Fernando Anastácio, porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE) disse aos jornalistas, no início dos trabalhos de contagem de votos, que serão contabilizadas todas as cartas com os boletins de voto, recebidas até às 17:00 da próxima quarta-feira.

As escolhas destes eleitores serão escrutinadas nas cerca de 100 mesas de voto instaladas no Centro de Congressos de Lisboa, explicou Fernando Anastácio. Destas, 74 tratarão dos votos no círculo da Europa e as restantes no círculo Fora da Europa.

Após a contabilização dos votos, será feito o apuramento geral, com a consequente publicação dos resultados eleitorais, o que acontecerá dois dias depois, tendo em conta a necessidade do prazo para eventuais reclamações.

A este propósito, Fernando Anastácio elogiou a forma como correu um processo desta dimensão, que envolveu o envio de mais de 1,5 milhões de cartas a partir de Portugal.

“Não há processos perfeitos, mas estamos a falar de mais de 1,5 milhões de cartas expedidas para mais de 180 países no mundo”, disse, explicando que “basta uma não atualização da morada, basta um erro num acento, que a carta é imediatamente devolvida”.

“É todo um processo de melhoramento. Podemos olhar para os pequenos problemas, mas também para a dimensão e aqui temos um aumento significativo de portugueses residentes no estrangeiro que se propuseram votar por correspondência”, disse.

Ainda assim, sublinhou, o número de cartas devolvidas diminuiu nestas eleições, em relação às legislativas anteriores, em 2022.

Até sexta-feira foram recebidas em Portugal 299.322 cartas com votos de eleitores residentes no estrangeiro, o que representa 19,42% dos 1.541.464 eleitores dos dois círculos no estrangeiro: Europa e Fora da Europa. Em 2022, a percentagem de votos recebidos no mesmo período foi de 14,49%, segundo a Administração Eleitoral.

SMM // JMC

Ainda se contam votos, mas já se lambem feridas. Do enorme crescimento do Chega na Assembleia da República, parece ter nascido uma ideia nova: compreender eleitores.

O crescimento voraz da extrema-direita nestas eleições é inevitavelmente um dos principais factos a apurar da noite eleitoral. Ao que tudo indica, a redução expressiva da abstenção (a mais baixa desde 1995) contribuiu significativamente para o fenómeno: o Chega conseguiu arrancar pessoas do sofá para ir votar. Não o explica na totalidade, obviamente. Parece haver consenso em torno da ideia de que o partido conseguiu mobilizar o “voto de protesto”.

O programa do Chega representa o ódio, o medo, o extremismo, o caos, a mentira. Partilho o desalento por ver este projeto político ganhar tração no 50º aniversário do 25 de Abril. Não partilho, ainda assim, a surpresa. O crescimento do Chega deve ser contextualizado no quadro de uma onda internacional de partidos extremistas e populistas de direita, que tem conseguido capitalizar o ressentimento e a revolta em todas as partes do mundo. A excecionalidade portuguesa neste contexto seria um absurdo.

Mais de um milhão de eleitores votaram no Chega. O partido de André Ventura ganhou com especial força entre os jovens (18-34, faixa etária à qual pertenço) e elegeu deputados em regiões tidas como bastiões da esquerda. Não caio na simplificação de ver aqui uma transferência direta de votos, mas antes algo que me parece paradigmático, já aqui o escrevi: em todo o mundo vemos este tipo de extremismos roubar à esquerda a personificação da mudança. Acho essencial que a esquerda reflita sobre isto.

Num cenário delicado para o país – e ainda muito incerto, dada a vitória curta da AD -, a reação dos políticos e opinion makers à onda de voto na extrema-direita tem insistido, aqui e ali, na ideia da compreensão dos eleitores. Por estranho que seja ver uma coisa tão básica apresentada como novidade, não é lapalissada: a rotulação apressada de quem vota no Chega tem, desde o início, caído em dois erros fundamentais: a demonização e a infantilização. Ambas passam pela desqualificação do eleitorado, ora moral, ora intelectualmente.

