na série), em colaboração com o dramaturgo Jack Thore, nada o prepara para o desempenho magistral da meia dúzia de atores principais (o protagonista, Owen Cooper, é um estreante, de 15 anos, como é possível?).
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Foto: Courtesy of Ben Blackall/ Netflix
A série tem o mérito de dar eco a algumas das questões fundamentais que atormentam os pais de hoje, como a dependência dos ecrãs, o ciberbullying, a masculinidade tóxica e a cultura incel (ver caixa O que dizem os “celibatários involuntários”).
Foi nessas feridas que Graham quis tocar, sem apontar dedos, depois de ler duas notícias acerca de mortes violentas envolvendo jovens do Reino Unido. “Somos todos responsáveis”, repetiu nas entrevistas que deu. Jack Thorne pediu, entretanto, que os episódios passassem nas escolas e no Parlamento: “É crucial, porque isto só tem tendência a piorar.”
Pelo menos o primeiro-ministro Keir Starmer enfiou a carapuça e, logo na semana da estreia, falou da série no hemiciclo britânico, assumindo que também a viu, com os seus filhos de 14 e 16 anos: “Em Adolescência sublinha-se a radicalização masculina e a violência sobre as raparigas.” Referiu-se a essas tendências como sendo algo “abominável” que deve ser “enfrentado”. Está agora prevista a aprovação do Online Safety Act, um conjunto de leis que protegem as pessoas no mundo virtual, para evitar o acesso dos jovens a conteúdo perigoso. Para já, critica-se que este pacote legislativo não atinja as tecnológicas responsáveis por admitir conteúdo radical nas suas plataformas.
Crimes violentos
A história de Jamie não é verídica, mas baseia-se em casos verdadeiros que abalaram a consciência de Stephen Graham. “A ideia surgiu de um incidente em Liverpool, com uma rapariga, que foi esfaqueada até à morte por um rapaz. E eu pensei: porquê? Depois houve outra rapariga, no Sul de Londres, que também foi esfaqueada até à morte numa paragem de autocarro”, contou, numa entrevista ao Radio Times. A primeira foi Ava White, de 12 anos, morta por um rapaz de 14, em 2021, quando estava com um grupo de amigos, entre os 11 e os 15 anos, à conversa e a beber, à espera que as luzes de Natal se acendessem. O adolescente (que não pode ser identificado devido à sua idade) e dois amigos começaram a filmá-los e a dizer que iam partilhar o vídeo na rede social Snapchat.
Zangada com o facto de estarem a fazê-lo sem autorização, Ava insistiu para que apagassem a gravação e, como gozaram com ela, correu na direção dos três rapazes. Foi então que o adolescente a esfaqueou no pescoço, riu-se e fugiu, vê-se claramente nas imagens de uma câmara de CCTV. O rapaz foi considerado culpado de homicídio e condenado a prisão perpétua com uma pena mínima de 13 anos.
Na ferida “Em Adolescência sublinha-se a radicalização masculina e a violência sobre as raparigas”, comentou o primeiro-ministro britânico Keir Starmer Foto: Courtesy of Ben Blackall/ Netflix
Na já citada entrevista ao Radio Times, Graham refere-se a uma morte mais recente, a de Elianne Andam, de 15 anos, esfaqueada por um rapaz de 17, à porta de um centro comercial em Croydon, no Sul de Londres, em setembro. Nessa manhã, ele combinara encontrar-se com a ex-namorada, amiga de Elianne, para trocarem pertences. Como o rapaz não estava a querer devolver tudo à amiga, Elianne agarrou num dos sacos que teria um ursinho de peluche e acabou esfaqueada repetidamente. Foi condenado a prisão perpétua com uma pena mínima de 23 anos, uma vez que tinha levado uma faca para o local do crime.
Tal como na série, os criminosos estão identificados e a cumprir pena. Não se trata de saber quem fez, mas antes perceber qual a razão que os levou a crimes tão violentos.
À portuguesa
Em Portugal, também tivemos o caso de um jovem a justificar uma ideia de crime (que nunca chegaria a levar por diante) com uma desilusão amorosa. “Talvez fosse atirar cocktails Molotov e setas, esfaquear pessoas”, explicou João Real, durante o seu julgamento, em outubro de 2022, invocando como motivação para a matança que planeara fazer na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa uma depressão e o fim de uma relação platónica com uma rapariga.
