Ao ouvir o genérico de The Agency, se lhe apetecer rebobinar e voltar a ouvir saiba que não está sozinho. A voz de Jack White, metade da dupla The White Stripes, entoa com rasgo Love is Blindness, uma canção original dos U2 (esta mesma versão fez parte da banda sonora do filme The Great Gatsby de 2013).

Essa energia inicial vai contrastar com a calma aparente da personagem principal, pelo menos nos primeiros três a quatro episódios. Paul Lewis, identidade falsa de Martian (Michael Fassbender), é um agente da CIA que ao terminar uma operação secreta volta aos escritórios em Londres. Segue-se o ajuste da sua rotina profissional com a vida pessoal, e são muitos os desafios a causar-lhe dilemas morais e éticos.

Neste regresso, a avaliação psicológica é obrigatória, mas há segredos que acabam por vir a lume. O caso amoroso com Samia (Jodie Turner-Smith), iniciado durante a missão, não abona a seu favor, até porque ela é uma sudanesa reta que ambiciona lutar para tornar o seu país melhor.

As responsabilidades profissionais são, por vezes, fintadas pelo coração deste agente da CIA. Trair a pátria, capturar os inimigos da nação, manter a normalidade das operações secretas e das missões políticas e travar ameaças à segurança nacional nem sempre são temas fáceis de narrar, sem cair ou no exagero ou no previsível.

Mas The Agency consegue um bom guião em que as palavras nunca são literais, havendo sempre subtexto. As mentiras são necessárias e cada mensagem pode ter um significado duplo ou até mesmo triplo.

The Agency não se baseia numa história verdadeira, mas numa outra série que é, na verdade, baseada em relatos reais de antigos espiões. The Bureau (Le Bureau des Légendes), uma produção francesa que durou cinco temporadas, entre 2015 e 2020, alcançou o terceiro lugar no Top 30 do New York Times dos melhores programas televisivos internacionais da década.

The Agency > Skyshowtime > Estreia 10 fev, seg (2 episódios) > 10 episódios, um novo cada segunda

Diariamente, são abatidos mais de 221,8 milhões de animais em todo o mundo para satisfazer a procura de carne. Só galinhas, morrem 2300 por segundo.

Infografia: Manuela Tomé

Trump é um alívio para Putin. São velhos amigos e, entre a primeira e a segunda presidência, começou uma guerra na Ucrânia, que todos os dias destrói e mata. A guerra não acabou em 24 horas, como garantia o presidente, mas o primeiro telefonema da Casa Branca foi para o Kremlin e não para Kiev.

Zelensky está visivelmente preocupado. O maior aliado civil e militar congelou a entrega de equipamentos militares e dinheiro, o que obrigou o presidente ucraniano a aceitar a chantagem americana: quid pro quo. Isto por aquilo, o que Trump afinal sempre gostou. Ajuda e armas em troca de metais estratégicos raros!

Washington, nestes dias – e nos próximos –, não é a capital americana, mas um entreposto tarifário e imobiliário, comandado por um negociante de feira. Ali, trocam-se todo o tipo de mercadorias, amizades e ameaças.

Ainda não passou um mês e o presidente americano já se indispôs com vizinhos, aliados e inimigos. À velocidade a que vai, ainda se estampa. Zelensky está nas mãos de Trump, que ainda não sabe o que fazer com ele. Os metais raros também podem passar por uma mudança na Presidência da Ucrânia. Na russa, ninguém mexe, claro.

A guerra vai acabar este ano, como garantem em Kiev, mas à custa de território ocupado e de uma negociata a dois sobre o destino de um terceiro. A NATO tem 31+1 países e não pode ser apenas o mais forte a governar a Aliança. A UE tem de criar com urgência o seu pilar de defesa e segurança, e as duas potências nucleares europeias, para efeitos de apocalipse, têm o mesmo peso aniquilador que a Rússia ou os EUA.

É com isso que Londres e Paris podem pôr Putin e Trump na linha, recusando-se a aceitar que Zelensky se ajoelhe para obter paz. Se a Europa e outros aliados não conseguirem manter erguida a bandeira azul e amarela, os dois manhosos dividirão a Ucrânia à sua vontade. Agora, mais do que nunca, Kiev precisa de ajuda militar poderosa e imbatível. Tudo, ou quase tudo, joga-se na ofensiva em Kursk.

