A 22 de janeiro de 2009, menos de 48 horas após tomar posse, Barack Obama, o 44º Presidente dos EUA assinou o decreto 13 492, destinado a encerrar definitivamente a mais polémica e infame das prisões americanas, Guantánamo. Volvidos 16 anos, o complexo militar e penitenciário instalado na parte sudeste de Cuba continua aberto e ainda conta com 15 prisioneiros num limbo jurídico, a começar pelo alegado “principal arquiteto” dos atentados do 11 de setembro, o engenheiro paquistanês Khalid Sheikh Mohammed.
Na última segunda-feira, 20, numa clara demonstração de quem manda agora na Casa Branca, Donald Trump assinou mais de uma centena de ordens executivas com o propósito de cumprir as suas promessas de campanha e sobretudo começar a desmantelar o legado do seu antecessor, Joe Biden.
Inigualável Mal reentrou na Sala Oval, para assinar vários decretos presidenciais, Trump tinha já dado ordens para as cortinas voltarem a ser douradas
Se algumas delas são simbólicas, e serão seguramente alvo de prolongados litígios nos tribunais e no Congresso, outras são indiciadoras do que será feito até ao início de 2029 (quando termina o mandato) e passam a ter efeitos imediatos: estado de “urgência nacional” devido à imigração (na fronteira com o México); retirada da Organização Mundial de Saúde e do acordo de Paris sobre o clima; fim do New Green Deal (acaba a aposta nas energias renováveis e renovam-se os investimentos nos combustíveis fósseis, nomeadamente o petróleo e gás de xisto); eliminação do wokismo e das políticas vulgarmente apelidadas de DEI (diversidade, equidade e inclusão); suspensão da contratação de funcionários federais e purgas em toda a administração do país para “identificar e destituir os milhares de pessoas (…) que não estão alinhadas” com a “visão de engrandecimento da América”; e, não menos importante, uma amnistia generalizada para os mais de 1500 indivíduos que invadiram e vandalizaram o Capitólio, a 6 de janeiro de 2021, então incentivados pelo antigo empresário nova-iorquino a não reconhecerem a vitória de Joe Biden. Entre os beneficiários desta última medida está Enrique Barrios, líder dos Proud Boys (uma milícia conspiracionista e de extrema-direita), condenado a 22 anos de prisão pelo destacado papel que teve na organização do ataque.
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No seu discurso de tomada de posse, com a duração de 29 minutos e realizado sob a cúpula do Capitólio devido ao frio glaciar que se fazia em Washington D.C., Donald Trump foi igual a si próprio ‒ imprevisível, egocêntrico e narcisista, sempre pronto a reescrever a História e a assumir uma retórica messiânica: “A idade de ouro dos EUA começa agora mesmo. A partir deste dia, o nosso país florescerá e será respeitado em todo o mundo. Seremos a inveja de todas as nações e não permitiremos que se aproveitem de nós durante todos e cada um dos dias da Administração Trump. (…) Fui salvo por Deus para devolver a grandiosidade à América”, afirmou ‒ referindo-se ao atentado de Butler, na Pensilvânia, em julho de 2024 ‒ perante uma plateia de gente ilustre que o aplaudiu de pé uma dúzia de vezes.
IMIGRAÇÃO E (ÓBVIO) PRECONCEITO
Como Donald Trump vive obcecado em ser o melhor em tudo, é provável que tenha já batido o recorde de decretos presidenciais nos primeiros dias após tomar posse. E um dos temas que lhe mereceu maior número de assinaturas tem que ver com a regulação dos fluxos migratórios e a suposta necessidade de proceder ao que chama “o maior programa de deportação da História”. Objetivo imediato, de acordo com o documento intitulado Proteger as nossas fronteiras, colocado a 20 de janeiro no site da Casa: “Nos últimos quatro anos, os Estados Unidos da América enfrentaram uma invasão em grande escala, num nível sem precedentes. Milhões de imigrantes ilegais de várias nações e regiões do mundo entraram nos EUA, onde agora residem, incluindo potenciais terroristas espiões estrangeiros, membros de cartéis, gangues e organizações criminosas transnacionais, além de outros indivíduos hostis com intenções maliciosas.” Como sublinhou o New York Times, as coisas não são bem assim. É verdade que, durante o mandato de Joe Biden, entraram, por ano, cerca de dois milhões de pessoas no país, mas só 60% o fizeram de forma irregular. Pormenor adicional. Neste momento, 15,2% dos residentes nos EUA nasceram no estrangeiro, valor idêntico ao de 1890, e a população cresce também ao mesmo ritmo que em meados do século XIX ‒ 0,6%. Estatísticas que a equipa de Trump prefere ignorar, em particular Stephen Miller, vice-chefe de gabinete do Presidente, e Tom Homan, o “czar das fronteiras”. Os efeitos já se notam: todos os pedidos de asilo estão cancelados; a app CBP One, muito usada por mexicanos que cruzavam o Rio Grande, está bloqueada; o famoso muro com o vizinho do Sul voltou a ter estaleiros de obras para que se conclua a infraestrutura; vários centros de repatriamento serão erguidos; a Guarda Nacional e as Forças Armadas serão chamadas a intervir nas zonas críticas e a fazer cumprir a legislação de 1798 (Allien Enemies Act) que permite ao Presidente deter e deportar homens indesejados. Por fim, uma outra medida radical que promete dar polémica: deixar de reconhecer a cidadania a quem nasce nos EUA, o princípio do jus soli (direito ao solo), ao arrepio do que manda a 14.ª emenda da Constituição, por se tratar, segundo Trump, de algo “ridículo”: “Somos o único país do mundo a fazer isto.” Correção: meia centena de países concedem a nacionalidade a quem nasce no seu território, Portugal incluído.
ENERGIA E (MAU) AMBIENTE
Além do desmantelamento do Obamacare (programa que permitiu a quase 30 milhões de americanos terem assistência médica), uma das medidas mais emblemáticas anunciada por Donald Trump em 2017, no início do seu primeiro mandato, foi a saída dos EUA dos acordos de Paris sobre o clima, assinado dois anos antes.
Uma decisão que indignou meio mundo por pôr em causa as mudanças climáticas. Esta semana, a história repetiu-se. Em vez de o fazer em conferência de imprensa frente à mais conhecida mansão da Avenida Pensilvânia, em Washington D.C., o Presidente do segundo país que mais polui a nível mundial (logo a seguir à China) optou por fazê-lo no Capital One Arena, o principal pavilhão de basquetebol da capital americana, perante 20 mil apoiantes eufóricos.
Para já, segundo a Casa Branca, a medida irá vigorar durante um ano. Para Trump e para os negacionistas ambientais do seu gabinete, a prioridade passa por declarar o “estado de emergência energética”, em nome daquilo que chamam a “revolução do bom senso” e à imperiosa necessidade de promover uma “nova era de domínio energético” da América.
Idolatrado A 20 de janeiro, Washington D.C. foi palco de várias cerimónias com Trump a assumir-se como um “unificador” e um “pacificador”
Tradução: eliminar a meta definida por Joe Biden de reduzir para metade as emissões de dióxido de carbono da indústria automóvel até 2027, com o aumento da produção de veículos elétricos, e sobretudo ignorar quaisquer regulamentações que condicionem a prospeção e exploração de combustíveis fósseis. No que a este último ponto diz respeito, a antiga vedeta de TV assevera que vai “potenciar os recursos naturais do Alasca”.
Chris Wright, que vai tutelar a pasta da Energia agradece, ou não tivesse ele sido administrador-executivo da Liberty Energy e um dos pioneiros da fraturação hidráulica, o polémico método de produzir gás de xisto. Outro secretário que vai contribuir para “a nova idade de ouro da prosperidade americana”, em que as eólicas e as energias renováveis vão ser praticamente banidas, é Doug Burgum, antigo governador do Dakota do Norte e igualmente amigo das grandes petrolíferas. Responsável pela gestão dos territórios federais, incluindo reservas indígenas e parques nacionais, cumprirá à letra aquilo que Trump prometeu durante toda a campanha: “We will drill, baby, drill!” (numa tradução livre, “Iremos furar, pessoal, furar!).
REFORMAS (AO GOSTO) DE MUSK
O homem mais rico do mundo não pertence formalmente à equipa ministerial, mas terá direito a um gabinete na Casa Branca e a lidar diretamente com o Presidente, enquanto chefe do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, nas siglas em inglês), para reduzir drasticamente a despesa federal e os gastos com funcionários públicos.
Uma missão pro bono que deveria partilhar com o multimilionário Vivek Ramaswamy, mas que ficará exclusivamente a seu cargo devido à demissão deste último, na segunda-feira, 20, por divergências entre ambos e com outros assessores de Trump ‒ oficialmente, Ramaswamy irá candidatar-se a governador do Ohio.
