Recentes sondagens indicam que metade dos eleitores norte-americanos consideram que Trump é culpado no caso judicial em que o ex-presidente responde por acusações de ter usado ilegalmente dinheiro da campanha eleitoral para pagar o silêncio da atriz pornográfica Stormy Daniels sobre um caso extramatrimonial.
Uma sondagem divulgada este mês pelo jornal Politico acrescentava, contudo, que 44% dos respondentes considera que uma eventual condenação de Trump neste caso não terá qualquer impacto sobre a imagem política do ex-presidente.
Ainda assim, são muitos mais os restantes que consideram que essa condenação os levaria a deixar de o apoiar (32%) do que os que respondem que manteriam o seu apoio eleitoral (13%).
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No entanto, estes números parecem não preocupar os estrategos de campanha de Trump, que nas últimas semanas têm declarado estar tranquilos sobre o início do julgamento do ex-presidente em Nova Iorque.
Os consultores acreditam mesmo que os quatro processos em que está envolvido o podem beneficiar – há três outros casos: um em que é acusado de tentar reverter os resultados eleitorais de 2020, em Washington; um em que é acusado de ter retido ilegalmente documentos confidenciais, na Florida; e um em que é acusado de tentativa de alterar resultados eleitorais, na Georgia.
O argumento é o de que Trump saberá tirar proveito da sua frequente presença no banco dos réus, repetindo o argumento de que, em qualquer um dos processos judiciais, está a ser vítima de uma “caça às bruxas” patrocinada pela Casa Branca do democrata Joe Biden, que será seu rival nas eleições de novembro próximo.
“Este julgamento vai acontecer dentro da sala de tribunal, mas também na rua, e a opinião pública saberá dar o seu veredicto. E esse veredicto terá em conta que há uma urgência por parte dos democratas em afastar o candidato republicano que está à frente nas sondagens”, disse Lenny Vale, consultor da campanha de Trump no estado de Nova Iorque, citado na passada semana pelo jornal Boston Globe.
Os advogados de Trump já começaram a argumentar que Trump é a principal vítima do caso que vai ser julgado em Nova Iorque, alvo de “interferência eleitoral”, menorizando os factos que apontam para a utilização indevida de fundos de campanha para pagar o silêncio da atriz pornográfica.
Contudo, o procurador Alvin Bragg, a quem compete a condução da acusação contra o ex-presidente, defende ter sido o candidato republicano a tentar manipular o sistema judicial, falsificando documentos e encobrindo atos ilícitos.
A acusação tem uma outra arma relevante: Michael Cohen, o ex-advogado de Trump que se encarregou de agilizar o processo de pagamento a Stormy Daniels e que, segundo as sondagens, 48% dos eleitores consideram ser uma pessoa desonesta, reforçando a tese de que o candidato republicano se rodeou de figuras capazes dos mais atrozes crimes para tentar ganhar as eleições.
Contudo, para vários analistas, este caso em particular tem outros ângulos que podem beneficiar a imagem de Trump, sobretudo junto dos eleitores que não atribuem grande significado à tentativa de silenciar uma atriz pornográfica.
John Coffee Jr., um professor de Direito da Universidade de Columbia, citado pelo jornal britânico The Guardian, acentua esta abordagem como um elemento que ajuda a explicar o desinteresse de muitos eleitores pelo impacto político deste julgamento.
“As pessoas dirão: ‘O Trump enganou a mulher?! Grande coisa! Que novidade! E depois tentou esconder isso?! Que novidade!'”, ironizou este professor de Direito, para explicar que a maioria dos eleitores sabe dos casos extramatrimoniais de Trump e isso não parece afetar a sua imagem pública.
O ataque correu no centro comercial Westfield, em Bondi Junction, em Sydney, que foi encerrado, tendo a polícia australiana aconselhado as pessoas a evitarem a zona.
Os meios de comunicação social locais referem que várias pessoas foram esfaqueadas e que a polícia disparou sobre uma pessoa.
O Sydney Morning Herald noticiou que quatro pessoas morreram no esfaqueamento, relato ainda por confirmar.
A sensação que perpassa quando se escutam os argumentos de Vicente Valentim é a de que, no mínimo, as elites políticas e as opiniões públicas das democracias ocidentais andaram distraídas. A tese do cientista político – que concluiu o doutoramento no Instituto Universitário Europeu, em Florença, sendo atualmente investigador na Universidade de Oxford, no Reino Unido – é de uma clareza e, ao mesmo tempo, de uma simplicidade inatacáveis: a ascensão dos partidos de direita radical, que integram e lideram os governos de alguns países europeus, deve-se ao facto de terem aparecido políticos suficientemente hábeis para acolher ideias que, até então, estavam mais ou menos escondidas por causa da censura social.
De onde vieram os eleitores que votam nos partidos de direita radical? De lado nenhum; sempre existiram, responde Vicente Valentim, de modo desconcertante. Significa isso que, depois de aberta a caixa de Pandora, ficamos todos reféns de uma inevitabilidade e, sobretudo, de uma perspetiva cínica acerca dos destinos das democracias ocidentais? Nada disso. No final de O Fim da Vergonha, assim como nesta entrevista, Vicente Valentim também propõe formas de combater o crescimento dessas ideias. Não se julgue é que se trata de uma corrida de 100 metros. Democratas, preparem-se: é uma maratona. E, provavelmente, pelo meio, haverá muitos danos colaterais.