Menu de metais raros ucranianos para o palato de Trump: Titânio. Lítio. Terras-Raras. Zircônio. Berílio. Níquel e Cobalto. Só para degustar.

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O descanso chinês!

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Viva, bom-dia  
Maria Teresa Horta – que morreu na terça-feira passada, 4, aos 87 anos – teve uma vida cheia. E não só a soube viver como, pode dizer-se, a viveu intensamente: da literatura ao feminismo, passando pelo jornalismo, ofício do qual nunca se libertou completamente. “Nunca deixou de estar preocupada com o mundo, de ser jornalista”, comenta Patrícia Reis, também ela jornalista e escritora, responsável pela biografia da autora de Minha Senhora de Mim

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Às 7h12 de 26 de janeiro, o Folha Nacional publicou um artigo intitulado “CHEGA perto dos 20% em intenções de voto”, a partir de uma sondagem realizada pela Aximage para o jornal do Chega. A abrir, a notícia, não assinada, dizia que, “Se as legislativas se realizassem agora, o CHEGA alcançaria perto dos 20% das intenções de voto, ou seja, ultrapassaria o valor que obteve nas eleições de março 2024 (18%)”.

Seguem-se os resultados dos outros partidos. “Em primeiro lugar, está a Aliança Democrática com 26,9% e em segundo o PS com 24,7%. Ainda assim, ambos os partidos desceram nas intenções de voto, face às eleições legislativas de março.” Lê-se ainda que IL tem 5,8%, BE, 4,1%, Livre, 3,2%, CDU, 3%, e PAN, 2,3%.

Estranhamente, o único partido que não tem direito a um resultado exato, até às décimas, é o próprio Chega.

Uma vez que o jornal do partido só divulgou dados parciais da sondagem (o que parece ser prática habitual), a ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) esperou 15 dias para disponibilizar a sondagem no seu site. Consultado o inquérito, percebe-se que, na verdade, o Chega obtém 19% das intenções de voto, o que pode ajudar a explicar a razão pela qual o Folha Nacional preferiu dar o resultado aproximado – é que na sondagem anterior, depositada na ERC a 29 de novembro e também encomendada à Aximage, o partido tem 19,5% das intenções de voto. A linguagem criativa na forma de apresentar os resultados desta nova sondagem (“perto dos 20%”) não permite perceber essa ligeira queda de 0,5%.

O que mais ficou de fora?

Uma hora e 33 minutos após o primeiro artigo, o Folha Nacional publicou mais um a partir da sondagem, com o título “30% admite votar em André Ventura para Presidente da República”. O artigo, com três parágrafos (fora a ficha técnica, que tem quase o dobro dos caracteres do que a notícia em si), diz que “cerca de 30% dos inquiridos” admitiu que poderia votar em Ventura nas presidenciais. Mais uma vez, é usada uma expressão (“cerca de”) a indicar um resultado aproximado, o que não se compreende, uma vez que o inquérito dá exatamente 30%.

André Ventura apressou-se a capitalizar o resultado, publicando quase imediatamente uma mensagem no X (ex-Twitter) a agradecer a “confiança” dos portugueses, acompanhada por uma imagem e um link do artigo.

Estes dois artigos são tudo o que o Folha Nacional extraiu da sondagem que encomendou. Mas o inquérito incluiu também uma avaliação dos líderes partidários, que não foi revelada pelo jornal. E não é difícil perceber porquê: dos cinco líderes avaliados, André Ventura é, de longe, o que reúne mais avaliações negativas: 55% dos inquiridos diz que, nos 30 dias anteriores, o líder do Chega tem atuado mal (18%) ou muito mal (37%). Mais nenhum líder ultrapassa 50% de opiniões negativas.

Pedro Nuno Santos é o segundo líder mais impopular, com 46% dos inquiridos a opinar que o líder do PS tem atuado mal ou muito mal; seguem-se Nuno Melo (43%) e Rui Rocha (38%). Luís Montenegro é o mais popular, com 37% de opiniões negativas e 51% de positivas, sendo o único dos líderes avaliados a ter mais opiniões favoráveis do que desfavoráveis.