Há apenas um mês, foi notícia um aluno de 13 anos do Agrupamento de Escolas D. Carlos I, em Sintra, que ameaçou colegas e professores com uma faca. Não houve feridos, mas provocou o pânico na sua escola. O miúdo, que vive numa instituição de acolhimento e seria vítima de bullying, entrou na cantina armado com uma faca, que atirou para um caixote do lixo antes de ter sido trancado na sala por funcionários e professores.
Cérebro Esta é a idade dos comportamentos impulsivos. O desenvolvimento do córtex pré-frontal só se atinge a partir dos 23 anos
Cinco meses antes, outro estudante de 12 anos, do 7.º ano da Básica 123 da Azambuja, no distrito de Lisboa, dirigiu-se para a escola com uma faca e um colete antibalas, que era do seu pai, segurança de profissão, e começou a agredir quem lhe apareceu à frente – esfaqueou seis colegas, entre os 11 anos e os 14, provocando-lhes cortes no tronco, nos braços e nas pernas. O rapaz também teria passado por um episódio de bullying.
Estas são apenas três histórias que mostram como, também por cá, a banalização da violência está a entrar escolas adentro. Muitas vezes, isso acontece no seguimento de episódios de bullying ou cyberbullying, que “não consubstanciam nenhum crime previsto no Código Penal”, lembra-se no relatório do Programa Escola Segura da PSP, do ano letivo 2023/24. Faça-se ao menos a ressalva de que se tratam de comportamentos “intoleráveis” e “com grande impacto na perceção do sentimento de segurança da comunidade escolar” que podem ser enquadrados nos crimes de ofensas à integridade física, injúrias e ameaças, difamação, devassa da vida privada, entre outros.
Não julgar a vítima
“A adolescência continua a ser o mesmo processo, muito mais do que uma simples transição. Implica especificidades muito próprias, alterações no desenvolvimento, aquisição de autonomia, identidade e pensamento abstrato”, descreve Hugo Castro Faria, 42 anos, pediatra, coordenador da Unidade de Medicina do Adolescente da CUF Descobertas. Mais: “Nessa fase, há uma enorme tendência para a experimentação. Têm de ganhar autonomia, readquirir hábitos e rotinas diferentes dos incutidos pelos seus pais. O problema é que são impulsivos e ainda não desenvolveram a capacidade de perceber totalmente as consequências a longo prazo.” Tudo piora quando o mundo está um lugar estranho e as redes sociais – os ecrãs em geral – modificam a forma como a adolescência é vivida.
“O ciberbullying é uma dessas novas dimensões que tem um efeito devastador, pois os adultos não conseguem controlá-lo. Uma vez publicada, a agressão tem o potencial de chegar a todos os círculos e aquilo não termina. Nem em casa estão seguros”, explica o pediatra. Estar no quarto, atualmente, é igual a estar no meio da rua. Em qualquer parte do mundo.
No entanto, os pais não podem perder a capacidade de supervisionar os seus filhos, para terem a certeza de que não se encontram num buraco. E devem ensinar-lhes os limites até adquirirem maturidade, tendo em conta que não se desenvolvem todos à mesma velocidade.
Tiago Lapa, sociólogo, investigador no CIES-IUL e professor no ISCTE, realça ainda o facto de que, muitas vezes, “as vítimas de bullying se tornam agressores anónimos online, usando as redes como plataforma de vingança”.
Emojis Linguagem própria
E se lhe dissermos que estes símbolos têm significados muito diferentes daquilo que parecem?
COMPRIMIDO VERMELHO Usa-se para assinalar uma pessoa “red-pilled”, ou seja que exibe pontos de vista misóginos. A ideia do comprimido vermelho (red pill, em inglês) é importada do filme Matrix e refere-se a um suposto despertar dos homens face à realidade que, na sua opinião, o feminismo impõe
DINAMITE É um código para incel, acrónimo de “involuntary celibate” (celibatário involuntário), porque significa “comprimido vermelho explosivo”, ou seja, que essa pessoa tem crenças misóginas extremas
NÚMERO 100 Refere-se à “regra 80/20”, segundo a qual 80% das mulheres sentem-se atraídas por 20% dos homens. É usado para assinalar os incels, porque eles culpam as mulheres pela sua falta de êxito amoroso ou sexual
FEIJÕES Pode estar ligado à cultura incel, possivelmente derivado do emoji da chávena de café, popular em plataformas como a Reddit para gozar com as mulheres. Os feijões lembram grãos de café
CORAÇÕES Entre os mais novos, vermelho pode significar amor, roxo excitado, amarelo “estou interessado/estás interessado”, cor-de-rosa “estou interessado, mas não em sexo”, cor de laranja “vais ficar bem”
O envio de nudes [imagens do corpo nu] é um dos problemas graves, comuns nesta idade. Inês Marinho, hoje com 27 anos, sentiu na pele essa violência sexual quando tinha 21 e ainda está a recuperar do choque – vivendo para a sua associação Não Partilhes, que ajuda outras pessoas em situações idênticas à sua –, quando um namorado espalhou um vídeo íntimo seu pela internet, identificando-a.
