Se Rui Tavares se impôs politicamente em todos os anteriores debates eleitorais — que lhe valeram muitos votos e deputados —, parece-me evidente, embora num frente-a-frente morno, que Paulo Raimundo possa vir a ser a figura inesperada desta corrida aos debates. Tavares já era muito bom, e a sua transição para a política ativa, fundando de raiz um novo partido, será novamente recompensada nestas eleições. O PCP e Paulo Raimundo habitam um quarto escuro, é certo — mas foi notável a sua prestação frente a Montenegro, e não se deixou intimidar pelo Livre, que também disputa parte do seu eleitorado.
Há, no entanto, uma coisa que Raimundo precisa de fazer: deixar a minúcia — como a célebre botija de gás — e elevar o discurso para o quadro político e económico geral, incluindo Trump, a Ucrânia, Putin e outras guerras que moldam o nosso tempo. Para lá chegar, basta adotar uma tática discursiva de reversão: “Se o PCP governasse, as nossas primeiras decisões seriam estas, aquelas e aqueloutras. A partir daí, sim, constrói-se a narrativa, projeta-se a visão, ganha-se o palco.
Trump avança, avança sempre — mas, à última hora, recua e deixa cair o pano. À exceção da China, tudo o que se refere a tarifas ficou congelado por mais três meses. Ter-se-á dado conta do erro? Nada disso. O que queria, pura e simplesmente, era fazer (adora!) bullying — essa forma de violência marcada por comportamentos agressivos e repetidos. Mas ninguém lhe ligou grande coisa, tirando os que, solenemente, o avisaram de que a destruição mútua seria garantida.
Para disfarçar o recuo, Trump decidiu aumentar as tarifas sobre produtos chineses em 125%! Só? Não dava para chegar aos 200%? Convém recordar o que acho que já escrevi: todos os dias, 24 sobre 24 horas, entram nos Estados Unidos 1,4 mil milhões de produtos vindos da China, essa fábrica global que nos fornece tudo o que é imaginável e o inimaginável.
Trump teve outro desgosto: os seus amigos bilionários estão profundamente irritados com um presidente que decide assuntos sérios sem consultar ninguém. Acorda, toma banho, procede à delicada ornamentação da cabeleira, entra no elevador que o leva da ala privada ao andar executivo, convoca os seus conselheiros — que aliás não servem para aconselhar nada — e atira-se, de rompante, para a fogueira mediática.
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Que adjetivos restam na língua portuguesa para o classificar?
É com elevado grau de satisfação que, ao fim de dois anos, três meses, quatro dias úteis, vinte centilitros de leite achocolatado e um pão de Deus simples, se informa que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) aprovou hoje a atribuição de um apoio ao Hot Clube de Portugal (HCP), no montante de 239.500 euros, para reabilitação do edifício municipal que acolherá este clube de jazz, na Praça da Alegria.
A cessação provisória da atividade do HCP deu-se em janeiro de 2023, na sequência de uma inspeção promovida pela CML, da qual resultaram conclusões preliminares que apontavam para a existência de fragilidades estruturais com potencial degenerativo em contexto de uso reiterado de instrumentos de sopro. Alegadamente, do trombone de varas.
O processo de decisão de apoiar a referida obra de interesse público, contabilizado em 827 dias, 590 dos quais úteis, atravessou as necessárias etapas de avaliação interdepartamental, com validação prévia dos diagnósticos intersetoriais, dos pareceres vinculativos e não vinculativos, além dos pareceres recolhidos junto de um comité de pombos na Praça da Alegria e pavões do Jardim da Estrela. Os milhares de espectadores e amigos do HCP têm, ao longo deste tempo, aproveitado para se familiarizar com a oferta de jazz disponível nos elevadores das Lojas do Cidadão.
De acordo com o senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, a deliberação resulta do reconhecimento do HCP como instituição de incontornável relevância artística e histórica para a cidade. Mediante cálculos realizados à data de hoje, é expectável que a obra tenha início dentro dos limites formalmente impostos pelo calendário gregoriano.
Cedo se dará então início às diligências tendentes à mobilização de um grupo de trabalho preparatório, constituído por técnicos especializados e espectadores com experiência na ótica do ouvinte do setor do jazz, responsável pela abertura do concurso público para a empreitada num horizonte previsional que não deverá ultrapassar o ano de 2092, sob pena de nenhum músico, espectador, pedreiro ou eletricista se conservar vivo.
Em reação ao esfuziante anúncio da CML, a comunidade jazzística nacional e internacional anunciou um buzinão-trombonão na Praça da Alegria, onde à falta de uma casa para o jazz se dançará o vira e o fandango.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
O líder norte-americano anunciou esta quarta-feira que vai suspender, por 90 dias, as tarifas recíprocas aplicadas a 75 países, enquanto decorrem negociações comerciais. “Autorizei uma PAUSA de 90 dias e [a aplicação de] uma Tarifa Recíproca substancialmente reduzida durante esse período, de 10%, também com efeito imediato”, pode ler-se numa publicação do Presidente dos Estados Unidos na rede social Truth Social.
Esta suspensão não inclui, no entanto, a China, que vai sofrer um aumento nas tarifas para 125%, com efeito imediato, devido à “falta de respeito” que Pequim “demonstrou perante os mercados mundiais”. “Espero que em algum momento num futuro próximo, a China se aperceba que não é sustentável nem aceitável aproveitar-se dos Estados Unidos e de outros países”, escreveu. As tarifas norte-americanas aplicadas a produtos chineses chegavam já aos 104%.
Também esta quarta-feira, a China anunciou, como medida de retaliação, um aumento das taxas sobre os produtos norte-americanos para 84%, em vez dos 34% inicialmente previstos.
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Segundo o Presidente dos EUA, os 75 países incluídos na suspensão das tarifas procuraram “negociar uma solução para os assuntos que estão a ser discutidos em relação ao comércio, barreiras comerciais, tarifas, manipulação de moeda, e tarifas não monetárias”.
Se ainda não conheces o Super Charlie, está na hora de ficares a conhecer. Charlie é um adorável bebé que graças a uma coincidência fantástica ganha superpoderes.
Tudo aconteceu quando duas estrelas chocaram e um bocadinho de matéria estelar caiu em cima do bebé acabado de nascer, fazendo dele um super-herói. A família não conhece o seu segredo, pois Charlie às vezes até finge que se baba e fala como os bebés para que ninguém desconfie.