Entre os decretos presidenciais, contam-se múltiplas peças legislativas destinadas a congelar o recrutamento de pessoal para as agências federais, diminuir as regalias sociais de quem trabalha para o Executivo, fim do teletrabalho, alteração das regras de contratação de acordo com os critérios a definir pela nova Administração, bem como a flexibilização dos mecanismos para despedir burocratas supostamente “incompetentes”, “incumpridores” ou “corruptos”.
Na prática, uma purga a realizar com o auxílio da Inteligência Artificial contra o deep state (estado profundo”), entenda-se a limpeza das elites que, alegam os trumpistas, controlam o “sistema” político, judicial e económico.
Coreografias Milhares de americanos continuam a defender incondicionalmente o Presidente cuja fortuna decuplicou na última semana, graças ao lançamento da sua própria criptomoeda Foto: ALLISON DINNER/LUSA
Um outro possível executor deste plano é Kash Patel, o conspiracionista que o Presidente nomeou para liderar o FBI e que escreveu um livro ‒ Government Gangsters ‒ em que identifica dezenas de inimigos de Trump que devem ser neutralizados. Na lista de alvos, estariam Joe Biden, alguns dos familiares do 46º Presidente, Merrick B. Garland, ex-procurador-geral, Anthony Fauci, o médico que geriu a pandemia no país, ou Liz Cheney, congressista republicana que é filha do ex-vice-presidente Dick Cheney e defendeu em vários momentos a destituição de Trump.
Daí que Biden tenha amnistiado preventivamente algumas destas personalidades para não ficarem à mercê de eventuais retaliações da nova Administração. Um dos mistérios que será desvendado em breve prende-se com o acesso, ou não, de Elon Musk a informações top secret.
É que Trump decidiu que alguns dos seus colaboradores ficam dispensados dos procedimentos tradicionais de escrutínio e aprovação do Senado.
DELÍRIOS POLÍTICOS (E SEXUAIS)
Este ano, a Organização das Nações Unidas celebra o seu 80º aniversário mas o 47º Presidente ignorou por completo a principal instituição multilateral do planeta, chefiada pelo português António Guterres e criada em outubro de 1945, em São Francisco. Donald Trump não esconde a ambição de um dia vir a receber o Nobel da Paz.
Curiosamente, nada faz para convencer a maior parte dos seus aliados de que merece tal galardão. No seu discurso de tomada de posse e nos decretos presidenciais por si assinados, não houve a mínima referência à ONU, à NATO ou à União Europeia. Em contrapartida, ficou a saber-se que os EUA voltam a retirar-se da Organização Mundial de Saúde e que o Presidente pretende mesmo cumprir algumas das suas promessas de campanha mais abstrusas. Uma prende-se com a vontade de redesenhar e de rebatizar geograficamente determinados lugares.
A montanha Denali, a mais alta do país (6200m), no Alasca, volta a chamar-se McKinley, apelido do 25º Presidente (William Mckinley, assassinado em 1901 e um adepto do expansionismo americano e da aplicação de taxas alfandegárias às outras potências da sua época). O Golfo do México passa a designar-se Golfo da América, apesar das piadas que a Presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, tem feito em defesa do rigor histórico e das intenções do seu homólogo do norte querer impor tarifas de 25% sobre os produtos mexicanos ‒ e canadianos ‒ a partir de 1 de fevereiro. Sobre a Gronelândia, Trump nada disse, mas voltou a insistir que Washington não aceita pagar pela utilização do canal do Panamá, que acusa de estar a ser controlado pela República Popular da China.
Outras medida com efeitos imediatos é o perdão dos mais de 1500 “patriotas” condenados pela invasão do Capitólio, o fim do financiamento às políticas DEI e pôr termo a todos os “delírios transgénero”. De acordo com o Presidente, “só há dois sexos, o masculino e o feminino”, definidos à nascença, abrindo-se uma campanha contra a “ideologia de género” e para reduzir os direitos das minorias LGBT, recusando cirurgias e novos passaportes.
Nada mal para o homem que, há apenas um ano, numa entrevista à Fox News, prometeu que iria voltar à Casa Branca e seria “ditador”, mas só por 24 horas.
Anatomia de um retrato
A foto oficial do segundo mandato de Donald Trump é mais uma na construção de uma imagem icónica do Presidente dos EUA
Olhar A expressão dos olhos remete para uma ligação à foto de prisão, quando foi detido para julgamento no final de agosto de 2023, mas também para uma das mais célebres imagens do atentado de que foi alvo, em junho de 2024, na Pensilvânia. Agora, o tríptico fica completo.
Luz A iluminação foi o trabalho principal do fotógrafo oficial Daniel Torok, na composição desta foto, cuidadosamente coreografada. O rosto de Trump é iluminado por baixo, com uma luz quase metálica e crepuscular, que cria um grande efeito dramático. Depois, o contraste dos olhos completa o quadro, de forma poderosa.
Mensagem A imagem foi produzida de forma a transmitir uma mensagem séria e ameaçadora, segundo Eric Drapper, antigo fotógrafo da Casa Branca, citado pela BBC. A imagem rompe com o cânone habitual de apresentar o Presidente dos EUA como um ser sorridente, disposto a dar as boas-vindas. Aqui, fica antes patente a intenção de poder ameaçador, através de um olhar severo, duro e direto.
Assinatura “Estamos a entrar na Idade de Ouro da América”, escreveu o fotógrafo Daniel Torok, nas redes sociais, ao apresentar o retrato.
Confesso que ainda não compreendi, com a devida profundidade e zelo, o escândalo gerado em torno do ex-CEO do SNS, o tenente-coronel médico Gandra D’Almeida. Acumulava funções, dizem. A Assembleia da República irá investigar do ponto de vista político, e o IGAS fará diligências semelhantes para apurar responsabilidades.
A inimaginável acumulação terá ocorrido enquanto desempenhava o cargo de diretor do INEM no Porto, trabalhando também como médico especialista em urgências hospitalares, em alguns hospitais algarvios. Ou outros.
A primeira dúvida prende-se com o verbo acumular: era diretor e também realizava urgências? E então? Não são esses mesmos serviços de urgência que frequentemente encerram ou funcionam de forma debilitada em determinados períodos do ano? Não é o próprio Ministério da Saúde que tenta contratar médicos em período de férias para colmatar falhas nos hospitais algarvios?
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Relativamente ao próprio do “acumulador”, importa matutar: sendo especialista em urgências (quando é que passará a ser oficialmente uma especialidade médica em Portugal?), é perfeitamente natural que dirija o INEM, e que, além disso, realize algumas horas de serviço nos bancos hospitalares. Na especialidade em que é reconhecidamente bom e eficaz. Afinal, o verdadeiro problema só reside no dinheiro. Ganhava em várias frentes. Pois, mas trabalhava de sol a sol.
Se Gandra fosse voluntário, apenas porque é competente e gosta do que faz, ninguém se queixaria, nem denunciaria, levando-o à demissão. Isto confunde os portugueses?
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
A tomada de posse de Donald Trump como 47º Presidente da História dos EUA marcou o início formal de uma nova era, em que a América assume um comportamento diferente em relação ao resto do mundo, altera as suas prioridades e redefine a sua postura em relação àqueles que foram os seus aliados do pós-II Guerra Mundial.
Com o ego inflamado, embora sem esconder os muitos ressentimentos, e rodeado de oligarcas que projetam o seu domínio muito para lá dos quatro anos de um mandato presidencial, Donald Trump mostra-se determinado a mudar a face do país mais poderoso do mundo, seguindo um único caminho: preocupar-se apenas com a América e nada mais do que a América. Tudo o resto só lhe interessa desde que contribua para o engrandecimento e o enriquecimento dos EUA. Caso contrário, nada vale o esforço nem o tempo perdido.
Ninguém se engane: Trump apenas promete fazer a América grande outra vez. Nunca ninguém o ouviu dizer que queria ter também os seus aliados, antigos ou recentes, grandes novamente. E quando fala no Ocidente, a sua visão é bem mais limitada do que aquela que se convencionou designar nos tempos da Guerra Fria: refere-se àquela zona em redor dos EUA, englobando uma esfera de influência que ele deseja que vá da Gronelândia ao Panamá.
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Este é, portanto, o momento em que a Europa precisa de perder as ilusões em relação ao “amigo americano” e de começar, rapidamente, a alterar os hábitos das últimas décadas e, sem demoras, mudar de trajetória. O tão falado diálogo transatlântico, incensado durante décadas, prepara-se para ser interrompido por Trump. Da Europa, ele não quer parceiros, mas somente clientes: países que lhe comprem o petróleo e o gás natural que ele vai extrair das imensas reservas do território americano, ao alcance de mais uns quantos furos, mesmo que sejam em regiões que deviam estar sob proteção ambiental. Em matéria de Defesa, a Trump apenas interessa que os europeus lhe comprem armamento, porque em relação à disputa de fronteiras com a Rússia considera que não é assunto que lhe diga respeito. Além disso, quer que os automóveis europeus fiquem mais caros para os americanos, através de novas taxas, e vai apoiar até ao limite todas as suas empresas tecnológicas nas disputas legais na União Europeia sobre as regras de privacidade.
