Como falar de Carlos Paredes (CP) sem repetir o lugar-comum? Ninguém ignora que um grande músico, um músico memorável, é o que, além do domínio pleno do instrumento e da execução técnica, usa essas aptidões para criar e transmitir ideias, sentimentos e emoções com originalidade autêntica; e, assim, com a mais expressiva sensibilidade, entusiasma o público, que desfruta e partilha uma superior experiência de beleza.

Quando, nos verdes anos, eu aprendia a tocar guitarra, a que chamamos viola, ouvia os seus intérpretes clássicos, Segovia, Yepes, Bream, Williams. O meu pai sugeriu que completasse as audições com um LP, Guitarra Portuguesa (1967), de CP.

O suspeitoso preconceito desfez-se ante o virtuosismo técnico e a energia artística, que libertavam aquelas cordas da mera função de acompanhar a voz ou integrar grupos de música popular, para as transformar num instrumento de concerto, que assumia na sua nova dimensão sonora obras para ele compostas especificamente e se elevava a uma dignidade de consumado valor solístico.

Em harmonia com as prodigiosas qualidades do instrumentista, sobressaía em Paredes o fascinante compositor, criador de um repertório original, de dimensão absolutamente clássica, elaborado a partir de heranças populares e urbanas (sobretudo da balada coimbrã, a que se vem chamando, por conveniência, fado).

Em harmonia com as prodigiosas qualidades do instrumentista, sobressaía em Paredes o fascinante compositor, criador de um repertório original, de dimensão absolutamente clássica

A que cumes de beleza pode ser levada a coexistência original de tradição e inovação. E a amplitude da sua curiosidade de homem culto assimilava também outras linguagens e elementos dos diálogos com músicos de várias áreas.

Sobre as colaborações artísticas, sempre me inquietou a tensão, para mim evidente, entre a larga disponibilidade de Paredes para partilhar o palco e o disco com diversos intérpretes e o seu temperamento dominantemente solístico.

Nunca por vincado narcisismo de sobressair, sendo a sua uma personalidade de grandeza humilde e generosa, mas pela energia natural que o animava desde o primeiro ataque das cordas, e que, por força da marcada convicção técnico-interpretativa, dificilmente poderia ceder a liderança.

Amadureci nos discos as experiências de felicidade auditiva e testemunhei tamanha grandeza nos encontros fulgurantes que eram os concertos nos quais Carlos Paredes se transcendia, a improvisar e a reinterpretar sobretudo as suas composições, encarnando a guitarra no próprio corpo intenso, vibrante, viril, dele tão fisicamente inseparável como as cordas vocais do cantor.

Carlos Paredes é um músico clássico, no sentido de quem, pela visão artística e qualidades de compositor, virtuoso e intérprete, realizou uma renovação criativa incomparável (como já o pai, Artur Paredes, que, inclusivamente, revolucionara a tipologia da guitarra e sua construção, mas numa orientação pessoal distinta), ressoando na inteligência sensível dos ouvintes, e deixando um legado que se tornou modelo de excelência e não só vive nos novos guitarristas, mas influencia músicos de diversos géneros.

A sua arte, verdadeiramente contemporânea de todos os tempos, será para a dança das gerações um movimento perpétuo.

Palavras-chave:

A música de Carlos Paredes (CP) possui, como a de Chopin com o piano, uma ligação umbilical com o instrumento que elegeu: a guitarra portuguesa.   Porém, e ao contrário do compositor polaco, com quem, aliás, CP partilha o génio melódico e o interesse pelo canto, a sua música, não obstante essa ligação umbilical, funciona muito bem noutros instrumentos, tendo sido, aliás, arranjada e tocada com alguma frequência por excelentes músicos “clássicos”, como Joana Bagulho no cravo (um “parente” próximo da guitarra, no sentido em que as cordas de aço são beliscadas por uma pena, tal como as cordas da guitarra são beliscadas pela unha, natural ou artificial, do executante) ou André Gaio Pereira, em violino solo, instrumento que faz também todo o sentido, uma vez que CP o estudou inicialmente, junto com o piano.

É precisamente essa herança de uma educação musical clássica, misturada com a também enorme herança familiar, nomeadamente a do pai, Artur Paredes, outro génio da guitarra na tradição de Coimbra, que dará à música de CP uma originalidade e solidez que outros músicos fora da tradição erudita nem sempre atingem. 

A sua música possui, como a de Chopin (com quem partilha o génio melódico e o interesse pelo canto) com o piano, uma ligação umbilical com o instrumento que elegeu: a guitarra portuguesa 

Mesmo não tendo escrito em partitura nenhuma das suas peças, e talvez nem o sabendo tecnicamente fazer, CP, como, aliás, José Afonso – outro génio popular cuja cultura musical erudita, em termos auditivos, era enorme – absorveu entusiasticamente todo esse repertório clássico, em particular – podemos adivinhá-lo pela sua música – o repertório clássico, romântico e nacionalista do século XIX. Paganini, Rimski-Korsakov, mas também Chopin, Mozart e Beethoven, bem como a música medieval e renascentista estão bem presentes na sua música, para não mencionar o óbvio: a herança da guitarra de Coimbra, da canção coimbrã, cuja influência nas primeiras peças é evidente, o Fado de Lisboa e a música tradicional portuguesa tout court.

Paganini e os seus Caprichos e Concertos para Violino são modelos evidentes em peças como Movimento Perpétuo (mistura de um Capricho de Paganini com O Voo do Moscardo de Rimsky Korsakov), mas também na parte final das Variações em ré menor, das Danças Portuguesas nº2 ou na Fantasia nº2, peças que, com o seu uso de passagens rápidas e regulares em escala, harpejos e outras figurações, difíceis de conseguir na guitarra, revelam a virtuosidade de Paredes. Que, nestas peças, até se deixa ouvir, pelo menos na gravação de estúdio de 1967, a respirar fortemente a cada passagem particularmente exigente…

Chopin é talvez a mais forte presença clássica em CP, particularmente na Valsa que, tocada em piano, passaria facilmente por uma das conhecidas valsas do compositor polaco, cujo lirismo – de pendor operático e sabor popular – tanto se aproxima da “démarche” de Paredes, que, tal como Chopin, adorava Canto ao ponto de chegar a ter aulas na Juventude Musical Portuguesa, canto lírico esse que é evidente na música de ambos, melódica por natureza.

O estudo da música clássica dar-se-á através da sua mãe, que inscreveu o pequeno Carlos na Academia de Amadores de Música de Lisboa, que foi também a minha escola.  “Em pequeno, a minha mãe, coitadita, arranjou-me duas professoras de violino e piano. Eram senhoras muito cultas a quem devo a cultura musical que tenho”.

A admiração pela “Grande Música”

Não obstante estes estudos, ou por causa deles, CP carregava em si um sentimento de inferioridade, como demonstra este excerto de um artigo de Fausto Neves:  “Desde que tinha chegado a Espinho, para participar no Festival de Música local, Paredes não cessava de nos interrogar acerca do cabimento da sua presença num festival dedicado à música clássica, de repetir à exaustão a ‘pequenez’ da sua guitarra e das suas ‘modinhas’ num Festival que trazia a Espinho nomes sonantes da música erudita portuguesa e internacional” (Fausto Neves em 2021, Festival Internacional de Música de Espinho)

No seguimento deste texto, vários outros músicos que conheceram bem CP revelaram-me que este lhes confessara que, se tivesse estudado mais música, no sentido do ensino clássico de Conservatório, teria evoluído mais, opinião eventualmente incorreta (Erik Satie, outro grande intuitivo, foi estudar “a sério” e “saber mais” de música aos 40 anos: a sua música inicial continua a ser a pedra de toque da sua obra, e não as peças finais…) mas que se compreende, dada a sua admiração incondicional pelo universo da também chamada “Grande Música”. 