O único que conhece o seu segredo é o irmão mais velho e, juntos, vão viver muitas aventuras para salvar o mundo. E agora tu podes assistir a esta divertida história recheada de aventuras que te vai mostrar que são a bondade, a bravura e o poder da família as principais razões para que a vida seja leve e muito feliz!
‘Super Charlie’, o filme, é inspirado nos livros de Camilla Lackberg, publicados em Portugal pela Porto Editora.
Como podes participar:
O passatempo é aberto a leitores entre os 6 e os 14 anos
Temos 10 convites duplos para a antestreia nos cinemas UCI Arrábida Shopping, no Porto, e nos cinemas UCI Corte Inglés, em Lisboa. As sessões serão no dia 19 de abril (sábado), às 11 horas. Para seres um dos vencedores, tens de escrever uma frase em que entrem as palavras “superpoder” e “galáctico”.
Envia-nos um e-mail com a tua resposta para vjunior@visao.pt. até 14 de março. Deverás dizer o teu nome completo, idade e cidade onde pretendes assistir ao filme.As 20 frases mais criativas ganham, e os vencedores serão anunciados no dia 15, aqui no site.
NOTA: Se fores um dos vencedores, não te esqueças de levar o teu cartão de cidadão para apresentares na bilheteira para levantares o teu convite.
Durante anos, venderam-nos a ideia de que íamos abandonar o inferno cinzento dos combustíveis fósseis e entrar num paraíso de energias verdes. Que deixaríamos de estar dependentes do gás e do petróleo de Estados pouco confiáveis, como a Rússia, e passaríamos a ser autossuficientes, com a ajuda do vento, do sol e da água. Mas a realidade é, como sempre, mais complexa do que isso. Na verdade, trocámos um problema por outro. Ou, para usar uma metáfora, a cocaína por heroína, diz-nos Guillaume Pitron, autor do livro A Guerra dos Metais Raros: O Lado Negro da Transição Energética e Digital.
A exploração dos minerais imprescindíveis para a transição energética não é inócua, lembra-nos o jornalista francês. Por trás da grafite, do cobalto, do lítio, do tungsténio, que nos permitem ter carros elétricos “zero emissões” e painéis solares e turbinas eólicas que produzem a tão desejada eletricidade “verde”, há um mundo também ele cinzento.
Até agora, não temos pagado a fatura ambiental e social dessa transição – externizámo-la para outras regiões, longe da vista e do coração. Mas está na hora de assumir os custos, sobretudo se quisermos, e se queremos!, deixar de depender dos outros para produzir a nossa energia. Considerando a atual conjuntura geopolítica, quão importante é a União Europeia tornar-se independente em matéria de energia? É importante que a UE se torne independente em termos energéticos, mas, para isso, é importante, antes de mais, ser independente em termos de minerais, metais e minerais. Em primeiro lugar, a UE não é independente do ponto de vista energético porque, por exemplo, temos de importar gás dos EUA, o que nos custa imenso dinheiro e nos traz problemas de competitividade. Mas quando se trata da questão energética, na verdade, também estamos muito dependentes do fornecimento de tecnologias de emissões zero. Painéis solares, por exemplo: 80% da produção mundial é chinesa. Foram tão competitivos na última década que mataram a produção europeia de painéis solares. Nos carros elétricos, que não são uma fonte de energia, mas são também uma tecnologia verde, vemos a China a assumir igualmente a liderança. Tudo isto decorre, obviamente, do controlo sobre os minerais. Precisamos de ser independentes na energia, mas a questão é como o fazer, o que obedece a uma multiplicidade de fatores. Onde se obtêm os recursos para essa energia? Como os encontramos e como os transformamos em eletricidade? Um político francês, Yannick Jadot, do partido Os Verdes, disse há uns tempos que preferia depender do vento e do sol de França do que do gás do Qatar e da Rússia. É a declaração mais estúpida dos últimos 15 anos! Não somos independentes apenas porque temos sol. É preciso transfomar o sol e o vento em eletricidade. E para isso precisamos de minerais, conhecimento, capital e políticas europeias.
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Estamos a trocar uma dependência por outra? Gás e petróleo por minérios e painéis solares da China? Exatamente. Conseguimos ver o objetivo, mas não a forma de o alcançar. Pusemos a carroça à frente dos bois. Imaginámos um mundo verde, mas não nos lembrámos de que todo este mundo verde deriva de minerais. Um veículo elétrico requer seis vezes mais minerais durante o seu processo de fabrico; para fazer um painel solar, precisamos de silício, prata e índio; turbinas eólicas levam aço e neodímio; para levar a eletricidade do ponto A ao ponto B, precisamos de alumínio e cobre. Tudo isto requer recursos. Planeámos um mundo sem petróleo, gás nem carvão, mas sem nos apercebermos de que estávamos a substituir uma dependência por outra. É como ser-se dependente de cocaína, querer ver-se livre dela e trocá-la por heroína. É nesse ponto que estamos. Nós não vimos isto há 30 ou 40 anos, mas algumas pessoas viram. E essas pessoas, que foram muito inteligentes, discretas, humildes e trabalhadoras, são os chineses. Eles imaginaram esse mundo e tomaram a liderança, enquanto nós só agora, nos últimos dois ou três anos, despertámos para o facto de que estamos dependentes desses recursos essenciais para prosseguir as nossas políticas energéticas.
Ao menos, temos esses recursos? Sim, temos muitos desses recursos. Em Portugal, por exemplo, há lítio, tal como em Espanha, França, Sérvia, Alemanha, Reino Unido. E terras raras podem ser extraídas de depósitos suecos. Na Noruega, temos grafite, gálio, germânio, tungsténio, antimónio. Poderíamos tirar tudo isto do solo europeu. Não digo que podemos conseguir tudo, mas se considerarmos a UE e incluirmos aqui a Noruega e a Grã-Bretanha, temos uma enorme riqueza destes recursos. Mas estaremos preparados para nos sujarmos de modo a ficarmos limpos?