Estes resultados não tiveram direito a publicação nas redes sociais de André Ventura.

Palavras-chave:

Existe um pedaço de Lisboa, uma cidade dentro da cidade, que se esconde por detrás de um enorme portão que fica na Rua do Grilo, do lado oposto ao já recuperado Hub Criativo do Beato (agora mais pomposamente apelidado de Beato Innovation District). É a ala norte da antiga Manutenção Militar.

Por estes dias, e desde que este enorme espaço de sete hectares se fechou aos militares, em 2015, poucos o conhecem ou podem aproveitá-lo. Trata-se de um conjunto de 15 edifícios de dimensões consideráveis que, no momento atual, não serve praticamente a ninguém, à exceção da parte destinada a alojamento para pessoas em situação de sem-abrigo (depois de fechado o Quartel de Santa Bárbara, em 2024) e da que serve de casa ao Regimento de Sapadores de Lisboa, retirado de Santos por causa das obras de extensão do metro. E também dá guarida a sete famílias que terão sido trabalhadores da Manutenção e que, por aparente esquecimento, ainda habitam por aqui, lá mais para cima. Ambas as situações, sem-abrigo e bombeiros, sempre foram encaradas como temporárias…

Património Em cada espaço que se abre, como este cineteatro em ótimo estado de conservação, com capacidade para mais de 500 pessoas, cai-nos a boca de espanto. Não há de querer Silvino Correia, presidente da Junta de Freguesia do Beato, que tudo isto se abra à população?

É, aliás, a vedação em rede que delimita a área das pessoas nessa situação, no edifício logo à entrada, que impressiona mal se passa o portão, pois faz lembrar as imagens que temos de campos de concentração. Um segurança controla, em permanência, as entradas e saídas e garante que não haja interações entre quem está do lado de dentro e quem está do lado de fora da rede. Por causa disso, quase nem reparamos na lindíssima árvore-da-borracha nem na araucária que nos recebem à entrada, do lado direito. E não são os únicos exemplares de botânica dignos de registo. Basta olhar para cima para encontrar, por exemplo, alguns pinheiros de estatura bem elevada.

À boleia do presidente da Junta de Freguesia do Beato, Silvino Correia, passamos por este apertado crivo e assim podemos observar como alguns dos armazéns estão de portas abertas, vidros partidos e telhados permeáveis, à mercê do frio e da chuva, a acumular lixo, a ficar cada vez mais degradados, tornando-se um isco para os ratos e outros animais não desejados. Se duvida deste cenário, siga-nos numa viagem à ala norte da antiga Manutenção Militar, que a sul já está pomposa e a servir de casa aos unicórnios da cidade. Em breve abrirá, do lado de lá da rua, o Museu de Lisboa – Fábrica de Moagem, para se mostrar o que resta do património industrial deste singular complexo militar.

Daqui saía muita comida

Mas deste lado a história é outra. Quando a Manutenção foi criada, pelo decreto de 11 de junho de 1897, e se instalou no antigo Convento das Agostinhas, no Beato, fazia tudo parte do mesmo complexo. A sua origem remonta a 1772, data em que é atribuída ao Estado a responsabilidade pela alimentação dos militares, à semelhança do que se passava noutros países europeus. Cria-se então, em 1811, o Comissariado de Víveres do Exército, mas só 50 anos depois se inicia, ainda a título experimental, o fabrico e o fornecimento de pão.

Como a experiência correu bem, nasce a Padaria Militar, em 1862, a génese do que viria a ser, por fim, três décadas volvidas, a Manutenção, onde se moíam os cereais para se fabricar pão, massas, bolachas, todo o tipo de pastelaria, se refinava açúcar, se fabricava conservas, se matava o gado e se armazenava azeite e vinho.

Nos seus tempos áureos, chegou a empregar mais de três mil trabalhadores. Na freguesia do Beato, era comum ter-se alguém da família que pertencesse à Manutenção, tal como recorda o atual presidente da junta, nascido no território e ele próprio com memórias deste complexo industrial, criado de raiz nos finais do século XIX.

