Em fevereiro passado, estive a intervir num seminário de formação de líderes, realizado em Lisboa, a convite da organização, a par de Pedro Calado (Fundação Gulbenkian e antigo Alto Comissário para as Migrações). Tratava-se do Centro Internacional Rei Abdullah bin Abdulaziz para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural (KAICIID, da sigla em inglês).
O 7 Margens avança que este centro nasceu em 2007 “sob o impulso do Papa Bento XVI e do rei saudita que lhe dá o nome, na sequência dos atentados do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos”. A razão para ter decidido transferir de Viena para Lisboa a sua sede – o que sucederá no próximo mês de maio – deve-se ao facto de a organização “considerar Portugal como ‘um farol do multiculturalismo’ e um país que sempre manifestou a ‘abertura e tolerância’ como ‘características fortes da identidade nacional do País”.
Na decisão terá pesado o facto de o nosso País ser considerado um dos mais seguros do mundo, de ser uma democracia, de manter liberdade religiosa e um clima de tolerância e aceitação da diferença, não obstante os tiques de radicalismo que de vez em quando por aqui emergem. Mas também a nossa história universalista, associada ao facto de estarmos confinados a um pequeno território que não amedronta ninguém e inserido na União Europeia, fazem de Portugal um lugar singular de multiculturalidade e confiança.
A temática era “Interreligious Dialogue and Policy Engagement” e, portanto, suficientemente atrativa e desafiadora. Resolvi centrar-me na segunda parte, lançando assim para o debate aspectos práticos (e talvez mesmo provocadores) como um novo enfoque no papel da religião, do seguinte modo: Olhar a religião como uma marca cultural distintiva e imutável duma determinada população, país ou região do mundo já não faz sentido, em particular depois da emergência da globalização, quando as modas, usos e costumes tendem a fundir-se.
Pelo menos em sociedades abertas, livres e democráticas, a cultura tende a autonomizar-se da religião, embora inevitavelmente se influenciem uma à outra. Mas a religião já não condiciona obrigatoriamente a cultura.
Da mesma forma, a religião tende a tornar-se autónoma do poder político, pelo que aquela não pode, por isso, pretender condicioná-lo.
Assim, a religião precisa de libertar as mãos para cumprir a sua verdadeira vocação que não vai além da afirmação e proclamação da fé e da educação dos fiéis para a sua ética e valores, influenciando deste modo a sociedade por via indireta. E é por isso que os partidos de matriz religiosa constituem uma aberração numa sociedade aberta, democrática e livre.
Já no âmbito das políticas de compromisso, procurei deixar pistas sobre as políticas religiosas, da academia, governamentais, empresariais e de família.
Assim, é necessário que os actores mundiais das religiões, como o Papa, os líderes sunitas e xiitas, o Dalai Lama, o arcebispo de Cantuária, o presidente do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), o presidente da Aliança Evangélica Mundial (WEA) e, eventualmente, mais alguns promovam um diálogo permanente como sinal espiritual para o mundo, mas também uma acção concertada em situações de crise humanitária (como no bom exemplo de Moçambique).
E torna-se urgente que passem influência através dos média no sentido da construção da paz e do combate ao populismo político de esquerda ou de direita, até porque tende a abusar dos sentimentos religiosos das pessoas, mas também combater o populismo religioso em todos os segmentos do campo religioso.
Mas as comunidades religiosas de base precisam também de fazer a sua parte no treino e educação dos crentes para a aceitação da diferença, de forma a mostrarem respeito pelo outro mesmo que tenha fé diferente, assim como treinando a capacidade de diálogo com pessoas diferentes de nós e socorrer ou ajudar a todos, tal como no espírito do juramento de Hipócrates e do código deontológico dos médicos, por exemplo.
Voltaremos ao tema.
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