Essa é a discussão em Portugal. Como podemos convencer as comunidades? A ultrapassar o sentimento NIMBY (not in my backyard, não no meu quintal)? O NIMBY pode ser explicado pelo facto de não nos terem dito toda a verdade. Assinámos o Acordo de Paris em 2015, todos felizes, pensando que íamos passar da Idade das Trevas para uma idade adulta e inteligente. Vimos anúncios de carros elétricos a dizer que, se queremos ser uma pessoa responsável e nos importamos com as gerações futuras, basta trocarmos de carro, e isso é uma mentira descarada. Agora temos de explicar às pessoas de toda a Europa que, se quiserem conduzir de forma ecológica, num carro “limpo” e com emissões zero, precisamos de escavar mais fundo nos nossos quintais. Este é um mundo novo, pelo que precisamos de muita pedagogia, de explicar às pessoas sobre o que estamos a falar. Isto significa que os políticos terão de aprofundar esta questão e tomar posição, o que é muito desconfortável: ninguém quer perder a próxima reeleição por causa de uma mina de lítio algures no seu país. E é um trabalho de longo prazo. Abrir uma mina de lítio pode demorar cinco anos, uma de terras raras demora 15. Precisamos de explicar que, após decidirmos abrir a mina, só vamos extrair o primeiro grama de mineral em 2040, e só depois nos tornaremos independentes. Como diria Churchill, só podemos prometer sangue e lágrimas até nos tornarmos independentes, até que os benefícios sejam reais, o que provavelmente só acontecerá ao longo da próxima geração. Esses benefícios de longo prazo são muito difíceis de conseguir em democracia.
Foto: Reda_Settar
Esse debate está a ser feito? Temos dois extremos no debate: um que diz que vamos ter minerais verdes, o que não existe, já que escavar um buraco tem um custo ambiental; o outro é a ideia da mina de carvão antiga, onde há incêndios, onde as pessoas morrem. Não, não vai ser uma mina verde nem vai ser um inferno. Vai ser algo entre os dois, uma mina inteligente, robotizada, altamente regulada por leis portuguesas e europeias. Não será uma mina verde, mas será uma mina responsável.
E ou fazemos isto na Europa, com regulamentação exigente, ou será feito de qualquer forma noutra região, sem quaisquer preocupações ambientais e sociais… As pessoas têm de perceber que é melhor fazer mineração responsável aqui do que mineração não responsável noutro lugar. Por exemplo, o lítio. Podemos extraí-lo com processos geotérmicos. Nesse caso, obtemos água quente, o que seria útil para ajudar as comunidades a aquecerem-se. Extrair água da fonte geotermal e obter o lítio correspondente não é assim tão dispendioso. Essa seria a forma mais responsável e ecológica de o fazer, e a eletricidade produzida através desse processo seria muito mais verde do que qualquer tipo de energia na China. Abrir mentes na Europa é, na verdade, uma excelente decisão ecológica. Dito isto, abrir mentes no nosso território não é suficiente, porque não temos todos os minerais e demora tempo a extraí-los. Daí que, para as nossas necessidades, que são imediatas, faz sentido criar laços com outros países. A UE tem desenvolvido essa diplomacia nos últimos anos. Mas isto levanta a questão dos padrões: devemos aceitar obter lítio, por exemplo, do Chile desde que este respeite as normas ambientais, sociais e de governação [ESG] que aplicamos nos nossos próprios países.
Regras mais apertadas tendem a tornar o produto mais caro. Os consumidores estarão dispostos a pagar mais, para custear os maiores custos de exploração? Sim. E, para já, não temos pagado o preço real da transição energética. Não devemos esquecer-nos de que a transição energética foi, até agora, possibilitada porque a China aceitou sujar-se, aceitou todas as convulsões sociais para extrair os recursos e aceitou produzir estas tecnologias a um preço incrivelmente competitivo. Graças à China, pudemos comprar turbinas eólicas e painéis solares baratos, e podemos comprar carros elétricos baratos. Foram os chineses que tornaram possível estarmos dez anos à frente em termos de transição energética e de integração de tecnologias verdes.
Mas isso também só foi possível porque na China os parâmetros ambientais não são tão exigentes como os nossos. Precisamente. Foi por eles estarem sujos que nós conseguimos ficar limpos. Pressionámo-los a sujarem-se, porque isso levaria a uma queda dos preços e poderíamos, assim, acelerar a nossa própria transição energética. Se eles não tivessem aceitado esse fardo, estaríamos cinco ou dez anos atrasados na transição energética.
Mas, repito, estamos dispostos a pagar o preço de uma transição mais sustentável? Se quisermos fazer uma transição “made in Europe”, isso terá um custo. Temos de compreender que não integrámos no preço destas tecnologias – o painel solar, a turbina eólica, o carro elétrico – o custo de fazer um hospital para tratamento de pessoas com cancro na Mongólia Interior, onde são tratados os minérios. Temos estado a beneficiar de dumping social e ambiental. Se integrássemos esses custos, o preço da matéria-prima seria o dobro. O nosso carro elétrico custaria mais mil euros. A grande questão é se estaremos dispostos a pagar o verdadeiro valor do produto.
A China poderá usar a nossa dependência das terras raras como arma geopolítica, da mesma forma que a Rússia fez com o gás? Já o fez. Em 2010, devido a uma disputa, com dois barcos, entre a China e o Japão, sobre as ilhas Senkaku [a China não aceita a soberania japonesa do arquipélago], as terras raras deixaram de ser exportadas para o Japão durante seis meses. E, de repente, percebemos que temos uma dependência. A China, nos últimos 12 meses, tem vindo a replicar e, por vezes, a pôr em prática estas ameaças, seja interrompendo as exportações ou agravando os processos administrativos para as exportações. Os chineses têm utilizado a sua influência geopolítica para influenciar as negociações, no meio de crescentes tensões diplomáticas e comerciais.
A corrida aos metais raros pode vir a provocar um conflito sério? Até hoje, ninguém disparou uma bala para aceder a metais raros, excetuando talvez na questão do tântalo, que tem sido causa de guerras no Nordeste da República Democrática do Congo. Poderá ser possível? Há razões para acreditar que sim e no seu contrário. Por exemplo, Trump ameaçou invadir a Gronelândia em busca de minerais, o que causaria uma guerra. Por outro lado, Trump está a tentar trazer os minerais para o acordo de paz com a Ucrânia. E o facto de os EUA terem interesse em minas e noutras infraestruturas daria à Ucrânia alguma segurança, porque os EUA teriam de proteger os seus interesses. Zelensky é inteligente. Ele diz que se os EUA vierem atrás das minas, ficarão lá durante 50 anos, e nenhum investidor privado gostaria de ir para a Ucrânia sem garantias de estabilização da situação. Portanto, levaria à paz. Também no Congo, o Presidente pediu aos americanos que trouxessem as suas forças em troca do acesso aos minerais. Este seria mais um acordo que traria minerais em troca de paz.