Comportamento “Sabemos que as pessoas podem mudar de ideias, mas isso leva muito tempo e não acontece de um dia para o outro”, diz o investigador português
Há uma palavra-chave no seu argumento sobre a expansão das direitas radicais: “estigma”, ou seja, desapareceu a censura social associada a determinadas ideias. Parece uma explicação relativamente simples – afinal, é assim tão simples? Quero tornar claro que nenhum fenómeno social ou político tem uma única explicação. Não acho que essa seja a única razão para o sucesso das direitas radicais, que justifique sequer toda a variação que existe, seja através do tempo, seja através do espaço. Julgo, no entanto, que se trata de uma explicação significativa e que demonstra o motivo pelo qual estes partidos têm crescido tão depressa. Parece-me também que ainda não tinha merecido atenção, principalmente no mundo académico, mas também no debate político-jornalístico. Foi por isso que escrevi o livro. Não faz sentido escrever sobre coisas que as pessoas já sabem…
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No seu entender, essa questão tem sido desvalorizada? Quando se pergunta “de onde vieram estes eleitores?”, a sua resposta é… “sempre estiveram lá”. Isso tem acontecido nos debates académicos e não só. As pessoas olham para o voto na direita radical, veem-no a subir e pensam que há cada vez mais gente de direita radical. O puzzle com o qual contraponho essas apreciações é: as ciências sociais dizem-nos que as ideias políticas das pessoas não mudam depressa ou, pelo menos, não mudam tão depressa quanto a direita radical tende a crescer. Por exemplo: no caso português, o Chega passou de 1% para 18% em três eleições, e nem sequer foram ciclos legislativos completos. Não faz sentido pensarmos que, em 2019, havia 1% das pessoas que era de direita radical e que, em 2024, há 18 por cento. Sabemos que as pessoas podem mudar de ideias, mas isso leva muito tempo e não acontece de um dia para o outro. O que proponho é que muitas já tinham essas ideias, só que simplesmente não as expressavam. Se pensarmos assim, as duas constatações já são compatíveis.
No caso do Chega, os dados parecem indicar que muitos desses eleitores são até cidadãos que habitualmente não votavam. Isso é um padrão. No caso alemão, que tenho estudado, muitas das pessoas de direita radical também tendiam a abster-se mais do que pessoas de outras ideologias. Seguindo o meu argumento, como não havia nenhum partido que essas pessoas vissem como credível a apresentar tais ideias, era natural que não votassem. E que, a partir do momento em que aparece alguém com essas ideias, comecem a votar. Parece ser o que aconteceu no caso português, ainda que alguns desses eleitores também votassem em partidos mainstream.
Não é irónico que a democracia promova a participação eleitoral, reduzindo as taxas de abstenção, e que dessa participação resulte o crescimento de partidos antissistema que, inclusivamente, têm como objetivo a destruição do regime democrático? O grande desafio das democracias é que existem muitas tensões dentro da própria democracia, ou seja, a partir do momento em que assumimos que todas as vozes contam da mesma forma, temos de reconhecer que as pessoas querem coisas muito diferentes. Essa tensão – a de que, no seio da democracia, existem pessoas que não querem a democracia – é provavelmente a maior das tensões democráticas. Essas pessoas têm direito a votar, tanto como as outras? Nos anos 30 do século passado, debateu-se muito esta questão, e o filósofo Karl Popper…
Popper sintetizou esse tema no “paradoxo da tolerância”, no clássico da filosofia política A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos. Exato. Nesse livro, a posição de Karl Popper é a de que as democracias não podem ser tolerantes para com os atores antidemocráticos, porque, no limite, isso leva à destruição das próprias democracias. Enfim, essa posição é rebatível e, na verdade, há opiniões para todos os gostos ao longo da História. Repito: isso é uma das tensões da democracia. Tal como a tensão entre grupos minoritários e posições discriminatórias. De alguma maneira, a promessa da democracia é pensar nestes problemas, englobando todas as pessoas e tentando resolver tudo enquanto conjunto, enquanto sociedade. Mas gostava ainda de acrescentar outra coisa sobre a abstenção: não é consensual dizer-se que a redução da abstenção é mais democrática. As pessoas abstêm-se por motivos diferentes, e é possível que se abstenham simplesmente porque acham que está tudo bem com a democracia.
Como se fosse uma espécie de delegação perpétua? Pois, isso. É possível que as altas taxas de abstenção sejam um mau sinal para a democracia, mas também é possível que essas altas taxas de abstenção reflitam um contentamento geral com o que está a acontecer em determinado país. Muitas vezes, quem defende que a direita radical é boa para a democracia invoca precisamente o facto de estes partidos estarem a levar às urnas pessoas que tendiam a abster-se. Julgo que isto nos conduz novamente à questão inicial da tensão: perante o sucesso dos partidos com posições xenófobas e antidemocráticas, haverá vantagens em reduzir a abstenção? Podemos refletir um pouco acerca de como resolver esta tensão, mas era por esta razão que Karl Popper defendia a proibição deste tipo de partidos, ameaçadores da sobrevivência da própria democracia.
No livro, ignora a questão da desinformação e, nomeadamente, a propagação dessas ideias xenófobas e racistas através das redes sociais. Não é relevante ou estava apenas fora do âmbito do seu trabalho? Acho que o problema da desinformação tem um papel a desempenhar. Mas também acho que, de certa forma, desempenha um papel menor no argumento principal do meu livro: o atual eleitorado dos partidos de direita são pessoas que já tinham essas ideias, mas simplesmente não as expressavam. E, quando falamos de como se passa dessa situação para a situação em que as pessoas já expressam essas ideias, para mim, o fundamental é aparecer um ator – que é visto como um político competente, hábil e ágil – que coloca essas ideias na discussão. Numa segunda fase, as pessoas que já tinham essas ideias apercebem-se de que há muitas outras na sociedade que também possuem essas ideias.
Não atribui, portanto, grande importância à propagação desse tipo de mensagens através das redes sociais? Acho que as redes sociais ajudam um bocadinho nesse processo, mas fundamentalmente não alteram os mecanismos psicológicos micro que estou a tentar identificar e analisar. No processo de normalização da direita radical, o fundamental é que pessoas que já tinham estas ideias se aperceberam de que existem muitas outras que as partilham. O que as redes sociais talvez facilitem é a perceção de que não se está sozinho. Antes de as redes sociais existirem, isto era possível na mesma. A diferença é que este contacto com os outros que partilham ideias semelhantes tinha de ser feito em pessoa, por telefone ou qualquer coisa desse género.
