A atividade dos tribunais confronta-se diariamente com a iliteracia jurídica dos cidadãos que ali recorrem, contribuindo para o entorpecimento e sobrecarga dos serviços de justiça, com litigância despropositada e incompreensível, que, em muitos casos acaba por se tornar inútil.
A iliteracia jurídica, como definição, pode ser caracterizada como a incapacidade de não saber ler e interpretar informações jurídicas, o que inclui leis, regulamentos, contratos e decisões judiciais, bem como o desconhecimento dos mecanismos de resolução de conflitos.
Este desconhecimento traduzir-se-á, sempre, num prejuízo para o cidadão, para o sistema de justiça e para o Estado.
É, pois, sobremaneira importante apostar na pedagogia, na literacia jurídica, e só assim se permite que o cidadão possa compreender os princípios básicos do direito para o exercício pleno da cidadania. Não se exige que os cidadãos sejam especialistas em direito, mas sim que tenham um conhecimento básico que lhes permita orientarem-se no sistema jurídico, compreender os seus direitos e deveres e tomar decisões informadas em questões legais.
Ao nível do sistema de ensino, percorrendo o sitio da internet da Direção-Geral da Educação (DGE) é possível constatar que o Direito é uma disciplina anual, de opção apenas no 12.º ano dos Cursos Científicos-Humanísticos de Línguas e Humanidades e de Ciências Socioeconómicas.
Segundo a DGE, as aprendizagens essenciais da disciplina de Direito identificam os conhecimentos, as capacidades e as condutas que se pretendem que os alunos atinjam com a aprendizagem do Direito no ensino secundário, tendo como base a obtenção de diversas finalidades, das quais destacamos: proporcionar aos alunos instrumentos que lhes permitam compreender e refletir sobre a importância e a necessidade do Direito enquanto regulador da vida social.
Ainda no âmbito do sistema de ensino, existe a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, que visa desenvolver competências cívicas e sociais, promovendo o conhecimento dos direitos e deveres dos cidadãos, o respeito pela diversidade e a participação ativa na vida social.
No 2.º e 3.º ciclo do ensino básico (5.º ao 9.º ano), a Cidadania é uma disciplina autónoma e obrigatória, que aborda temas como cidadania ativa, direitos humanos, respeito pela diversidade, cultura de paz, participação política, saúde, educação ambiental, entre outros.
Pese embora todos os esforços levados a cabo pela DGE, entendo que a disciplina de Direito deveria começar a ser lecionada nas escolas desde o final do 3.º ciclo do ensino básico, com vários graus da aprendizagem obrigatória (e não apenas como disciplina opcional no 12.º ano), já que os jovens vão ganhando competências e capacidades ao longo do seu percurso escolar.
Com isto, permitir-se-ia capacitar os jovens, futuros adultos, para compreender e aplicar os princípios fundamentais do direito, o que inclui entender as leis, os processos judiciais, os direitos e responsabilidades jurídicas, bem como os mecanismos de resolução de conflitos. Capacitar cidadãos para compreenderem e defenderem os seus próprios direitos, torna-os aptos a participar ativamente no sistema jurídico, proteger os seus interesses, contribuindo para o cumprimento da lei, ajudando a promover a ordem social e a prevenir conflitos e infrações.
Mas também a comunicação social tem o poder-dever de levar ao cidadão uma pedagogia judiciária séria, assente na análise rigorosa dos factos, mostrando o funcionamento do sistema jurídico português, das suas virtualidades, entropias e imperfeições.
Para efeito, o jornalista tem necessariamente de conhecer e dominar a linguagem jurídica, o funcionamento das instituições judiciárias, as suas estruturas, competências, necessidades e dificuldades.
Neste complexo caminho para alcançar melhores índices de literacia jurídica dos cidadãos, também o Ministério Público tem uma contribuição bastante significativa.
A magistratura do Ministério Público, que deve ser vista cada vez mais como uma magistratura ativa, cooperante, próxima da comunidade a quem serve, capaz de em todas as situações em que o exercício das suas funções o exige, dar resposta atempada às necessidades dos cidadãos e da justiça, tem uma rede organizada de serviços de atendimento ao público.
Estes serviços de atendimento ao público são uma forma de dar resposta eficaz e em tempo útil às solicitações que se insiram na esfera das competências do Ministério Público, numa cultura de proximidade com os cidadãos.
A título de exemplo sempre se salientará o atendimento ao público na jurisdição de Trabalho, onde os magistrados ali colocados fazem atendimento presencial, e aconselhamento, aos trabalhadores que ali se deslocam para colocar questões laborais, esclarecer dúvidas e, eventualmente, dar inicio aos respetivos processos.
Mais recentemente, com grande relevância e eficácia, foram criados os Gabinetes de Atendimento a Vítimas de Violência de Género (GAV), que visam dar uma resposta que assegure, em continuidade, atendimento, informação, apoio e encaminhamento personalizado de vítimas de violência doméstica e de género, com vista à respetiva proteção.
Concluindo, todos os atores do sistema de justiça beneficiariam de uma maior e melhor literacia jurídica dos cidadãos, o que levaria a menos incidentes processuais e, consequentemente, aumentaria a reputação e a confiança na Justiça.
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