Ou seja, mais do que uma causa de guerra, os minerais podem ser uma causa de paz. Exatamente. O nome do meu livro é A Guerra dos Metais Raros, mas poderia muito bem ser A Paz dos Metais Raros. Está tudo em aberto, entre estes exemplos da Gronelândia, por um lado, e a Ucrânia e o Congo, por outro. A questão é: vamos repetir os erros do século XX? Ou seremos suficientemente sábios para tornar os nossos carros mais pequenos para não termos de extrair tanto lítio da Terra e assim evitar tensões? Somos inteligentes o suficiente para dividir os benefícios dos recursos entre países?
A UE fala muito de economia circular, mas o seu contributo para o setor dos metais raros é incipiente. É possível fazer um melhor uso dos materiais reciclados? Estamos a entrar num mundo de baixo carbono, e precisamos de mais metais para emitir menos CO2. Mas esse não é um mundo sustentável. Um mundo sustentável é de baixo carbono e baixo teor de metais. E o que não vemos é que, na verdade, estamos envolvidos em duas transições: a verde e a circular. Temos de perceber como otimizar a utilização destes recursos em cada etapa do processo, e é aqui que entra a economia circular. A UE tem sido bastante forte nisso, em termos de regulamentos para a reciclagem destes recursos. Mas a economia circular não se trata apenas de reciclagem. Começa com a mineração responsável e a ecoconceção – o modo como se pensa o produto para o tornar reciclável daí a dez anos –, a recolha, o tempo de vida útil do produto, a reparação e, eventualmente, depois de tudo isto, a reciclagem. A UE tem aprovado leis nos últimos anos sobre isto, e há duas que são interessantes. Uma é a regulamentação das baterias, que diz que, a partir de 2031, uma certa percentagem do lítio, do cobalto, do níquel e do chumbo deve ser reciclada e reintegrada na cadeia de valor. Outra é a Lei das Matérias-Primas Críticas, que foi aprovada no ano passado e, apesar de não ser vinculativa, diz que até 2031, 25% dos recursos minerais que consumimos devem vir da reciclagem. É um número enorme! Claro que depende de minerais. Se for ferro, é fácil; se forem minerais raros, é impossível. Mas temos muitas indústrias na Europa que são fortes nisso. Basicamente, a UE tem definido regulamentos neste sentido. A questão agora é como criar um ecossistema de recicladores que se organize. Além disso, o ciclo da economia circular vai demorar. Costumo dizer que a economia circular e a reciclagem não são uma solução a curto prazo para tornar tudo verde. É uma estratégia de longo prazo definida a nível europeu.
A Guerra dos Metais Raros
Temos vivido na ilusão de um mundo idílico de energias renováveis e carros elétricos, mas há um custo ambiental, social e geopolítico por trás dos minérios essenciais para a transição energética. Neste livro, publicado em Portugal pela Livros Zigurate, Guillaume Pitron investiga o lado negro da transição verde.
É difícil não ficarmos impressionados com o nível de automação da fábrica 3SUN, na Catânia, Sicília. Pelos seus corredores largos e imaculados, centenas de máquinas atrás de vidros protetores trabalham sem parar para produzir células e painéis solares. Braços que nunca se cansam transformam silício, prata, vidro, alumínio, cobre e diferentes plásticos em painéis fotovoltaicos, literalmente noite e dia, sete dias por semana.
A unidade, uma das maiores da Europa neste setor, com uma área superior a 100 mil metros quadrados, tem capacidade para fabricar 15 mil módulos por dia (que correspondem a 3 GW por ano), mas o trabalho manual reduz-se ao embalamento. Os poucos funcionários que se encontram na zona de produção, invariavelmente a controlar monitores coloridos, são mais trabalhadores de colarinho branco do que operários. É quase uma “lights-out factory”, o termo usado no meio para descrever fábricas de tal forma automatizadas que não precisam de ter as luzes acesas – porque os robôs não precisam de luz.
Biorrefinaria de Gela Esta unidade siciliana consegue produzir 400 mil toneladas de SAF. Mas a sustentabilidade tem um preço
É uma fábrica eficiente. Produtiva. Moderna. Com tecnologia de ponta. Do melhor que a Europa tem para oferecer. E não tem a mínima hipótese de acompanhar, de igual para igual, as empresas chinesas de painéis solares.
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“Não é suficiente para competir com a China”, admite Stefano Lorenzi, CEO da empresa. As fábricas chinesas têm custos energéticos, laborais e ambientais incomparavelmente mais baixos, a que, segundo se diz à boca cheia no setor, se soma uma estratégia de dumping para esmagar a concorrência, o que explicaria a queda para metade do preço dos painéis no mercado, nos últimos dois anos. A única saída é a UE criar um quadro regulatório que incentive a busca por painéis “made in Europe”, através de “incentivos fiscais ou mecanismos que deem pontos extra nos leilões aos sistemas europeus, para que o preço não seja o único critério”, sugere Stefano Lorenzi. “Medidas que nivelem o campo de jogo.”
O que se passa com o Fundo Ambiental?
O mecanismo criado para financiar medidas de eficiência energética tem sido alvo de muitas queixas
Foto: Dreamstime
Pode dizer-se que o Fundo Ambiental é vítima do seu próprio sucesso, mas é também paradigmático da burocracia que encrava o Estado. Criado em 2016, gerido pelo Ministério do Ambiente, é um mecanismo para redistribuir as receitas ambientais, como taxas, contraordenações e leilões, por projetos de sustentabilidade. Os seus Programas de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis e o Vale Eficiência, por exemplo, já cofinanciaram dezenas de milhares de projetos de eficiência energética, ajudando as famílias portuguesas a mudar janelas, isolar paredes e a instalar painéis solares e equipamentos de calor e frio. Mas tem sido também uma fonte de frustrações. A Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor diz que recolheu milhares de queixas sobre o Fundo Ambiental, a maioria relativa a atrasos nos pagamentos (há quem esteja há ano e meio à espera do reembolso). Muitas devem-se também à exclusão de candidaturas, devido a falhas nos exigentes requisitos dos programas ou a pormenores burocráticos.
O governo defende-se com o elevado número de candidaturas. Em abril do ano passado, quando tomou posse, a equipa tinha quase 78 mil processos para analisar.
O último programa do Fundo Ambiental terá deixado muita gente igualmente frustrada, mas por motivos distintos: o apoio de €4 mil à compra de veículo elétrico abriu a 31 de março e a 4 de abril já não tinha candidaturas disponíveis. As 1 425 vagas esfumaram-se em quatro dias.