As redes sociais podem acelerar o processo a que chamou “o fim da vergonha”, mas não constituem propriamente uma causa, mesmo tendo em conta a questão do anonimato? Sim, é exatamente isso. Pode acelerar porque eu não preciso de conhecer estas pessoas na minha vida quotidiana, mas, no essencial, o que acontece é: eu tinha certas ideias que achava que eram minoritárias, julgava que estava isolado e, de repente, apercebo-me de que isso não é verdade. Online, por telefone ou cara a cara, do ponto de vista psicológico e social, é o mesmo mecanismo. As redes sociais apenas tornam este processo mais simples. Houve partidos de direita radical que tiveram sucesso antes de haver redes sociais…
Preconceitos “Não nos podemos iludir: em Portugal, o racismo e a xenofobia são muito altos, e há muito tempo que são muito altos”
A sua tipologia de três fases da normalização dos partidos de direita radical (latência, ativação e revelação) é reversível ou os partidos de direita radical vieram para ficar? Na minha opinião, este processo não é reversível e, por isso, os partidos de direita radical vieram para ficar. Veja: as pessoas já tinham estas ideias e apenas se apercebem de que não estão sozinhas na sociedade; no fundo, tinham uma perceção errada acerca da real popularidade das suas ideias; através do processo de normalização, chegam à fase em que se apercebem de que as suas ideias são, afinal, muito mais populares do que achavam. Para tudo isto ser revertido, era preciso que as pessoas que têm essas ideias voltassem a um estado em que não soubessem que as suas ideias não eram populares. Tudo isso me parece bastante improvável. De um conjunto de estudos da psicologia social, sobre dissonância cognitiva, sabemos que as pessoas tendem a sentir-se desconfortáveis se não agirem com base nas suas ideias. Logo, não consigo imaginar porque é que os que agora sabem que as suas ideias são relativamente populares voltarão a não expressá-las de bom grado.
E nas elites políticas ocorre um processo semelhante? Sim, se as próprias elites políticas se apercebem de que as ideias de direita radical são mais populares do que antes pensavam, custa-me imaginar que queiram voltar ao passo anterior, em que achavam que não se podia ter sucesso eleitoral representando este tipo de ideias. Agora, até as elites sabem que há dividendos eleitorais na mobilização desse tipo de ideias no espaço político. Se quisermos pensar em como combater a direita radical, não acho que seja revertendo este processo, porque, por si só, o processo não é reversível. Na Holanda, por exemplo, houve um partido com muito sucesso no início dos anos 2000, o Leefbaar Nederland, dirigido por Pim Fortuyn. Quando o seu líder foi assassinado, o partido acabou por deixar de ter êxito eleitoral, mas apareceram outros partidos de direita radical a mobilizar aquele eleitorado.
Diz também que os próprios partidos tradicionais acabam por ser contagiados e defender essas ideias. Nas fases finais do processo de normalização da direita radical, muitos políticos que estavam fora da política ou que pertenciam a partidos mainstream acabam por se juntar aos partidos radicais, porque percebem que essas ideias têm potencial. Isto acontece em Portugal, se pensarmos nos quadros do PSD que agora se aproximam do Chega, mas também acontece em muitos outros países.
Luís Montenegro integrou dois dos temas-bandeira do Chega – imigração e corrupção – no discurso de tomada de posse. E é importante referir que Luís Montenegro não é alguém que tenha feito campanha a favor da aproximação do PSD em relação ao Chega. Primeiro, foi claro na sua mensagem do “não é não”. E, depois de vencer as eleições, podia ter optado por formar governo com o Chega, garantindo estabilidade, mas decidiu não o fazer. Que alguém com esse perfil tenha feito esse discurso é ainda mais relevante. Há estudos que mostram que, quando a direita radical entra no Parlamento, o restante sistema partidário move-se mais para a direita, precisamente, nestas posições típicas da direita radical, de que a contestação ao multiculturalismo é exemplo.
Se ‘acarinhar’ significa que os partidos tradicionais têm de se aproximar das ideias do Chega, julgo que esse não é, claramente, o caminho
Se as pessoas têm tendência para selecionar a informação que corrobora as suas opiniões prévias, não é com informação verdadeira que se combate os partidos de direita radical? Grande parte do apelo destes partidos é identitário, ou seja, como já disse, as pessoas sentiam-se isoladas, mas depois percebem que as suas ideias também são partilhadas por seus concidadãos. Pertencer é uma das coisas que mais desejamos, enquanto seres humanos; sentir que existe um grupo que tem as nossas ideias. A partir do momento em que os partidos criam este sentimento nas pessoas, toda a informação vai ser filtrada – ainda por cima, estes partidos são autênticas máquinas de produzir factos alternativos.
Então, como se combatem essas ideias, na sua opinião? Julgo que tem muito mais que ver com a forma como pensamos no outro e na ansiedade que temos em relação ao outro. A retórica desses partidos ecoa, porque gera essa sensação de que tudo é perigoso, de que o outro é perigoso e de que todos os problemas que temos residem no outro, sejam eles os imigrantes ou, no caso do Chega, os ciganos. Mostrar informação verdadeira não faz mal, mas julgo que é muito mais eficaz tentar quebrar essa divisão clara entre nós – os portugueses brancos – e a restante população. Arranjar formas de acentuar as semelhanças através daquilo que une os diferentes grupos em vez de acentuar aquilo que os separa. Na Grécia, por exemplo, há um projeto que está a tentar que as pessoas tenham atitudes mais positivas em relação aos refugiados.
A forma como votaram os emigrantes portugueses, sobretudo os que vivem no Brasil e na Suíça, também é um exemplo disso? Sim, mas gostava de salientar que este fenómeno é mais visível por causa do Chega, mas não é um fenómeno novo. Basta pensarmos nos emigrantes portugueses em França: historicamente, sempre foi um grupo com alta taxa de apoio na Frente Nacional. Pensado de uma certa forma, este grupo de pessoas tem muito mais que ver com as minorias contra as quais, em Portugal, o Chega faz campanha. Acho que aí, sim, há muito espaço de debate e até de políticas públicas.
No seu entender, isso compete aos partidos tradicionais? Compete a todos os atores, aos partidos, ao Estado enquanto tal e até a algumas instituições. Também é algo que todos nós podemos fazer, ao nível mais micro, nas nossas interações diárias. Não me parece que isto seja necessariamente uma política; é um saco de diferentes políticas, é uma filosofia de base.
