Aos 78 anos, Donald Trump volta a ser eleito a “Personalidade do Ano” pela revista norte-americana Time. O órgão de comunicação anunciou esta quinta-feira a eleição do republicano como a figura mais marcante de 2024. “Há 97 anos que os editores da TIME escolhem a Personalidade do Ano: o indivíduo que, para o bem ou para o mal, mais contribuiu para moldar o mundo e as manchetes dos jornais nos últimos 12 meses. Em muitos anos, essa escolha é difícil. Em 2024, não foi””, começou por dizer Sam Jacobs, editor da Time.

A revista justifica a escolha com a vitória “notável” – como descreve a revista – do republicano  e com o seu “regresso de proporções históricas” à liderança da Casa Branca. “Hoje estamos a assistir a um ressurgimento do populismo, a uma desconfiança crescente em relação às instituições que definiram o século passado e a uma erosão da crença de que os valores progressistas conduzirão a uma vida melhor para a maioria das pessoas. Trump é simultaneamente o agente e o beneficiário de tudo isto.”

São ainda apontados pela revista o processo de condenação pela justiça norte-americana e as duas tentativas de assassínio de que escapou. Em maio, Trump foi considerado culpado em 34 acusações de um esquema para silenciar uma atriz pornográfica.

A primeira vez que recebeu o título de personalidade do ano pela Time foi em 2016, após vencer as eleições contra a democrata Hillary Clinton. O 47.º Presidente dos Estados Unidos sucede a nome como Taylor Swift – Personalidade do Ano de 2023 – Volodymyr Zelensky – 2022 – e Elon Musk – 2021.

Após o anúncio Trump participou na habitual cerimónia – previamente programada – da abertura da Bolsa de Valores em Nova Iorque.

As taxas de juro impostas pelo Banco Central Europeu vão sofrer um novo corte – o quarto corte este ano – anunciou hoje o órgão europeu.

Estão previstos reduções nas taxas de juro aplicáveis à facilidade permanente de depósito (3,00%), as taxas de operações principais de refinanciamento (3,15%) e as de facilidade permanente de cedência de liquidez (3,40%). A decisão “baseia-se na avaliação atualizada do Conselho do BCE das perspetivas de inflação, da dinâmica da inflação subjacente e da força da transmissão da política monetária”, pode ler-se num comunicado.

Desde julho que o BCE tem vindo a reduzir as taxas, de forma a impulsionar a economia europeia. “Ao longo do tempo, os efeitos das políticas monetárias restritivas irão diluir-se e permitirão um aumento da procura doméstica. Estamos determinados em assegurar que a inflação estabiliza de uma forma sustentável até à meta dos 2%”, disse Christine Lagarde, presidente do BCE, em conferência de imprensa.

Chama-se Fio da Navalha e o nome diz quase tudo sobre o espetáculo que Tiago Bettencourt vai oferecer aos fãs neste Natal. Nele, o público é convidado a decidir quais as canções que o músico vai interpretar, numa escolha feita inicialmente online, através do site oficial do artista, no qual os fãs têm a oportunidade de enviar os pedidos de músicas com uma dedicatória, correspondentes ao dia do espetáculo; sendo que à entrada de cada concerto também haverá uns boletins em papel para o mesmo efeito, ou seja, o músico e cantor não sabe que músicas vai tocar durante o concerto, porque as mesmas vão ser sorteadas numa tômbola em cima do palco, da qual Tiago Bettencourt irá retirar à vez, aleatoriamente, um dos cartões impressos com os “discos pedidos”, tocando em seguida o tema escolhido.

“Fui obrigado a ensaiar todo o meu repertório, porque não sei mesmo o que vai sair”, explica o músico à VISÃO. Um exercício que o deixou “bastante orgulhoso”, por perceber “as várias fases” por que passou e o modo como evoluiu enquanto músico e compositor. “Dei por mim, várias vezes, a pensar: tens aqui um bom repertório Tiago”, recorda.

O espetáculo já foi testado nalgumas salas mais pequenas e a maior surpresa foi as poucas vezes que foram pedidos temas à partida mais óbvios como Carta ou a versão de Canção de Engate, de António Variações. “Tem sido muito democrático, por vezes com escolhas até surpreendentes, mas acaba por ser natural, por se tratar de um espetáculo para fãs, que conhecem muito bem o meu trabalho.”

Outro momento alto do concerto é aquele em que lê as dedicatórias, “especialmente as que são dirigidas a outros”: “Tem sido muito bonito perceber o significado que a mesma canção pode ter para diferentes pessoas, o modo como chega a cada uma delas”, sublinha. E como está sozinho em palco, sem banda, cada concerto é sempre diferente, com a mesma canção a poder ser interpretada de uma nova forma em cada sessão – “ao piano num dia e à guitarra no outro, por exemplo.”