A 3SUN foi o ponto alto de uma visita organizada pela Direção-Geral da Energia da Comissão Europeia a projetos ligados a energias renováveis na Sicília para mostrar a um grupo de jornalistas europeus a aposta que o bloco europeu está a fazer na independência energética, o pilar para outras independências – como a industrial –, num momento de reversão da globalização, causada pelas tensões geopolíticas e políticas protecionistas.
Esse caminho ficou claro. Como também ficaram claras as barreiras que a UE tem à sua frente.
Trocámos a Rússia pela China
Há muito que a UE definiu a transição energética como estratégia central. Essa descarbonização, motivada sobretudo pelo clima (é preciso reduzir as emissões de gases com efeito de estufa de modo a atingir a neutralidade carbónica em 2050), teria ainda o bónus de nos tornar menos dependentes de combustíveis fósseis, que não abundam na Europa Ocidental. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em larga escala, em 2022, e fez chantagem com o gás natural, a UE confirmou que a independência energética havia sido a aposta certa também do ponto de vista geopolítico.
A verdade é que, entretanto, deslocalizámos a produção industrial. A China passou a ser a nossa fábrica para quase tudo, incluindo no setor estratégico das renováveis: em 2010, 20% dos painéis solares eram fabricados na Europa; hoje, fica nos 1%. O desinvestimento europeu no setor levou a que muitas empresas locais fechassem portas, apesar de a UE comprar 70 GW de sistemas fotovoltaicos por ano.
Made in Europe A fábrica de painéis solares 3SUN e a biorrefinaria de Gela são dois exemplos que a CE quer replicar por toda a Europa
Significa isto que, não sem uma ponta de ironia, trocámos uma dependência energética por outra: para não precisarmos (tanto) de petróleo, gás e carvão alheios, passámos a depender de material e matéria-prima para fontes renováveis também de terceiros.
Num mundo interligado e previsível, entregarmos a nossa autonomia energética numa bandeja não seria um problema. Mas esse tempo, pelo menos para já, acabou. As tarifas de Donald Trump limitaram-se a confirmar que o velho sistema de relações económicas confiáveis entre Estados, mesmo entre supostos aliados, está moribundo.
O primeiro grande passo da Comissão Europeia em direção à independência energética, como chave para a soberania, deu-se em maio de 2022, três meses após a invasão da Ucrânia, com a aprovação do REPowerEU, um programa de diversificação das fontes de energia, eficiência energética e investimento em renováveis, com o intuito de reduzir o mais possível a dependência da UE do gás e do petróleo russos. A meta das renováveis era de 40% do mix energético total até 2030, no plano inicial, número que foi já revisto para um mínimo de 42,5% e idealmente de 45%.
Mas a autonomia energética não é suficiente para enfrentar os novos desafios, e já este ano a Comissão avançou com novos planos, que prometem milhares de milhões de euros para ajudar as empresas europeias a tornarem-se mais competitivas.
Uma das primeiras iniciativas do novo mandato da Comissão Europeia foi a Bússola da Competitividade, um plano, apresentado em janeiro, para impulsionar a competitividade económica da UE até ao final da década, baseado nas recomendações do Relatório Draghi. Seguiu-se, um mês depois, o Acordo Industrial Limpo, um programa que reforça a competitividade das indústrias europeias, com a descarbonização como motor desse crescimento e um investimento europeu superior a €100 mil milhões, para apoiar indústrias intensivas em energia (como aço, cimento e químicos) e as tecnologias limpas, incentivando a produção de turbinas eólicas, painéis fotovoltaicos e baterias.
Uma questão de equilíbrio
Em Gela, no Sul da Sicília, outra fábrica dá o seu contributo para a autonomia estratégica da UE, transformando óleos usados e outros resíduos orgânicos em combustível. A biorrefinaria da Enilive é também um gigante no seu setor, tendo capacidade para produzir 400 mil toneladas por ano de SAF (Sustainable Aviation Fuel – combustível sustentável para aviação), o que é suficiente para suprir um terço das necessidades europeias para 2025.
Raffaella Lucarno, diretora de Biorrefinação, Fornecimento e Biometano da Enilive, explica que a antiga refinaria convencional, inaugurada em 1959, foi convertida há seis anos porque já não era viável, economicamente, continuar a refinar petróleo. Mas há um senão: o combustível “verde” é incomparavelmente mais caro do que o “cinzento”, devido aos custos de recolher os resíduos (como ir de restaurante em restaurante levantar óleo usado). “A nossa matéria-prima é mais cara do que o combustível convencional final”, explica Raffaella Lucarno. O biocombustível só tem mercado porque as regulamentações europeias obrigam à sua inclusão em determinadas percentagens. Os aviões, por exemplo, têm de misturar, este ano, 2% de SAF no querosene, uma proporção que vai subindo gradualmente até aos 70% em 2050.
São as exigências europeias que permitem que os biocombustíveis sejam competitivos, e é precisamente esse tipo de regulamentação que os fabricantes de painéis solares pedem, para conseguirem sobreviver no mercado e ajudar a UE a aumentar a sua soberania energética. Tem havido respostas nesse sentido, como a Lei da Indústria de Emissões Líquidas Zero, que deverá implementar critérios não relacionados com o preço em leilões de energia renovável, a partir de janeiro do próximo ano, com um peso de 30% do total.
A necessidade de forçar a inclusão de outros critérios demonstra que a UE assume que os equipamentos “made in Europe” serão sempre mais dispendiosos, o que pode encarecer a transição energética. Mas há “ganhos indiretos” da produção europeia que devem entrar na equação, lembra Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis). “Se eu tiver produção na Europa, tenho investimento. Se tenho investimento, tenho emprego. Se tenho emprego, tenho receita fiscal. Há que levar tudo isto em conta.”
Duvidando de que a UE consiga atingir as metas de energias renováveis a que se propôs apenas com manufatura europeia, Pedro Amaral Jorge sublinha, contudo, que “podemos ter uma componente de fabricação própria que reforce a nossa resiliência, em caso de choque geopolítico”. “Tem de haver um equilíbrio. Não pode ser nem sempre, nem nunca, nem tudo, nem nada. A China, nunca? Calma. EUA, sempre? Não me parece. Temos de diversificar, dentro da agenda de aumentar a nossa independência energética.” Mas a estratégia, acrescenta, tem mesmo de passar pelo “reforço das renováveis, para não continuarmos a ser reféns de volatilidades de preços de energia baseada em combustíveis fósseis”.