Miguel Pinto Luz, atual ministro das Infraestruturas, disse que era preciso “acarinhar” os eleitores do Chega. Na própria noite eleitoral, Pedro Nuno Santos recusou a ideia de haver um milhão de racistas em Portugal. Fizeram bem? Uma coisa é o que se diz num contexto de luta política; outra coisa é o que se diz do ponto de vista académico. Compreendo perfeitamente que Pedro Nuno Santos o tenha dito, acho até que faz algum sentido proferir essa declaração. Mas a verdade é que, se olharmos para os dados, o racismo em Portugal é muito prevalecente. Ao mesmo tempo, não vejo uma rejeição do eleitorado do Chega… E se “acarinhar” significa que os partidos tradicionais têm de se aproximar das ideias do Chega, julgo que esse não é, claramente, o caminho. Agora, a forma de combater as ideias de direita radical também não pode ser ignorando porque é que as pessoas se aproximam da sua retórica. Não nos podemos iludir: em Portugal, o racismo e a xenofobia são muito altos, e há muito tempo que são muito altos. O que quero dizer é que não se pode combater um fenómeno sem o compreender verdadeiramente. Temos de ser honestos sobre os motivos pelos quais tudo aconteceu. E, depois, sim, pensar em como podemos fazer alguma coisa para que as pessoas que sentem essa ansiedade em relação às minorias possam deixar de a sentir.
É uma maratona e não uma corrida de 100 metros? Absolutamente. Pode haver a tentação de pensar: em meia dúzia de anos, o Chega passou de 1% para 18%, vamos tentar pô-lo novamente no 1% noutra meia dúzia de anos. Acho que isso é implausível; o processo de normalização da direita radical não é reversível. Queremos é passar para uma situação em que menos pessoas efetivamente deixam de ter aquelas ideias. E isso pode levar muito mais tempo; é, de facto, uma maratona. Só fazendo esse caminho mais árduo e demorado podemos construir uma democracia mais resiliente.
Na sua opinião, que impacto poderá ter a ascensão do Chega no sistema bipartidário que existia em Portugalaté agora? Julgo que, provavelmente, acabou o bipartidarismo em Portugal, o que, aliás, é uma tendência em toda a Europa: países tipicamente bipartidários, como a Espanha, deixaram de o ser. A partir do momento em que o Chega cresce desta maneira, os dias do bipartidarismo estão mesmo a chegar ao fim. E é claro que isto nos coloca em território desconhecido. Quando o PS e o PSD ganhavam eleições com maioria absoluta, ou mesmo sem maioria absoluta mas com parceiros óbvios de coligação, sabia-se mais ou menos o que acontecia quando um desses partidos vencia. Agora, não se sabe muito bem o que vai acontecer. Estamos a viver um período crucial: muitas das escolhas que forem tomadas nos próximos meses vão ficar como opções por defeito para as eleições seguintes. Nesse sentido, julgo que pode ser interessante olhar para o caso alemão e para o caso espanhol. No primeiro, por motivos históricos, tentou-se criar uma alternância no governo, mantendo a direita radical de fora. No segundo, a opção foi diferente: o centro-direita coligou-se com a direita radical e criaram-se dois blocos, mas, a partir do momento em que esses dois blocos ficam enraizados, a própria polarização da sociedade aumenta imenso, tornando-se muito difícil reverter o processo. O que acontecer em Portugal nos próximos meses vai, de certa forma, fazer com que um desses dois modelos fique mais ou menos congelado.
Uma última pergunta: por que razão usa sempre a expressão “direita radical” em vez de “extrema-direita”? Quando se usa far right em inglês, o termo já funciona como uma cápsula que tanto junta a direita radical como a extrema-direita. Gostava que, em português, houvesse uma expressão que fizesse o mesmo, mas não conheço nenhuma. Acresce que, normalmente, o consenso académico é que a extrema-direita diz respeito a partidos que se opõem abertamente à ideia de democracia enquanto regime legal. Existem, claro, partidos desse género, mas isso não é o caso. O Chega não é o típico partido que diz que, se ganhar uma eleição, vai tornar Portugal um país não democrático. Dizer isto, porém, não significa que o Chega não integre dentro de si fações extremistas que se opõem à democracia. Uma coisa é a retórica das elites partidárias não ser abertamente contra a democracia; outra coisa são as consequências negativas para a democracia da retórica de direita radical. Outra coisa ainda é pensar que as pessoas que são efetivamente de extrema-direita não votarão no Chega.
O livro-tese
O Fim da Vergonha: Como a direita radical se normalizou (Gradiva, 168 págs., €13) é o primeiro livro de Vicente Valentim e será lançado em Lisboa, na próxima terça-feira, 16, com apresentação de Pedro Magalhães e Susana Peralta. Foi escrito com base na investigação de doutoramento do autor, que venceu o Prémio Jean Blondel para a melhor tese europeia em Ciência Política. Ao longo da obra, Valentim explica, com recurso aos factos e a exemplos concretos de vários países europeus, as três fases da expansão da direita radical: latência, ativação e revelação. Como escreve Pedro Mexia no prefácio, “embora seja um trabalho de ciência política empírica, tem qualquer coisa de filosofia e, claro, de sociologia”. A má notícia é que, argumenta o autor, este processo de normalização não é reversível e, por isso, estes partidos vieram para ficar. A boa notícia é que é possível combater estas ideias.
“O dia em que a luz chegou, foi dia de festa. Foi mais festejada a chegada da luz do que o 25 de Abril”, contou à agência Lusa o cesteiro José Luís Dias, ressalvando: “Uma coisa é fruto da outra, também!”
No dia 25 de Abril de 1974, o rádio foi ligado logo pela manhã, como era habitual, em casa dos pais. “Quando nos levantamos, fiquei a saber que existia algo que nem sabia o que era”, recordou José Luís, enquanto trabalhava o vime na oficina partilhada com o irmão.
“Nessa altura, nesta aldeia não tínhamos alcatrão. No inverno, era lama e poças de água. No verão, era o pó. Para chegar aqui à aldeia não havia alcatrão e está à vista hoje, de quem nos visita, os proveitos que a revolução acabou por nos trazer”, afirmou.
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“Não temos gente, mas isso é um outro problema, um outro desafio, que a sociedade dos dias de hoje tem de resolver”, defendeu o artesão, de 61 anos. Na aldeia, não há crianças. A mais jovem habitante de Aveleira tem 15 anos.