A partir de 1961, abrem os supermercados destinados a apoiar as famílias dos militares, na altura destacados na Guerra do Ultramar, como forma de as compensar pelo envio de tropas para África. Com o fim desse conflito, a independência das colónias e a redução do efetivo militar, a Manutenção começa a perder razão de ser e vê-se obrigada a uma reorganização que resulta no seu redimensionamento. Já em 1994, passa a desempenhar a missão de apoiar logisticamente as forças nacionais destacadas em países estrangeiros, mas essa função durará apenas mais duas décadas.

Governo mudo e quedo

Durante quase 120 anos, o projeto assinado pelo capitão de engenharia Joaquim Renato Batista, encravado entre o rio e o caminho de ferro, na zona oriental da capital, tratou de alimentar quem alinhava no Exército e partia para combater, desde a I Guerra Mundial à nossa Guerra Colonial.

Depois da saída definitiva dos militares, começa a tratar-se muito lentamente da ala Sul, deixando-se o lado Norte votado ao esquecimento, pelo Ministério da Defesa. Quando, em 2022, José Sá Fernandes, ex-vereador dos espaços verdes da Câmara Municipal de Lisboa, entra por aqui adentro, para instalar a sede da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que aconteceu em agosto de 2023, nem acredita no que encontra.

Ao mesmo tempo que prepara a chegada do Papa e recebe centenas de voluntários de todos os pontos do mundo neste espaço, o advogado e a sua equipa encarregam-se da limpeza dos 15 edifícios, cada um maior do que o outro, e em estado avançado de decomposição. “Tirei daqui muito lixo e mandei embora ratos. Fiz um levantamento de todo o mobiliário que havia nos armazéns e doei a maioria à junta.”

Tratou-se de uma completa recolha de dados do ponto de vista arquitetónico e estrutural. Agora, falta melhorar a iluminação, arranjar as coberturas (algumas ainda com amianto), pôr ventilação e insonorização, especialmente para os casos dos estúdios de música. As enormes arcas frigoríficas, com pesadíssimas portas cobertas de madeira escura, parecem perfeitas para esse fim.

Memórias Dos tempos áureos ainda restamo reservatório de água (transformado em habitação), os campos polidesportivos (sem uso aparente)e as extensas áreas exteriores, agora deterioradas

No edifício que serviu de casa à JMJ, ainda hoje em perfeito estado, e com um belíssimo jardim à sua frente, estão esquecidos na parede chapéus – a imagem de marca de Sá Fernandes – e blocos com frases inspiradoras para serem lidas diariamente por quem aqui trabalhava. A última, datada de 31 de dezembro, o derradeiro dia em que aqui estiveram, atribuída ao filósofo Heraclito, parece premonitória: “Se não esperares o que aparenta ser impossível, nunca o terás.”

Na cabeça de Sá Fernandes, este impossível em concreto resolve-se com 50 milhões de investimento, assim esteja o atual Governo interessado em dar estes sete hectares à cidade e aos seus habitantes, suportando um projeto auspicioso de apoio às artes. Até agora, passado mais de um mês sobre o momento em que apresentou o seu sonho em forma de relatório, nem uma palavra do lado de lá. A VISÃO tentou, várias vezes, contactar a Presidência do Conselho de Ministros, mas não obteve resposta. Sabemos que batemos à porta certa: primeiro, porque foi para este ministério que Sá Fernandes enviou os papéis; segundo, porque a ESTAMO, Participações Imobiliárias, que atua em nome e por conta do Estado na gestão do seu património, nos respondeu o seguinte: “De momento, os imóveis em causa não estão na gestão desta sociedade. Os imóveis permanecem afetos à Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, atualmente Secretaria-Geral do Governo. Tendo o Grupo de Projeto terminado o seu mandato a 31 de dezembro de 2024, aguarda-se a decisão quanto aos termos e condições de futura gestão destes imóveis propriedade do Estado.”

15 dias depois de ter saído por aquele portão, deixando para trás um património inigualável, sem que alguém cuidasse dele, José Sá Fernandes estava a encabeçar um abaixo-assinado, que em semanas reuniu perto de três mil assinaturas, junto de 53 personalidades da cultura, como os músicos Camané, Gisela João, Paulo Furtado (The Legendary Tigerman), Ricardo Ribeiro, Selma Uamusse, Tó Trips e Xana (Rádio Macau), os ilustradores André Carrilho, Cristina Sampaio, João Fazenda e Nuno Saraiva, as atrizes Inês Castel-Branco e Margarida Vila-Nova, os fotógrafos Augusto Brázio, Clara Azevedo e Mário Cruz e o musicólogo Rui Vieira Nery.