O papel de Portugal
Mesmo que a UE seja capaz de aumentar significativamente a sua produção de tecnologia para produção e armazenamento de eletricidade “verde”, como painéis solares, turbinas eólicas e baterias, continuará deficitária na matéria-prima, sobretudo terras raras e outros minérios essenciais para a transição energética – um mercado também ele controlado pela China. Estima-se que, nos próximos cinco anos, a procura na UE por metais de terras raras aumente seis vezes e, por lítio, doze.
Esta é outra dependência que a UE pretende reduzir. Na Lei das Matérias-Primas Críticas, a Comissão definiu que, até 2030, o bloco terá de ser capaz de cobrir 10% da sua procura de 17 minerais estratégicos com os seus próprios recursos geológicos; 40% deve ser refinado dentro das fronteiras europeias; 25% deverá ter origem na reciclagem; finalmente, não podemos estar dependentes de qualquer destes materiais em mais de 65% de um único país fornecedor.
A energia é uma arma
A UE planeia usar as energias renováveis para alavancar a sua indústria de armamento
Face à ameaça russa e ao afastamento dos EUA, a UE decidiu dar uma nova vida à sua indústria de Defesa, para aumentar a sua capacidade militar – e a energia “verde” é peça central nessa aposta. O programa ReArm Europe enfatiza, por exemplo, a integração de renováveis na produção de munições e drones, para financiar fábricas que operem continuamente. O hidrogénio verde surge também como combustível estratégico, ao passo que o Fundo Europeu de Defesa aloca à resiliência energética e transição ambiental na Defesa €1,065 mil milhões para 2025.
Esta não é tanto uma questão ambiental – falar em munições amigas do ambiente soa a paródia –, mas sim de autonomia estratégica. “A UE vai investir €800 mil milhões, dos quais €650 mil milhões vêm dos Estados-membros e €150 mil milhões dos fundos comunitários, a desenvolver uma indústria de Segurança e de Defesa, e parece-me irracional que nós fôssemos fazer isso abdicando da nossa independência energética”, diz Pedro Amaral Jorge, da APREN. “Seria caricato que pensássemos em comprar petróleo e gás natural à Rússia ou mesmo aos países do BRICS para aumentar a nossa Defesa.”
Dassault Rafale O caça francês tem sido apontado como a melhor alternativa europeia aos F-35 americanos
No contexto destes objetivos, que se destinam a garantir as necessidades de setores-âncora (indústrias energéticas, aeroespaciais, digitais e de defesa), a Comissão Europeia divulgou, no final de março, uma lista de 47 projetos estratégicos, em 13 países, para impulsionar as capacidades de matérias-primas fundamentais para o desenvolvimento energético e industrial da UE, reduzindo a sua dependência externa, com um investimento total de €22,5 mil milhões. Portugal é um dos incluídos, com quatro projetos (três de lítio e um de cobre).
Estas iniciativas são um bom impulso para acelerar os financiamentos, assegura Ricardo Pinheiro, CEO da Lusorecursos, uma das empresas com um projeto entre os escolhidos (a Mina do Romano, em Montalegre). “É uma mensagem para que se acredite nos projetos, porque a UE precisa deles para criar a sua independência face à China. Os analistas de investimento do Ocidente dizem que os projetos europeus não têm viabilidade económica dado o monopólio da China, que controla os preços.”
Ricardo Pinheiro critica, no entanto, “a atitude de desleixo dos últimos anos”. “Com tantos discursos sobre precisarmos de cadeias independentes, a China continuou a dominar o setor dos minerais. E só acordámos para esta situação depois da eleição do Trump nos EUA e a negociação com a Ucrânia para as terras raras.” O gestor espera que seja desta que a UE tome ações decisivas, face à urgência da situação, mas teme que a burocracia emperre os processos. “Ficamos sempre reticentes quando se apresenta alguma coisa. Tudo demora tempo. Os chineses são muito mais rápidos.”
O preço do ambiente
Entre os fatores que prejudicam (ainda que pelos motivos certos) a competitividade dos projetos europeus estão as exigentes regras ambientais da UE, que tendem a fazer subir os custos. O responsável da Lusorecursos dá alguns exemplos práticos. “A extração em subterrâneo, que será o caso da Mina do Romano, tem um custo de operação muito superior ao da mineração a céu aberto, mas um custo ambiental inferior. Também fizemos um plano de proteção do lobo-ibérico, que vive naquela região. E estamos em dúvida entre o ácido sulfúrico e a soda [no processo de extração do lítio]. A soda é muito mais amiga do ambiente, mas tem custos acrescidos.”
Estes “investimentos ambientais e sociais”, como lhes chama Ricardo Pinheiro, têm de estar no centro da discussão. “A China também subsidia os projetos chineses para serem competitivos. A questão é saber como vai a Europa contribuir para que o projeto seja amigo do ambiente e das comunidades e, ao mesmo tempo, competitivo.”
Uma solução paralela é criar taxas aduaneiras verdes que equilibrem o tabuleiro, penalizando empresas externas que não cumprem os mesmos critérios ambientais. Uma delas já está em vigor: o Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras (CBAM, na sigla internacional), um mecanismo adotado pela UE para sujeitar as importações de certos setores (como o aço, o alumínio e o cimento) a normas climáticas. Não é uma opção que agrade a países como a China, a Índia e o Brasil, que consideram ser uma forma encapotada de protecionismo, o que já motivou queixas na Organização Mundial do Comércio.
ERG Este parque eólico na Sicília já é de segunda geração, tendo trocado as turbinas originais por outras mais eficientes, com 112 metros de altura
Por outro lado, há uma “desvantagem” clara para países com regimes democráticos: a oposição das comunidades locais. Em Portugal, tal como noutros países europeus, têm sido recorrentes manifestações contra projetos com propósitos climáticos, de transição energética, como as minas de lítio e parques solares e eólicos. Estas barreiras só podem ser derrubadas com “um trabalho de proximidade, para ir ao encontro das necessidades das populações e ajudá-las no seu dia a dia”, avisa Ricardo Pinheiro.
Pedro Amaral Jorge vai mais longe. “Precisamos de um acordo intergeracional e interclasse para explicar às pessoas que a alternativa é produzir eletricidade a partir de gás natural ou de carvão. Já nem vou falar na questão ambiental; hoje, o megawatt-hora produzido com gás natural está nos €130 ou €140, e daqui a 7 ou 8 anos vai custar €200. Quando nós olhamos para os preços grossistas médios diários da Península Ibérica, até o nuclear de França, que é tão barato, está sempre acima de nós. Temos de informar, de transmitir literacia energética para criar um pacto com as comunidades.”