Neste contexto, mais importante do que estar a analisar – ou a horrorizar-se… – com as consequências e os efeitos sistémicos previsíveis das decisões da nova Administração em Washington, a Europa precisa de se virar também para dentro e procurar analisar de que forma pode crescer, desenvolver-se e evitar o papel irrelevante em que pode cair num mundo dividido entre os EUA e a China. O diagnóstico é tão simples quanto brutal: ou a Europa se esforça para ser grande ou fica condenada a um futuro insignificante.
A entrada em funções de Donald Trump e o anúncio formal das suas prioridades constituem, inegavelmente, uma ameaça à Europa. Mas a resposta tem de ser dada pela própria Europa, de forma a sobreviver ao “desafio existencial” proclamado por Mario Draghi, há alguns meses, na apresentação do seu relatório sobre o futuro e a competitividade da União Europeia.
Para “mudar radicalmente” a Europa, tornando-a mais produtiva, mas “preservando os valores de equidade e inclusão social”, Draghi propôs, no seu relatório, um plano de investimento colossal, da ordem dos 800 mil milhões de euros anuais – o dobro do Plano Marshall do pós-guerra. E que teria de ser financiado através da emissão regular de dívida conjunta, o que deixou muitos políticos do Centro da Europa, nomeadamente os alemães, em choque, levando a que o relatório não tivesse sido suficientemente discutido no seio da União Europeia, como seria necessário.
Agora, à falta de outros planos, este é o debate que precisa de ser feito – e o mais depressa possível. Para sobreviver, a Europa não pode ignorar os avisos de Draghi, necessita de ganhar autonomia e de se fortalecer em três eixos principais: inovação tecnológica, segurança e descarbonização. Para se afirmar perante o resto do mundo, a Europa precisa, ainda, de saber ocupar os espaços deixados vazios pelos EUA de Trump: a transição energética, o apoio à Organização Mundial da Saúde, a regulamentação das criptomoedas, o controlo da Inteligência Artificial, a defesa da equidade e do Estado social.
Face a Trump, a resposta europeia tem de se inspirar na gloriosa frase de John F. Kennedy: Não perguntem ao Presidente da América o que pode ele fazer pela Europa. Perguntem, isso sim, aos europeus o que devem fazer pela Europa. É essa a única resposta que conta.
A Netflix, a plataforma líder de streaming a nível mundial, confirmou um aumento dos preços das subscrições em Portugal, numa altura em que o serviço regista um crescimento recorde no número de subscritores. No último trimestre de 2024, a empresa somou 18,9 milhões de novos utilizadores, elevando o total global para 302 milhões.
Mas, apesar do crescimento significativo, a Netflix anunciou que a necessidade de continuar a investir em conteúdo exclusivo e inovador levou à decisão de aumentar os preços das subscrições em vários mercados, incluindo Portugal. “À medida que continuamos a investir em programação e a oferecer mais valor aos nossos membros, ocasionalmente pediremos aos nossos membros que paguem um pouco mais para reinvestirmos e melhorar ainda mais a Netflix”, justificou a empresa em comunicado.
Aumentos de até dois euros por mês
Para quem subscrever um plano pela primeira vez ou for consultar os preços, no site ou na aplicação da Netflix, já estão disponíveis as atualizações de valores para cada plano. O plano Base, que custava 7,99 euros, passou para 8,99 euros. O plano Standard sofreu igualmente um aumento de um euro, passando de 11,99 para 12,99 euros. Por fim, o plano Premium, que inclui streaming em 4K, HDR, qualidade sonora de alto nível e permite utilização em até quatro dispositivos em simultâneo na mesma residência, registou o maior aumento, subindo dois euros e passando de 15,99 para 17,99 euros mensais.
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Adicionalmente, para os subscritores dos planos Standard e Premium que optem por adicionar membros extra à conta, o custo mensal por membro subiu de 3,99 para 4,99 euros.
Resultados financeiros em alta
O aumento de preços surge num período em que a Netflix regista resultados financeiros acima das expectativas. No último trimestre, a empresa registou um lucro por ação de 4,27 dólares, ultrapassando a previsão de 4,20 dólares, e as receitas aumentaram 16% em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo 10,2 mil milhões de dólares.
Perspetivas para 2025
A Netflix também reviu as previsões para 2025, apontando para receitas anuais de 44,5 mil milhões de dólares, acima dos 43,5 mil milhões inicialmente previstos. O foco da empresa continuará a ser o investimento em conteúdos que cativem os subscritores, o desenvolvimento de novos formatos como transmissões ao vivo e jogos, bem como a expansão dos planos com publicidade.
Em Wall Street, as notícias positivas impulsionaram as ações da Netflix, que encerraram a sessão de terça-feira, dia 21, com uma valorização superior a 1,5%.
Com uma longa carreira em alguns dos títulos mais prestigiados da imprensa francófona, como Le Figaro, L’Express e Les Echos, onde ocupou vários cargos de chefia e de direção, Christine Kerdellant é também autora de vários livros, como O Suicídio do Capitalismo (2018), A Verdadeira Vida de Gustavo Eiffel (2021), e O Preço da Incompetência (2005). Acaba de lançar Mais Poderosos do que os Estados, agora editado em Portugal.
Como é que um grupo de milionários de tecnologia conseguiu dominar a vida de milhões de pessoas e passar a ter mais poder do que muitos governos? O seu segredo é o rendimento que acumularam: capturaram a maior parte das receitas publicitárias de todos os meios de comunicação social do mundo. Neste momento, 60% da publicidade mundial está concentrada nas mãos da Google, da Meta e da Amazon. Isto representa mais de 200 mil milhões de dólares por ano para estas três plataformas. E os lucros estão a aumentar. Estas receitas e estes lucros fenomenais permitiram-lhes, nos últimos dez anos, comprar 900 empresas em fase de arranque (mas também matar as que não podiam ou não queriam ser compradas e que lhes faziam concorrência), conquistar quotas de mercado gigantescas em todos os domínios em que quiseram entrar e desenvolver todo o tipo de atividades. Atualmente, são os únicos a “dominar” a Inteligência Artificial, os únicos que podem pagar os centros de dados, os grandes servidores e os processadores concebidos para fazer funcionar a IA. Cada uma delas – incluindo a Microsoft – investirá várias dezenas de milhares de milhões em IA em 2025. Isso é mais do que toda a Europa em conjunto!
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No caso de Elon Musk, a situação é um pouco diferente: a sua fortuna não provém das redes sociais, mas da valorização da Tesla e da SpaceX. Também ele é mais forte do que um Estado quando intervém na guerra da Ucrânia, substitui a NASA para enviar homens à Lua ou, um dia, a Marte, ou desenvolve implantes Neuralink no cérebro. Foi a sua fortuna que lhe permitiu comprar a X.
Não votamos neles. E nós é que continuamos a enriquecê-los, tornando-os cada vez mais poderosos e incontornáveis
Estaremos ainda em condições de impedir que o poder da nova oligarquia continue a crescer? O que é que ainda podemos fazer? Não creio que possamos travá-los, agora. Existem ações judiciais para desmantelar a Google ou a Meta nos Estados Unidos da América, mas não creio que tenham sucesso, especialmente com a chegada de Donald Trump. As multas aplicadas pela União Europeia são apenas um arranhão e, além disso, Ursula von der Leyen acaba de suspender as investigações contra as plataformas para “negociar melhor” com a Administração Trump as tarifas sobre os automóveis, entre outras coisas.
A única maneira de impedir que eles cresçam e aumentem o seu poder é livrarmo-nos de todas as redes sociais. Mas isso é claramente impossível.
Quais são os principais riscos para a democracia e para a nossa liberdade decorrentes deste imenso poder concentrado nas mãos de um número tão pequeno de pessoas? São eles que decidem o nosso futuro, de que forma vamos viver amanhã e impõem o seu modelo de sociedade. Reparem: as redes sociais mudaram as nossas vidas, polarizaram os debates sociais, deram origem a extremos e a populismos. O número de suicídios na faixa etária dos 10 aos 25 anos nos Estados Unidos da América aumentou 56% em relação à geração anterior! É dramático. E foram eles que inventaram estas redes sociais assassinas. O mesmo se passa com o comércio eletrónico, que matou milhões de empresas e alterou o nosso modo de vida.
Agora, vão impor uma liberdade de expressão absoluta, que equivale à lei do mais forte, que vai matar ainda mais pessoas. Hoje, as pessoas que perderam o uso dos seus membros podem dar ordens a um computador, e isso é ótimo, mas amanhã o computador também poderá dar ordens.
Não pensem que, só porque são fiéis a Donald Trump, que o novo Presidente dos EUA é mais forte do que eles. Não só têm uma enorme influência sobre ele – a recompensa pela ajuda que lhe deram – como, daqui a quatro anos, Trump terá desaparecido e eles continuarão lá. Não votamos neles, não os substituímos de quatro em quatro ou de cinco em cinco anos. E nós é que continuamos a enriquecê-los, tornando-os cada vez mais poderosos e incontornáveis.