Esta, a “Grande Música”, é que por vezes o menosprezou. Falando da Academia de Amadores de Música, na qual estudei com Fernando Lopes-Graça, lembro-me de alguém me ter contado, penso que durante a Festa do Avante, onde ambos se encontravam, que o Paredes, pretendendo mostrar uma passagem na guitarra, ou pedir uma opinião a Lopes-Graça, este lhe terá virado as costas. A idoneidade da pessoa que me contou esta história é sólida, e tendo eu conhecido o Graça e as suas casmurrices estéticas, não duvido muito da sua veracidade…

O fado e a guitarra estavam, mesmo com o exemplo do CP, do meu pai, Octávio Sérgio (outro grande inovador que, aliás, tocou muito com o pai do Paredes), e de alguns outros, muito ligados, na mente de Lopes-Graça, ao Estado Novo, outro mito que urge dissipar de vez. Peças para filmes inovadores e críticos de uma sociedade triste e cinzenta, como Verdes Anos – a música mais conhecida de Paredes ainda hoje – desmentem imediatamente essa falsa noção, sendo que o próprio Fado de Lisboa – também uma inspiração inequívoca em CP, que o transfigura instrumentalmente – estava a começar a participar na revolta ao salazarismo tacanho.

É com o LP de 1967, Guitarra Portuguesa, que o seu génio e a sua originalidade eclodem

O percurso de Carlos Paredes na guitarra é próximo, mas ao contrário, daquele que foi seguido por muitos compositores oitocentistas e de inícios do século XX, como Bartók ou o próprio Lopes-Graça: tal como a música erudita “descobre” nos séculos XIX e XX a música popular, dentro e fora da Europa, CP “descobre” a música erudita e engloba-a na sua música “popular”. Os arranjos para cravo de Joana Bagulho, em particular, demonstram bem essa incrível fusão musical, que, tal como as de Gershwin, Piazzola e Kurt Weill, atingiu – e atinge ainda hoje – níveis enormes de merecida popularidade.

As primeiras gravações, com a Serenata, as Danças Portuguesas nº1 e as Variações em lá menor, embora seguindo em grande parte a grande tradição coimbrã revelam já em CP não só um exímio executante como um potencial grande compositor, um compositor que, claramente, ouviu os clássicos: marchas harmónicas, acordes menos usuais e certas linhas melódicas revelam esse amor pela música erudita. Mas é com o LP de 1967, Guitarra Portuguesa, que o génio e a originalidade de Paredes eclodem.

As peças desse LP revelam já todo um outro universo que, sem desdenhar a influência da tradição, é inequivocamente a “música do Paredes”. A linha melódica torna-se mais complexa, a harmonia implícita mais arrojada, a influência clássica já mais modernizada também, tornando por vezes a música, se retirada à guitarra e transposta para um piano, quase indistinguível da dita “erudita” (As Variações em Ré Maior, Fantasia e Dança são peças que, transpostas para piano, soariam a algo oriundo da pena de um Viana da Mota…).

Com Verdes Anos e Porto Santo, aquele o seu tema mais célebre, abre-se na música de CP uma espécie de “realismo social” que ilustra magnificamente os tempos sombrios que então se viviam.

Paredes não é um modernista como Octávio Sérgio que, influenciado por Stravinsky e outros compositores mais radicais do século XX, vai mais longe nos acordes e no ritmo, mas antes, como referi, um músico que deriva da tradição romântica, quer da de Coimbra quer da clássica.

O lirismo operático, italianizante, e a virtuosidade paganiniana dão as mãos nestas peças de cariz popular mas que passariam facilmente por peças de salão oitocentistas de grande qualidade.

Influências musicais

Novamente, toda a primeira parte da introdução da Melodia nº1, transposta para piano, seria facilmente confundida com o início de uma sonata de Beethoven, passando depois a música para um registo claramente mais popular. A parte final, com as suas marchas harmónicas, não obstante, continua a dar a esta peça um sabor clássico-romântico de música erudita. Não fora o timbre da guitarra…

Já a Melodia nº2  quase transpõe para a guitarra e para uma ambiência portuguesa os inícios de algumas das Rapsódias Húngaras de Liszt, curiosamente inspiradas por esse instrumento peculiar que é o cimbalão, que possui algumas características sonoras próximas da guitarra, não obstante ser um instrumento totalmente diferente, só tendo em comum as cordas de aço.

Verdes Anos, na sua sonoridade claramente “Parediana” revela a forte influência do fado de Lisboa, sem o qual não existiria. É, de certa forma, como as Canções sem Palavras de Mendelssohn, um “fado sem palavras”, mais expressivo, quiçá, do que os que usam um texto para exprimir um sentimento. Tornar-se-á o hino de uma década tensa e de um país triste, envolto no cinzentismo da Ditadura.

O Divertimento, de recorte neoclássico ou, melhor, neo-renascentista, mais uma vez, orquestrado ou tocado em piano, seria facilmente confundido com uma peça erudita, e evoca a geração de um Joaquin Rodrigo em Espanha e a evocação destes de um passado medievo/renascentista.

O final, com o seu sabor de festa popular torna o Divertimento uma das peças mais extrovertidas e neoclássicas de Paredes. Os próprios títulos das peças, valsas, danças, melodias, romances, divertimentos, e etc., evocam o classicismo e o romantismo de salão e as “peças características” desse período.

O Romance nº1, uma das melhores peças de Carlos Paredes, na minha opinião, lembra, curiosamente, o uso das dissonâncias expressivas no 1º Concerto para Violino de Prokofiev, peça que Paredes poderia conhecer, atendendo a que um dos seus instrumentos de infância foi, precisamente, o violino. 

A Pantomima, tocada sem acompanhamento, é novamente, a par com o Divertimento, uma peça neoclássica que evoca a Idade Média e o Renascimento, bem como alguma música popular tocada em Sanfona, com os seus ostinati e a melodia de cariz modal, as imitações de trompas, qual moderna “Música de Trovadores”…

As Variações sobre uma Dança Popular misturam o popular, o neo-renascentista e as harmonias mais complexas, tornando esta uma das suas mais belas e complexas e audazes peças, de um ponto de vista harmónico, enquanto a Canção continua na senda de Verdes Anos e, mais uma vez, transposta para piano seria facilmente confundida com uma romântica peça de salão de grande beleza.

As peças mais tardias

As peças mais tardias, depois do golpe de génio dos dois primeiros discos, não apresentam grandes novidades estilística ou técnicas, mas afastam-se cada vez mais da tradição coimbrã da qual, no fim, já nada ou quase nada resta.

Se, tal como em Chopin, não há necessariamente uma evolução radical como a que se encontra em Beethoven ou em Verdi, entre as primeiras e as últimas obras de Paredes nota-se uma personalização cada vez maior da sua linguagem.