O presidente da APREN tem também dúvidas sobre proibições preventivas que podem pôr em causa a nossa autonomia estratégica, como a recente moratória aprovada pelo Parlamento nacional que tornou Portugal o primeiro país da Europa a impedir a mineração em mar profundo. “Abolir diretamente sem primeiro percebermos as nossas necessidades, as tecnologias disponíveis para ter o mínimo de impacto e os mecanismos que permitem pôr isso ao serviço da economia portuguesa é a tal história do ‘nem sempre, nem nunca’. Abolições por profecias de fé é uma coisa que me preocupa.”
Não sabemos o que temos
A montante da exploração, há outra dificuldade em Portugal: não conhecemos os nossos recursos, critica Bruno Pereira, da empresa de prospeção Sinergeo. “Não temos, na Europa, uma geologia que nos permita ser totalmente autossuficientes. Será sempre necessário importar, pelo menos num espaço temporal de uma geração. Mas certamente que podemos aproveitar melhor os nossos recursos. Acontece que, primeiro, temos de nos conhecer a nós mesmos. Em Portugal, cerca de um terço do território nem sequer tem cobertura de base. Há que finalizar o plano cartográfico nacional. Ainda estamos a basear-nos em cartas dos anos 40 e 50.”
Será que agora, dado o interesse redobrado nos recursos mineiros, essa cartografia vai avançar? Bruno Pereira mantém-se cético. “Só quando vir a efetivação do plano cartográfico nacional publicado em Diário da República e adjudicado.” O seu sócio, Jorge Oliveira, acompanha-o na relativa descrença. “Ainda que tudo indique que vai acontecer agora, houve vários momentos nestes últimos 20 anos que parecia que iam dar esse empurrão, mas depois acaba por não acontecer.”
A galinha dos dados de ouro
A abundância de energia renovável, que puxa para baixo os preços da eletricidade, torna Portugal altamente atrativo para os data centers
Na semana passada, foi notícia a inauguração do primeiro edifício do Data Center de Sines, o projeto da Start Campus que pretende transformar a região num polo de inovação. Este foi o primeiro passo para o que se espera vir a ser um setor basilar para a economia nacional. Só o Start Campus terá um investimento de €8,5 mil milhões de euros (um valor dez vezes superior à Autoeuropa). Somar-se-ão ainda, até ao final da década, €3,5 mil milhões de outros projetos semelhantes.
Uma das razões para Portugal estar a conseguir atrair investimento para data centers é geográfica, devido à sua posição ideal, na confluência dos cabos submarinos de fibra ótica que ligam a Europa às Américas (os data centers exigem baixas latências e alta capacidade de transmissão de dados). Outras são a qualidade da rede terrestre de telecomunicações, os relativos baixos custos das infraestruturas e a segurança do País.
Mas o principal motivo é o preço da eletricidade para consumidores industriais, um dos mais baixos da Europa, o que se deve à enorme proporção de renováveis – os data centers têm consumos brutais de eletricidade. Portugal é um dos países europeus com maior produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, produção essa com tendência a crescer muito mais, dadas as estimativas de aumento de energia fotovoltaica para os próximos anos.
Para lá dos recursos próprios, devemos também diversificar as fontes no exterior, aponta Pedro Amaral Jorge. “Podemos fazer acordos, que a Europa durante muitos anos não quis fazer, com os países da África Subsariana e da América Latina, e começar a investir em cadeias de valor verticalizadas controladas. Hoje, 70% destas cadeias estão controladas por empresas chinesas, na cadeia de valor, mas isto não significa que a China tenha 70% de tudo o que está disponível no mundo.”
Há ainda um papel importante a ser preenchido pela economia circular, recorda. “Vamos ter de reciclar e reutilizar muito aço, alumínio, vidro… E a incorporação desses custos de reutilização tem de ficar obrigatoriamente no ciclo económico. Estes processos têm também a vantagem de gerar emprego e investimento.”
O Green Deal da UE inclui, por exemplo, regulação que obriga à recuperação de 80% do lítio e 95% do cobre, cobalto, chumbo e níquel das baterias até ao final de 2031. A incorporação deste material reciclado em novas baterias é muito menos ambicioso, o que se deve a dificuldades técnicas e aos custos: um mínimo de 6% para lítio e níquel, e 16% para o cobalto, em 2031 (o chumbo é a exceção, com 85%).
França abre as portas?
Portugal ocupa uma posição de destaque na busca europeia por minerais usados na transição energética e digital, tendo as maiores reservas de lítio conhecidas da Europa. Mas o seu contributo mais importante será mesmo na produção de energia a partir do sol e do vento, seja na forma de eletricidade seja na de hidrogénio.
No segundo caso, têm avançado vários projetos de grande fôlego, com incentivos da UE (em fevereiro, foi anunciado um financiamento de €180 milhões de euros do Banco Europeu de Investimento para uma unidade de produção de hidrogénio “verde”, com um eletrolisador de 100 megawatts, capaz de produzir 15 mil toneladas por ano, na Refinaria de Sines da Galp).
3SUN A fábrica de painéis solares siciliana tem capacidade para produzir 15 mil módulos por dia
O primeiro caso é mais bicudo. Portugal (tal como Espanha, com quem partilha um mercado energético integrado, o MIBEL) tem um enorme potencial de excedente – no primeiro trimestre, produzimos 81% da nossa eletricidade a partir de fontes renováveis, com março a atingir uns impressionantes 88%. Mas não consegue fazer chegar essa energia à Europa Central: França continua a levantar barreiras ao reforço das interligações elétricas, com argumentos ambientais e financeiros, embora a verdadeira razão seja a proteção da sua indústria nuclear.
“A França não quer porque nós vamos sempre produzir eletricidade mais barata, e isso vai tornar ociosa muita da sua capacidade nuclear e obrigá-la a ter preços de eletricidade negativos”, explica Pedro Amaral Jorge. “Mas, na situação bélica em que estamos, não vai ser a França a tentar salvar a EDF de uma potencial falência que impedirá que as interligações cheguem à estrutura do mercado elétrico europeu. Terão de, entre aspas, ser mandatadas pela Comissão Europeia.”
A guerra da Rússia na Ucrânia parece ter efetivamente suavizado a posição francesa, que tem dado luz verde a novos projetos de interligações, como o H2Med, um corredor de transporte de hidrogénio verde entre a Península Ibérica e o resto da Europa. Ao fim de 20 anos de entraves, a ameaça de um inimigo externo revelou-se um bom motivador.