São seis, todos americanos, e são mundiais, fora do alcance do fisco e dos reguladores. A sua riqueza pessoal está para lá do entendimento: 50, 100, 150 mil milhões, conforme os humores da bolsa. Dizem querer salvar o mundo, mas a pandemia da Covid mais não fez do que os enriquecer. Mesmo quando as suas ações perdem valor, continuam a ter mais peso do que a maioria dos Estados. Os seus nomes? Elon Musk (SpaceX, Tesla, X), Jeff Bezos (Amazon), Mark Zuckerberg (Facebook-Meta), Bill Gates (Microsoft), Sergey Brin e Larry Page (Google). Estes seis detêm um poder sistémico.
Não são as fortunas que lhes conferem poder, mas sim o poder que lhes dá as fortunas. No fundo, os seus recursos financeiros importam pouco. O que conta são essas capacidades que os Estados não têm, já não têm ou nunca tiveram. Em certos domínios, substituem os Estados ou opõem-se a estes. Um dia, poderão suplantá-los. Sem terem recebido o aval do povo. Isto é inédito na história das democracias.
Estes seis multimilionários ocidentais prosperam sem entraves porque aqueles que poderiam travá-los não o querem fazer e os que querem travá-los não podem. Representam uma ameaça existencial para as democracias que os alimentam no seu seio, ainda que aleguem velar pelas nossas vidas como o Vaticano vela pelas nossas almas.
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Elon Musk
Aos 53 anos, o homem mais rico do mundo, fundador da Tesla e da Space X, assume um papel relevante na administração Trump, como um dos líderes do novo Departamento de Eficiência Governamental.
Origem da fortuna:
12,8% da Tesla, de que é presidente-executivo, fabricante de veículos elétricos com mais de 140 mil funcionários e que deverá registar, nas contas finais de 2024, uma receita total próxima dos 100 mil milhões de dólares.
42% da Space X, fabricante de foguetões escolhida pela NASA para o reabastecimento da Estação Espacial Internacional, e que tem como subsidiária a Starlink, uma empresa global de internet, com 6 mil satélites.
Possui ainda cerca de 70% da X (antigo Twitter), de que é CEO, 56% da XAI (empresa de Inteligência Artificial) e é proprietário da Neuralink (que produz implantes cerebrais) e da Boring Company (que constrói túneis para, alegadamente, evitar congestionamentos de trânsito).
Existem 2 668 multimilionários em dólares no nosso planeta, segundo a classificação da Forbes 2023; Musk, Zuckerberg, Page, Brin, Bezos e Gates não são os seis primeiros da lista. Bernard Arnault, o patrão da LVMH, também a encabeça quando os ventos da bolsa lhe são favoráveis, Warren Buffett, o nonagenário rei dos investimentos, ou Françoise Bettencourt Meyers, a herdeira da L’Oréal, acumularam riquezas sem, porém, terem um poder de vida ou de morte sobre as nossas sociedades. Possuem mais dinheiro do que aquele que alguma vez poderão gastar, mas não são transumanistas, não querem modificar a espécie humana, não têm sonhos messiânicos, não utilizam os seus meios colossais para acabar com a morte ou colonizar Marte… e não exercem sobre o psiquismo das jovens gerações a mesma influência nefasta.
São seis homens que estão aqui em causa, e não, em bloco, as GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft), ainda que o poder inicial destes tycoons venha das empresas que criaram. Mas as suas próprias atividades não se confundem com aquelas. Além disso, as empresas de Elon Musk não fazem parte das GAFAM, apesar de ser um desses multimilionários com um poder desmesurado. A Apple, que é uma GAFAM, não está numa situação de monopólio e, por isso, não detém um poder exclusivo: enfrenta uma forte concorrência, coreana ou chinesa. Se Steve Jobs, o seu icónico fundador, ainda fosse vivo, não faria assim parte desse punhado de multimilionários “sistémicos”.
Os EUA e a Europa deixaram crescer os gigantes da tecnologia até se tornarem intocáveis. A China, por seu lado, conteve-os para favorecer os seus próprios agentes, como a Alibaba ou a Tencent; no entanto, quando estas empresas se tornaram superpoderosas, quando passaram a representar um perigo para o Estado, Xi Jinping cortou-lhes as asas. Controlou-as a fim de utilizar o seu poder em proveito próprio. Dificilmente este controlo seria concebível no Ocidente, mas a China é tudo menos um Estado de direito.
Bezos escapa aos impostos de 2007 a 2011
Será que os Estados ocidentais se tornaram demasiado fracos ou foram estes multimilionários que se tornaram demasiado fortes? Se as suas fortunas batem todos os recordes, não é apenas porque as respetivas atividades florescem: é também porque reconfiguraram os fluxos financeiros mundiais a seu favor, com a ajuda dos paraísos fiscais, em detrimento dos países onde exercem as suas atividades. A título pessoal, alguns deles conseguiram até escapar ao imposto federal sobre os rendimentos, declarando perdas sobre os seus investimentos superiores aos seus rendimentos anuais: foi o caso de Elon Musk, em 2008, e de Jeff Bezos, entre 2007 e 2011… pouco antes de se tornar, durante algum tempo, o homem mais rico do mundo.
Não se importariam de viver num mundo sem Estados e manifestam uma desconfiança instintiva em relação às administrações que lhes impõem limites ou que lhes extraem impostos. Elon Musk apoia Trump e os seus cortes de impostos para os mais ricos; durante algum tempo, os fundadores da Google pensaram em instalar a empresa offshore, numa plataforma ao largo das costas americanas.
Estes novos super-ricos confiscam aos Estados algumas prerrogativas soberanas, ou seja, funções que deviam decorrer exclusivamente da autoridade soberana. Introduziram-se no sector espacial, na saúde, na defesa, na diplomacia, na educação – ou melhor, no saber e na influência sobre os espíritos… –, até obterem, em certos domínios, um controlo quase total. São mais ricos, mais influentes e mais ágeis do que a maioria dos Estados-nações. E não prestam contas a ninguém – sobretudo não aos eleitores. Será normal que decidam, no lugar dos cidadãos, o que é bom para eles?
Influentes Mark Zuckerberg (Facebook), Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google) e Elon Musk (X) em lugar de destaque na cerimónia de tomada de posse de Trump Foto: JULIA DEMAREE NIKHINSON / LUSA
Quando o astronauta francês Thomas Pesquet voou para a Estação Espacial Internacional (EEI), não foi num foguetão francês. Tão-pouco foi num foguetão da NASA, a outrora todo-poderosa agência dos EUA. O Estado americano já não sabe fabricar este tipo de máquina. Já não ousa correr riscos desde a explosão do Challenger, que traumatizou a nação em 1986. O astronauta francês também não usou um foguetão europeu: a Europa, dantes proeminente no sector espacial com o Ariane, está atrasada. Thomas Pesquet viajou para a EEI num Falcon 9, um foguetão de Elon Musk. Jeff Bezos gostaria que tivesse sido no seu, o Blue Origin. O fundador da Amazon pensa assim na sua vingança. No entanto, seja um ou outro, são os novos multimilionários que enviam os nossos astronautas para o cosmos.
Elon Musk assumiu os riscos no lugar do Estado americano, que lhe pagou muito bem. Este empreendedor sul-africano, simultaneamente canadiano e americano, com uma fortuna de 246 mil milhões de dólares, tornou-se, no período de uma década, um gigante do sector espacial. Para si, as pequenas viagens de ida e volta à Estação Internacional são apenas aperitivos: o que lhe interessa são os enormes foguetões que, no futuro, levarão os homens à Lua e, depois, a Marte. Isto porque decidiu fazer do planeta vermelho o nosso “planeta sobresselente”. Uma terra virgem, um novo Far West, onde os mais audazes reinarão como senhores e ditarão a sua lei… pois não haverá Estados. A NASA (ou seja, o cidadão americano), ao financiar o desenvolvimento das suas Starship lunares, contribui para os seus sonhos marcianos.
Elon não gosta das regulações nem da ordem estabelecida. Acredita apenas no talento, na rapidez, na vontade. E não só para os automóveis e os foguetões. Um terço dos satélites de telecomunicações que estão em órbita à volta da Terra pertence-lhe! Lançou-os sem pedir autorização. Com um princípio, o primeiro a chegar é o primeiro a ser servido! Tanto pior para a Europa se não é capaz de lançar os seus. Elon conhece apenas a lei do mais forte. E a Europa não está à altura.