Tiago Bettencourt > Casa da Música, Porto > 17-18 dez, ter-qua 21h > €24-€34 > Coliseu dos Recreios, Lisboa > 19 dez, qui 21h > €20-€44

O compositor de música Luís Tinoco, de 55 anos, é o vencedor da edição de 2024 do Prémio Pessoa. O anúncio foi feito esta manhã através de uma conferência de imprensa que decorreu no Palácio de Seteais, Sintra.

Em declarções à agência Lusa, o compositor mostrou-se “imensamente feliz e surpreendido” por saber que o seu nome mereceu a preferência do júri este ano, num país que, “entre a área das Artes, das Ciências e das Letras está recheado de pessoas que merecem este prémio”. “É um voto de confiança enorme. Deixa-me muito feliz, não só a título pessoal, mas também a título daquilo que é a área profissional em que me movo, que é a área da Música, da música clássica, da música erudita”, disse.

O músico, nascido em 1969, é formado na Escola Superior de Música de Lisboa, mestre pela Royal Academy of Music e doutorado pela Universidade de York. Para além de compositor, Tinoco é professor de música, programador e divulgador musical, colaborando na produção de novos programas de música para a Antena 2. Entre as suas composições mais conhecidas encontram-se “Evil machines” – de 2008 – e “Paint me” – de 2010 – e de trabalhos mais recentes como “Canções de trabalho” – de 2022.

Em nome do júri, o musicólogo Rui Vieira Nery explicou que o compositor foi uma escolha de “consenso”, pelo seu “mérito absoluto” e que a sua obra “revela um sólido domínio da forma e da instrumentação, bem como a linguagem, eminentemente pessoal que privilegia a comunicação afetiva com o público, sem nunca comprometer o rigor da escrita”. “Luís Tinoco é um homem de grande cultura, no sentido mais amplo do termo e gosta de se cruzar com o teatro, com a poesia e as artes plásticas”, acrescentou.

Presidido por Francisco Pinto Balsemão, o júri conta ainda com a participação de Paulo Macedo, Ana Pinho, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, Emílio Rui Vilar, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Eduardo Souto Moura, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião, Rui Vieira Nery e Viriato Soromenho-Marques.

A iniciativa – promovida pelo jornal Expresso e pela Caixa Geral de Depósitos – “visa reconhecer a atividade de pessoas portuguesas com papel significativo na vida cultural e científica do país”. Este ano o valor do prémio situou-se nos 70 mil euros, um aumento de 10 mil euros face à edição anterior.

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A histórica missão que levou um helicóptero a sobrevoar a superfície de outro planeta chegou ao fim a 18 de janeiro de 2024, quando o Ingenuity pairou no ar durante uns momentos e acabou por se despenhar. Apesar do fim inesperado, o helicóptero completou mais de 72 horas de voo, 30 vezes mais do que o planeado inicialmente. A NASA revela agora as razões da queda e o que aprendeu com esta missão para iniciativas futuras.

Algumas sombras detetadas à superfície de Marte mostram que uma das lâminas do rotor do Ingenuity está em falta, mas não era certa a razão da separação do mastro principal. “Não temos caixas negras, nem vítimas” para perceber o que causou o acidente a milhares de quilómetros de distância, conta Havard Grip, investigador do Jet Propulsion Laboratory da NASA. “Embora múltiplos cenários sejam viáveis com os dados disponíveis, temos de acreditar que este é o mais provável: pouca textura de superfície forneceu ao sistema de navegação pouca informação para trabalhar”, avança o Digital Trends.

O helicóptero teve de ser capaz de operar de forma autónoma, dado o atraso de comunicações entre Marte e a Terra e, ironicamente, um terreno suave e sem características particularmente distintivas pode ter ditado o fim da empreitada. Os dados eram recolhidos por uma câmara apontada para baixo que, sem informação relevante, não foi capaz de detetar a velocidade com precisão e acabou por conduzir a uma aterragem demasiado brusca e forçada.

Depois da queda brusca, o helicóptero parece ter tombado para um dos lados, colocando todo o seu peso aí e levando a que as quatro delicadas lâminas do rotor quebrassem todas nas pontas. As vibrações daí decorrentes levaram a que uma das lâminas se separasse completamente.