Em 1974, a escola primária, que recebia também as crianças da aldeia de Macieira, nas proximidades, tinha 12 alunos. Ardeu no incêndio de 2017 e não voltou a ser recuperada. “Ficaram as paredes no ar”. Agora, pertence a um particular que ali tenciona construir uma casa.
José Luís aprendeu o ofício com o pai e viu partir todos os jovens da sua geração. A aldeia tinha cerca de 70 habitantes, hoje contam-se 17 ou 18.
“Os novos saíram, muitos. Os da minha geração saíram todos, uns estudaram, outros emigraram e já não voltaram. Há dois ou três que têm cá casa, mas é casa de férias e há um senhor da minha geração que esteve na Suíça, está cá agora, já reformado”, disse.
Quando a notícia do golpe militar que depôs o regime se espalhou em Aveleira, os mais velhos temeram que pudesse ser uma coisa menos boa, que trouxesse fome. “Sem os meios de comunicação que temos hoje, estávamos muito apagados em relação à realidade, mas fomos percebendo, a pouco e pouco, fomos percebendo que algo se passava, que havia uma revolução, que havia uma mudança, que nos trouxe melhorias”, atestou.
Nas populações mais isoladas houve pessoas que não tiveram noção do que estava a acontecer. “Sim, sim. Isso é verdade. Há pessoas que não tiveram uma perceção real do que se passou naquela altura. Foram-se apercebendo, foram construindo a sua ideia do 25 de Abril ou da revolução, mas que acabou por não ter a perceção que teve noutros sítios”, reconheceu José Luís.
A vida nas aldeias do interior continuou como antes. “Houve manifestações em Vila de Rei [sede do concelho] e houve políticos da altura que se deslocaram, como fizeram por todo o país, a tentar mostrar e convencer as pessoas dos benefícios que advinham de uma revolução, mas pronto, as pessoas aqui acomodavam-se e, com a sua simplicidade, alguns acabaram por nem se aperceberem do que estava a acontecer”, relatou.
Porém, quando se realizaram as primeiras eleições livres, em 1975, a população acorreu em “avalancha” às mesas de voto. José Luís ainda não tinha idade para votar, mas acompanhou os pais à vila e lembra-se das enchentes, das filas de espera para depositar o voto e dos desentendimentos alimentados pela demora.
Aos 92 anos, Manuel Cotrim, ex-resineiro residente em Sedeada, uma das aldeias mais interiores, guarda na memória várias e acontecimentos datas que lhe marcaram a vida, mas do 25 de Abril não tem qualquer recordação.
“É natural que não se tenha apercebido bem, não havia eletricidade, não havia cá televisões, só um radiozito a pilhas”, admitiu a filha, Manuela. O neto de Manuel Cotrim, Nuno Nunes, tem 37 anos e lembra-se de não haver alcatrão na estrada que atravessa a aldeia.
Para o avô, no tempo da resina, vivia-se bem:”Antes de isto arder era bom, que a resina dava para a gente se governar e arranjar dinheiro”.
Do outro lado da rua, José Prior (89 anos), cunhado de Manuel Cotrim, contou à Lusa que acompanhou todos os acontecimentos em Lisboa, onde ficou a viver depois de cumprir o serviço militar.
“Arranjei um emprego jeitoso, na Alfândega. Até sair daqui foi uma vida de sacrifício”, confessou, entre um e outro golpe na lenha miúda reunida à porta de casa.
Saiu da aldeia com 20 anos, depois de ter também trabalhado na recolha da resina, e foi poucas vezes à terra num tempo em que para chegar de Vila de Rei a Sedeada era preciso equilibrar o carro por cima das pedras do caminho para a carroçaria não bater no chão.
“Aqui as pessoas nem sabiam em que regime se vivia. Depois da revolução foi um grande benefício em tudo”, declarou.
A geografa Fernanda Cravidão, que desenvolveu trabalho de campo com os alunos no final dos anos 70 e início da década de 80 visitou outras aldeias onde teve contacto com o isolamento da população. “Lembro-me que na Aldeia da Pena, na Serra de São Macário, concelho de São Pedro do Sul, havia um rádio e as pessoas juntavam-se para ouvir o rádio, não sei se as notícias, mas o rádio. E a ideia que tenho é que desconheciam completamente o que se passava no resto do país”, descreveu quando contactada pela Lusa.
Professora catedrática jubilada, Fernanda Cravidão lecionava a disciplina de geografia da população na Universidade de Coimbra e tinha como objetivo levar os alunos a lugares cuja existência desconheciam. “As pessoas não sabiam o que se passava no país, muito menos o que tinha sido o 25 de Abril”, admitiu.
A mesma perceção repetiu-se noutros lugares com poucos habitantes e onde não havia crianças.”O 25 de Abril não fazia parte da mundividência deles, quando muito, como noutras aldeias a norte do Tejo, poderiam associar ao fim da guerra, porque havia pessoas que tinham filhos e netos na guerra, sabiam que a guerra tinha acabado. Agora se perguntasse o que foi o 25 de Abril, talvez não soubessem responder”, afirmou.
*** Ana Mendes Henriques (Texto) e André Kosters (Foto) ***
Paulo César Luís faz parte da geração de políticos que nasceu depois do 25 de Abril de 1974. Não se identifica com o hino da terra, que canta um povo pobre e esquecido no interior de Portugal, mas reconhece que era esse o sentimento de quem habitava o centro geodésico do país.
Hoje o concelho é atravessado pela variante da Estrada Nacional 2, que encurtou “o tempo” para chegar a Abrantes e à Sertã, e que liga à A23, já concluída nos anos 2000. Ir a Lisboa, recordou, era “uma jornada”.
“Foi com esta estrada [variante Nacional 2], já no final dos anos 90, que sentimos que efetivamente pertencíamos a este país e que não eramos um ponto esquecido no mapa”, contou o autarca.
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Mesmo as trocas comerciais com os municípios vizinhos eram dificultadas pela velha e serpenteada estrada, tanto para norte, como para sul. O acesso mais direto a Ferreira do Zêzere era a travessia de barca.