Um sonho chamado Bairro do Grilo

Nele se pede ao Governo “a continuidade e concretização de um projeto de requalificação das antigas instalações da Manutenção Militar, Ala Norte, situadas na Freguesia do Beato, em Lisboa. Esta área, de cerca de sete hectares e 15 edifícios, deve ser recuperada e reabilitada de forma a responder às prementes necessidades habitacionais, sociais, culturais e estudantis da cidade e do País”.

No sonho chamado Bairro do Grilo, haverá 200 habitações a preços acessíveis e outras tantas para estudantes, a integração digna para populações em situação de vulnerabilidade (“faz-se com pontes e não com muros ou vedações”, lembra Sá Fernandes), mas acima de tudo a garantia de espaços, em coworking ou nem por isso, para artistas dedicados a ilustração, fotografia, moda, artes plásticas, música, dança, teatro ou novo circo, cada um com mais de mil metros quadrados. A Casa do Freguês será como a porta de entrada para esta vida toda e para onde se mudará a junta de freguesia, a funcionar atualmente em instalações pouco dignas.

No princípio, era a ilustração

Da única vez em que a antiga ala norte da Manutenção Militar se abriu à população foi para se apreciar a mostra Para o Boneco, que reuniu os maioresda ilustração em Portugal, e para se conhecer os planos para o tal Bairro do Grilo

“Uma ilustração não é uma arma, mas pode ferir”, lê-se, em letras garrafais, assim que se entra neste enorme armazém onde, a 23 de novembro de 2024, se organizou uma exposição com 106 “bonecos”, resultado de uma seleção do que de melhor se faz nas áreas da ilustração e da banda desenhada imortalizada em revistas, jornais ou até em murais.

A iniciativa partiu do designer e diretor de arte Jorge Silva. A ele juntou-se uma comissão ad hoc de sete ilustradores de topo, como André Carrilho, Nuno Saraiva, André Letria, João Fazenda, António Jorge Gonçalves, Ricardo Henriques e Catarina Sobral. E, desde então, o entusiasmo não se extinguiu. À falta de um sindicato ou de uma associação, estes profissionais decidiram defender a arte que os celebrizou e tentar arranjar um poiso digno para os artistas do desenho.

“Esta exposição tem uma pujança muito grande, pelo número de bonecos aqui reunidos”, nota Jorge Silva, que mais uma vez entra no armazém onde continuam expostas as obras impressas em cartão, de enormes dimensões. Ainda fala no presente, mas sabe que estes exemplares de três metros de altura vão acabar por apodrecer, porque o papel não se dá com a humidade nem com o abandono.

Os telhados, maltratados, deixam entrar água e o balde de plástico azul está aqui para a apanhar, neste dia chuvoso e frio, e para evitar que as obras se encharquem de vez.

O ilustrador e cartoonista Nuno Saraiva, um dos signatários do abaixo-assinado que pede um futuro para este lugar, sonha com uma casa da ilustração, que seria o epicentro de uma certa cultura, como uma escola de todas as artes ditas menores, em que se trabalhasse o desenho de raiz, na sua vertente mais oficinal. “Gostava que a antiga Manutenção Militar se transformasse num ‘multicórnio’, por oposição aos unicórnios que existem por aí”, resume, fazendo o trocadilho para separar bem as águas entre os parentes super-ricos e os mais pobres.

Se o projeto seguir em frente, como todos desejam, “era vida que vinha para aqui”, resume Jorge Silva, antes de ver os portões de ferro fecharem-se outra vez, guardando lá dentro tanto valor, e de se questionar sobre quando é que voltarão a abrir-se para os lisboetas.

“Temos muito interesse no desenlace desta situação. Apoiamos totalmente este projeto, para que a Manutenção Militar deixe de estar abandonada e sem vida e seja entregue à cidade”, regista Silvino Correia, presidente da junta, de chaves na mão, agora que, até nova solução, é ele o guardião destas peças que dão entrada nos 15 edifícios desativados. “Nada foi pensado para ser uma coisa só, os espaços podem ter outras utilizações ou até mais do que uma ao mesmo tempo”, nota o mentor do Bairro do Grilo. 