Starlink, árbitro da guerra na Ucrânia
É graças a Elon que a Ucrânia pode enfrentar o exército russo. No entanto, não fabrica canhões Caesar nem carros de combate Leopard 3… mas os seus satélites são vitais nesta guerra do século XXI. Ele permitiu que as forças ucranianas utilizassem os seus sistemas digitais de combate, explorassem informações e coordenassem ataques de artilharia, e que as unidades operacionais comunicassem com os seus estados-maiores. Quando os drones, as câmaras, os vídeos e as informações contam tanto quanto o número de divisões blindadas, a disponibilidade da internet é vital. Se Elon Musk não tivesse posto ao serviço dos ucranianos a sua constelação Starlink – centenas de satélites, demasiados para serem abatidos – e as estações a eles associadas, os russos teriam esmagado os seus “irmãozinhos” ucranianos logo na primeira ofensiva. Foi graças à sua rede que Kiev pôde travar a sua guerra. Contudo, o multimilionário terá cortado o acesso, talvez a pedido de Vladimir Putin, com quem se mantém em contacto, em certas zonas do Sul, muito disputadas: privados de internet, os ucranianos viram-se em pleno caos no momento de passar ao ataque. Hoje, os oficiais no Pentágono tremem perante a ideia de Musk poder abandonar a Ucrânia.
Para impedir que a Rússia se apoderasse do país, o exército de Volodymyr Zelensky também contou com os meios tecnológicos da Google, da Microsoft, da Amazon ou da Meta, que nenhum Estado lhe poderia oferecer. O mito da neutralidade política dos gigantes da internet foi rapidamente destruído! O governo ucraniano foi informado dos primeiros ciberataques graças ao alerta dado pela Microsoft à Casa Branca. As nuvens da Microsoft e da Amazon alojam hoje os registos da população ucraniana e as suas informações fiscais. A Google desempenha um papel essencial em matéria de geolocalização, enquanto o YouTube ou o Facebook lutam contra a desinformação. As empresas dos seis multimilionários estão agora no centro dos sistemas informáticos civis e militares da Ucrânia.
A contrapartida? Todos os dados dos cidadãos podem ser livremente acedidos pelas Big Tech. Para fazerem face à emergência, os ucranianos renunciam à sua soberania…
Os gigantes informáticos adquiriram, no conflito ucraniano, uma importância que suscita questões políticas. Trabalham de forma transparente com as autoridades americanas. Segundo o general Bonnemaison, chefe do comando francês da cibersegurança (ComCyber), que foi auditado pela Assembleia Nacional em dezembro de 2022, os meios de que estes multimilionários dispõem – engenheiros, material, investimentos ou capacidade de investigação – não têm comparação com os que podem ser disponibilizados por um governo aliado. É verdade que a terra, o mar ou o ar são controlados pelas forças armadas nacionais, mas o ciberespaço, tal como o espaço, é operado em grande parte por empresas. O sector privado, portanto, desempenha um papel vital na defesa de um país – e fixa, queiramos ou não, certas regras do jogo.
Musk decide sozinho sobre o “bem” e o “mal”
Foi o mesmo Elon Musk, magnata do sector espacial e automóvel, que adquiriu o Twitter, rebatizado X, por 44 mil milhões de dólares. Obteve o controlo sobre uma gigantesca rede de influência de 350 milhões de utilizadores. Deste novo território, suprimiu a censura de que eram “vítimas” Donald Trump e Kanye West, que, porém, a tinham merecido. O ex-Presidente americano publicara aí inverdades e pusera em perigo a democracia, incitando os seus seguidores a atacar o Capitólio. Quanto ao rapper, multiplicava as provocações e fazia afirmações antissemitas.
Trump, que possui a sua própria rede social, só regressou ao X em 24 de agosto de 2021, com a sua “mug shot”, uma fotografia de identificação para os órgãos judiciais. Entretanto, Kanye West regressou à mesma rede social, e Musk teve de voltar a censurá-lo: o rapper não se coibiu de fazer a apologia dos nazis e de confessar a sua admiração por Hitler! Estas censuras e autorizações, porém, suscitam uma questão: é verdade que Kanye West é indefensável, mas será normal que seja apenas Musk a fazer a triagem? Pouco tempo depois de ter adquirido a rede, encerrou as contas de uma dezena de jornalistas, do New York Times ao Washington Post, culpados de terem revelado a localização do seu jato pessoal e, portanto, de violação da sua vida privada. Elon Musk poderá assim decretar, para todo o planeta, o que é “bem” ou “mal”? Tal como Mark Zuckerberg, que, sozinho, decidiu encerrar a conta de Facebook de Donald Trump? No entanto, quem pode decidir do bem e do mal, senão Deus, para os que Nele acreditam? Ou uma assembleia de juízes, enquanto emanação dos cidadãos?
Em nome do ChatGPT? Sam Altman, CEO da OpenAi,a mais popular empresa de Inteligência Artificial Foto: Al Drago / LUSA
Não é a primeira vez que a Casa Branca tem de enfrentar homens de negócios que dominam sectores-chave da economia; houve os caminhos de ferro, o petróleo, as telecomunicações… No entanto, a diferença entre os nossos multimilionários e os “barões-ladrões” do século XIX é que tanto Musk como Zuckerberg têm em mãos uma tecnologia e uma plataforma que permitem que qualquer um – na condição de que o autorizem – se torne a sua própria rede ou a sua própria cadeia e difunda aí instantaneamente as suas ideias políticas.
Será que Musk se toma pelo Criador, quando coloca implantes no cérebro de macacos ou de porcos – e, em breve, de seres humanos voluntários –, preconizando a hibridização do Homem e da máquina, para que a Humanidade possa “estar à altura” da Inteligência Artificial?
Este patrão excêntrico e extravagante não é o único fenómeno do seu género. Com o seu foguetão Blue Origin, o fundador da Amazon, Jeff Bezos, também procura os contratos da NASA desde que os EUA foram obrigados a confiar o destino dos seus astronautas a estes multimilionários que consideram a Terra demasiado pequena. Também ele tenta explorar o turismo espacial graças aos contratos públicos. Está muito feliz por os EUA terem baixado os braços perante a complexidade tecnológica e acabado por ter de recorrer aos russos da Soyuz. A NASA confia até ao privado os fatos espaciais dos próximos astronautas que caminharão na Lua; custarão, diz-se, mais de mil milhões de dólares cada: portanto, Washington não vai concebê-los… mas alugá-los!
Bezos vê-nos em cápsulas O’Neill
O maior comerciante da internet também concebeu um grande desígnio para a Humanidade: o projeto O’Neill. Jeff Bezos sonha fazer emigrar a população do nosso planeta esgotado para “cilindros O’Neill”, do nome do físico americano Gerard K. O’Neill. Trata-se de cilindros ou cápsulas gigantes com quilómetros de comprimento, que flutuam no espaço e nos quais seriam recriados ambientes de cidades ou de campos.
A mais curto prazo, o fundador da Amazon começou a apoderar-se de outro domínio em que o Estado norte-americano se mostra em falta: a saúde. É um sector em plena expansão, e os multimilionários da web possuem tantos dados sobre os seus utilizadores que querem explorar esta mina de ouro. Prevemos que aquele que conhece os hábitos dos clientes, a sua forma de se alimentar, de viver, de fazer (ou não) desporto e os médicos que frequentam poderá ser capaz de distinguir os bons segurados dos menos bons e, um dia, fazê-los pagar em conformidade. Poderá assim revender os dados a seguradoras, a bancos e a empregadores. Jeff Bezos tentou fazê-lo com a Amazon Care, mas foi obrigado a recuar, em 2022, por falta de rentabilidade. É apenas um adiamento.
Jeff Bezos não é o único multimilionário a visar a saúde dos seres humanos, julgando que pode fazer melhor do que os Estados e as organizações público-privadas: Bill Gates, o criador da Microsoft, decidiu dedicar a sua “reforma” à filantropia a nível mundial, na grande tradição dos multimilionários americanos, mas com uma força multiplicada por dez.
Jeff Bezos
Com 61 anos, o fundador da Amazon, a maior empresa de comércio eletrónico do mundo e que tem um dos principais serviços de computação em nuvem do planeta, foi o homem mais rico do mundo entre 2017 e 2021, e, nos últimos tempos, fez uma aproximação a Donald Trump: como proprietário do The Washington Post, impediu o jornal de manifestar o apoio a qualquer dos candidatos às presidenciais de novembro, como era tradição.
Origem da fortuna:
8,8% da Amazon, que teve uma receita de 574,8 mil milhões de dólares, em 2023. 100% da empresa de exploração espacial Blue Origin. Ao longo da sua vida tem feito investimentos extremamente lucrativos, como foi o caso da Uber, onde multiplicou por muito os 30 milhões de dólares com que apostou na empresa, quando ainda era uma simples startup. Segundo a Bloomberg, o portefólio dos seus investimentos inclui empresas como a Workday, Nextdoor, Airbnb, X (antigo Twitter), Business Insider e Cloud Paper.
Bill Gates faz parte da governação do mundo em matéria de saúde. O fundador da Microsoft tem assento na Organização Mundial da Saúde (OMS), da qual é o segundo maior doador, muito à frente de França e da China, com 751 milhões de dólares doados todos os anos. Quando o ex-Presidente Donald Trump decidiu retirar os EUA da OMS e deixar de contribuir para esta organização, o reformado mais poderoso do planeta propôs que a Fundação Bill e Melinda Gates pagasse no seu lugar. Tornou-se indispensável na luta contra a poliomielite ou o paludismo em África. Doou centenas de milhões de dólares para a investigação e a distribuição equitativa de uma vacina contra a Covid-19.