Como alguém cujo código de valores rejeita em absoluto o programa político do Chega, sempre me pareceu preguiçoso e ineficaz (acredito que mesmo contraproducente) desqualificar moralmente o seu eleitorado: é tudo uma cambada de fascistas. Basta, aliás, olhar lá para fora para perceber que centrar a crítica aos protagonistas da ultradireita – que são xenófobos, racistas, machistas e ultramontanos – no facto de eles serem xenófobos, racistas, machistas e ultramontanos não tem impedido ninguém de votar neles, a médio prazo. Não demonizar o eleitorado implica perceber que parte do seu ressentimento resulta de problemas reais, da precariedade real, da negligência real. Há que responder ao descontentamento com políticas públicas.

No lado oposto, há quem tenda a infantilizar este eleitorado como massa sem discernimento, incapaz de avaliar políticos ou programas, deixada à mercê dos oportunistas. Não é assim. Parte sabe perfeitamente no que vota – e muitos porque se revêm no discurso de ódio, no extremismo, no autoritarismo e numa visão reacionária do mundo que querem impor à sociedade. Depois, há quem vote no Chega por interesse económico, esperando beneficiar do seu programa de direita reacionária, como se vê pela lista de financiadores, onde estão grandes empresas e nomes ligados à elite financeira do país, bem conhecidos de todos. Não são os pobres abandonados do interior que financiam o partido. É assim em todo o mundo e sempre o foi com a extrema-direita. Infantilizar é um erro.

Há dezenas de teorias para explicar o voto no extremismo de direita. Suspeito que nenhuma responda sozinha. Independentemente das motivações, que serão várias, há que ver em cada voto um dedo do meio esticado ao sistema. Como sabemos, o Chega representa o pior do sistema, é financiado pelo sistema e composto por pessoas levadas ao colo pelo sistema, mas consegue passar por antissistema. É preciso mostrar que o seu projeto só significa um mergulho mais fundo e desbragado no que o sistema tem de pior.

E compreender o fenómeno, de facto, com vontade genuína. Há um dito que diz “quando um sábio aponta o céu, o tonto olha para o dedo”. Perante um milhão de pessoas a votar com o dedo do meio, há que saber olhar para o céu.

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“A Sonangol aumentou a sua competitividade e capacidade como operador através de um processo de privatização iniciado pelo Governo e que ficará completo em 2026; agora, a Sonangol está ativamente à procura de parceiros para projetos de exploração e produção, e está a convidar as companhias norte-americanas a envolverem-se nas oportunidades de Angola”, lê-se no texto de apresentação do evento, que decorre na terça-feira em Houston.

No texto, os organizadores da Angola Oil & Gas 2024, a exposição petrolífera que decorrerá em Luanda este ano, afirmam que o evento “será uma plataforma para os investidores norte-americanos e a Sonangol forjarem parcerias estratégicas e explorarem sinergias que potenciem o crescimento mútuo”.

A Sonangol é simultaneamente um operador e um não operador na recente ronda de licitações para blocos em terra nos poços Congo e Kwanza, e está também no bloco KON 15, onde tem um participação de 40%, a que se junta a Afentra, como não operador com 45%.

As companhias interessadas “que se qualificam como parceiros da concessionária nacional têm a oportunidade de ter uma participação de 15% neste bloco, o que oferece promissoras oportunidades para as companhias norte-americanas colaborarem com a Sonangol e a Afentra no desenvolvimento deste bloco, dando acesso a recursos, perícia e perspetivas de investimento no setor energético angolano”, aponta-se ainda na nota.

A Sonangol já tem parcerias estratégicas com petrolíferas norte-americanas, como a ExxonMobil ou a Chevron, mas também no setor das energias renováveis, como a Azule Energy, conclui-se no texto.

