Antes de tudo, Francisco ganhou simpatia generalizada pela sua postura de simplicidade como que a dizer: “Voltemos ao evangelho” e à simplicidade de Jesus Cristo. Não se pode falar aos pobres quando se exibem sapatos de luxo, uma cruz de ouro ao peito ou nos sentamos numa espécie de trono real.
Depois, o Papa defendeu uma abertura da Igreja a “todos, todos, todos”, isto é, optou pela não discriminação, e fê-lo tanto pela palavra como pela práxis, segundo o princípio de que a Igreja é mãe e por isso inclusiva.
Francisco tinha uma visão da Igreja. Queria-a menos clerical e mais sinodal, queria as mulheres mais envolvidas em cargos de responsabilidade e queria que ela tivesse uma voz profética no mundo. Por isso, acarinhou os pobres, os emigrantes e as minorias. Por isso, defendeu paz, pão e dignidade para todos os seres humanos. Por isso, publicou a encíclica Laudato Si, ligando assim a fé à responsabilidade social e ambiental, em nome da Criação, da “casa comum” e da responsabilidade para com as futuras gerações.
Mas como a Igreja tem de ter as mãos limpas para poder fazer ouvir a sua voz profética, Francisco promoveu a “limpeza da casa” que se impunha, atacando de frente o elefante na sala de espera do Vaticano. Ou seja, as práticas reiteradas de abuso sexual e pedofilia em agentes da Igreja, incluindo sacerdotes, com uma política de “tolerância zero”.
Por outro lado, Francisco manteve sempre uma atitude de humildade face às outras tradições cristãs e não cristãs, desde os encontros e documentos assinados com líderes judeus e muçulmanos até ao contacto e à abertura a líderes protestantes e evangélicos, mantendo mesmo relações pessoais e de amizade com alguns deles. Fê-lo em espírito de fraternidade e sem sobranceria.
O meu amigo Henrique Pinto disse que o mundo não mereceu este Papa. É verdade, mas não surpreende. O autor da Epístola aos Hebreus quando se refere a figuras do Antigo Testamento que foram justificadas pela fé em Deus diz: “dos quais o mundo não era digno.” Os cristãos nunca podem esperar que o mundo bata palmas às suas proclamações proféticas. Basta ver como agora os poderosos fazem fila para elogiar o falecido Papa, mas muitos deles não ligaram nenhuma à sua voz. Agora é o tempo das lágrimas de crocodilo. De facto, ele não poupou os tiranos deste mundo. Referindo-se indiretamente a Trump, proferiu um dia estas palavras duras: “Uma pessoa que só pensa em construir muros, sejam eles onde forem, e não em construir pontes, não pode ser cristã.”
De resto, Francisco enfrentou uma luta interna muito dura. Os seus maiores adversários não estavam sequer fora da Igreja, mas na hierarquia. Ao iniciar o Sínodo, dando voz aos fiéis e colocando em cima da mesa um conjunto de tabus da fé católica, desafiou séculos de estrutura rígida da Igreja que agora dirigia e deixou ao seu sucessor uma dinâmica complexa com a qual terá de lidar.
Francisco renovou a imagem da Igreja Católica cativando o mundo pela sua simplicidade, pela sua atenção aos que se situam nas margens da sociedade e por um espírito fraterno, sabendo sempre falar uma linguagem descodificada que qualquer pessoa poderia entender.
O próximo Papa tem assim um imenso desafio pela frente. Ou segue o caminho de Francisco ou muda de rumo. Uma coisa é certa, de um modo ou de outro, é de prever que as tensões dentro da Igreja irão persistir.
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