Apesar de o helicóptero estar definitivamente incapaz de voar, surpreendentemente continua a enviar dados uma vez por semana para o rover Perseverance. Teddy Tzanetos, gestor de projeto desta missão, conta que “porque o Ingenuity foi desenhado para ser ‘barato’ ao mesmo tempo que exigia elevado poder de computação, tornamo-nos a primeira missão a voar processadores móveis diretamente das prateleiras para o espaço profundo. Estamos a chegar aos quatro anos de operação contínua, o que sugere que nem tudo precisa de ser grande, pesado e anti-radiação para funcionar no duro ambiente de Marte”.

A NASA está já a planear futuras missões com helicópteros para Marte e um deles pode mesmo ser usado no programa Mars Sample Return, que prevê o regresso das amostras recolhidas pelo rover Perseverance à Terra.

A cada estação, a chefe Tânia Sérgio elabora novas criações doces e esta época natalícia é uma das mais especiais. Costuma chamar-lhes “pastelaria de partilha” porque acredita que “as coisas verdadeiramente especiais não são imediatas, mas sim cuidadas, preparadas, desejadas e partilhadas”.

Para esta época natalícia, a chefe formada em pastelaria pela Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, com passagem pela École Ritz Escoffier (Paris) e pelo estúdio Maggie Austin Cake (EUA), criou um menu de sobremesas e de bolachas artesanais. 

No T Atelier de Tânia Sérgio, aberto há mais de 10 anos juntamente com o sommelier Diogo Sanches Pereira, na Baixa do Porto, tanto se podem comprar bolachas de noz ou de canela e limão (€8 a €10, 200 gramas), como as de Natal, com mel, amêndoa, laranja, kirsch e especiarias (€4/2 unidades), ideais para oferecer ou saborear em casa.

Já para os jantares e almoços festivos da época, a chefe pasteleira sugere três sobremesas. O tronco de Natal (€30) inspirado no tradicional bûche de noël parisiense: bolo de chocolate recheado com praliné de avelã, envolto em mousse de chocolate de noz-moscada, com caramelo salgado e uma fina camada de chocolate negro.

Ou os clássicos salame (€16), feito com um blend de chocolates Valrhona com vinho do Porto Dow’s Fine Tawny, nozes, figos pingo-de-mel e bolachas de speculoos, e o pudim Abade de Priscos (€30). Esta coleção de alta pastelaria de Natal está disponível na loja, até 4 de janeiro, porque, sublinha a chefe, esta época “é sinónimo de partilha e abundância”.

T Atelier > R. da Firmeza, 163, Porto > T. 93 584 4062 > ter-sex 11h-17h, sáb 10h-13h, 24 e 31 dez 11h-15h > t-atelier.pt

Depois da Google revelar quais foram as melhores aplicações e jogos do ano na Play Store, chega a vez da Apple dar a conhecer o seu top das melhores apps da App Store para o ano que está a chegar agora ao fim. Entre as distinções, há 17 premiados como os “programadores mais talentosos que entregaram experiências excecionais”.

A lista das melhores aplicações é:

Veja as melhores aplicações e jogos de 2024 da App Store

No que toca a Jogos, os destacados são:

Por fim, a Apple deu relevo às seguintes apps pelo seu impacto cultural

O relatório do Banco Mundial ‘Perspetivas Económicas Globais’ vai ser divulgado em janeiro mas as primeiras conclusões já são conhecidas, com a instituição a avisar, em comunicado, que “os próximos 25 anos são uma janela de oportunidade crucial para os países mais pobres” e que “o resto do mundo tem grande interesse em ajudá-los a sair da pobreza”.

“Os países pobres da atualidade enfrentam um obstáculo maior do que seus antecessores, já que, nos últimos 15 anos, praticamente não houve crescimento no seu rendimento per capita“, continua Indermit Gill, economista-chefe e vice-presidente para Economia do Desenvolvimento do Grupo Banco Mundial, notando que há exemplos de países asiáticos que mostram que, “com algum apoio internacional e melhores políticas internas, mesmo os países devastados por guerras e instabilidade podem criar as condições para o progresso económico sustentado”.

A análise do Banco Mundial é a primeira que olha de forma global e sistemática para a evolução dos países mais pobres nos últimos 25 anos e perspetiva o que será preciso para que estes 26 países, 22 dos quais estão em África, consigam avançar para o estágio seguinte.

“Esses países também detêm importantes recursos naturais que poderiam impulsioná-los para um padrão de vida mais elevado; com mais de 60% e 50% das reservas mundiais conhecidas de cobalto e grafite, respetivamente, os atuais países de baixo rendimento possuem alguns dos maiores depósitos conhecidos de metais e minerais necessários para gerar e armazenar energia renovável, e o seu potencial de produção de energia solar está entre os mais altos do mundo”, lê-se no documento, que aponta ainda a população em idade ativa como “uma força poderosa para o crescimento económico”.