As peças dos anos 80 em frente continuam a revelar um génio melódico e interesses fora da linguagem popular que se mantém inalterados: o pendor lírico operático de cariz italianizante, a música de salão oitocentista, Chopin, Beethoven, Liszt, os nacionalistas russos, e a música popular portuguesa de raiz campesina, esta cada vez mais presente. Os virtuosismos mais “paganinianos” quase cessam, em favor da melodia, do puro lirismo.

Canto do Rio é, assim, uma das melhores peças de Paredes, que mais uma vez mostra o que deve à música clássica. A Montanha e o Rio, Marionetas e Dança Palaciana são, para além de uma beleza ímpar, peças mais uma vez de influência neo-renascentista e neo-barroca, neoclássicas de espírito, evocando novamente Joaquin Rodrigo, esse grande compositor espanhol, autor do célebre Concierto de Aranjuez, para guitarra (clássica) e orquestra, obra que Paredes decerto, como todos nós, conheceria.

Por fim, nessa leva outonal de peças, é Raiz que evoca, mais do que outra qualquer, a genuína melodia popular portuguesa, no seu despojamento harmónico e no ritmo que acompanha a melodia, inspirada em adufes. Carlos Paredes demonstra mais uma vez, se tal fora necessário, que a mistura de tradições, a popular e a erudita, só tiveram a ganhar com esse encontro, e nada a perder.

Palavras-chave:

A tradição de uma prática musical enraizada na população civil e religiosa de Coimbra está documentada desde a idade média até aos nossos dias. As primeiras menções ao uso de cordofones nesta cidade, tais como a harpa, a cítara, as violas de arco, o saltério, a bandurra e o alaúde datam da primeira metade do século XVI e referem-se à comunidade monástica de Santa Cruz.

Mais tarde, chega-nos esta notícia: “Por aver devacidad em tanger violas , citharas, bandurras, cõ m.to scandalo dos seculares…mandamos que nenhum Religioso da nossa ordem uze dos tais instrumentos…” in Definição 64ª da mesa do Definitório de Santa Cruz de Coimbra em 25 de maio de 1605.

Os momentos de encontro e fruição musical da comunidade religiosa e da população civil são de assinalar, seja durante as missas e outras celebrações religiosas, nas festas cíclicas, que incluíam as procissões e cortejos dos ofícios, seja durante as representações teatrais de autores célebres como Gil Vicente ou Ferreira de Vasconcelos, nas quais a presença da música é constante e uma parte fundamental do tecido dramático dessas obras.

É este o contexto original que se vai constituindo como tradição, em diálogo com as duas principais instituições multisseculares, a Universidade e a Igreja e que molda  a identidade particular da cidade de Coimbra, até aos nossos dias.

Nos numerosos manuscritos musicais conservados na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra podemos identificar muitos dos autores e do repertório praticado nos vários modelos de cordofones, entre os quais as cítaras e as violas, em especial a partir da segunda metade do século XVIII.

É neste período (1780-1850) que a cítara é renomeada guitarra, seguindo uma tendência de revalorização social do instrumento iniciada em Inglaterra a partir de c.1740. O seu repertório escrito, de raiz erudita e de prática burguesa, é adoptado também pela comunidade estudantil universitária.

Os frutos do seu legado musical são hoje evidentes, pela quantidade e qualidade dos intérpretes das suas peças mais difíceis, algumas das quais nem ele próprio conseguia executar em público

As sonatas, os minuetes, as contradanças, as marchas e as variações passam a ser o corpo central do repertório deste instrumento e o seu uso no acompanhamento do canto, das modinhas e dos lunduns às árias de ópera mais em voga, associam-na às práticas musicais domésticas das classes mais elevadas de Coimbra.

A cítara popular, também designada nas Beiras por cítara campeira ou cítara toeira, tocando as danças e as canções populares, persiste desqualificada e praticamente abandonada entre c.1850 e c. 1870,  incapaz de vencer a concorrência da viola de arame (também chamada toeira) nas preferências de uso da população civil futrica da cidade.

O uso da cítara como instrumento de uso estudantil ressurge com grande impacto associado às serenatas e a figuras míticas como o célebre Hylario (1864-1896), a partir da década de 1880.

É também neste novo tempo que são publicados em Lisboa e no Porto vários métodos populares dedicados sobretudo a amadores e encorajando o autodidatismo com a invenção de sistemas de notação alternativos, etc. O repertório é quase só constituído pelos fados corridos e menores, com variações muito populares e de execução acessível.

Surgem também os grupos de instrumentos de corda pulsada, sendo o mais importante a Tuna Académica da Universidade de Coimbra, fundada em 1888 e que integra violinos, bandolins e violões de modelos variados.

Muitas outras tunas e trupes nascem nesse período associadas a Associações Mutualistas de Cultura e Recreio, ligadas a empregados do comércio e às quais estão associados Gonçalo Paredes (1873-1915), avô paterno, e Manuel Rodrigues Paredes (1874-1948), tio-avô de Carlos Paredes.

Nascido em Coimbra, em 1925 e  aí vivendo parte da sua infância, Carlos Paredes (CP), absorveu diretamente do seu pai, Artur Paredes (1899-1980), e de sua mãe, Alice, muitas das memórias desta herança imaterial, apesar de negar a aprendizagem direta da cítara com o seu pai.

O contributo inovador de Artur Paredes no fabrico da cítara do modelo de Coimbra é hoje reconhecido e fez-se em diálogo com os mestres violeiros João Pedro Grácio Junior (1903-1967), e com o irmão deste, Joaquim Pedro Grácio (1912-1994).

Miguel Torga chamava-lhe “O Rei Artur” e afirmava a supremacia absoluta na composição e execução de solos no período áureo da canção de Coimbra (1920-1950). Apesar de já ter editado discos com algum sucesso, foi a transferência da família para Lisboa em c.1931, por razões profissionais, que trouxe a possibilidade de divulgação da música de Artur Paredes em programas regulares, para um público muito mais vasto, sobretudo depois da criação da Emissora Nacional (1935).

É esta nova atividade que vai permitir a CP realizar a função de “segunda guitarra” e criar, a partir do acompanhamento das peças do seu pai, a génese de algumas das suas mais brilhantes composições solísticas.

Carlos Paredes desde cedo alimentava o sonho de revalorizar a cítara portuguesa através da composição de peças originais de pendor virtuosístico e do recurso a peças de “grande efeito”, como eram as Czardas de Monti, as transcrições de valsas de Chopin e de Caprichos de Paganini, etc.

Na época (anos 1960), já estava totalmente esquecida a figura do concertista de cítara, cuja fama no período final da monarquia, na corte de D. Carlos e nos salões palacianos de intérpretes como Reynaldo Varela, Salgado do Carmo, Carmo Dias ou Júlio Silva, foram exemplos inspiradores das gerações precedentes.

Mas, como CP me contava amiúde, as história e os discos antigos a que tinha tido acesso na adolescência inspiravam-no no seu projeto de revalorizar musical e socialmente o seu instrumento de eleição.

Carlos tinha tido algumas lições de rudimentos de violino e piano mas a sua paixão era a de tocar e compor para a cítara (a que ele também chamou “cistro”, em tradução direta do francês “cistre”, num programa impresso dum recital, em 1966).

Com o convite, em 1963, para compor a música do filme de Paulo Rocha Verdes Anos, no qual é acompanhado por Fernando Alvim, na guitarra hispânica, surge a oportunidade de organizar pela primeira vez um programa de recital com o seu repertório original, embora de pequena duração.

