Alguns meios de comunicação social, em particular os canais de notícias por cabo, insistem em colocar sobre os consumidores da informação um peso insustentável que redunda em mal-estar, desconfiança e repulsa, esforço no qual são muito bem apoiados por um sistema de justiça que vaza constantemente o conteúdo das investigações, escutas e processos, em flagrante atropelo à lei do segredo de justiça. São ainda apoiados por uma legião de comentadores contratados, quase sempre de direita.
Para tal contam com a preciosa ajuda de um Ministério Público que dispara primeiro sobre tudo o que mexe e só depois pergunta quem vem lá. Isto é, constitui arguidos os cidadãos a torto-e-a-direito, sem motivo, tornando o caso público, quando não faz ainda pior ao fazer constar que essas figuras públicas são investigados, sem elas alguma vez terem sido sequer ouvidas e constituídas arguidas, portanto, sem hipótese de defesa.
Antes de mais é necessário recordar que o sistema de justiça em Portugal sofre de diversos problemas que lhe dificultam um bom exercício, como a falta de condições materiais e de recursos humanos, assim como alguma legislação pouco clara, cheia de alçapões, à medida dos interesses dos grandes escritórios de advogados, quer em matéria de litigância quer do negócio milionário dos pareceres jurídicos. Mas o facto só por si nunca poderá justificar os atropelos à lei por parte de quem mais devia zelar por ela.
Perguntamo-nos que tipo de motivações poderão justificar a postura obsessiva da bolha mediática. Talvez os editores pensem que os portugueses querem isso, o que me parece quase insultuoso. Só pessoas mal resolvidas ou de mau carácter desejam deixar entrar pelos olhos e ouvidos dentro o camião do lixo que lhes fornecem todos os dias e a todas as horas.
Talvez a motivação venha do medo que experimentam de perder share para a concorrência e por isso nivelam por baixo, porque os outros ainda são piores. Por outro lado algum jornalismo aceitou entrar em campo para jogar com as redes sociais de igual para igual, mandando às urtigas os sagrados princípios da confirmação dos factos, do seu enquadramento e do contraditório, além do código deontológico.
Por outro lado creio que alguns jornalistas ousam substituir-se às instituições judiciais e transformam-se em agentes de justiça popular, condenando assim as vítimas em praça pública com a desculpa da liberdade de informar, como se as pessoas não tivessem igualmente o direito ao seu bom nome.
Noutros casos, há quem no Ministério Público não consiga obter indícios de crime numa qualquer investigação, por mais longa que tenha sido, e faça vazar então cá para fora os nomes dos investigados, figuras políticas conhecidas, usando tal expediente para destruir a sua imagem pública e conseguindo com este artifício o que não lograram dentro do quadro legal.
Mas, mais importante do que as motivações parecem-me ser as consequências desta escolha. Desde logo temos um país mentalmente doente, que usa e abusa de fármacos. A pressão psicológica negativa decorrente das más notícias persistentes, exageradas, antecipadas e sugeridas só podem destabilizar os cidadãos mentalmente mais frágeis, que já lutam com suficientes problemas pessoais, familiares e profissionais.
Milan Kundera dizia em “A Insustentável Leveza do Ser” que o sonho “é a prova de que imaginar, sonhar com o que nunca existiu, é uma das necessidades mais profundas do homem.” Então, não roubemos a ninguém esse bem essencial.
A informação televisiva tem perdido as gerações mais novas, que preferem a internet para se situarem na actualidade e tendem a fugir da intervenção política, o que constitui uma perda substantiva para o país, que fica reduzido aos “Jotas”.
Por outro lado, a sobrevalorização dos extremismos e populismos, a atenção dada de forma extrema a quem mais grita, coloca a democracia sob um teste permanente de esforço. Os populismos e as notícias falsas alimentam o descrédito da democracia e corroem-na por dentro. Esquecem os alimentadores da desgraça que se acaso um dia voltássemos a viver em ditadura, eles seriam dos primeiros a perder a liberdade total de que hoje usufruem para então se transformarem inevitavelmente na voz do dono.
Em consequência desta forma de lidar com as figuras públicas os melhores e mais capazes afastam-se da política, deixando o caminho aberto para uma nuvem de oportunistas e incompetentes, muitas vezes inspirados pelo populismo, que entretanto aguardam a sua oportunidade na sombra. É esse o país que queremos?
No processo de Jesus, Pôncio Pilatos admitiu andar em busca da verdade: “Que é a verdade?”, exclamou a certa altura (João 18:38a). Parece que hoje poucos querem realmente saber dela. É uma pena.
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