Bill Gates governa a saúde mundial
Gates aplica à vacinação os métodos e o rigor que lhe valeram o sucesso na informática há cinco décadas. Decide que vacina é a mais urgente, que crianças serão vacinadas, em que país e em que condições. Os Estados submetem-se, pois não têm alternativa. É o seu dinheiro, da fundação que criou com a esposa Melinda, de quem está hoje separado, mas da qual continua, com ele, a ser embaixadora. O que Gates faz é extraordinário – mas há vozes que se levantam para criticar o facto de decidir sozinho, sem contrapoderes. É verdade que ninguém conhece os seus critérios de escolha, os princípios que o fazem ir a este ou àquele país. Sobre a filantropia, não há controlo democrático! Criticam-lhe a influência que adquiriu sobre a OMS: para alguns, tornou-se o seu chefe de facto.
Bill Gates foi sempre maltratado na internet, lembrança, talvez, da época em que a Microsoft era monopolista e fazia de Golias contra David perante a sua concorrente Apple. Os teóricos da conspiração acusam-no agora de ter sabido que a pandemia da Covid-19 iria eclodir – com efeito, prevenira as instâncias mundiais que esse perigo nos espreitava – e, portanto, de a ter organizado!
Bill Gates
Entre 1995 e 2017, com exceção de 2008 e do período entre 2010 e 2013, foi o homem mais rico do mundo. Agora, aos 69 anos, o cofundador da Microsoft, a maior fabricante de software do planeta, que teve uma receita de 212 mil milhões de dólares em 2023, tem tentado ser mais conhecido pela sua obra filantrópica e pelos investimentos na investigação em saúde, mas não deixou escapar a oportunidade para procurar uma aproximação a Donald Trump, com quem conversou, longamente, durante um jantar que se prolongou por três horas. No final, Gates confessou que ficou “impressionado” com o Presidente.
Origem da fortuna
1% da Microsoft, a maior fabricante de software do planeta 100% da Cascade Investiments, uma holding criada com os lucros das vendas de ações e dividendos da Microsoft, e que tem participações em dezenas de empresas de capital aberto, incluindo a Canadian National Railway, a Deere e a Ecolab.
Sergey Brin e Larry Page, os inventores do Google, não se contentarão com vacinas: querem tornar o Homem imortal. Nunca nenhum chefe de Estado teve esta ambição. Querem fazer melhor do que Deus, talvez ir contra a sua “vontade”. Estes dois libertários investiram parte da sua fortuna nesta derradeira ambição: erradicar a velhice e a morte. A empresa de biotecnologia Calico (California Life Company), a sua filial instalada em São Francisco, no Veterans Boulevard – isto não se inventa –, dedica-se a esta aposta.
Poderiam investir o seu dinheiro na investigação de tratamentos contra o cancro, mas não lhes interessa. Para eles, é um objetivo sem ambição, pois daria apenas mais três anos de esperança de vida aos seres humanos: o que querem é “matar a morte”. A Calico, portanto, trabalha sobre o processo de envelhecimento. A empresa mais secreta do seu grupo, rebatizada Alphabet (e que faz parte da Google), é codirigida por Cynthia Kenyon, uma investigadora que se fez notar em 1993 por ter conseguido duplicar a duração de vida de um verme, o C. elegans, graças a uma manipulação genética. A Calico também trabalha sobre o rato-toupeira-nu, uma espécie de roedor que vive mais tempo do que os outros.
Larry Page e Sergey Brin também financiaram a Universidade do Transumanismo e, para dirigir as investigações da Google, recrutaram Ray Kurzweil, um génio das redes neuronais. Kurzweil está convencido de que a nossa espécie deve superar os seus limites biológicos e fundir-se com as máquinas para alcançar a imortalidade: se for possível transferir o conteúdo de um cérebro para um robot, já não precisaremos dos nossos corpos provisórios! Page e Brin não consultaram ninguém e não foram importunados por um comité de ética antes de lançarem estes programas.
Só os mais ricos serão imortais
Ao contrário dos Estados que recorrem a grupos de “sábios” e organizam um debate democrático antes de tomarem decisões que envolvem as gerações vindouras e modificam a espécie humana, os multimilionários da tecnologia pensam que tudo o que pode ser feito deve ser feito, e que tudo o que é bom para eles é bom para todos. A morte é um problema e todos os problemas têm uma solução. Independentemente dos problemas éticos que isto suscita, seria preciso ser muito ingénuo para acreditar que o elixir da juventude, se o descobrirem, faria parte da medicina universal. Como sempre, só os mais ricos poderão ter acesso a isso.
Os fundadores da Google também entraram no clube muito restrito dos líderes mundiais da Inteligência Artificial, depois de a empresa ter adquirido a DeepMind, a campeã britânica do sector. Também tinham o seu próprio departamento de investigação de IA, a GoogleBrain. Fundiram-se para ser mais fortes na corrida à IA generativa (a resposta ao famoso ChatGPT) e à IA geral, que será pelo menos tão inteligente quanto o Homem.
Mark Zuckerberg é o último destes multimilionários mais poderosos do que os Estados – e não o menos influente. O patrão do Facebook e do Instagram detém informações sobre mais de três mil milhões de pessoas, ou seja, um terço dos habitantes do planeta, dotados de um forte poder de compra. Sabe como influenciá-los. Nenhuma ditadura do mundo poderia fazê-lo a esta escala. Com o caso Cambridge Analytica, mostrou que explorava sem escrúpulos este precioso saber. Com efeito, o Facebook entregou os perfis dos seus utilizadores a uma organização capaz de orientar os seus votos através de mensagens direcionadas.
Mark Zuckerberg
Em 2008, com apenas 23 anos, foi celebrado como o primeiro self-made bilionário do mundo, devido ao êxito quase instantâneo do Facebook, a maior rede social do planeta, cuja empresa-mãe, a Meta, teve, em 2023, uma receita de 134,9 mil milhões de dólares. Aos 40 anos, disputa com Jeff Bezos o segundo lugar na lista dos mais ricos do mundo. Na sequência da eleição de Donald Trump, Zuckerberg, que sempre tinha procurado afastar-se da política, fez questão de viajar para o resort Mar-a-Lago para se encontrar pessoalmente com o novo Presidente e anunciou uma série de mudanças na Meta que encantaram os conselheiros de Trump.
Origem da fortuna:
13% da Meta Platforms, que detém o Facebook, mas também o Instagram e o Whatsapp. No total, a empresa serve mais de 4 mil milhões de pessoas no planeta (3 mil milhões delas no Facebook).
A denunciante Frances Haugen, antiga empregada do Facebook, também mostrou que a empresa “financiava os seus lucros com a nossa segurança”. Com efeito, em inícios de novembro, poucos dias depois da vitória de Joe Biden sobre Donald Trump nas eleições para a Presidência dos EUA, um analista do Facebook comunicou aos seus colegas que 10% dos conteúdos políticos vistos na plataforma eram mensagens que asseguravam que a eleição fora manipulada. Este rumor sem fundamento difundido no Facebook, repetido ad nauseam por Donald Trump, alimentou a fúria dos conservadores e dos adeptos da teoria da conspiração, e conduziu aos motins de 6 de janeiro no Capitólio. Apoiantes do ex-Presidente invadiram o Congresso durante a certificação da vitória de Joe Biden e cinco pessoas morreram.
O fundador do Facebook e os da Google detêm outro poder excessivo: o direito de vida ou de morte sobre os média, logo, sobre a democracia. As duas empresas recolhem, por si mesmas, dois terços das receitas publicitárias da internet, em detrimento dos média, que, porém, fornecem os conteúdos. Recusaram pagar pela difusão desses artigos, ao contrário do que lhes impunha a lei europeia e francesa, desafiando assim a soberania dos Estados e indo contra os princípios democráticos. Atualmente, o braço de ferro prossegue em certos países. No entanto, enquanto a estratégia imperialista destes homens ameaça os grandes equilíbrios, os Estados compreendem demasiado tarde que subestimam o seu poder de desestruturação.
Porque é que estes empresários superpoderosos se elevaram acima dos dirigentes das empresas tradicionais? Como é que revolucionaram as nossas vidas, para o melhor e sobretudo para o pior? Será porque têm “sonhos”, grandes ambições, uma vontade de refazer o mundo à sua maneira? Os patrões da Procter & Gamble, da Volkswagen ou da Vuitton não mostram querer transcender a vida dos seres humanos. Os nossos “super-homens”, por seu lado, fixaram-se neste desígnio quase messiânico. Tomam-se pelos salvadores do mundo.