MBA // VM

No Relatório da Avaliação Nacional dos Riscos de Financiamento do Terrorismo, a que a Lusa teve hoje acesso, o Governo moçambicano refere que a “taxa de atos terroristas em análise anual comparativa foi ‘média’ para os anos de 2017 e 2018, ‘alta’ em 2019, ‘muito alta’ nos anos 2020 e 2021, ‘alta’ em 2022 e ‘media’ em 2023”.

“No mesmo período a taxa de mortalidade, resultante de ataques indiscriminados à população em 2017 e 2018, foi ‘média’, entre 2019 a 2022 ‘muito alta’, estando acima de 250 mortos por ano. Atualmente a tendência é decrescente tendo baixado para menos de 100 mortos em 2023, classificando-se como ‘média'”, lê-se no documento, com dados até 2023.

No relatório refere-se mesmo que no período de 2019 a 2020 registaram-se mais de uma centena de ataques em Cabo Delgado.

“Durante este período, os atos terroristas consubstanciaram-se em assassinatos (decapitações), raptos, extorsão, exploração e escravização sexual, casamentos forçados, pilhagem de bens e produtos da população, bancos e dos agentes económicos, incêndios a casas, imposições de ideologia islâmica radical, intimidações e ameaças de morte, entre outras práticas”, aponta-se igualmente.

Acrescenta-se que os atos terroristas deixaram em Cabo Delgado, norte de Moçambique, “marcas de dor, danos mortais, responsáveis por cerca de 900.000 deslocados internos, destruição de instituições públicas e privadas, paralisação de atividades comerciais e prestação de serviços básicos, e recuo do investimento estrangeiro no país”.

Na área empresarial, citando a Federação Nacional das Associações Agrárias de Moçambique, refere-se que “mais de 400 empresas foram afetadas e cerca de 56 mil postos de trabalho foram perdidos” localmente.

“O distrito de Mocímboa da Praia figura como o mais afetado, com cerca de 40% de empresas, 23% dos postos de trabalho perdidos devido aos ataques terroristas”, aponta-se no documento.

Ainda no relatório é referido que “o nível da ameaça da atividade terrorista” em Moçambique foi, até 2021, “muito elevado”, dada a ação no norte do país do grupo terrorista Ahlu Sunnah Wal Jamaah (ASWJ), também conhecido internacionalmente como ISIS-Moçambique e, localmente designado por Al-Shebab, o qual “tinha potencial de se expandir para outras regiões do país para protagonizar ataques terroristas e poderia até expandir-se para outros países vizinhos”.

“O ASWJ tem como canais de financiamento ao terrorismo os serviços de moeda eletrónica, contrabando, levantamentos em dinheiro, sistema hawala [transferência internacional de dinheiro que não envolve intermediários bancários], transferências bancárias (…) Contudo, este grupo privilegia o uso de serviços de moeda eletrónica e contrabando de recursos naturais, como um dos principais canais de financiamento ao terrorismo, por esta ser uma das vias mais rápidas e eficazes para canalizar os seus fundos. No sistema bancário existem mecanismos de controlo mais acirrados, o que facilita o rastreio dos mesmos”, lê-se no documento.

Depois de vários meses de relativa normalidade nos distritos afetados pela violência armada em Cabo Delgado, a província tem registado, há algumas semanas, novas movimentações e ataques de grupos rebeldes.

A nova vaga de ataques terroristas em Cabo Delgado provocou 99.313 deslocados em fevereiro, incluindo 61.492 crianças (62%), segundo uma estimativa divulgada esta semana pela Organização Internacional das Migrações (OIM).

O ministro da Defesa Nacional moçambicano, Cristóvão Chume, confirmou em 29 de fevereiro ataques de insurgentes em quatro distritos da província de Cabo Delgado, mas garantiu que não se trata “de um recrudescimento” das atividades terroristas no norte.

“O que aconteceu é que há grupos pequenos de terroristas que saíram dos seus quartéis, lá na zona de Namarussia – que temos dito que é a base deles -, foram mais a sul, atacaram algumas aldeias e criaram pânico”, disse Cristóvão Chume.