De acordo com a classificação do Banco Mundial, os países são divididos em quatro categorias: rendimento baixo, rendimento médio inferior, médio superior e países de rendimento elevado.

No caso dos países lusófonos, apenas a Guiné-Bissau e Moçambique são países de baixo rendimento, conhecidos pelo acrónimo em inglês LIC (Low-Income Countries), ao passo que Angola, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe são países de rendimento médio inferior, à semelhança de Timor-Leste.

O Brasil e a Guiné Equatorial são considerados países de rendimento médio superior, enquanto Portugal é o único país da lusofonia considerado um país de rendimento elevado.

Para definir estas categorias, o Banco Mundial utiliza o valor do Rendimento Nacional Bruto per capita, que se traduz essencialmente pelo rendimento auferido por cada pessoa num determinado ano.

Assim, países em que a média das pessoas receba anualmente menos de 1.145 dólares (1.091 euros) são de rendimento baixo, e entre 1.146 (1.092 euros) e 4.515 dólares (4.302 euros) são países de rendimento médio inferior.

Depois, países com um rendimento médio anual de cada pessoa entre 4.516 (4.303 euros) e 14.005 dólares (13.343 euros) são países de rendimento médio superior, e acima deste valor o país está classificado na categoria mais elevada: rendimento elevado.

Ignorando-o, alheios à passagem da data. Recusando as cumplicidades dos patriotismos nostálgicos, a comemoração desprovida de sentido de uma data biográfica irrelevante, a distração do que realmente importa, aqui, agora, para nós. Não porque a história não interesse; pelo contrário, porque a História importa. Mas as comemorações históricas não são apenas, nem principalmente, uma questão de História e de historiografia. As comemorações são acima de tudo as histórias que nos contamos sobre nós próprios e o nosso mundo, e como ele veio a ser como é, estruturado pelas desigualdades de poder e de privilégio, e pela representação e o reconhecimento diferencial que condicionam desiguais oportunidades de vida e de morte, quer na nossa sociedade imediata quer globalmente. O que comemoramos diz-nos o que valorizamos e como: que vidas celebramos, que mortes lamentamos, e que vidas e que mortes esquecemos e negligenciamos.

As comemorações históricas têm também elas história. Fazem parte integrante da era da construção do Estado-Nação no século XIX, acompanham a inscrição política do espaço público monumental, a escrita de novas narrativas históricas e novas genealogias nacionais, e a nacionalização das massas ao serviço de novas ideologias e comunidades imaginadas, formatadas, todas elas, no contexto do novo imperialismo colonial. Levar a História a sério significa também historicizar o que é fazer história e pensar criticamente sobre o papel da memória coletiva e das comemorações, dos monumentos públicos e dos museus, e as histórias que eles instituem e legitimam, e as que marginalizam e silenciam. Ao contrário do que proclamam os novos cruzados da velha História nacionalista, isto não é uma questão de wokeness; é, isso sim, questão de desaprender a ideologia que passa por História, dando voz a uma visão mais plural e por isso mesmo mais rigorosa e verdadeira do passado, e com ela, a uma maior literacia histórica e a uma cidadania mais crítica, que melhor espelha o Portugal de hoje, e a mais justa, democrática e inclusiva sociedade que aspiramos construir.

O ano de 1998 assistiu a importantes avanços na compreensão histórica, quer de Vasco da Gama, biograficamente, quer das suas viagens marítimas e do seu enquadramento e impacto histórico à escala de uma história do mundo e suas múltiplas perspetivas. Historiograficamente, as comemorações foram marcadas sobretudo pela viragem reflexiva da disciplina, à época muito marcada pela voga dos estudos sobre memória e património e da história da História.

O mundo de 2024 não é o mundo de 1998. A euforia utópica de uma nova Ordem Mundial pós-Guerra Fria jaz soterrada sob as cinzas de um quarto de século da Guerra contra o Terror, da viragem securitária dos Estados liberais, incluindo as questões da identidade cultural, e da voragem depredatória do neoliberalismo, exploradas para seu benefício eleitoral pelos nacionalismos populistas e as extremas-direitas ressurgentes. Em lugar de ajudar a assumir coletivamente a complexidade e a natureza estrutural e histórica dos problemas e desafios reais das nossas sociedades e do planeta, para melhor compreender os movimentos migratórios globais, e que não há paz nem prosperidade sem justiça, Trump e os seus epígonos, incluindo os de trazer por casa, só nos oferecem a distração das guerras culturais e a anti-imigração como fantasia do retomar o controlo.