Ainda era menor quando viu fotografias suas – algumas delas manipuladas para parecer que expunha partes do seu corpo – num grupo de Facebook chamado Rebarbados 2.0. Eram daí que lhe chegavam a maioria das mensagens a pedirem-lhe nudes, coisa a que nunca acedeu. Também nunca contou nada à família, a não ser quando o seu vídeo se tornou viral (ainda hoje circula em algumas plataformas). Nessa altura, juntou-se a um grupo de Whatsapp com outras raparigas na mesma condição de vítimas de agressão sexual. “Foi aí que tive a ideia de criar uma página de Instagram para sensibilizar as pessoas para não julgarem a vítima, mas o agressor. Passado um ano, criei a associação”, conta.
Na Não Partilhes dá-se apoio emocional e jurídico, acompanham-se as pessoas à esquadra quando fazem queixa, fala-se com os pais para que compreendam tudo aquilo por que os filhos estão a passar. Ao mesmo tempo, Inês Marinho faz sensibilização nas escolas, em casas de acolhimento, fala com professores, psicólogos, alunos. E participa em convenções internacionais para que haja efetiva alteração legislativa.
“Queremos que se torne um crime sexual e público. Hoje, trata-se de um crime contra a vida privada e não é autónomo, o que significa que o agressor pode vir a trabalhar, por exemplo, numa escola”, indigna-se esta jovem. Também defende que haja educação sexual digital e que esses ensinamentos se tornem transversais a toda a gente que lida com estes casos. E, claro, também reivindica a responsabilização das grandes empresas tecnológicas.
Aos miúdos das escolas a que vai diz-lhes, essencialmente, depois de perceber que quase todos conhecem alguém que partilhou uma imagem alheia, sem o seu consentimento: “Não somos uma manada. Não é por estar toda a gente a apontar o dedo que vamos fazê-lo também. Tanto é criminoso o amigo que partilha como quem o faz pela enésima vez.”
Inês apresentou várias denúncias policiais até hoje. Foram sempre arquivadas.
“Não podemos demitir-nos”
Tito de Morais, o mentor do site Miúdos Seguros na Net, está embasbacado com o espanto gerado em torno dos temas que a série expõe. Logo ele, que anda há anos a alertar os pais para os problemas derivados do excesso de tecnologia. Está ciente de que agora não é pelo tempo de exposição que se medem os perigos, embora já exista evidência científica suficiente para relacionar problemas de aquisição de linguagem e de concentração com demasiadas horas em frente aos ecrãs.
Desde 2021, criou, com a coach Cristiane Miranda, o projeto Agarrados à Net, para promoção do bem-estar digital, trabalhando essencialmente com os pais. Em sessões de duas horas, em escolas, câmaras, associações, falam das plataformas em que os filhos andam, que influencers seguem, que conteúdos são divulgados por essas personagens. “A maior parte das vezes, apercebemo-nos de que os pais estão a leste. Nem as plataformas conhecem, quanto mais saberem se os filhos lá andam. Dos influencers nunca ouviram falar, muito menos que ideias divulgam”, esclarece Cristiane.
Tito de Morais lembra que a tecnologia veio trazer um esforço adicional à parentalidade. “Há que começar a trabalhar em idades muito precoces. Se os pais se preocupam com quem os seus filhos saem à noite, também deveriam saber com quem estão na vida digital, que jogos preferem, com quem falam. Temos de arranjar tempo para isso e não podemos demitir-nos.” Os pais devem lá estar para eles, atentos a qualquer alteração do comportamento, sem julgamentos ou castigos.