Surgem também as primeiras gravações com Alvim para a etiqueta Alvorada, gravadas no mesmo estúdio e pelo mesmo técnico de som do filme, Heliodoro Pires, de quem também fui amigo e que gravou o meu primeiro disco em 1968.

Eram raras as oportunidades de apresentação pública nessa altura e a violência traumática da repressão da PIDE e da Censura tornavam, de facto, quase impossíveis as apresentações em concerto que não integrassem a programação formal de teatros  ou auditórios controlados pelo Estado, com exceção da Fundação Gulbenkian e de associações como a Juventude Musical Portuguesa ou o Círculo de Cultura Musical, etc.

Este contexto facilitou a aproximação de CP a figuras do movimento de renovação da canção de Coimbra, como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luís Goes, etc. Mas foi graças à admiração e apoio direto de João Bagão que insistiu em apresentá-lo a Amália Rodrigues,  pedindo a sua ajuda para conseguir gravar na empresa Valentim de Carvalho, que uma nova etapa criativa se veio a concretizar.

Nascem desta nova parceria os seus álbuns mais inovadores e celebrados: Guitarra Portuguesa (1967) e Movimento Perpétuo (1972). A presença no catálogo da maior editora discográfica traz a CP  alguns convites inesperados como a ida em 1967 ao Festival de Varadero (Cuba) e a participação, no mesmo ano, em espetáculos de Amália Rodrigues, no Olympia de Paris, organizados pelo SNI e nos quais participaram também o Grupo Verde Gaio (dança), o Duo Ouro Negro e os acordeonistas Fernando Ribeiro e Fernanda Guerra.

CP fazia uma pequena intervenção tocando três ou quatro peças mas deixando uma marca forte. com a sua particular energia e postura única na execução do seu instrumento, quase coreográfica e muito performativa, como se diria hoje.

Carlos Paredes tinha criado uma persona própria como solista, reclamando sempre o seu estatuto de músico amador e a suposta “menoridade” da sua produção criativa – que, aliás, coincidia com a apreciação crítica que dele faziam alguns compositores eruditos, como Lopes Graça que ele muito respeitava e admirava.

Mas o seu desejo de promover a cítara como instrumento solista de concerto, a par com os restantes cordofones já bem aceites, só teve oportunidade de concretização na última década da sua vida ativa (1983-1993), infelizmente marcado por uma produção criativa de menor qualidade do que a do seu período áureo  (1960-1974).

Tendo-o conhecido pessoalmente em 1967 e assistido à preparação do seu primeiro LP, foi sobretudo após a Revolução de 1974 que o nosso convívio próximo se intensificou, tendo ambos feito parte do grupo que percorreu o país de norte a sul, com a colaboração do Grupo Outubro (direção de Pedro Osório), os atores Pedro Pinheiro e Io Appoloni e a fadista Maria Amélia Proença, entre outros.

Nas longas viagens que fizemos juntos em Portugal, eu conduzia o carro, a meu lado seguia Carlos Paredes e no banco de trás, seguia o Fernando Alvim e, por vezes Américo Silva, célebre acompanhador de Artur Paredes. Partilhámos também os palcos internacionais em espetáculos na Bulgária, na Finlândia, na Alemanha, com episódios inesquecíveis de convívio e de humor.

Os frutos do legado musical de Carlos Paredes são hoje evidentes, pela quantidade e qualidade dos intérpretes das suas peças mais difíceis, algumas das quais nem ele próprio conseguia executar em público, deixando-nos apenas o testemunho da sua gravação em disco (Movimento Perpétuo).

Como muitas vezes me confessou e eu respeitei sempre durante a sua vida ativa, não gostava de ouvir outrem a tocar as suas músicas. A partir de 1993 comecei a divulgar a sua produção citarística em conjunto com as minhas próprias peças, nos palcos de festivais e auditórios internacionais a que tive acesso, como homenagem ao seu enorme talento e à nossa amizade e companheirismo de muitos anos, testemunhado por muitos ainda hoje vivos.

Saliento também o esforço notável de Paulo Soares (1967), Coimbra, ator de uma revalorização da obra de Paredes, com a edição de partituras em notação convencional e em cifra no seu livro de 1997.

Em 1999 , com a edição do meu livro A Guitarra Portuguesa, tive também oportunidade de publicar uma antologia do repertório do instrumento, da Idade Média ao final do século XX, incluindo peças de CP transcritas por mim em partitura.

Ricardo Rocha (1974), de Lisboa, e Miguel Amaral (1982), do Porto, e nas mais novas gerações uma lista muito apreciável de intérpretes de ambos os sexos, são os frutos audíveis e continuadores do legado musical de Carlos Paredes. Que, no ano em que se celebra o centenário do seu nascimento, está mais presente nos programas de concerto do que durante a sua própria vida.

Tive o privilégio de conhecer bem Carlos Paredes, para quem, apesar da diferença considerável de idade que nos separava, depressa passei, ainda adolescente, a ser simplesmente “o amigo Nery” (como ele era, simetricamente, o “amigo Paredes”, num protocolo tácito que nunca achámos necessário superar) e um parceiro frequente, ao longo dos anos, de longas conversas sobre todas as músicas, mas também sobre história e sobre a sociedade, a política e a vida em geral.

Fui sempre, por outro lado, um admirador incondicional da sua obra, e por isso mesmo sempre me pareceu fascinante o desafio de procurar situá-lo no contexto mais amplo da vida cultural e artística portuguesa do seu tempo e, por outro lado, de tentar compreender melhor a lógica interna da sua escrita e da sua execução tão intrinsecamente originais.

Em várias ocasiões, umas vezes ainda em sua vida, outras na sequência próxima da sua morte, tive a oportunidade de escrever sobre a sua música, mas em cada novo ensaio me iam surgindo novas interrogações, novos ângulos de análise, novas pistas de leitura que só confirmavam a dificuldade de definir um fenómeno tão multifacetado e ao mesmo tempo tão coerente na sua aparente diversidade.

Cumprem-se agora cem anos sobre o nascimento de Carlos Paredes (CP) e 21 sobre a sua morte. É uma boa ocasião para refletirmos, já com a perspetiva mais ampla e a serenidade acrescida de alguma distância temporal, sobre a singularidade e a relevância invulgares daquele que foi sem qualquer dúvida um dos mais extraordinários criadores da Música Popular portuguesa do século XX.

Gostaria de aproveitar esta ocasião para enunciar, muito sinteticamente, algumas das questões que me parecem mais interessantes para esse caminho de reflexão, e faço-o aqui, de algum modo, num encadeamento livre de tópicos e de ideias, sem uma especial preocupação de aprofundamento ou de sequência estruturada.

A minha primeira questão é – se quisermos – de ordem “genética”

A minha primeira questão é – se quisermos – de ordem “genética”: de onde vem, e em que contexto se enquadra a arte de CP? E a meu ver a resposta tem de ser a da tradição específica da canção de Coimbra, tal como esta se tinha definido na geração anterior à sua na chamada “geração de ouro” de seu pai, Artur Paredes, e de uma plêiade de cantores, poetas e compositores notáveis como Edmundo de Bettencourt, António Menano, Paradela de Oliveira ou Armando Goes, entre outros.