“Só ganhamos um impulso extra com a construção da ponte (em 1993/94), que nos facilitou e muito a relação comercial com o concelho de Ferreira do Zêzere e novamente estamos a entrar nos anos 90. Aquilo a que nós assistimos é que desde o 25 de Abril até 1990, só a partir dos anos 90 é que sentimos um impulso reformista e progressista no concelho de Vila de Rei, até aí não”, afirmou.
Numa edição de dois volumes da Câmara Municipal de Vila de Rei (Contrastes e Transformações), assinala-se a mudança de regime em 1974 e o “isolamento” e “atraso” em que estava mergulhado o concelho, como “tantos outros”, bem como a construção de infraestruturas nos anos que se seguiram.
“Havia a estranha convicção de que as estradas, principalmente a estrada nacional, era coisa má, pois representavam uma porta de saída”, lê-se no segundo volume. Eram necessárias quase seis horas de caminho para percorrer os 170 quilómetros que separam Vila de Rei de Lisboa.
Foi também nos anos 90 que o município começou a ser servido por uma rede de água potável, a partir da albufeira de Castelo de Bode, que pôs termo às captações precárias e sem controlo de qualidade, provenientes de furos e minas.
“A minha aldeia estava com valas por todo o lado”, recordou o autarca, confessando que o episódio que mais o marcou da chegada do progresso à aldeia onde nasceu, Milreu, foi quando um dos irmãos caiu dentro de uma vala do saneamento: “Foi uma festa [risos]. Para o meu irmão não foi uma festa, mas para nós foi, porque ele ficou numa vala que era muito superior a ele. Também dá para ver as condições de segurança das obras naquela altura, era de qualquer maneira”.
O concelho vivia muito da extração de madeira e o comércio era “arcaico”, admitiu Paulo César Luís. Levavam-se as cabeças de gado vivas até Abrantes, para a feira, “numa jornada extraordinária”, que se repetia no regresso, “sempre a pé”.
“É indescritível isto, mas era assim que se vivia na altura”, afirmou. A prática manteve-se mesmo depois do 25 de Abril.”O tempo que demorávamos a chegar a Abrantes era quase o que demoramos hoje a chegar a Lisboa”, sublinhou.
Além de estradas, foi necessário abrir outros caminhos nos últimos 50 anos. “Tivemos de crescer mentalmente para começarmos a crescer economicamente”, defendeu o autarca, referindo-se aos passos que foi preciso dar na educação. A grande maioria da população era analfabeta ou tinha poucos anos de escolaridade, não chegando a concluir a quarta classe.
A Universidade Sénior de Vila de Rei reúne hoje pessoas com diferentes tipos de formação, tenham ou não conseguido prosseguir os estudos. O leque de atividades vai do teatro ao ‘walking football’, modalidade em que é proibido correr, apenas se pode andar. Os participantes têm quase todos mais de 65 anos e andam “bastante entusiasmados”.
José Costa, 61 anos, participa nos treinos quando é desafiado. Mudou-se de Azeitão (Setúbal) para Vila de Rei, onde a mulher tem família, e começou por frequentar as aulas de teatro. Na juventude, fez teatro e integrou bandas que tocavam nas aldeias. Com a saída da professora de teatro da Universidade Sénior, foi convidado para assumir a função.
Agora quer criar em Vila de Rei um grupo de teatro:”Tenho um projeto aqui e já falei na câmara, está aprovado, para formar um grupo de teatro independente, amador, e abrir à comunidade. A minha ideia é misturar o pessoal da Universidade Sénior com as pessoas de fora. Já tenho dois miúdos. Leram uma peça que escrevi e gostaram imenso. Estamos agora na fase de tratar dos seguros, aquelas burocracias todas. A minha intenção é misturar as pessoas”, avançou.
Outro projeto que pretende concretizar, mas ainda a reunir financiamento, é levar as pessoas de Vila de Rei a lugares onde nunca foram. “Há pessoas aqui que nunca viram o mar”, revelou.
*** Ana Mendes Henriques (texto) e André Kosters (foto), da agência Lusa ***
Foi no vizinho concelho de Mação (Santarém), onde estudava em 1974, que teve conhecimento do golpe militar que, em abril, derrubou a ditadura. “Fui comprar o pão de manhã, para fazer o meu pequeno-almoço, e as pessoas na padaria naquela agitação toda, ‘houve uma revolução, houve uma revolução, em Lisboa'”, contou à Lusa Maria da Luz Alves, 64 anos, lembrando o rádio que emitia as novidades, comentadas entre a padeira e os fregueses.
Habituada desde cedo a tarefas domésticas e a trabalhos no campo, viveu aos 11 anos o primeiro dia de liberdade no recreio da escola: “Os professores todos atentos ao rádio e nós andávamos a brincar, foi um dia sem aulas, maravilhoso!”
“Lembro-me bem depois do 1.º de Maio, aqueles carros, aquilo tudo, a revolução. Lembro-me das músicas todas do 25 de Abril, do Zeca Afonso. Eu andava naquela encosta acolá com as cabras e nós cantávamos as músicas do 25 de Abril”, apontou.
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Em Água Formosa, aldeia de xisto no concelho de Vila de Rei, onde viveu até aos 20 anos, sem eletricidade, Maria da Luz chegou a trabalhar jornadas de 12 horas. “Corri esses cabeços todos, com a lata para recolher a resina dos canecos. Cheguei a ganhar 120 escudos. Era 10 escudos à hora”, recordou.
Carregar a água da fonte ou das pequenas cascatas da aldeia, atravessada pela ribeira da Galega, era outras das tarefas que desempenhava com esmero, num quotidiano sem saneamento. “Subia aquela ladeira toda com o cântaro à cabeça, sem muitas vezes ter de lhe por a mão, tal era o hábito, o equilíbrio.”
Fez a vida profissional em Lisboa e voltou à terra com o marido, Luís Henriques, onde passa três semanas por mês, a outra é para ir ver as netas. “Voltei para casa mais cedo por causa da saúde do meu marido, para não ficar o dia todo na cadeira do computador”, justificou, referindo uma operação à coluna há cerca de dois anos.
Na casa onde Maria da Luz foi criada “a maior parte o tempo”, a casa da avó, estão hoje instalados serviços da autarquia. “Ali onde está a loja do turismo era a capoeira das galinhas”, indicou, lamentando a falta de habitantes.