Esta dupla de especialistas, porém, não concorda com a recomendação governamental de excluir os telemóveis das escolas, numa atitude que parece paradoxal com o que ensinam aos pais. No entanto, não duvidam de que deve haver uma diminuição de tempo de ecrã – quanto mais horas, mais probabilidades de se exporem a conteúdos impróprios. Mas pensam que o melhor caminho seria o da reeducação, em que se envolvesse os próprios alunos e os seus encarregados. E também eles lamentam que não haja penalizações graves contra as “Metas” desta vida, com legislação que seja efetiva.
O exemplo da Austrália
O psiquiatra Gustavo Jesus, diretor clínico do PIN Lisboa, Centro para as Perturbações do Desenvolvimento, acompanha muitos adolescentes nas suas consultas e está ciente da fase de risco em que se encontram. A culpa, está provado cientificamente, também é do cérebro que, do ponto de vista neurobiológico, ainda não está preparado para o embate de transformações por que passam os miúdos até chegarem a ser adultos. É por isso que os smartphones, as redes sociais, através do algoritmo, funcionam como recompensa imediata. “Dão uma sensação de alívio face ao aborrecimento e atenuam a ansiedade. Claro que isto é real apenas enquanto se está naquela atividade”, esclarece o especialista.
Perante estas evidências da Ciência, como poderia estar ele contra a proibição de telemóveis nas escolas? Gustavo Jesus salienta que a prevalência de depressão e ansiedade, especialmente até aos 21 anos, aumentou muito desde 2010, data do advento das redes sociais. “Existe claramente uma relação que observo na prática clínica. A ligação permanente ao stresse psicossocial é uma das principais razões para o aumento da taxa de depressão e ansiedade”, garante.
Padrões Muitas vezes, a violência acontece no seguimento de episódios de bullying; a vítima torna-se agressor
Para este especialista, ninguém com menos de 16 anos deveria ter acesso a um smartphone, pois com ele vem uma série de problemas. “As escolas serão as primeiras a agir para mitigar esta realidade. E os pais podiam pegar nisto e contaminar a sua casa com a mesma decisão.”
Há um ano, o governo australiano não recomendou que os telemóveis saíssem das escolas; proibiu-os totalmente dentro dos portões. Os primeiros resultados foram agora divulgados: 83% dos diretores e 75% dos professores relataram atividades nos intervalos mais positivas; 70% dos professores notaram um aumento do foco e interesse durante os tempos letivos. Além disso, houve um decréscimo de 57,3% nos incidentes relacionados com as redes sociais. Ao mesmo tempo, os estudantes australianos têm recebido formação acerca da segurança online e dos perigos de uma relação inapropriada com os dispositivos.
Universo hipersexualizado
Gustavo Jesus anda a pregar há muitos anos e nem foi por causa da história verídica de Inês, de 15 anos, e dos seus amigos de um colégio de elite na zona de Lisboa, contada por Francisco Salgueiro há cerca de década e meia. Para muitos pais da época, o livro O Fim da Inocência (que mais tarde Joaquim Leitão adaptou a filme) teve o mesmo impacto desta série – escancarar o desconhecimento que têm acerca das vidas reais dos adolescentes.
A personagem tinha uma existência totalmente paralela, em que nas constantes festas que frequentava, regadas a álcool e a drogas, a finalidade era ter sexo desprotegido, algumas vezes com pessoas mais velhas. “Tive muita gente a dizer-me que não acreditava naquela história e a pôr o filho de fora daquela realidade”, conta hoje, depois de também já ter escrito Sexo, Drogas e Selfies, baseado numa amálgama de episódios que foi sabendo.
Pais Mesmo em famílias estruturadas pode cair a maior nódoa. Estar atento ao mundo virtual dos adolescentes é o principal antídoto para a desgraça
Hoje, o autor de 52 anos vê que o universo juvenil está hipersexualizado, em videoclips, nos jogos, em filmes. “Basta estar atento às letras do funk brasileiro, que todos os miúdos ouvem desde cedo”, alerta. Nesse seguimento, nota que as miúdas se produzem imenso para ficarem “bombas sexuais” e que eles só querem ser “grandes machos”. Tudo isto, está-se mesmo a ver, resulta em grande frustração, porque os modelos que seguem não estão ao seu alcance.
Francisco continua a receber muitas mensagens de jovens a contarem-lhe segredos. E nota que o que mais cresce são as histórias de prostituição, sem que eles, com 16, 17 anos, tenham a noção de que é disso que se trata. “As meninas têm sugar daddies e eles mulheres mais velhas que lhes dão presentes, o que é mais subtil.” Esta realidade, que o assusta, e que vem no seguimento da banalização do sexo nos conteúdos que consomem, está completamente fora do radar dos pais. “Os miúdos não falam em casa, porque sentem que estão a falhar.”