No entanto, não o salvaram durante a epidemia da Covid! Com exceção de Bill Gates – que fez disso missão na sua segunda vida –, nada fizeram para financiar ou distribuir vacinas. Limitaram-se a ganhar dinheiro! Isto porque, devido ao confinamento, a internet tornou-se indispensável para comunicar, fazer compras, ver filmes, teletrabalhar, fazer viagens de negócios em videoconferência… Podem agradecer a esta gripe estranha, que eles não contribuíram para tratar: permitiu que o sector da tecnologia alcançasse, em poucos meses, um nível de penetração na economia que, em tempos normais, precisaria de vinte anos para ser alcançado. O comércio da Amazon, as consultas médicas à distância ou as reuniões online com o Google Meet e os seus homólogos Zoom ou Teams explodiram. Ao fazerem isto, os gigantes da tecnologia prestaram-nos um serviço, é verdade, mas, antes de tudo, acrescentaram milhares de milhões às suas fortunas! As receitas da Amazon e do Facebook duplicaram simplesmente no segundo trimestre de 2020 em relação ao ano anterior.
Adolescentes em grande perigo
Estas empresas não só não tornam o mundo “melhor” como também, pelo contrário, o alteram, pondo em perigo as democracias. As redes sociais, do Facebook ao X, têm uma pesada responsabilidade no aumento da agressividade e do populismo. Os seus algoritmos propõem conteúdos perentórios ou provocadores em cada vez maior quantidade e encerram as comunidades nas suas lógicas doentias. Com estas máquinas de alimentar clivagens, a polarização política causa devastações nos EUA e na Europa.
Talvez ainda pior, as redes sociais têm uma influência nefasta sobre a saúde mental das crianças e dos adolescentes, cujo desenvolvimento intelectual é afetado pelas demasiadas horas que passam a olhar para o ecrã. Não é por caso, como veremos, que a maioria dos patrões da tecnologia proíbe os filhos de possuírem um telemóvel antes dos 14 anos, limitam o tempo que os seus adolescentes passam na internet e, em muitos casos, inscrevem-nos em escolas onde os ecrãs são interditos.
Larry Page
Aos 51 anos, o cofundador da Google, que deixou a presidência da Alfabeth em 2019, continua a ser um dos bilionários mais discretos do planeta. E também, por isso, um dos mais enigmáticos: sabe-se que já foi grande amigo de Elon Musk, que foi determinante no apoio à OpenAi, criadora do ChatGPT, mas pouco mais.
Origem da fortuna
Possui cerca de 6% do negócio da Alfabeth (Google, YouTube, Android, Gmail), uma companhia cuja capitalização bolsista já ultrapassa os dois biliões de dólares. Foi também dos primeiros e principais investidores da Tesla.
O Facebook e os seus pares encomendaram estudos a psicólogos e a investigadores: sabem melhor do que ninguém que a utilização prolongada das redes sociais provoca, nos jovens, uma diminuição da alegria de viver, depressões nervosas e pulsões suicidas. Também sabem que os “filtros de beleza”, que permitem melhorar as fotografias no Instagram, fazem explodir as operações de cirurgia estética entre os jovens dos 18 aos 30 anos, que sonham assemelhar-se à sua imagem retocada. Preparam uma geração de adultos frustrados e psicologicamente instáveis – e fazem-no deliberadamente para aumentar as receitas. A geração sacrificada dos adolescentes de hoje paga o preço da renúncia dos poderes públicos face aos multimilionários das plataformas. O modelo económico do Facebook, YouTube, Instagram, etc. foi corrompido, pois o seu desempenho é proporcional ao seu efeito viciante e à audiência. Maximizar a rentabilidade implica um consumo excessivo dos seus serviços.
Não votamos neles de cinco em cinco anos
Todos estes homens dotados de um poder desmesurado reúnem-se com chefes de Estado, geralmente a pedido destes, e relacionam-se com eles em pé de igualdade. Na verdade, são cem vezes mais bem pagos do que eles, mil vezes mais ricos e, sobretudo, o seu poder é perene: não são substituídos a cada eleição! Ao contrário dos eleitos, estes multimilionários não estão “presos a constrangimentos”, como disse Musk para justificar que prefere a sua função à de um chefe de Estado. Por vezes, chegam até a intervir no jogo diplomático: o mesmo Musk achou por bem divulgar ao público o seu plano de paz para a Ucrânia (favorável aos russos) e, depois, propor um estatuto para Taiwan ainda mais delirante (favorável aos chineses), para grande descontentamento de Washington, que apoia a liberdade da ilha e pretende defendê-la em caso de invasão militar chinesa! As motivações de Musk para cortejar Pequim são pragmáticas: a China é um imenso mercado para a sua filial Tesla, possui aí uma fábrica gigante e quer mantê-la mesmo que as relações sino-americanas se deteriorem. Pequim, por seu lado, teme que Musk, com os satélites Starlink, interfira um dia no conflito com Taiwan, como o fez na Ucrânia.
Não é de admirar que Musk se tome por um diplomata reconhecido. Alguns países nomeiam embaixadores junto dos magnatas da tecnologia, reconhecendo assim implicitamente a sua extraterritorialidade.
Ao nomear um “embaixador junto dos gigantes do Silicon Valley” em 2017, a Dinamarca reconheceu de facto que estes grupos tinham o poder de um Estado e que devia tratar os seus dirigentes como superchefes de Estado. “Quando vemos a importância que estas empresas têm para todos, percebemos que muitas delas têm mais influência do que a maioria das nações”, justificou o primeiro embaixador, Casper Klynge, após a sua nomeação pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros dinamarquês.
Amigo chinês Shou ZiChew, presidente do TikTok, foi um dos convidados paraa cerimónia de Trump Foto: SHAWN THEW / LUSA
No entanto, ao tratarem estas “supranacionais” como um Estado sem território, os escandinavos também ratificaram e justificaram a sua “desterritorialização” fiscal. Se a Google ou a Amazon são Estados plenos, de certo modo sem solo, também estão fora da jurisdição do Estado americano: porque pagariam impostos nos EUA e nos países onde fazem negócio? Sendo supranacionais, é lógico que se instalam nos países onde as suas receitas são menos taxadas ou até totalmente isentas de impostos. Impõem uma nova ordem económica internacional em que as fronteiras são abolidas e os Estados são impotentes.
A Europa impõe-lhes multas e os EUA ameaçam desmantelá-las, mas os processos em curso estão longe de chegar ao fim. Para impedirem o aparecimento de novas normas e regulamentações que não lhes convêm, têm à sua disposição verdadeiros exércitos de lobistas – centenas de peritos e juristas dotados de meios imensos – para discutir, atrasar e argumentar de forma incessante. Intervêm assim na redação das leis que lhes dizem respeito. Parecem flutuar acima dos Estados enfraquecidos e das suas regulamentações, que estão sempre atrasadas.
O recuo da democracia
No fundo, a sua principal proteção não virá do facto de se terem tornado “too big to fail”, “demasiado grandes para falir”? Como certos bancos na altura da crise do subprime, têm um peso demasiado grande e são demasiado estruturantes para que as deixem cair: na sua queda, podem arrastar sectores inteiros da economia… e todo o sistema informático americano. É por isso que são protegidas e quase invencíveis. Para um risco sistémico, um poder sistémico.
Neste início do século XXI, assistimos, pois, ao deslocamento do centro de gravidade em proveito de meia dúzia de homens e das suas “empresas-mundo”, no sentido braudeliano do termo – ou seja, entidades económicas e políticas cujo hiperpoder deve ser sensatamente regulado. Para Richard Walker, professor da Universidade da Califórnia – Berkeley, somos agora “marionetas dos multimilionários, muito mais que das grandes empresas que marcaram o século XX”.
Sergey Brin
Aos 51 anos, um dos cofundadores da Google, o motor de busca mais poderoso e popular do mundo, fez questão de se encontrar com Donald Trump, após a sua eleição.
Origem da fortuna:
Participação de cerca de 6% na Alfabeth, a holding que é dona da Google, Gmail, Android e YouTube. Possui ainda pequenas participações em diversas empresas, como a Tesla (de Elon Musk) e na 23andMe, uma empresa de mapeamento genético fundada pela sua ex-mulher, Anne Wojcicki.
Quanto mais se sobrepuserem aos Estados, menos a democracia reinará, maior será a arbitrariedade, mais crescerão as desigualdades e as distorções da realidade. A vontade de alguns homens concretizar-se-á. Isto porque não temos nenhum controlo sobre eles. Ora cada um detém, no seu domínio, as chaves do nosso futuro. Tal como nem toda a gente pode ter um automóvel desportivo, um iate ou fazer uma viagem no espaço (o primeiro bilhete para um voo suborbital a bordo do Blue Origin, com Jeff Bezos, foi comprado por 28 milhões de dólares), nem todos podem ter uma vida prolongada ou um cérebro aumentado. Até hoje, a longevidade e, sobretudo, a inteligência não dependiam dos meios financeiros dos indivíduos, o que também permitia que o elevador social funcionasse (melhor ou pior). Mas, com eles, tudo vai piorar.