Paralelamente a esta população residente, o sonho prevê áreas de convívio e partilha, como restaurantes, quiosques e esplanadas, salas de provas ou centros culturais que promovam iniciativas ligadas às artes, educação, informação e ciência. Para aqui também se idealizou a criação de um centro para o jornalismo independente, onde organizações, jornalistas emergentes e investigadores possam trabalhar sem grandes custos acrescidos.

Cuidar-se-á ainda do património industrial, preservando-se os enormes armazéns de vinho e azeite, que ainda aqui persistem com muita da sua memória viva. Mas apressem-se, que o abandono dará cabo dela num instante.Depois de um resumo das potencialidades deste território, e das ideias que existem para este novo bairro da cidade, a petição termina com mais um pedido dirigido ao Executivo, para que se dê “continuidade ao projeto de reconversão que se encontrava em curso, garantindo a alocação dos recursos necessários para a sua concretização e assegurando o envolvimento de entidades públicas, privadas e de associações da sociedade civil, de modo a tornar a iniciativa participativa e adequada às necessidades reais da população, garantido a abertura destes espaços à comunidade, assegurando o seu uso pleno por todos e convertendo o Bairro do Grilo num polo dinâmico, inclusivo e dedicado à aprendizagem, à cultura e à partilha de experiências”.

Quando havia aqui vida

No complexo da Manutenção Militar, além das áreas industriais e fabris, existiam ainda uma vila operária, um reservatório de água, cantinas e supermercados, silos de azeite, depósitos de vinho, oficinas, creche e escola primária (ainda a funcionar), um cineteatro com mais de 500 lugares (está quase intacto), hortas, campos de jogos e uma estação ferroviária, por onde hoje circulam os comboios da Linha do Norte e da Azambuja. O barulho e a trepidação causados pela passagem das carruagens dão um toque de realismo – e sinal de vida – a este lugar especial.

Fábrica Na antiga Manutenção Militar, produzia-se toda a comida que saía daqui para alimentar o Exército, desde pão a massas, bolachas, pastelaria e outros bens que também eram armazenados

Se Ana Sequeira, 52 anos, entrasse hoje por aqui adentro não iria reconhecer as memórias da sua infância, passada em grande liberdade e comunhão com os outros moradores. O seu pai era militar do Exército e estava aqui destacado em funções, podendo por isso trazer para as instalações a família, que se alojou, durante cinco anos, no número 113 da Rua do Grilo, aquele prédio alto, cor-de-rosa, com um relógio no topo, que se vê à passagem.

“Era um mundo à parte, muito simpático, tinha uns jardins bonitos, uma quinta lá em cima, onde fazíamos algumas atividades da escola, e muita vida. De vez em quando, passo lá à porta, mas nunca mais entrei”, conta, com a voz carregada de nostalgia. Talvez o que hoje aparenta ser impossível se transforme, em breve, em algo palpável e assim Ana Sequeira possa voltar ao sítio onde foi feliz e levar consigo o resto da cidade.

José Sá Fernandes

“Ninguém acredita que ninguém queira saber”

Depois de, no final do ano, ter entregado as chaves, o antigo líder do grupo de trabalho da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) luta para que este território do Bairro do Grilo não caia no esquecimento e seja aberto à cidade

Em que estado encontrou a antiga Manutenção Militar, quando lá entrou, em 2022, para instalar a sede da JMJ?
Na altura, o anterior governo deu-me a missão de fazer o melhoramento das estruturas e o levantamento do que havia por lá. Tal como nos pediram, limpámos a área toda, que estava num estado miserável, cheia de lixo, ratos e cheiro nauseabundo. E arranjámos cadeados para os edifícios, para que não se deteriorassem.

Em que consiste o projeto do Bairro do Grilo?
Trata-se de uma proposta, que consta do relatório que entreguei à presidência do Conselho de Ministros e ao Ministério da Coesão Territorial, de, em quatro anos, permitir que mil pessoas lá vivam, com rendas acessíveis, além da quantidade de gente que passaria a usufruir do espaço ligado à Cultura. 