PVJ // VM

A União Europeia (UE) condenou hoje a realização das eleições presidenciais russas em territórios ucranianos ocupados desde fevereiro de 2022, assim com a falta de observadores internacionais para acompanhar o sufrágio.

Em comunicado, o alto representante da UE para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, Josep Borrell, referiu que as eleições presidenciais russas, entre sexta-feira e domingo, realizaram-se em “ambienta altamente restritivo exacerbado pela agressão ilegal da Rússia contra a Ucrânia” — que começou há mais de dois anos.

“A UE condena veementemente a realização das ‘eleições’ dos territórios da Ucrânia que a Rússia ocupou temporariamente: a República Autónoma da Crimeia e a cidade de Sevastopol, assim como partes das regiões do Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson”, acrescentou o chefe da diplomacia europeia.

A “realização de ‘eleições’ nestes territórios é mais uma autêntica violação da lei internacional por parte da Rússia” contra a integridade territorial, soberania e independência da Ucrânia.

Em simultâneo, a UE lamentou a falta de observadores internacionais em território russo para observar o processo eleitoral, mas os relatos que chegaram através das redes sociais e denúncias feitas por cidadãos apontam para “crescentes violações dos direitos civis e políticos” da população, “privando os eleitores de verdadeira hipótese de escolha e limitando o acesso a informação credível”.

AFE //APN

A taxa de inflação homóloga abrandou, em fevereiro, para os 2,6% na zona euro e para os 2,8% na União Europeia (UE), segundo dados hoje divulgados pelo Eurostat.

Nos países da área do euro, o serviço estatístico europeu confirmou hoje os dados avançados na estimativa rápida de dia 01, tendo a taxa de inflação anual desacelerado para os 2,6%, face aos 2,8% do mês anterior e aos 8,5% de fevereiro de 2023.

No conjunto dos 27 Estados-membros, o Eurostat aponta para uma taxa de 2,8% de inflação, medida pelo Índice Harmonizado dos Preços ao Consumidor (IHPC), que se compara com a de 3,1% do mês anterior e a de 9,9% homóloga.

Já a inflação subjacente (excluindo as componentes com preços mais voláteis) abrandou para os 3,1%, face aos 3,3% de janeiro e aos 5,7% de fevereiro de 2023.

Entre os 27 Estados-membros, a Letónia e a Dinamarca registaram as mais baixas taxas de inflação em fevereiro (0,6% cada), seguindo-se a Itália (0,8%).

As taxas mais altas, por seu lado, foram observadas na Roménia (7,1%), na Croácia (4,8%) e na Estónia (4,4%).

Em Portugal, a taxa de inflação medida pelo IHPC foi de 2,3%, face aos 2,5% do mês anterior e aos 8,6% do homólogo.

IG // JNM

As ilhas dos grupos Ocidental e Central dos Açores estão hoje sob aviso amarelo devido às previsões de “precipitação por vezes forte”, informou o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

Segundo um comunicado do IPMA, nas ilhas do grupo Ocidental (Corvo e Flores) o aviso amarelo entrou em vigor às 08:00 locais (09:00 em Lisboa) e estende-se até às 17:00 locais (18:00 em Lisboa).

Nas ilhas do grupo Central (Terceira, Pico, São Jorge, Graciosa e Faial) o aviso é válido entre as 14:00 locais (15:00 em Lisboa) e as 24:00 (01:00 de terça-feira em Lisboa).

De acordo com o IPMA, o aviso amarelo, o menos grave de uma escala de três, é emitido sempre que existe uma situação de risco para determinadas atividades dependentes da situação meteorológica.

ASR // ROC

Palavras-chave:

“Para vossa própria segurança, devem retirar-se imediatamente para oeste e depois seguir a estrada ao longo da costa para sul, para a zona humanitária de Al-Mawasi”, no sul da Faixa de Gaza, escreveu o porta-voz do Exército em árabe.