“Aquele senhor é o único idoso que resiste”, disse, ao apontar para um vizinho que manobrava a enxada numa pequena horta, a única atividade que se avistava na manhã em que a Lusa visitou Água Formosa.
“Estas casas eram todas habitadas, é uma tristeza ver isto assim”, desabafou. “As pessoas venderam as casas, agora já há alojamento local, essas coisas todas, mas… não havia fixação aqui. Não havia trabalho, não havia nada, os campos foram ficando abandonados, a agricultura não dava e as pessoas procuraram outros empregos nas cidades, nas vilas, e saíram daqui”, explicou.
Água Formosa fica situada a cerca de 10 quilómetros do marco que assinala o centro de Portugal e está reconvertida para o turismo. Tem três acessos, mas dentro da aldeia de xisto não há circulação automóvel.
Até ao 25 de Abril, Maria da Luz nunca ouvira falar de alternativa política.
“Nós aqui, só quando aconteceu aquilo é que eu soube que afinal havia um regime em que não havia liberdade total, só nessa altura, porque até aí nunca tive conhecimento de nada”, disse.
*** Ana Mendes Henriques (texto) e André Kosters, (foto), da agência Lusa ***
AH // ZO
Fonte oficial do partido disse à Lusa que a reunião do órgão máximo entre convenções decorre hoje e tem como objetivo debater “as prioridades do Bloco de Esquerda para as próximas eleições europeias”.
Ao invés da habitual conferência de imprensa, as prioridades saídas da reunião deste órgão serão divulgadas no comício que o partido vai realizar em Lisboa esta tarde.
Intitulado “Abril é na Rua!”, este comício contará com intervenções da coordenadora do BE, Mariana Mortágua, e da cabeça de lista do partido às eleições europeias de 09 de junho e ex-coordenadora, Catarina Martins.
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O nome de Catarina Martins foi escolhido para encabeçar a lista bloquista às europeias na última reunião da Mesa Nacional do partido, em 16 de março.
Na altura, Mariana Mortágua considerou que Catarina Martins “é uma das dirigentes da esquerda europeia com mais experiência e mais reconhecimento”, sendo a “candidatura mais forte que a esquerda pode apresentar”.
Depois de uma década à frente do BE, durante a qual levou o partido aos seus melhores resultados, mas também a um dos piores, nas legislativas de 2022, Catarina Martins passou o testemunho a Mariana Mortágua no ano passado, na XIII Convenção Nacional.
Foi eleita deputada pela primeira vez nas legislativas de 2009, então como independente nas listas do BE, tendo sido reeleita nas eleições legislativas seguintes já como militante.
Catarina Martins foi coordenadora do BE entre 2012 e 2023. Nos primeiros dois anos, ocupou este cargo em parceria com João Semedo, numa inédita liderança ‘bicéfala’, modelo abandonado em 2014, na Convenção Nacional seguinte.
ARL (JF) // PC
Às cinco salas de partos até aqui existentes, somam-se duas, sendo que “todas foram remodeladas de forma a permitir o acompanhamento permanente e individual da grávida, bem como acesso a meios audiovisuais personalizados”, descreveu a diretora do serviço de urgência de Ginecologia/Obstetrícia da Unidade Local de Saúde do São João (ULSSJ), Elsa Calado.
“Acrescentámos conforto e privacidade”, resumiu a médica, em declarações à agência Lusa.
Até aqui, uma vez confirmado o trabalho de parto, as senhoras aguardavam numa sala comum com o pai do bebé, apenas separadas por biombos.
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“Agora as salas são individualizadas e os pais podem, por exemplo, escolher a música que querem ouvir ou que canal de televisão sintonizar. Os quartos novos são maiores e com espaço para as senhoras caminharem”, descreveu a diretora.
Além de espaço, esta requalificação traduz-se no aumento do número de equipamentos disponíveis, passando de três reanimadores para todo o serviço, para sete, ou seja, um para cada sala de parto.
Em causa estão aparelhos descritos como “de última geração, essenciais no auxílio aos neonatologistas quando um bebé precisa de assistência médica à nascença”.
“Estas melhorias para as mães e para os pais também se refletem na atividade dos profissionais de saúde”, disse Elsa Calado.
Esta reformulação insere-se no programa nacional lançado pela Direção-Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) dedicado ao aumento de capacidade e qualidade assistencial dos blocos de partos do país, tendo a ULSSJ recebido 850 mil euros para este projeto.
A sala de observação que recebe utentes com patologia ginecológica e obstétrica, bem como as áreas de trabalho dos profissionais, também foram melhoradas, refere informação remetida à Lusa por fonte da ULS.
Neste campo, soma-se a criação de uma aplicação, a “Nascer São João”, dirigida a grávidas e recém-mamãs.
“Enquanto aguardam o nascimento do bebé, muitas grávidas recorrem à Internet para saber mais sobre gravidez, por isso, considerámos importante que as mulheres pudessem aceder a informação fidedigna e credível, validada pelos nossos profissionais”, aponta a diretora do serviço de Obstetrícia, Marina Moucho, cidadã na informação da ULSSJ.
A ‘app’ terá conteúdos informativos divididos por seis áreas — gravidez saudável, preparar o parto, o parto, recuperação pós-parto, cuidados ao bebé e aleitamento materno — ou seja conteúdos sobre a saúde e bem-estar da grávida e do bebé que podem ir desde a alimentação na gravidez e a sexualidade até à preparação para o parto, informações sobre a analgesia epidural e anestesia na cesariana, entre outras.
Também será possível consultar o Boletim da Grávida Digital para ver os registos das análises e ecografias.
PFT//LIL
Um em cada cinco agregados familiares japoneses vai ser constituído por uma pessoa idosa a viver sozinha em 2050, aponta um estudo do Instituto Nacional de Investigação sobre População e Segurança Social do Japão, divulgado na sexta-feira.
Nesse ano, 10,8 milhões de idosos vão estar a viver sozinhos, representando 20,6% dos agregados familiares, projeta-se no documento.
Estes números representam um aumento significativo em relação a 2020, ano em que 7,37 milhões de idosos viviam sozinhos, ou seja, 13,2% dos agregados familiares, de acordo com o instituto.
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Os jovens japoneses estão a casar cada vez mais tarde e muitos optam por não ter filhos por questões económicas.