Que resposta teve a esse seu relatório?
Até agora, não foi dado andamento à questão. Existe uma petição a correr, com quase 2500 assinaturas, para chamar a atenção dos responsáveis para o futuro daquele espaço, que já não está como o deixei. Neste momento, não há segurança nem limpeza. Ninguém acredita que ninguém queira saber.

Palavras-chave:

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou esta sexta-feira que vai demitir membros do conselho de administração do Centro de Artes Performativas John F. Kennedy, uma das principais instituições culturais dos EUA, e nomear-se presidente da instituição. “Sob a minha direção, vamos tornar o Kennedy Center, em Washington D.C., grande de novo. Decidi demitir imediatamente vários membros do Conselho de Administração, incluindo o presidente, que não partilham a nossa visão para uma idade de ouro nas artes e na cultura”, escreveu numa publicação partilhada nas redes sociais.

O líder norte-americano disse ainda que vai ser o próprio a ditar a programação do Centro e que pretende acabar com eventos com artistas ‘drag’. “Em breve anunciaremos um novo Conselho de Administração, com um presidente fantástico, Donald J. Trump!”, pode ler-se.

Em resposta ao anúncio de Trump, os responsáveis pelo Kennedy Center disseram, numa decaração publicada do site da instituição, ter conhecimento da publicação e referiram estar “cientes de que alguns membros do nosso conselho receberam avisos de rescisão”. Segundo o regulamento do Centro, o presidente do conselho de administração é, por norma, eleito pelos membros do conselho de administração. “Não há nada nos estatutos do Centro que impeça uma nova administração de substituir os membros do conselho, no entanto, esta seria a primeira vez que tal ação seria tomada no Kennedy Center”, pode ler-se ainda.

O trecho d’Os Maias, de Eça de Queirós, é um deleite. “Não tinha a criança cinco anos já dormia num quarto só, sem lamparina; e todas as manhãs, zás, para dentro de uma tina de água fria, às vezes a gear lá fora… E outras barbaridades. Se não se soubesse a grande paixão do avô pela criança, havia de se dizer que a queria morta. Deus lhe perdoe, ele, Teixeira, chegara a pensá-lo… Mas não, parece que era sistema inglês!” Assim era descrita, por um dos criados, a educação britânica rígida dada por Afonso da Maia ao seu neto Carlos.

Não sabemos o que escreveria Eça sobre os banhos de gelo a que se submetem estoicamente os influenciadores digitais. A popularidade aumentou significativamente nos últimos anos, com as vendas de banheiras especiais na Amazon a aumentarem de menos de mil unidades, em novembro de 2022, para mais de 90 mil unidades, um ano depois. Os inúmeros benefícios propalados para a saúde e bem-estar têm, contudo, evidências científicas limitadas.

Ora, investigadores da Universidade da Austrália do Sul (UAS) quiseram, precisamente, fazer a primeira revisão sistemática e meta-análise dos estudos que avaliam os efeitos psicológicos, cognitivos e fisiológicos da imersão em água fria na população em geral. Após analisarem dados de 11 trabalhos, que contaram com um total de 3 177 participantes, encontraram resultados positivos na redução do stresse, na melhoria da qualidade do sono e no aumento da qualidade de vida.

Contudo, os benefícios identificados exibiam restrições temporais. Os níveis de stresse só foram afetados após 12 horas de exposição ao frio, não tendo sido identificados efeitos significativos imediatamente, 1 hora, 24 horas ou 48 horas após a mesma.

Quanto aos duches frios de 20, 60 ou 90 segundos, também houve testemunhos de uma melhoria na qualidade de vida, embora os efeitos tenham deixado de se verificar passados três meses.

No que diz respeito ao sono, os participantes envolvidos no estudo revisto eram apenas homens, pelo que a aplicação dos resultados é limitada.

As inúmeras alegações empíricas nas redes sociais quanto às melhorias imediatas na imunidade e no humor não encontraram, por sua vez, evidência científica relevante. Mas foi assinalada uma benesse de longo prazo: uma redução de 29% no absentismo laboral por doença.

