O Bloco de Esquerda produziu um cartaz com a seguinte afirmação: “Jesus também tinha dois pais”. A ideia é a de assinalar a aprovação da lei que permite a adoção por casais homossexuais. E, ao mesmo tempo, desmontar o argumento – muitas vezes invocado pela Igreja – de que as crianças devem crescer com um pai e uma mãe e não com dois pais ou com duas mães.
Claro que esta mensagem tinha de dar polémica, com a Igreja Católica a reagir mal e os católicos, nomeadamente nas redes sociais, a gritarem “blasfémia”. Conhecemos este tipo de reações fundamentalistas, ponto de contacto entre todas as religiões. Vimos os seus efeitos, há bem pouco tempo, em França. Podíamos até concluir que alguns setores católicos, quando se sentem atingidos por episódios deste género, só não reagem com o terrorismo dos islâmicos porque já não têm nem os meios nem a força. Os crentes, católicos ou de outras confissões cristãs, fazem mal em ceder à tentação fundamentalista. Acusarem os autores do cartaz de blasfémia não aquece nem arrefece. A blasfémia só incomoda o crente. Mais avisado seria se acusassem os autores do cartaz de ignorância – ou, pior, de manipulação grosseira.
É certo: no caso em apreço, a única atitude eficaz seria a de desmontar o cartaz com a própria argumentação do Bloco de Esquerda. A primeira pergunta é: pode comparar-se a história de Jesus – a história em que os cristãos acreditam – com a adoção por casais homossexuais? Isto é: a analogia do cartaz faz sentido? Essa é a questão mais pertinente. .A segunda é: o cartaz é, realmente, ofensivo?
Traduzamos, para linguagem dos nossos dias – e do Bloco – o que nos diz o catecismo. Segundo a fé cristã, Jesus tem uma mãe e um pai, tendo sido co-adotado pelo companheiro da mãe, no quadro de uma família de casal heterossexual. Pode contrapor-se que os católicos, acreditando na virgindade de Maria, não assumem que ela tenha vivido com José como marido e mulher. Demos isso de barato. Mas há outras confissões cristãs que negam a virgindade de Maria e até admitem que Cristo teve irmãos. No caso, meios-irmãos, tendo em conta que, para estas confissões, como para os católicos, Jesus seria filho de Deus. Uma coisa é certa: tenham ou não tenham praticado sexo, os progenitores que educaram e criaram a figura histórica chamada Jesus não eram… “dois pais”.
Assim, querer comparar-se a história de Jesus com a adoção por casais homossexuais não faz qualquer sentido. É estúpido. Um tiro ao lado. E é por isso que o cartaz, se ofende alguma coisa, é apenas a inteligência.