Também o Portugal de 2024 não é o Portugal de 1998. A instrumentalização ideologizada da História e do seu ensino, do cânone literário, das questões de género, e a politização da multiculturalização irreversível das sociedades contemporâneas pela direita, não é um sinal da sua força, mas da sua fraqueza. Uma patética batalha de retaguarda contra os avanços de uma leitura mais crítica do mundo e das relações de poder que estrutura, o espaço representacional que nos rodeia, do património aos currículos escolares, dos media às instituições que nos governam.

Se quisermos um exemplo de uma comemoração histórica que em 2024 nos deixou lição de pedagogia para uma cidadania crítica, contribuindo para a formação da consciência histórica da sociedade portuguesa de hoje e do porvir, temo-la. A Marxa Cabral, que descendo a Avenida da Liberdade em Lisboa, em celebração do centenário do nascimento de Amílcar Cabral, lembrou que o 25 de Abril também é Cabral, que a democracia portuguesa nasceu também em África, das lutas de libertação nacionais africanas, e que o colonialismo continua vivo ainda no racismo. Houve capa da VISÃO para esta comemoração histórica? Porque não? E porque sim para Vasco da Gama?

* Professor de História Portuguesa Contemporânea no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros do King’s College, Londres. Em 1998, publicou o livro O Centenário da Índia: 1898 e a Memória da Viagem de Vasco da Gama

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Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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No final do século XX, a democracia portuguesa investia mundos e fundos num programa de celebração histórica do passado. Eram os anos da Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses e o tempo da Expo’98. Foi também o período em que à ponte 25 de Abril veio somar-se a ponte Vasco da Gama e em que ao Centro Comercial Colombo se acrescentou, a oriente da antiga capital do Império, o C.C. Vasco da Gama. A farra comemorativa foi farta e a ressaca está longe de ter sido curada.

Mas as “políticas identitárias” são insaciáveis. Querem que estejamos sistematicamente alerta para o risco de uma qualquer “perda de memória” e sempre disponíveis para nos prescreverem vacinas que nos tornem imunes ao “esquecimento”, à “crise de identidade” ou à “desmemória”, entre outras alegadas patologias que dizem assolar a nossa condição presente. Por isso, nos próximos tempos teremos de embarcar num programa de celebração dos 500 anos da morte de Vasco da Gama, campanha que inclui os atos ideológicos floridos do costume, com o primeiro-ministro da ocasião a ir aos Jerónimos depositar uma coroa junto às ossadas do defunto, e projetos editoriais rigorosamente científicos, ao cuidado dos altos dirigentes do aparelho cultural do Estado.

Todo este folclore comemorativo poderá ser visto, pelo menos, de três perspetivas. A uma escala menor, o interesse do atual Governo português pelos remanescentes de Gama pode ser compreendido enquanto sinal de vida daquela direita woke que ainda há pouco veio a terreiro reivindicar para si Olivença – uma direita a que não bastarão os festejos pelos 500 anos do bardo da Nação, Luís Vaz Camões, personagem a que, está visto, não confiam inteiramente a salvaguarda da identidade nacional. E assim, tal como fizeram o 25 de Novembro pesar sobre os ombros do 25 de Abril, trataram de encavalitar o Gama no Camões.

Já num segundo plano, e de uma perspetiva mais alargada, não são tanto as figuras da atual direita que se fazem protagonistas da comemoração, mas simplesmente o Estado português, o qual, através daqueles protagonistas, se mostra lesto, uma vez mais, na hora de usar a morte de alguns dos “seus” para gerir o negócio do costume: fazer da história um fardo que os cidadãos têm de carregar aos ombros, não se vá dar o caso de se esquecerem que vieram ao mundo para serem portugueses.

Finalmente, a comemoração da morte de Gama pode ser vista como o último estrebuchar de um cadáver adiado, o do Ocidente moderno. Num mundo pós-colonial e multipolar, que se anuncia na emergência dos BRICS como em inúmeros movimentos de descolonização da memória, a celebração da morte de uma personagem como Gama terá o mesmo efeito de uma gota de água no deserto. Mas este prognóstico, confesso, é também um desejo: como um dia cantou Hugh Masekela, um dos grandes músicos sul-africanos que lutou contra o apartheid, “Vasco da Gama, he was no friend of mine.”

*Professor no departamento de História na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Entre outras áreas de investigação, tem-se dedicado a Estudos sobre Nacionalismo, Pós-Colonialismo e História do Anticolonialismo. Entre 2021 e 2023, foi presidente do Instituto de História Contemporânea (UNL)

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