É verdade que, como os seus contemporâneos José Afonso, Adriano Correia de Oliveira ou Luís Goes, CP viria a contestar muitos dos aspetos desse legado e a incorporar na sua música outras referências portuguesas e internacionais, mas há traços incontestavelmente coimbrões que permanecerão nela até ao fim da sua carreira:

  • uma cantilena em longas frases expressivas;
  • o ritmo muito livre em que o tempo forte do compasso é apoiado intensamente mas ligeiramente antecipado e em que o percurso entre cada acentuação e a seguinte é desenhado com um rubato generoso, sobretudo nos ritmos ternários;
  • a preferência pelas tonalidades menores, frequentemente com algum toque modal;
  • o uso de passagens em acordes dissonantes e percussivos a alternarem com os momentos de melodias acompanhadas de caráter fortemente lírico;
  • a estrutura formal rapsódica, com sucessivas secções contrastantes, pontuadas ocasionalmente por recapitulações em jeito de ritornelo.

Paredes saiu de Coimbra aos seis anos de idade, mas Coimbra nunca saiu verdadeiramente da sua música, mesmo que reconfigurada por múltiplas outras referências.

E dessas outras referências musicais, quais terão sido as mais atuantes? Seria tentador procurar encontrar equivalentes em outros grandes instrumentistas-compositores do seu tempo em outros géneros, como os da Música Popular espanhola, brasileira ou afro-americana, mas com toda a franqueza não consigo identificar traços comuns entre Paredes e um Paco de Lucia, um João Gilberto ou até, mais remotamente, um Django Reinhardt, para lá do traço comum do génio que todos partilharam (e isto apesar da parceria tão importante com Fernando Alvim, que tinha sido um dos grandes introdutores da Bossa Nova em Portugal).

Paredes saiu de Coimbra aos seis anos de idade, mas Coimbra nunca saiu verdadeiramente da sua música, mesmo que reconfigurada por múltiplas outras referências

Quando muito, não excluo algum eco distante da música brasileira das décadas de 1930 e 40, quer tanta difusão tinha tido, nesse mesmo período, no nosso País (estou a pensar no “Carinhoso” de Pixinguinha, no “Chão de Estrelas” de Sylvio Caldas, ou no virtuosimo instrumental de Jacob do Bandolim), ou mesmo, pela mesma razão, em alguns dos tangos de Carlos Gardel. Mas, ainda aqui, seria uma afinidade já herdada do caldo de cultura da geração anterior da tradição de Coimbra.

O que me parece mais plausível, mesmo que como um pano de fundo distanciado, é a influência de dois dos géneros musicais eruditos que CP mais frequentemente gostava de ouvir em disco: por um lado a música instrumental do barroco, em especial as suites e partitas de Bach (lembro-me, a este respeito, da sua proposta entusiástica de que fizéssemos juntos um disco de guitarra portuguesa e cravo, de que só o consegui dissuadir explicando-lhe insistentemente que não estava de modo nenhum à sua altura como cravista), e por outro lado a grande tradição do pianismo romântico, sobretudo no que tocava à liberdade rítmica da figuração melódica nos noturnos de Chopin ou às grandes curvas emocionais dos concertos de Rachmaninov (o seu pianista favorito era Sviatoslav Richter).

O que me parece mais plausível, mesmo que como um pano de fundo distanciado, é a influência de dois dos géneros musicais eruditos que CP mais gostava de ouvir: a música instrumental do barroco, em especial as suites e partitas de Bach, e a grande tradição do pianismo romântico

Relação de amor-ódio com a guitarra

Uma outra faceta sobre a qual vale a pena refletir é a da verdadeira relação de amor-ódio – por menos plausível que à primeira vista isso possa parecer a quem o ouça tocar –  que CP tinha com o seu instrumento. Para ele, como tantas vezes mo disse expressamente, a guitarra portuguesa era um instrumento fascinante, pelas suas capacidades expressivas e pelo seu caráter tímbrico único, mas intrinsecamente imperfeito, com uma sonoridade à partida desequilibrada entre agudos e graves e um sistema de afinação irracional.

Para ele, a sua música resultava de um autêntico combate físico com a guitarra, até encontrar as soluções técnicas que lhe permitiam superar o que considerava serem os seus defeitos estruturais e extrair dela

Para ele, a sua música resultava de um autêntico combate físico permanente com a guitarra, até encontrar as soluções técnicas que lhe permitiam superar o que ele considerava serem esses defeitos estruturais e extrair dela a sua verdadeira essência expressiva.

Por isso mesmo me lembro bem da impressão trágica que me causou, em 2000, a audição das dezenas de takes sucessivos das suas últimas sessões de gravação, em 1993, quando se faziam já sentir os efeitos da doença anquilosante que começava a afetar-lhe o domínio técnico soberano que sempre tivera, como se esse combate fosse agora cada vez mais feroz – para cada uma das passagens magníficas que acabaram por poder utilizadas na montagem final do seu último disco, a belíssima Canção para Titi, de 2001. Havia dezenas de tentativas falhadas, e sentia-se nas fitas a sua frustração e a sua raiva perante uma luta que tinha consciência de vir em breve a perder por completo.

Projetos artísticos interdisciplinares

Paredes, que era um homem de cultura muito vasta, gostava de participar como músico em projetos artísticos interdisciplinares e era capaz de se adaptar de forma ideal ao caráter de cada projeto. Foi o que sucedeu, no caso do cinema, com o filme Rendas de Metais Preciosos, de Cândido Costa Pinto, e logo em seguida com os Verdes Anos e o Mudar de Vida, de Paulo Rocha; no do teatro, com as peças O Render dos Heróis, de José Cardoso Pires, e António Marinheiro, de Bernardo Santareno, e mais tarde com a sua associação regular ao Grupo de Teatro de Campolide, de Joaquim Benite; no da poesia, como parceiro de gravações de poemas declamados por José Carlos Ary dos Santos ou Manuel Alegre; e por fim no da dança, com a música ao vivo para o bailado Danças para uma Guitarra, uma coreografia de Vasco Wellenkamp para o Ballet Gulbenkian.

Mas talvez por esse elemento de desafio interior profundamente pessoal que, como atrás referi, estava presente na sua relação com a guitarra, tinha nítida dificuldade em interagir com outros músicos.

As grandes exceções a esta realidade são, evidentemente, as de Fernando Alvim e de Luísa Amaro, os seus violistas acompanhadores, que, cada um de sua forma estavam numa total sintonia com o seu discurso rítmico idiossincrático e se lhe adaptavam: Alvim com uma intuição perfeita sobre o momento exato em que era necessário apoiar a resolução final de cada melodia da guitarra, ao fim de um longo recitativo melódico sem qualquer aparente métrica fixa; Luísa investindo menos no apoio rítmico e mais numa teia harmónica delicada envolvente.

Já as suas experiências registadas de diálogo com outro solista, como na gravação de 1983 com António Vitorino d’Almeida no piano, ou na de 1990 com Charlie Haden no contrabaixo (e Rui Veloso confessaria que o mesmo lhe sucedeu numa situação idêntica ao vivo com a sua guitarra elétrica) se traduziram, em minha opinião, numa evidente dificuldade de comunicação entre parceiros, com CP a seguir a lógica do seu próprio discurso musical – por sinal fascinante – mas sem verdadeiramente dialogar com o seu interlocutor.

Reflexões finais

Uma última reflexão que gostaria de aqui partilhar é a da frustração que não podemos todos deixar de sentir face à dimensão relativamente limitada, no plano quantitativo, do legado artístico de CP.