O Japão enfrenta um desafio demográfico, com o número crescente de idosos a provocar o aumento das despesas médicas e de cuidados de saúde, numa altura em que o país se vê confrontado com a diminuição da população ativa capaz de financiar estas despesas.
Muitos idosos têm filhos ou familiares que podem prestar cuidados, mesmo que estes vivam sozinhos, observa o instituto.
“No entanto, dentro de cerca de trinta anos, a proporção de agregados familiares com um idoso sem filhos a viver sozinho” deverá aumentar. Também o número de irmãos que prestam assistência familiar deverá diminuir, acrescenta.
A população do país diminuiu em 595 mil pessoas, atingindo 124 milhões em 2023, segundo as estatísticas do Governo nipónico publicadas na sexta-feira.
A diminuição foi compensada pela chegada de estrangeiros, com a população de cidadãos japoneses a diminuir em 837 mil, para 121 milhões.
Membro da Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa (OCMLP), Manuela Juncal, hoje com 74 anos, foi também Manuela Gonçalves, ou Nelinha: no 3.º ano do curso, a estudante de Arquitetura do Porto de 22 anos optou por viver clandestina em Brito, Guimarães, fez-se tecedeira, “acartava água a cântaro”, lavava e esfregava como as outras, escondia livros e um copiador para fazer panfletos, distribuía-os na noite, cabelo embrulhado num chapéu, alta e magra, sujava a cara, “passava bem por rapaz”.
No fim do turno, Manuela “fazia as tarefas” domésticas e o companheiro, depois marido (Tito Agra Amorim), ajudava “no que podia”, mas não podia ser muito.
“Ele até queria lavar roupa, eu é que o impedi: Nós já não vamos à missa, tu pões-te a lavar roupa no tanque? Não pode ser. Ia ser o fim do mundo”, recorda Manuela, arquiteta reformada, em entrevista à Lusa no regresso a Brito, a propósito do 50.º aniversário da Revolução dos Cravos.
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O casal punha então em prática a implantação defendida pela OCMLP, um “conceito que existiu em todo o lado em que havia maoistas” e que consistia na “deslocação de estudantes, filhos da burguesia, para os meios operários, para viver como os operários”: “A burguesia tem de conhecer os operários se quiser fazer parte da classe que, inevitavelmente, ia tomar o poder, de acordo com as ideias marxistas leninistas.”
Tito fazia o turno da noite, porque ganhava mais 25% de ordenado e “era onde estava a maioria dos homens” das fábricas têxteis, então a laborar “ininterruptamente, 24 horas por dia”.
Recebiam à quinzena e “o salário de ambos dava para ir de Brito a Guimarães, tomar um café, dar uma voltinha a pé e voltar de camioneta”, “já não dava para comer um bolo”.
Em casa, as refeições eram ovos, salsichas, atum, algum peixe, carne de porco, esporadicamente — não havia tantos talhos e, na verdade, “não havia era dinheiro”.
Tinham “batatas num terreno partilhado com a vizinha”, também cebolas e couve-galega. “Havia quem tivesse galinhas, mas eu era incapaz de as matar”, assegura Manuela.
“Lembro-me da filha mais velha da minha vizinha cortar batatas muito fininhas para cozerem depressa, para comermos depressa, porque vínhamos cheias de fome”, lembra.
Manuela jamais imaginou que “a casa tivesse tão más condições, que ia lavar roupa no inverno para o tanque coletivo, a água gelada”, ou tomar “algo parecido com um banho numa bacia grande com um regador”.
Filha de um casal de advogados, cresceu numa casa com duas empregadas, entre os 17 e os 18 anos estudou nos Estados Unidos da América. No regresso, começou “a asfixiar” num país onde “tudo era cinzento e proibido” e “tudo parecia mal”, até “uma menina sozinha num café”, ou “usar biquíni”.
“Fui multada em 25 tostões por dar um beijinho a um namorado num banco de jardim. E foi um beijinho tipo bicada, não foi um beijo à Hollywood. Queria ser arquiteta, mas não havia mulheres arquitetas. Nos livros, todos os heróis eram homens. A minha mãe, advogada, tinha de pedir uma licença especial ao meu pai para ir ao Corte Inglês a Vigo”, relata.
Manuela “não via futuro”, mobilizou-se com um “enorme sentimento de injustiça” por “uma vida que podia ser melhor” e contra a guerra colonial.
“O fascismo foi muita coisa: os presos e os mortos políticos, mas também coisas como só poderem votar os chefes de família. Se eu fosse casada, não votava. O meu primeiro filho nasceu em 1976 e a minha mãe disse logo «vocês têm de casar, senão o bebé vai ser filho de pai incógnito». Assim como a mulher que, estando casada, podia registar o filho como de mãe incógnita. Havia um cidadão, homem, que era o pai, mas a mãe não se sabia quem era. Filho de mãe incógnita”, escandaliza-se.
A jovem, procurada pela polícia política por “atividades estudantis”, sentiu-se “atraída pela possibilidade de encontrar um diálogo” com os operários, no sentido de os sensibilizar para a necessidade de acabar com aquela situação política”.
“Quase não aconteceu, eu trabalhava só com mulheres. Havia conceitos que, no mundo feminino, tinham outra leitura. Uma mulher livre era um insulto. Ainda hoje é”, diz.
No dia 25 de Abril de 1974, no café onde iam comer o caldo, na pausa do turno, a rádio dava ecos do que se passara em Lisboa. Nelinha sussurrou para uma colega: “Será que é a liberdade?”. Resposta? “Para que quero a liberdade? Sou uma mulher séria”.
Uma semana depois, no 1.º maio, Guimarães era “um mar de gente”, todos a gritar “Liberdade”, a colega da fábrica também. “Foi lindo de se ver, foi a coisa mais linda que vi na minha vida”.
Nelinha diz que aprendeu uma lição: “As pessoas não sabem bem o que está mal e um dia têm a oportunidade de o manifestar e manifestam, de um dia para o outro. As Revoluções não se encomendam. São quando os de cima já não podem e os de baixo já não aguentam.”
*** Ana Cristina Gomes (texto), André Sá (vídeo) e José Coelho (fotos), da agência Lusa ***