Testemunhas disseram à Agência France Presse que tinham sido lançados panfletos com a mesma mensagem na zona.

O Exército israelita afirma controlar o hospital Al Chifa, o mais importante da Faixa de Gaza, que as tropas invadiram durante a madrugada, deixando, segundo a EFE, um número desconhecido de mortos e detido pelo menos 80 pessoas “suspeitas de estarem envolvidas em atividades terroristas”.

A troca de tiros começou pouco antes do amanhecer no hospital de al-Chifa, na cidade de Gaza, segundo fontes da Agência France Presse (AFP).

O Exército israelita anunciou que estava a levar a cabo uma operação no hospital de al-Chifa, na cidade de Gaza, num primeiro comunicado divulgado hoje, enquanto testemunhas no terreno confirmaram à AFP que ocorreram bombardeamentos, tiros e combates.

Os soldados estão “atualmente a levar a cabo uma operação na área do hospital”, refere o comunicado divulgado através das redes sociais.

“A operação baseia-se em informações que indicam a utilização do hospital por terroristas de alta patente do Hamas”, afirmam os militares israelitas.

 

PSP // SB

A Comissão Eleitoral Central da Rússia informou que, com quase 100% de todos os distritos eleitorais contados, Putin obteve 87,29% dos votos.

A chefe da Comissão Eleitoral Central, Ella Pamfilova, disse que quase 76 milhões de eleitores votaram em Putin, o maior número de votos de todos os tempos.

As eleições presidenciais começaram na sexta-feira e terminaram no domingo.

Com estes resultados, Putin obtém a sua maior vitória eleitoral desde que chegou ao poder em 2000, apesar da guerra na Ucrânia e das sanções económicas do Ocidente.

A eleição deverá mantê-lo no poder até 2030, ano em que completará 77 anos, com a possibilidade de um mandato adicional até 2036, devido a uma alteração constitucional feita em 2020.

Os resultados surgiram depois de Putin ter desencadeado a repressão mais dura do país à oposição e à liberdade de expressão desde os tempos soviéticos.

Apenas três candidatos simbólicos — e ninguém que se opusesse à sua guerra na Ucrânia — foram autorizados a concorrer contra Putin enquanto este procurava mais seis anos no poder.

Putin lidera a Rússia como presidente ou primeiro-ministro desde dezembro de 1999, um mandato marcado pela agressão militar internacional e por uma crescente intolerância à dissidência.

O seu mais feroz adversário político, Alexei Navalny, morreu numa prisão no Ártico no mês passado, e outros críticos estão na prisão ou no exílio.

As eleições têm sido marcadas por ataques de ‘drones’ e incursões na fronteira ucraniana, que causaram várias mortes e levaram Putin a acusar Kiev de tentar torpedear a sua reeleição.

O líder norte-coreano Kim Jong Un e os presidentes das Honduras, Nicarágua e Venezuela felicitaram rapidamente Putin pela sua vitória, tal como fizeram os líderes das nações ex-soviéticas da Ásia Central do Tajiquistão e do Uzbequistão, enquanto o Ocidente considerou-a uma farsa.

DD // SB

“Como em muitas outras coisas, há um grande potencial para a utilização da IA em África. No entanto, esse potencial está em sério risco de descarrilar. E as pessoas que o farão descarrilar são os governos africanos, por medo”, afirmou em declarações à Lusa a partir de Abuja, a capital nigeriana, Abdul-Hakeem Ajijola, presidente do Grupo de Peritos da União Africana (UA) que desenhou a Convenção de Malabo sobre o uso ético da IA no continente.

“Quando surge uma nova tecnologia, a primeira tendência de muitos dos nossos líderes é proibi-la, pará-la ou restringi-la. Ainda temos países em todo o continente e, de facto, em todo o mundo, onde a Internet é regularmente desligada”, acrescentou o especialista nigeriano em cibersegurança, comissário da Comissão Mundial para a Estabilidade do Ciberespaço (GCSC) e membro do gabinete das Nações Unidas para os Assuntos de Desarmamento (UNODA), entre outras funções em várias organizações multilaterais.

