Não raras vezes na comunicação social são veiculadas notícias sobre determinado julgamento que está a decorrer e da eventual responsabilidade/responsabilização do arguido que praticou o crime.
Do que se trata quando se fala de inimputabilidade e quais as consequências de determinado arguido ser declarado como inimputável?
A inimputabilidade reflete um princípio fundamental de humanidade. Punir alguém que, devido a uma doença mental grave, não tem discernimento ou autocontrolo, seria um desrespeito aos direitos humanos.
De acordo com o artigo 20.º do Código Penal, considera-se inimputável quem, no momento da prática do crime, não tenha capacidade de avaliar a ilicitude do seu ato ou de agir conforme essa avaliação, por designadamente padecer de uma anomalia psíquica.
Para formar o juízo de inimputabilidade não basta a comprovação da anomalia psíquica, sendo necessária a existência da relação causal entre aquela e o ato do agente, em termos de o agente ter praticado o facto por ser incapaz de avaliar a sua ilicitude, ou de se determinar de acordo com essa avaliação, resultando esta incapacidade da anomalia psíquica que o afetava aquando da prática do facto.
A anomalia psíquica que constitui o substrato da inimputabilidade como previsto pelo art. 20º/1 do Código Penal, pode ser acidental e transitória e inclui não apenas a doença mental – mas também as psicoses exógenas (doenças primárias do sistema nervoso central, sem uma causa externa identificável) – e endógenas – causadas por fatores externos que afetam o funcionamento cerebral, como substâncias químicas, traumas físicos ou doenças neurológicas.
O sistema jurídico português adota uma abordagem equilibrada em relação à referida condição garantindo que os indivíduos que são declarados como inimputáveis, não são penalizados da mesma forma que pessoas imputáveis.
Os indivíduos declarados como inimputáveis podem ser sujeitos a internamento em estabelecimento adequado, designadamente quando o inimputável for considerado perigoso e houver risco de cometer novos crimes. O tempo mínimo e máximo de internamento depende da gravidade do crime cometido, devendo o tribunal reavaliar periodicamente a necessidade de manter o internamento.
Tais medidas visam a proteção da sociedade e a reabilitação, assegurando que cada indivíduo recebe o tratamento e acompanhamento necessários.
Processualmente, a decisão sobre a eventual inimputabilidade pressupõe a realização de perícia psiquiátrica destinada a determinar a existência de um estado psicopatológico que integre o conceito de anomalia psíquica e que tem por base factos cuja perceção e/ou apreciação exige especiais conhecimentos técnico-científicos.
Obtida a perícia científica, cabe ao tribunal ajuizar da verificação do nexo de causalidade entre a anomalia psíquica detetada e o facto praticado, a partir dos elementos científicos fornecidos pela perícia, com vista à comprovação do elemento normativo da inimputabilidade.
Ou seja, determinar que no momento da prática do facto o indivíduo não estava capaz de avaliar a ilicitude do ato que praticou.
O facto de determinado indivíduo ser declarado como inimputável pode gerar uma imagem de “falha” no sistema penal, onde se pode pensar que certos indivíduos parecem escapar da responsabilidade pelos seus atos e, essa perceção pode minar a confiança da população na justiça, especialmente em casos de crimes violentos ou de grande repercussão social.
Por outro lado, reconhecer a inimputabilidade demonstra um compromisso do Estado com uma justiça humanizada, que entende que a sanção penal não pode ser aplicada de forma indiscriminada. O desafio, portanto, reside em equilibrar o rigor científico e jurídico com a necessidade de transparência e responsabilidade, reforçando a confiança da sociedade nas instituições.
A inimputabilidade não pode ser vista como uma porta aberta para a impunidade, mas sim como uma resposta ponderada que assegure tanto os direitos dos indivíduos afetados por doenças mentais como a proteção da sociedade.
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