Primeiro porque começou tarde a sua carreira – as suas primeiras gravações, ainda como acompanhador, são de 1957, com seu pai, Artur Paredes, e de 1959, com o cantor de Coimbra Augusto Camacho, e o primeiro EP a solo, já com Fernando Alvim, é de 1962. Depois, em 1967 e 1971, respetivamente, vieram os dois grandes LPs mais emblemáticos, a Guitarra Portuguesa (logo seguida pelo EP Balada de Coimbra) e o Movimento Perpétuo, que o revelaram efetivamente ao grande público, passados já os 40 anos.

Pelo caminho tinham ficado um emprego administrativo de rotina no Hospital de São José, desde 1949, e os 18 meses de prisão pela PIDE, impeditivos de uma dedicação integral a uma plena carreira artística.

O 25 de Abril interrompeu o que parecia ser um itinerário segurado de primeira consagração internacional, e levou-o antes a optar por uma militância cívica e política à margem do circuito profissional, com constantes atuações para públicos populares em recintos muitas vezes informais, sem as menores condições técnicas de apoio e sem qualquer difusão mediática.

Em 1988 surgiria ainda um novo álbum de originais, o Espelho de Sons, mas em 1993 a doença interromperia brutalmente, de forma definitiva, a sua carreira. Viriam ainda, em 1996, Na Corrente, reunindo gravações inéditas dos anos de 1971 a 73, em em 2001, a já referida Canção para Titi, resultante da derradeira série de sessões de estúdio de 1993.

Foram sucessivos obstáculos atrás de obstáculos – primeiro a  necessidade de sobrevivência fora da esfera musical, depois a  repressão da ditadura,  em seguida a dedicação empenhada a uma causa em que acreditava, por último a maldição de uma doença degenerativa – todos eles a impedirem o que poderia ter sido o normal desenvolvimento de um percurso criativo que tivesse gozado de outras oportunidades.

Carlos Paredes com Fernando Alvim, ao qual Luísa Amaro ‘sucedeu’ como principal acompanhante

Mais uma razão para prezarmos a herança preciosa do legado discográfico que apesar de tudo nos conseguiu deixar, para a difundirmos, para a levarmos às novas gerações, para a estudarmos, para a pormos em contexto como parte fundamental da banda sonora essencial da Cultura portuguesa do século XX.

E para isso seria triste se, mais uma vez, perdêssemos – como em boa parte a perdemos no caso do de Amália – a oportunidade aberta pela celebração deste centenário para que da simples efeméride possa ficar uma marca perene.

Há algumas boas notícias, como a da anunciada reedição expandida do estudo excelente de Otávio Fonseca, pela Tradisom, ou a do projeto de uma exposição biográfica itinerante com forte conteúdo pedagógico, promovida por um grupo de Coimbra, e sabe-se e o Ministério da Cultura já divulgou uma ampla programação das comemorações do centenário.

Mas será, por exemplo, que desta vez a RTP aceitará disponibilizar ao público, em vídeo e nas plataformas digitais disponíveis, os registos audioviduais de Carlos Paredes de que dispõe, ou que a Valentim de Carvalho terá o apoio necessário para se poder abalançar uma tão urgente reedição da sua obra fonográfica integral, que saiu já em 2003? 

Em Lisboa ou em Arcos de Valdevez, no LUX ou na Aula Magna, ao longo do próximo mês dezenas de concertos fazem subir a diversos palcos os mais variados projetos da música nacional.

Orquestra Metropolitana de Lisboa no São Luiz

Inserido no extensíssimo programa das comemorações do centenário do nascimento de Carlos Paredes, o concerto especial de homenagem ao músico, preparado pela Orquestra Metropolitana de Lisboa e agendado para 5 de fevereiro, no São Luiz Teatro Municipal, é uma espécie de diálogo entre Carlos Paredes e a música erudita.

O programa passa por Luigi Cherubini, Frederico de Freitas, Niccolò Paganini, mas também temas de Paredes com orquestrações de Miguel Amaral,Tiago Derriça e Pedro Neves, que é o maestro titular da orquestra.

Perpétuo – Tributo a Carlos Paredes no CCB

Perpétuo, um espetáculo multidisciplinar com direção musical de João Paulo Soares e coreografia de Guilherme Leal, terá lugar a 6 de fevereiro no Centro Cultural de Belém (CCB) e contará com quatro guitarristas – Bernardo Couto, Gaspar Varela, Ricardo Parreira e Luís Guerreiro, a que se juntam Nelson Aleixo (viola), Francisco Gaspar (viola baixo), Ricardo Toscano (saxofone), Maria Sá Silva (harpa), Máximo Francisco (piano), Lúcio Studer (violeta), Ana Raquel Pinheiro (violoncelo), Denys Stetsenko e Raquel Cravinho (violino). E ainda os bailarinos Guilherme Leal e Margarida Belo Costa (bailarinos).

Sons de Vez em Arcos de Valdevez

O Sons de Vez está de volta a Arcos de Valdevez. Na sua 23ª edição, aquele que é o primeiro festival de música do ano faz subir ao palco da Casa das Artes 14 projetos da música nacional.

O festival arrancou com Capitão Fausto e Bilrus, a 1 de fevereiro, e continuará, nos próximos sete sábados, com Mazgani e Ana Lua Caiano (8 fev), Selma Uamusse e emmy Curl (15 fev), Ana Moura (22 fev), The Last Internationale e Unsafe Space Garden (1 mar), Marta Ren e A Sul (8 mar), Jorge Cruz e Diogo Zambujo (15 mar) e Mão Morta (22 mar).

Além dos concertos, tal como tem acontecido nos anos anteriores, inaugura-se, no Foyer do Auditório da Casa das Artes, uma exposição fotográfica com a compilação dos momentos mais marcantes da edição anterior.

Máximo Francisco em tour

Um ano após o lançamento de Greatest Hits, Máximo Francisco lança Pangea, grito musical de alerta para a “eco-ansiedade” que o artista confessa sentir em si e em muitos dos seus contemporâneos, perante “a ameaça de extinção total” do meio ambiente, o qual afirma ter retratado “musicalmente de uma forma quase impressionista, não-linear e sensorial”.

Em fevereiro, promove o álbum numa tour nacional, que passará pelas cidades de Pombal (21), Porto (22), Coimbra (23) e Lisboa (28), ao longo da qual será acompanhado por um trio de piano, bateria e baixo elétrico, que se entregará ao improviso, tornando cada performance única.

O mindfulness é o conceito de base para o Opera Air, o novo navegador minimalista da Opera. O programa tem funcionalidades para relaxamento, concentração, descanso e outras que são mais típicas em aplicações de meditação. Além do design mais calmo e tranquilo, o programa encoraja os utilizadores a tirarem pausas regulares enquanto navegam.

Os utilizadores podem escolher quatro tipologias de pausas no Air: exercícios de respiração, exercícios para o pescoço, meditação e ‘análise corporal completa’. Com exercícios de respiração e a meditação, é possível, em teoria, acalmar e baixar os níveis de stress, com exercícios para o pescoço a ideia é ajudar a aliviar os músculos daquela região, enquanto a ‘análise corporal completa’ sugere fazer uma meditação focada em várias partes do corpo e nas sensações.

As pausas podem demorar entre três e 15 minutos, e o utilizador pode escolher tomá-las voluntariamente ou definir uma recorrência automática, noticia o Engadget.