Segundo o especialista, “tudo isto se deve ao medo e não se trata de segurança nacional, mas sim da segurança dos regimes, da segurança dos detentores do poder, não da segurança dos sistemas ou do bem-estar do sistema”.

Abdul-Hakeem Ajijola começou a trabalhar há 14 anos com a União Africana (UA) num quadro regulatório para a utilização da IA em África, que haveria de ser adotado pela Assembleia da organização pan-africana em Malabo em 2014, mas apenas com a assinatura da Mauritânia, em maio do ano passado, atingiu o número mínimo de países signatários — 15 em 55 estados-membros da UA, entrando em vigor no mês seguinte.

Entre os países africanos lusófonos, assinaram mas ainda não ratificaram a Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

“Foi uma longa jornada e ainda estamos a percorrê-la, porque, apesar de 15 países terem aderido à Convenção de Malabo, precisamos de um número muito mais elevado”, afirmou Ajijola.

Por outro lado, “agora que foi aceite por um número mínimo de países, a primeira coisa que tem de acontecer é ser atualizada”, acrescentou o líder do grupo de peritos que preparou o documento, porque “muita tecnologia mudou e, sem dúvida, muito do pensamento em África – e em todo o mundo — mudou”.

“É necessário proceder a uma revisão urgente”, para o que “é preciso que a UA crie um grupo de trabalho ou uma entidade encarregada de fazer avançar o projeto e resolver problemas de implementação, criando as parcerias necessárias”, disse.

Mas caberá sempre aos Estados a responsabilidade de modificarem um texto, que “é recuperável, não é obsoleto no sentido em que o continente terá de começar de novo, mas que, claramente, tem algumas coisas que precisam de ser atualizadas”, sublinhou Abdul-Hakeem Ajijola.

A Convenção de Malabo é um texto “abrangente”, na expressão de Ajijola, que “não inclui diretamente” as diretrizes e princípios da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês) sobre a utilização ética da IA, porque não entra nos pormenores adotados pelo documento daquele gabinete das Nações Unidas em 2021, “mas permite esse tipo de evolução”, segundo o especialista nigeriano.

O quadro de diretrizes da UNESCO relativamente à utilização ética da IA assenta nos princípios gerais do respeito, proteção e promoção dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da dignidade humana; na convivência da humanidade em sociedades pacíficas, justas e interligadas; na promoção do ambiente e ecossistemas saudáveis e na garantia do respeito pela diversidade e inclusão.

O próprio continente, sublinhou Ajijola, “publicou algumas diretrizes e princípios sobre a IA e pode aceitar algumas das diretrizes éticas da UNESCO”. Essa “seria mesmo uma das áreas de interesse” da revisão da Convenção de Malabo, apontou o especialista.

Sobre a questão da IA e da sua regulamentação, fez uma analogia: “é como o sal na sopa. Se pusermos demasiado sal, a sopa deixa de ser comestível. E se não pusermos sal suficiente, fica intragável”.

“Embora precisemos de regulamentação para a IA e para muitas das novas tecnologias emergentes, temos de evitar ser demasiado rigorosos, trata-se de alcançar a combinação ideal de regulamentação”, acrescentou Ajijola.

“Enquanto africanos, precisamos de desenvolver a nossa própria filosofia, princípios e ética para a IA”, e “abordar proativamente os desafios de moldar a sua governação”, porque “o seu potencial para o desenvolvimento inclusivo e sustentável do continente é imenso”, disse ainda.

“É muito importante, não só no domínio militar, mas em todo o lado, que África se envolva no diálogo necessário para definir os seus princípios, ética e filosofia, enraizados nas suas próprias culturas e não baseados nos interesses dos vendedores de tecnologia. Só então poderemos realmente aproveitar o poder da IA sem preconceitos, tanto para aplicações civis, como militares”, sustentou Abdul-Hakeem Ajijola.

APL // VM