A liberdade de expressão, de associação, de consciência, de culto, as liberdades políticas e sindicais em geral foram conquistadas rapidamente. Nos idos de 1974 o país fervilhava, como é normal. Era urgente acabar com a censura, a PIDE e libertar os presos políticos.
Havia que descolonizar e acabar com uma guerra absurda. Já não se dispunha de tempo nem condições políticas para a criação duma espécie de federação de estados do mundo lusófono, um pouco à maneira da proposta do general Spínola em “Portugal e o Futuro”, o livro que contribuiu para a queda do regime autoritário do Estado Novo. E muito menos condições havia na época para a tentativa de viabilizar independências brancas nas colónias, ao estilo da Rodésia de Ian Smith, como a História veio a demonstrar.
Era necessário e urgente uma mudança profunda no país, a qual acabou por ser realizada aos solavancos como não podia deixar de ser num processo revolucionário e perante um poder político frágil, conturbado e carecido de legitimação democrática. Olhando para trás e considerando a correlação de forças políticas e sociais em cada momento, temos que concluir que as coisas nunca poderiam ter sucedido de forma muito diferente.
Apesar de tudo o país atingiu a normalidade política ao aprovar uma constituição democrática em 1976, mas apenas com a revisão constitucional de 1982 (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro) termina a tutela militar através da extinção do Conselho da Revolução, ficando as funções que exercia cometidas ao Conselho de Estado e ao Tribunal Constitucional, órgãos então criados, e em 1986 com a eleição do primeiro presidente da república civil em eleições livres.
Porém, há que dizer que uma das áreas onde mais tardou a chegada da democracia foi em matéria de liberdade religiosa. Por iniciativa do primeiro-ministro António Guterres, desencadeou-se o processo de preparação legislativa com vista à aprovação da Lei de Liberdade Religiosa, que veio a entrar em vigor quase trinta anos depois da revolução (Lei n.º 16/2001).
Ainda assim esta lei demoraria anos a ser regulamentada. É como se a matéria religiosa fosse de somenos importância na sociedade.
Acresce que esta lei só foi possível depois da revisão da Concordata de 1940 com a Santa Sé, de modo a salvaguardar os privilégios da igreja católica em Portugal face às demais confissões religiosas. Deste modo a liberdade religiosa que temos é mitigada e tem que se lutar por ela todos os dias, uma vez que a discriminação permanece de muitas e diversas formas.
Compreende-se que o legislador pense que a área religiosa é matéria menor, em função do processo de secularização e dos fenómenos contemporâneos de privatização da religião, de desinstitucionalização e de desidentificação religiosas. Compreende-se ainda, porque a ignorância do fenómeno religioso é gritante por parte da classe política, mesmo dos que se dizem católicos e vão à missa.
A verdade é que a religião é absolutamente transversal à vida pessoal e comunitária. Tem que ver com tudo na vida. Com o que se pensa, com o que se sente, fala, veste, come ou bebe. A religião cruza com a História, a Teologia, a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia, o Direito, os Estudos Culturais, a Ciência Política, as Relações Internacionais, a Linguística, a Nutrição e muitos outros ramos das ciências. Desprezar a religião e a espiritualidade é passar ao lado da vida de grande parte da população mundial.
O político e o legislador hesitam em entrar no espaço religioso, tanto por desconhecimento da matéria como por receio de libertar alguns demónios. Assim, optam normalmente por ignorar estas questões. Além disso, provavelmente terão os olhos postos noutras regiões do mundo onde as perturbações sociais e políticas de contornos religiosos, decorrentes de fundamentalismos, lideranças religiosas abusivas e mesmo de práticas terroristas de invocação religiosa os assustam. Mas isso não devia ser impeditivo de se informarem e valorizarem de facto a relevância da fé na vida das populações.
E depois há um tremendo contrassenso. É que muitos dos grandes líderes políticos do mundo por um lado menosprezam a dimensão religiosa, mas por outro não dispensam rasputines como conselheiros, gente ligada ao oculto, louca ou sem escrúpulos, que tantas vezes se torna a causa maior da sua queda em desgraça.
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