Este é o caminho para a neutralidade energética
A Agência Internacional da Energia criou, em 2021, um roteiro para o setor energético global atingir a neutralidade carbónica até 2050, que encaixa nos planos da UE. Mas é um caminho caro e difícil – em simultâneo com a redução dos combustíveis fósseis, é preciso disponibilizar eletricidade a centenas de milhões de pessoas que hoje não têm acesso a ela
20,7% Era a proporção de renováveis na produção de eletricidade, sendo que a energia hídrica representava quatro quintos deste total; hoje, as fontes renováveis produzem mais de 30% da eletricidade
70% De toda a eletricidade é produzida com recurso ao sol e ao vento; juntando as outras fontes renováveis (como hídrica e biomassa), a proporção sobe para os 90%
-50% É a redução esperada do consumo de petróleo; as emissões da eletricidade deverão atingir a neutralidade carbónica
60% dos veículos vendidos são elétricos; acesso universal a energia; 60% das economias avançadas deixam de consumir carvão sem captura e sequestro de carbono
520 Milhões de toneladas de hidrogénio produzidas anualmente; mais de 90% das indústrias são de baixo carbono
10% A proporção das energias fotovoltaica e eólica na produção total de eletricidade; dez anos antes, representavam pouco mais de 2%
50% Do combustível usado na aviação é de baixas emissões de carbono; eliminação gradual de todas as centrais a carvão e petróleo sem captura e sequestro de carbono
1,02 GW Em novas adições de energia solar e eólica; produção de 150 milhões de toneladas de hidrogénio de baixo carbono
5% Dos carros vendidos são elétricos (o número real ficou um pouco abaixo, devido em grande parte à pandemia de Covid: 4,1%)
Na campanha para as eleições de junho de 2011, PS e PSD navegaram numa realidade alternativa, apresentando programas eleitorais em larga medida fabricados a partir de embustes. Nunca revelaram aos portugueses o único programa que havia de ser cumprido: o Memorando de Entendimento, assinado, a 17 de maio desse ano, entre o Executivo português do PS (com o beneplácito do PSD, principal partido da oposição), o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. Esse era o verdadeiro programa de Governo para os quatro anos seguintes e ele teria de ser aplicado – ou os seus objetivos teriam de ser alcançados –, qualquer que fosse o partido que ganhasse as eleições. PS e PSD tinham obrigação, primeiro, de explicar tintim por tintim cada uma das medidas que impactavam a vida quotidiana dos portugueses. E, depois, divergir, eventualmente, na forma de alcançar os objetivos previamente definidos pela Troika, fornecendo, aí sim, duas vias opcionais ao eleitorado. Não o fizeram. E há alguns pontos de contacto entre o que então se vivia e a atualidade, o primeiro dos quais é o de não nos estarem a dizer a verdade. E, depois, há outros pontos, muito divergentes. Comecemos por estes: em 2025, o País tem as contas em ordem. Há (quase) pleno emprego. Um superavit orçamental. E a economia cresce. E os pontos de contacto? Nenhum programa que agora seja apresentado oferece garantias de execução, novamente por fatores externos que não controlamos. Em 2011, era a Troika. Hoje, é a situação internacional, a política disruptiva de Donald Trump, cujos efeitos ainda estamos por descobrir e, sobretudo, os ventos de guerra que pairam sobre a Europa, com os países – este é o elefante na sala – a terem de aumentar, atamancadamente e à pressa, os seus orçamentos de Defesa. E é este programa de choque, que poderá vir a ter implicações sociais parecidas com as do tempo da Troika, que nos estão a esconder. A amostra do programa do PS é um aperitivo para o do PSD, que, embora se demarque dos socialistas, acusando-os de estarem a anunciar uma nova bancarrota, nunca é, nesta matéria, muito diferente: menos impostos, mais Estado social. Digam-nos alguma coisa que não saibamos…
Pedro Nuno Santos, acusado de prometer tudo a todos e de, com este programa, poder fazer implodir o equilíbrio orçamental, defende-se, com aparente lógica, fazendo uma transferência direta entre o IRC e as medidas que propõe: “Elas custam o equivalente ao que a AD cortou em IRC.” Ora, não é bem assim que se fazem as contas. Este argumento replica, em parte, os protestos tradicionais do PCP, que brande sempre os alegados “descontos fiscais ao grande capital”, que dariam perfeitamente para financiar as propostas que apresenta. A demagogia, tal como a verdade, tem vários rostos. Este é o tipo de argumento que uma mãe utiliza para convencer o filho a comer a sopa: “Lembra-te de que há muitos meninos a morrer de fome!” E a pergunta é: se eu comer a sopa, eles deixam de morrer?… Há um pequeno problema, portanto: o modelo económico do PCP permitiria o crescimento necessário para que, sequer, fossem cobrados impostos? Pode ser que sim, quod erat demonstrandum.
É aqui que os eleitores entram. De facto, há dois modelos: uma economia mais dirigida, fiscalmente robusta, fortemente regulada, com políticas públicas que favorecem umas áreas em detrimento de outras – um modelo que, com as devidas diferenças, permitiu o crescimento de várias economias asiáticas – parece ser o projeto do PS. Uma economia mais livre e laissez-faire, fiscalmente amiga das empresas e menos regulada, e mais próxima do modelo anglo-saxónico de capitalismo, esta a opção da AD. Ambas as forças, pressionadas por ciclos eleitorais curtos, apostam na satisfação das corporações e no Estado social virado para um crescente “mercado pensionista”.
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Teme-se, porém, que o “elefante” da Defesa esteja completamente varrido para debaixo do tapete nesta campanha eleitoral. Tal como, em 2011, não nos explicaram o que implicava a Troika, os partidos fogem de explicar, agora, o que significa o investimento em Defesa. Onde se vai buscar o dinheiro? Em que áreas vamos ter de cortar – nas pensões, nos subsídios, na Saúde, na Educação? Em que medida essa viragem nas políticas públicas pode estimular, ou não, a indústria nacional? A presença de Nuno Melo nalguns debates podia ser aproveitada para desenvolver estas matérias, em especial, no confronto que o vai opor ao europeísta Rui Tavares. O líder do CDS, se a AD vencer as eleições e ele continuar na pasta, pode ver cair-lhe no colo a área mais importante do Governo. Nem sequer sabemos se está à altura. Não escondam isso aos eleitores.