Também para ajudar a aumentar a criatividade e o foco, a Opera incluiu neste navegador batidas binaurais, que criam uma ilusão sonora com recurso a duas frequências diferentes em cada ouvido, levando o cérebro a ‘imaginar’ uma terceira frequência. Uma das alegações deste navegador é que algumas funcionalidades podem mesmo ajudar o utilizador a lembrar-se dos seus sonhos.

A Zeekr recebeu no final de 2024 a distinção para carregamento mais rápido de bateria de um veículo elétrico, com o modelo sedan Zeekr 007. Agora, a empresa anunciou o Zeekr 7X, um modelo cuja bateria pode carregar dos 10% aos 80% em apenas nove minutos e 45 segundos, um novo recorde mundial. A marca Zeekr pertence ao Geely Holding Group, que também detém a Lotus e a Volvo.

A tecnologia de carregamento rápido já foi posta à prova em testes em ambiente real e surge agora no SUV 7X da marca sob a forma de uma bateria de 75 kWh LFP (de lítio, ferro e fosfato). Esta abordagem substitui as baterias mais convencionais de níquel, cobalto e manganês.

Segundo a publicação Interesting Engineering, que partilha o vídeo do canal de youtube Out of Specs Review, os testes feitos mostram que é possível descarregar completamente a bateria e obter depois um recarregamento integral em 19 minutos, usando a rede de carregamento proprietária da Zeekr. Nesta rede há um carregador de 840 kW, bem mais avançado do que os carregadores de 350 a 400 kW encontrados nas redes públicas. A rede vai expandir-se para mercados como Austrália e Tailândia, existindo já em 2700 locais na China, número que deve ser duplicado este ano e chegar aos 10 mil em 2026.

A Zeekr alega que o SUV 7X pode recuperar autonomia para até 33,7 quilómetros por minuto ligado à corrente.  

A 6 de janeiro, a Indonésia formalizou a sua integração no BRICS, inicialmente formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, aos quais se juntaram Egito, Etiópia, Irão e Emirados Árabes Unidos em 2024. O bloco representa 40% da população global e 35% do PIB mundial.

Enquanto Widodo, o antigo presidente, considerou a decisão arriscada por colocar em causa a relação com o Ocidente, Subianto, Presidente desde 2024, não teve as mesmas preocupações. Após a integração, o ministro dos Negócios Estrangeiros reforçou a importância de dar voz aos países do Sul Global para equilibrar a balança de poderes e projetar a Indonésia no palco da diplomacia mundial enquanto economia emergente.

Apesar das intenções neutras da Indonésia, a sua integração numa organização fortemente influenciada pela China e pela Rússia poderá ter implicações diplomáticas com o Ocidente. Este artigo analisa as causas políticas que levaram a esta decisão fragmentária com a tradição diplomática da Indonésia, as suas implicações no palco das Relações Internacionais e no futuro do Global South.

Desde a sua formação como Estado independente nos anos 50 e após ter sido palco de disputas entre a União Soviética e o Ocidente aquando da Guerra Fria, a Indonésia tem-se apresentado como membro não-alinhado, relativamente neutro aos dois blocos. No entanto, o seu posicionamento anticomunista durante a ditadura de Sukarno, que encabeçou purgas violentas contra a ideologia vigente na China e URSS, aproximava o país dos objetivos dos Estados Unidos. Por essa razão, o país era apontado como um silencioso aliado do Ocidente, enquanto escondia antigas contendas com a China, identificada como culpada pelo crescimento do comunismo no país. A Indonésia tem-se mantido vigilante do extremismo islâmico, bem como de ideologias de esquerda, conservando uma posição nacionalista de direita há mais de meio século.

O panorama diplomático alterou-se significativamente com a subida de Yudhoyono ao poder em 2004 sob o lema “mil amigos e zero inimigos”. No entanto, a China nunca foi considerada aliada, principalmente em 2016, quando as disputas territoriais no Mar do Sul da China deterioraram as relações com Beijing.

Com a eleição de Subianto, mais nacionalista e pró-militarização que Jokowi, a já há muito discutida integração no BRICS formalizou-se. Com a polarização crescente entre os dois eixos e o isolamento dos Estados Unidos, reforçado pela tomada de poder de Donald Trump, a Indonésia ficaria associada ao eixo Rússia-China, opondo-se ao seu tradicional posicionamento diplomático.

Mas porque poderá a integração nos BRICS afastar a Indonésia do Ocidente? A resposta está nas intenções de desdolarização da economia e eventual criação de uma moeda única para a organização, ideia que não agradou aos Estados Unidos. Na verdade, a organização quer independentizar-se do eixo Ocidental e apresentarse como uma alternativa ao clássico G7. Como primeiro país do Sudeste Asiático a juntar-se ao BRICS, a Indonésia pode abrir caminho a outros países outrora próOcidente, como a Tailândia e a Malásia.

Sob outra perspetiva, este passo significa um aproximar do Global South, anteriormente não-alinhado, à Rússia e à China. Reforça que, apesar das sanções do Ocidente, a Rússia continua a ter valiosos aliados. Isto não significa que o BRICS seja um “clube anti-Ocidente”. No entanto, o conflito na Ucrânia desenhou dois lados distintos – os que apoiam e os que sancionam a Rússia.

Existe ainda uma terceira perspetiva – a do mundo islâmico. A Indonésia, a mais populosa democracia islâmica do mundo, junta-se agora ao Egito e aos UAE. Com o apoio dos Estados Unidos a Israel durante o conflito na Palestina, vários países islâmicos, incluindo a Indonésia, interpelaram o Ocidente para que reconheça a Palestina e para que cesse o apoio a Israel – o que reforça o afastamento dos Estados Unidos.

Em conclusão, esta notícia significa um fortalecimento para o Sul Global enquanto atores essenciais no palco mundial e um possível crescimento do apoio à China e à Rússia. Quanto ao Ocidente, o risco de perder aliados valiosos no Sudeste Asiático é iminente e tem tendência a piorar com as atitudes irracionais de Trump no futuro. Foque-se o seguinte: o Sul Global deve ser tomado em conta, o seu apoio deve ser procurado, e o seu papel no equilíbrio East – West não deve ser menosprezado, partindo a velha muralha entre “mundo desenvolvido” e “em desenvolvimento”.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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Há já algum tempo que a Huawei se tem afirmado no segmento do áudio. Tanto com as gerações anteriores do FreeBuds Pro, reconhecidas pelos graves imponentes e pelo sistema de supressão de ruído eficaz, como pelas versões mais acessíveis, como os FreeBuds 6i, que mereceram elogios pela boa qualidade sonora. Agora, com os FreeBuds Pro 4, a marca chinesa volta a dar um salto qualitativo, afirmando-se entre os auriculares de referência no mercado.

Existem vários pormenores que deixam transparecer o ‘cheiro’ a produto premium. A caixa é elegante e tem dimensões reduzidas, o que facilita o transporte nos bolsos das calças. Na zona de abertura da tampa, encontra-se uma linha fina dourada que confere um toque de classe. E depois, claro, os auriculares: leves, com um formato fino e também com detalhes dourados que elevam a aparência.

O nível de exigência é grande aqui na Exame Informática, depois do teste de grupo a auriculares sem fios que fizemos recentemente, no qual encontrámos opções para todos os gostos e carteiras. Tendo isto em conta, os FreeBuds Pro 4 posicionam-se muito bem perante aqueles que, neste nível de preço, consideramos a referência do momento no mercado: os Bose Quietcomfort Earbuds, especialmente no que toca ao cancelamento de ruído.