Curiosamente, verificou-se um resultado inesperado: um aumento temporário das inflamações. “À primeira vista, isso parece contraditório, pois sabemos que os banhos de gelo são usados ​​regularmente por atletas de elite para reduzir a inflamação e a dor muscular após o exercício”, afirmou Ben Singh, um dos investigadores que conduziu o estudo, publicado no passado dia 29, no jornal científico Plos One. “O pico imediato de inflamação é a reação do corpo ao frio como um stressor. Ajuda o corpo a adaptar-se e a recuperar-se, e é semelhante ao dano muscular provocado pelo exercício antes de torná-lo mais forte, razão pela qual os atletas o usam apesar do aumento de curto prazo”, explicou.

Aliás, alertou, “pessoas com problemas de saúde preexistentes devem ter cuidado extra ao participarem em experiências de imersão em água fria, pois a inflamação inicial pode ter impactos prejudiciais na saúde”.

Dos atletas para os “comuns dos mortais”

Na verdade, “a imersão em água fria tem sido amplamente pesquisada e usada em contextos desportivos para ajudar atletas a se recuperarem, mas, apesar da sua crescente popularidade nos círculos de saúde e bem-estar, pouco se sabe sobre os seus efeitos na população em geral”, justificou Tara Cain, outra cientista da UAS envolvida no estudo.

A prática terapêutica tem sido enfatizada pela sua capacidade de acelerar a recuperação após exercícios extenuantes. Mas a sua popularidade crescente entre os “comuns dos mortais”, levados pela promoção de benefícios amplos, deveria ter em conta que a maioria das pesquisas examina os efeitos da imersão em água fria combinados com atividade física, sendo difícil isolar o seu contributo específico.

Se excluíssemos as populações atléticas, a lacuna de conhecimento era imensa. Daí que esta revisão sistemática aponte para os efeitos em adultos saudáveis, com mais de 18 anos.

Foi estabelecido um parâmetro na meta-análise: os dados incluídos implicavam a imersão total ou parcial do corpo em água fria, durante 30 segundos a duas horas, a temperaturas que variavam entre os 7 0C e os 15 0C, e a exposição era ao nível do peito ou acima dele – seja com duches, banhos de gelo ou mergulhos (por exemplo, no mar).

A base de evidência atual oferece potenciais aplicações práticas por profissionais de saúde, mas é limitada pela escassez de ensaios controlados, pelos reduzidos tamanhos das amostras e pela falta de diversidade das populações estudadas, concluíram os investigadores. As diferenças nos protocolos, as adaptações fisiológicas e os fatores ambientais influenciaram os resultados. Os limites temporais dos efeitos também complicam a avaliação de risco-benefício.

“Atualmente, não há pesquisa de alta qualidade suficiente para dizer exatamente quem beneficia mais ou qual é a abordagem ideal para a imersão em água fria. Mais estudos de longo prazo, entre populações mais diversas, são necessários para entender os seus efeitos duradouros e aplicações práticas”, considera Cain. Antes de mergulhar de cabeça, pense duas vezes.

Acordar fresco

O frio melhora a qualidade do sono?

As imagens dos carrinhos alinhados à entrada de cafés, com os bebés a dormir a temperaturas abaixo de zero (devidamente agasalhados, claro), enquanto os pais tomam uma bebida quente, provoca um arrepio de estranheza aos povos do Sul da Europa. Mas é um hábito comum entre os países nórdicos. A neve pode cobrir os passeios, mas acredita-se que estas sestas ao relento, a respirar ar fresco, afastam as tosses e as constipações. Há um ditado sueco que resume a crença: “Não existe mau tempo, apenas roupas inapropriadas.”Aliás, as atividades ao ar livre são promovidas durante todo o ano.

Os estudos não são consensuais, segundo a Agência Sueca de Proteção Ambiental. Alguns indicavam que crianças em idade pré-escolar, que passavam muitas horas ao ar livre, em geral, faltavam menos dias do que aquelas que passavam a maior parte do tempo em ambientes fechados. Mas outros não mostravam qualquer diferença.

E quanto à temperatura dos quartos? Vários estudos demonstraram que a qualidade do sono pode melhorar se a divisão for mantida mais fria (entre cerca de 15 ⁰C e 19 ⁰C). Entre os benefícios elencados, está o estímulo da produção de melatonina (conhecida como a hormona do sono), a redução das insónias (não são afetados os estágios do sono), e um adormecimento mais rápido. Por isso, é melhor não abusar do aquecimento.