Ver ou não ver com os filhos?
Tal como se questionou na altura se os livros de Francisco Salgueiro deveriam ser lidos pelos pares dos protagonistas, hoje paira a dúvida se a série Adolescência é para ser vista por miúdos.
Magda Gomes Dias, orientadora parental, depois de ouvir alguns dos seus seguidores, considera que essa decisão vai depender muito da maturidade dos filhos, mas também dos pais. “Há quem fique muito angustiado com a série, por isso, o melhor é verem primeiro e depois decidem se a partilham com os menores.”
No seu caso particular, ainda não concluiu se irá mostrá-la ao seu filho de 12 anos. “Prefiro abordar a temática pessoalmente, dada a complexidade deste tipo de realidade que ele ainda nem conhece”, justifica. Que seja projetada nas escolas, tal como pede o coautor da série, já lhe parece mais consensual, até porque tudo isto é novo também para os educadores.
Para aliviar a angústia saída do ecrã Netflix, Magda Dias lembra que esta fase da vida é super-rica, a das maiores descobertas, em que o impacto da educação mais se avalia. “É bonito assistir a esse processo de autoconhecimento.”
Medos O universo juvenil está hipersexualizado, em videoclips, nos jogos, em filmes… Com expectativas irreais e muita frustração
O adolescente incontrolável, aliás, foi sempre muito apetecível pela ficção, tal como recorda o sociólogo Tiago Lapa. Senão, que pensar do filme Rebelde sem Causa, protagonizado pelo mítico James Dean?
Essa rebeldia é típica da idade, mas muitas vezes retrata-se de forma exagerada e só se fala dos casos extremos e altamente mediatizados. Apesar de tudo, o investigador não nega a novidade de as redes sociais serem agora a principal ferramenta de expressão e risco, ligada 24 horas por dia. Mas serão elas causa ou consequência do mau bocado por que passam os adolescentes? “As tecnologias não provocam problemas de saúde mental, mas podem potenciá-los.” O estudo Olhar para além dos telemóveis para compreender o bem-estar dos jovens adultos portugueses, do ISCTE, determinou que o uso problemático de tecnologias está associado a índices de bem-estar mais baixos e a uma maior insatisfação com a vida, em particular com aspetos sociais e educativos.
O maior perigo, concorda este especialista, é elas serem um acesso não controlado a câmaras de discussão, em que o discurso radical é circular e em que não há espaço para o contraditório nem regulamentação da interação. Tudo isto entra de chofre num cérebro adolescente, que ainda não desenvolveu as ferramentas para o pensamento crítico.
No entanto, deixemos aqui uma mensagem positiva, nas palavras de Tiago Lapa, depois de sentirmos cá dentro a desesperança da família Miller: “Nem todos os adolescentes estão na mesma situação de vulnerabilidade perante conteúdos perigosos.” Agarrem-se a isto – podemos sempre fazer mais.
Números
Mais crimes na escola
O Programa Escola Segura da PSP só registou um ligeiro decréscimo das situações de bullying
2 956 ocorrências de cariz criminal Em que foram contabilizados 3 441 crimes, o que representa um aumento de 10,6%, comparando com o ano letivo anterior
1 346 crimes de ofensas corporais Representaram quase metade dos crimes registados, tendo crescido 8,6%, em relação ao ano letivo anterior
946 injúrias e ameaças Este crime surgiu em segundo lugar nas ocorrências criminais, tendo crescido 14,2% face ao ano letivo anterior
39 Armas detetadas Foram detetadas 5 armas de fogo, 30 armas brancas e 4 armas de outros tipos, mais 11,4% do que no ano anterior
134 situações relacionadas com “bullying”* Comparando com o ano letivo anterior, foram registadas menos 5 ocorrências
30 situações relacionadas com “cyberbullying”* Comparando com o ano letivo anterior, foram registadas menos 9 ocorrências
(*) Não consubstancia nenhum crime previsto no Código Penal, mas pode ser enquadrado nos crimes de ofensas à integridade física, injúrias e ameaças, difamação, devassa da vida privada, entre outros.