Veja mais imagens dos auriculares:

Cancelamento de ruído muito eficaz

Ficámos agradavelmente surpreendidos com a experiência proporcionada por este modelo da marca chinesa. É certo que a Huawei promete um cancelamento de até 108 decibéis, mas será que cumpre? Depois de testados em diferentes situações, podemos garantir que são muito bons. Mesmo com o volume a ‘meio gás’, conseguimos eliminar a perceção da maioria do ruído à nossa volta. Até em situações mais exigentes, como obras realizadas pelos vizinhos do lado, os resultados foram convincentes e permitiram-nos um isolamento quase total do que se passa à nossa volta.

Perante este aspeto positivo, entregamo-nos ao que mais importa: música, música e mais música. Foi assim desde que estes auriculares chegaram às nossas mãos — ou melhor, aos nossos ouvidos. Passámos horas a ouvir música e, de facto, a qualidade sonora é impressionante: há muita nitidez e, acima de tudo, um bom equilíbrio entre os sons. Não sentimos que a Huawei tenha dado mais atenção a uma frequência em detrimento de outra. A experiência sonora é convincente em todo o espectro sonoro. Os graves são impactantes e deixam claramente a sua marca.

Por outro lado, as frequências médias são limpas, permitindo distinguir perfeitamente os diferentes instrumentos mesmo quando temos uma voz em primeiro plano. E, por fim, os agudos. Para analisarmos melhor, colocámos a icónica Celine Dion a tocar, com My Heart Will Go On, do filme Titanic, e ficámos ainda mais certos de que estes são auriculares de topo – não sentimos qualquer distorção ou ruído, mas sim uma reprodução exemplar.

Borrachas para todos os gostos

Se tem dificuldades em manter os auriculares ajustados nas orelhas, a Huawei apresenta uma solução prática nos FreeBuds Pro 4. Na embalagem, além das pontas de silicone que vêm com os auriculares, a marca inclui mais seis pares, divididos entre três conjuntos de silicone mais suave e três de silicone rígido e compacto, permitindo uma adaptação personalizada.

Durante a nossa utilização, sentimos que as pontas de silicone tradicional destacam-se pelo conforto, garantindo um ajuste seguro, mesmo durante movimentos bruscos. Por outro lado, as pontas mais rígidas oferecem maior isolamento acústico, proporcionando uma experiência sonora mais imersiva, ainda que com um nível de conforto inferior.

Chamadas sem interrupções

A qualidade das chamadas é um dos principais destaques, graças à clareza e nitidez proporcionadas pelos FreeBuds Pro 4. Estes auriculares conseguem distinguir a voz e colocá-la em evidência, permitindo que quem está do outro lado tenha uma conversa estável, mesmo em ambientes ruidosos, graças ao eficaz isolamento de ruído. Em chamadas, com o cancelamento ativo de ruído (ANC) ligado, a Huawei promete uma autonomia de cerca de 3,5 horas.

Contudo, é importante notar que estes auriculares não se destacam pela duração da bateria. Ao ouvir música ou podcasts, por exemplo, a autonomia máxima com o ANC ativado é de 4,5 horas, subindo para 6,5 horas com o ANC desligado. Estes números são modestos quando comparados com outros modelos concorrentes no mesmo segmento de preço.

Por fim, o preço é ajustado e equilibrado, sobretudo se tivermos em conta a qualidade sonora disponibilizada e o muito bom cancelamento de ruído, que elevam estes auriculares para um patamar superior.

Tome Nota
Huawei FreeBuds Pro 4– €199,99
huawei.com/pt

Som Muito Bom
Cancelamento de ruído Muito Bom
Autonomia Bom
Conforto Muito bom

Características Frequências: 14 Hz – 48.000 Hz ○ Driver duplo de 11 mm ○  3 microfones ○ Codecs: L2HC/LDAC, AAC ○ Cancelamento Ativo de Ruído (ANC) ○ Autonomia anunciada:  4,5h reprodução (ANC) ○ Bluetooth 5.2  ○ IP54 ○ 29,1×21,8×23,3 mm ○  5,8 g

Desempenho: 4,5
Características: 4,5
Qualidade/preço: 4

Global: 4,3

De acordo com as conclusões do relatório da Polícia Judiciária sobre a morte de Odair Moniz, na Cova da Moura, Amadora, a 21 de outubro do ano passado, existem incongruências nas declarações dos vários agentes da PSP, que se deslocaram ao local, sobre a existência de uma arma branca. No relatório, consultado pela agência Lusa, consta que alguns elementos da PSP disseram ter visto a faca na chegada ao local, enquanto outros afirmaram que só a identificaram após o corpo de Odair Moniz ter sido retirado pela equipa médica. Já um terceiro grupo de elementos da Polícia de Segurança Pública afirma nunca ter visto nenhuma arma branca.

Algumas das diferentes versões dos acontecimentos, dadas por vários agentes de autoridade chamados à Cova da Moura na madrugada de 21 de outubro, contrastam com as declarações inicialmente dadas pelo elemento da PSP, acusado do homicídio de Moniz, que afirma ter sido ameaçado com uma faca.

No relatório constam detalhes como, por exemplo, a declaração de um dos elementos da PSP, que afirma ter visto a faca a cerca de 50 centímetros do corpo de Odair Moniz e próximo da sua mão esquerda. Já outro agente disse que a arma branca se encontrava junto ao corpo de Odair, ao nível da anca.

Existem também incongruências na forma como dois elementos da investigação criminal da PSP descreveram os factos passados naquela madrugada. O primeiro agente afirmou que, apesar de ter estado muito próximo do corpo, só viu a faca quando a equipa médica removeu Odair do local. Já o segundo elemento disse não ter visto qualquer objeto na primeira vez que esteve no local e que, só depois de se ter ausentado por alguns minutos, é que reparou na arma branca. De acordo com as imagens recolhidas, a PJ afirma que estes dois polícias de investigação criminal estavam praticamente no mesmo sítio, apesar de terem versões diferentes sobre a existência de uma arma branca junto a Odair Moniz.

Segundo o relatório da PJ, a estas incongruências junta-se o facto de o agente que baleou Odair ter feito declarações diferentes aos colegas – a quem disse ter sido ameaçado com uma faca – e aos superiores hierárquicos – não tendo mencionado qualquer tentativa de agressão ou a existência de uma arma branca.

Nas primeiras declarações à PJ, o agente não mencionou qualquer tentativa de agressão por parte de Odair e afirmou ter visto, numa das bolsas que Odair usava à cintura, um objeto parecido com uma faca, que o cabo-verdiano terá tentado alcançar. Já no auto de notícia que foi enviado ao MP, feito pela PSP, o polícia disse que o Odair tinha uma arma branca na mão e que o tentou agredir na cabeça.

No relatório, a PJ admite a possibilidade de o agente não ter sido o autor do auto de notícia e o Ministério Público já determinou a extração de certidão para investigar a alegada falsificação do documento. Na altura, a comunicação da PSP explicava que um homem, Odair Moniz, foi baleado fatalmente pela polícia, na Cova da Moura, após ter “resistido à detenção e tentado agredi-los [os agentes] com recurso a arma branca”.

O agente da PSP e arguido encontra-se atualmente de baixa, sem previsão para regressar ao trabalho.