Que fazer? Não se trata de os aniquilar, pois o desenvolvimento e a criatividade desses homens servem o progresso económico e tecnológico. Ao controlar os seus gigantes da tecnologia, a China contribuiu para abrandar o ritmo da sua recuperação económica, e corre o risco de nunca vir a ser a primeira potência mundial, como planeara. No entanto, não podemos deixar assim “a raposa à solta no galinheiro”. Os campeões das redes sociais justificam a necessidade de saberem tudo sobre nós pela sua vontade de melhorar os seus serviços, de nos fazerem felizes (talvez contra a nossa vontade). Os cidadãos aceitam este controlo, pois é difícil recusar o que lhes é proposto de forma gratuita: a informação recentrada nos seus centros de interesse, o contacto com pessoas que se lhes assemelham, a informação em quantidade ilimitada, sempre mais do que eles gostam? Não se recusa a “felicidade”… ainda que todos saibam há muito que “se é gratuito, somos nós o produto!”. O risco de desinformação, o perigo político, é enorme quando mais de metade da população só já recebe informação através das redes sociais.
Os “barões-ladrões” do século XXI
Aceite-se ou não a oferta, devemos enquadrar as condições do seu desenvolvimento mundial. É vital que estes novos gigantes deixem de poder evitar as normas fiscais: têm de pagar os impostos que devem. Que deixem de escapar ao respeito pela concorrência: devem deixar viver as jovens empresas, rivais em potência, e não receber rendas de monopólio. Que deixem de escapar às leis de proteção da vida privada: os cidadãos devem poder seguir e recuperar os seus dados pessoais. Estes governantes “supranacionais”, por último, devem deixar de escapar aos princípios de saúde pública: os conteúdos devem ser regulados para deixarem de pôr em perigo a saúde mental dos adolescentes. Não há dúvida de que já se perdeu uma geração.
Os “barões-ladrões” do século XXI tomaram o poder, mas por culpa de quem? Limitaram-se a harmonizar este poder com a sua força. No entanto, a ascensão não era inevitável: na China, por exemplo, Larry Page e Sergey Brin nunca conseguiram fazer prosperar a Google. Devido ao carácter restrito das regras locais, forjaram em 2010 uma versão censurada do motor de busca e, depois, renunciaram a esse projeto face à indignação provocada nos Estados Unidos. É verdade que a China não é um Estado de direito, mas, sem chegarem ao ponto de usar os seus métodos, os Estados Unidos ou a União Europeia possuem leis para impedir estas hegemonias. O governo norte-americano, bem como a Europa, são responsáveis: organizaram a sua própria abdicação. Contudo, não é tarde para tentar reparar os estragos já feitos por estas novas forças hegemónicas – e impedir o aparecimento de outras.
Livro oportuno
Este artigo é adaptado de um dos capítulos de Mais Poderosos do que os Estados, da jornalista francesa Christine Kerdellant, agora editado em Portugal pelas Edições 70
A Samsung anunciou a aguardada série Galaxy S25, composta por três modelos: o S25, o S25+ e o S25 Ultra. “Com o Galaxy S25, a Samsung materializa a promessa de democratizar a Inteligência Artificial, colocando-a ao serviço dos utilizadores portugueses”, afirmou Bernardo Cunha, diretor de marketing da Samsung Portugal. No coração destes dispositivos encontramos o Snapdragon 8 Elite Mobile Platform para Galaxy, uma versão otimizada do mais recente processador de topo da Qualcomm para smartphones. Este chip anuncia um aumento significativo de performance, com melhorias na velocidade de processamento geral, capacidade gráfica e eficiência energética. “Este poder de processamento é essencial para a Galaxy AI”, explica Bernardo Cunha, referindo-se à plataforma de Inteligência Artificial que a Samsung implementou nos novos smartphones, permitindo uma integração profunda da IA em todas as funcionalidades do sistema.
Galaxy S25+
Alterações no design
Num primeiro contacto com os dispositivos, notámos imediatamente as alterações do design. O Galaxy S25 e o S25+ estão mais finos, com construção do chassis em Armor Aluminum. O S25 tem um ecrã Dynamic AMOLED 2X de 6,2 polegadas com resolução FHD+ e o S25+ tem um ecrã Dynamic AMOLED 2X de 6,7 polegadas com resolução QHD+. “Ambos os modelos oferecem uma taxa de atualização adaptável de 120 Hz, otimizando a experiência visual e a autonomia da bateria”, destaca o porta-voz da Samsung.
O Galaxy S25 Ultra distingue-se com um ecrã QHD+ Dynamic AMOLED 2X de 6,9 polegadas, um pouco maior que o antecessor. O chassis deste topo de gama perdeu o boleado lateral dos ecrãs, mas ganhou cantos arredondados para melhorar o conforto do agarrar.
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Fotografia mais inteligente
A Samsung continua a aprimorar a fotografia com a série S25. O Galaxy S25 e o S25+ recorrem a um sistema de câmara tripla na parte traseira: um sensor principal grande angular de 50 MP com estabilização ótica de imagem (OIS), um sensor ultra grande angular de 12 MP e um sensor telefoto de 10 MP com zoom ótico de 3x e OIS. Na frente, encontramos uma câmara de 12 MP para selfies.
O Galaxy S25 Ultra eleva a fasquia com um sistema de quatro câmaras traseiras: um sensor principal grande angular de 200 MP com OIS, um sensor ultra grande angular de 12 MP, e duas telefotos de 10 MP, uma com zoom ótico de 3x e OIS e outra com zoom ótico de 10x e OIS, permitindo uma grande versatilidade na captação de imagens.
De acordo com o comunicado da marca, a IA “desempenha um papel crucial na otimização da qualidade de imagem, ajustando automaticamente as definições da câmara em tempo real e oferecendo recursos como o Nightography para fotos e vídeos com pouca luz, o Super Steady System para estabilização de vídeo e o Space Zoom para zoom digital de até 100x.
Samsung Galaxy S25 Ultra
Galaxy AI em todo o lado
A grande novidade da série S25 está no aprimoramento da Galaxy AI. Esta plataforma de Inteligência Artificial marca presença em todo o sistema operativo One UI 7, permitindo uma interação mais intuitiva e personalizada com o smartphone. O assistente digital Gemini, da Google, integra-se com as aplicações nativas da Samsung e com aplicações de terceiros.
Além do Gemini, a Galaxy AI potencia funcionalidades como o Audio Eraser, que permite isolar e remover sons específicos em vídeos; o Portrait Studio, que cria retratos com efeitos profissionais; o Assistente de Escrita, que oferece sugestões de escrita e formatação automática; o Now Brief, que apresenta informações contextuais relevantes; e a Pesquisa na Galeria, que permite encontrar fotos usando linguagem natural.
“Com a Galaxy AI, o smartphone torna-se um verdadeiro assistente inteligente”, afirma Bernardo Cunha. “Acreditamos que a série Galaxy S25 irá marcar uma nova era na forma como os portugueses usam os seus smartphones.”
Os preços variam de €939,90 para o Galaxy S25 com 128 GB de armazenamento até €1859,90 para o S25 Ultra com 1 terabyte. Como aconteceu com a geração anterior, a Samsung anunciou uma promoção na fase de lançamento em que se pode adquirir versões de maior capacidade de armazenamento pelo preço da versão imediatamente abaixo.
Com este investimento, a Google eleva para mais de três mil milhões de dólares o total aplicado na Anthropic, que é vista como uma das startups de referência do setor da IA. A tecnológica desenvolve grandes modelos de linguagem (LLM na sigla em inglês) que são disponibilizados como ferramentas para programadores e através do assistente digital Claude.
A informação do investimento é avançada pelo Financial Times, que cita quatro pessoas com conhecimento do negócio. Além da Google, outra grande tecnológica que já investiu avultadas quantias de dinheiro na Anthropic é a Amazon, com quatro mil milhões de dólares.
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Estes investimentos fazem parte, segundo o FT, de um esforço maior das grandes tecnológicas em diversificar a aposta no setor da Inteligência Artificial. Apesar de a Google ter modelos de referência e um assistente digital, com o Gemini, continua a ser a OpenAI aquela que melhor tem conseguido traduzir a investigação em IA em produtos destinados aos utilizadores finais e empresas – o ChatGPT tem 300 milhões de utilizadores semanais ativos e processa mais de mil milhões de comandos por dia.
A Anthropic aumentou, em 2024, dez vezes as receitas relativamente ao ano anterior, tendo atingido os mil milhões de dólares de faturação. No entanto, os grandes níveis de investimento exigidos no desenvolvimento nos chamados ‘modelos de fronteira’ de IA obriga a que as empresas do setor necessitem de grandes injeções de capital de forma mais recorrente.
“Neste momento, estou mais confiante do que alguma vez estive de que estamos muito próximos de ter capacidades poderosas… sistemas de IA que são melhores do que quase todos os humanos em quase todas as tarefas”, sublinhou Dario Amodei, diretor executivo da Anthropic, numa entrevista recente ao canal CNBC. Dario Amodei que fez parte da nossa lista de ‘nomes’ que vão dar que falar no mundo da Inteligência Artificial.