Fonte: Relatório do Programa Escola Segura relativo ao ano letivo 2023-2024
A democracia já estava em retrocesso no mundo há alguns anos, mas o processo acelerou-se com o regresso de Donald Trump ao poder, nos EUA. Ao escolher aliar-se com os autocratas e outros líderes que manifestam um cada vez maior desprezo pela democracia, o Presidente da nação mais poderosa do planeta acaba por usar o seu exemplo e influência como uma espécie de autorização para que outros sigam os seus passos. Sempre com o mesmo método: tomar o controlo das instituições independentes de referência, manipulação sistemática da opinião pública ‒ com recurso frequente à mentira ou a narrativas distorcidas ‒, desrespeito pelas leis, assalto ao poder judiciário, um ataque cerrado à imprensa livre e independente, cortes de apoio às universidades e instituições científicas e a criação de uma clique empresarial, com pulsões monopolistas, que beneficia da sua ligação ao poder.
O efeito de contágio é evidente, desde que Donald Trump anunciou ao mundo que, na sua administração, tudo o que esteja relacionado com os direitos humanos, os princípios do Estado de direito, e defesa da igualdade e da liberdade, deixou de ser prioritário para a política dos EUA. E, quando a manutenção do poder ou a conquista de maior domínio territorial ou económico é que passa a ser importante, não admira que outros autocratas se sintam encorajados a fazerem o que lhes apetece – sem receio, sequer, de receberem alguma reprimenda. Com Trump, a América deixou de usar a retórica de ser a líder do mundo livre e passou a assumir-se, de forma descarada, como instigadora do poder autocrático. Com um efeito de cascata evidente: os autocratas perdem ainda mais a vergonha e avançam contra os opositores sem receios.
Na União Europeia, tem sido evidente a forma como Viktor Orbán endurece agora as suas posições em relação ao conflito na Ucrânia, preferindo o alinhamento com Trump e Putin. O líder húngaro já não esconde o seu desacordo com as posições dos restantes europeus. E se no passado acabou por não usar o seu direito de veto, em troca de alguns milhões de euros de fundos estruturais, cresce agora a preocupação de que, num momento crítico, decida usar essa “arma” e paralisar decisões importantes, que só podem ser tomadas por unanimidade de todos os membros.
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O exemplo autocrático de Trump tem servido de combustível para a corrida autoritária de Benjamin Netanyahu em Israel. Acossado, há muito, por problemas judiciais, o primeiro-ministro israelita decidiu agora radicalizar ainda mais as suas posições. E dispara para vários lados (muitas vezes, infelizmente, de forma mais literal): já não esconde os seus planos para a anexação de Gaza, ao arrepio de todo o direito internacional, e está em intensas movimentações para aniquilar a independência do poder judicial.
Na Turquia, outro homem-forte, Recep Tayyip Erdogan, aproveitou o atual caos internacional para procurar perpetuar o seu partido no poder. Depois de anos e anos a ganhar o controlo do Estado turco, dos tribunais às universidades, passando por uma revisão da Constituição e sucessivas purgas de opositores, Erdogan levou agora o descaramento até ao ponto mais alto: impedir, através de diversas artimanhas, que o presidente da Câmara de Istambul, e seu principal adversário, possa sequer apresentar-se às próximas eleições presidenciais.
Na Hungria, em Israel e na Turquia, milhares de pessoas têm saído para as ruas a manifestarem-se contra as derivas autoritárias. Mas os seus gritos e apelos são recebidos com cada vez maior indiferença num mundo em que, pela primeira vez em duas décadas, as autocracias são já mais numerosas do que as democracias (91 contra 88), segundo as contas do Instituto V-Dem. A parte do planeta que os deveria apoiar e defender, como a Europa, está apenas preocupada, neste momento, em ganhar tempo para se conseguir rearmar e à espera que Trump saia de cena daqui a quatro anos. O problema é se, entretanto, ficamos mesmo sem tempo para ainda conseguir salvar o que resta da democracia.
O grau de amadorismo e de irresponsabilidade em que mergulhou a administração Trump ficou bem ilustrado na maneira como, de forma inédita, um jornalista foi informado dos planos de guerra dos EUA no Iémen, ao ser adicionado a um chat na aplicação de mensagens Signal. O que este caso demonstra é que, se não podemos confiar na liderança de Trump, temos aqui um excelente motivo para confiarmos no jornalismo sério e ético: depois de confirmar que estava num grupo em que se partilhava informação secreta, relacionada com a segurança nacional, o próprio jornalista, Jeffrey Goldberg, editor da revista The Atlantic, tomou a decisão de sair da conversa. O jornalismo tem regras!