1. A história bem podia servir como uma parábola sobre a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa nas Presidenciais. E conta-se em poucas palavras: um agricultor comprou um terreno de cultivo. E um seu vizinho desdenhou: “Quem lhe vendeu isto, enganou-o. Estas terras nunca deram nada”. Passadas semanas, o homem retirava dali belíssimas alfaces, feijão, tomate, favas, batatas… O vizinho estranhava: “Incrível! Este terreno nunca foi fértil! Como conseguiu?” O homem tentou explicar: “Sabe, semeei estes produtos e…”, mas logo foi interrompido: “Ah! Semeou! Assim, também eu!”
Ora, foi precisamente isto o que ouvimos, durante a campanha, da boca dos principais adversários de Marcelo. Dizia um: “Não precisa de fazer campanha!” Acrescentava outro: “Teve 15 anos de exposição mediática!” Assentia o terceiro: “Teve a vantagem do horário nobre em canal aberto!” Concluía Jerónimo de Sousa: “Com as calças do meu pai, sou eu um homem!”
Estas acusações eram verdadeiras? Eram. Marcelo esteve 15 anos em casa dos portugueses, ao domingo à noite, em horário nobre, canal aberto, a falar sobre todos os assuntos da atualidade. Mesmo em período de férias, mesmo quando se deslocava para fora de Lisboa, lá estava ele, falando de onde estivesse, de Braga, de Celorico, de Moçambique… do Brasil. Durante quase duas décadas, perdeu horas de sono (de que nunca precisou muito…) para preparar os seus programas. Trabalhou muito, com inegável profissionalismo, para garantir a sua prédica dominical, esgrimindo, às vezes, contra jogos de futebol no canal ao lado, lutando corpo a corpo pela audiência – e, no final, conseguindo prender, tantos anos a fio, sem cansar, a fiel legião de espectadores. Concordassem estes, ou não, com as suas análises, detetassem, ou não, os seus recados e cálculos, desconfiassem, ou não, das suas intenções ocultas. Que outro dos seus adversários o teria conseguido? E se sim, porque não o fez? Não admira que o principal argumento da concorrência, na corrida a Belém, fosse o do vizinho do nosso agricultor da anedota: “Semeou? Assim, também eu!”
2. Os acordos conseguidos, com habilidade e génio político, por António Costa, à esquerda, permitiram a um PS classificado em 2.º lugar nas legislativas constituir um governo minoritário com a viabilidade que o vencedor (PSD/CDS) manifestamente não conseguiu. O principal argumento legitimador deste Governo foi o de que havia uma nova maioria, de esquerda, no Parlamento. Portanto, a maioria dos eleitores votou à esquerda. E era à esquerda, assim, que competia arranjar uma solução de governo.
Este argumento colocava algumas dúvidas, por assim dizer, estruturais. No entender do ainda Presidente da República, Cavaco Silva, os portugueses tinham votado esmagadoramente em partidos que defendiam, no essencial, mais ou menos a mesma coisa: uma economia de mercado, integração europeia e no euro, cumprimento dos tratados internacionais (incluindo o Orçamental), participação na NATO. Nesta linha de pensamento, os portugueses tinham continuado a votar, maioritariamernte, nos (antigos) partidos do chamado “arco governativo”, PS, PSD e CDS. Ou seja, tinham votado como sempre votaram: não à esquerda, nem, à direita, mas ao centro.
A eleição, à primeira volta, de Marcelo Rebelo de Sousa, dá crédito a esta tese. Não é possível que apenas três meses depois, e sem que qualquer medida impopular fosse tomada pelo novo Poder (muito antes pelo contrário…) a «massiva» votação à esquerda tivesse, de repente, virado para a direita. A eleição de Marcelo, candidato que, em campanha, sempre deefendeu teses “centristas”, ao arrepio dos setores mais radicais do PSD (cristalizados na atual direção), desmente, por si só, o advento do alegado “tempo novo” que o seu principal adversário, e representante da suposta maioria sociológica transcrita nos acordos de outubro, Sampaio da Nóvoa, corporizava.
3. António Costa pode não ter ganho estas presidenciais, mas também não as perdeu. Como no póquer, não tinha cartas para ganhar e não foi a jogo. Era pior se tivesse arriscado um candidato considerado forte, mas insuficientemente sóilido para bater Marcelo – o único que talvez fosse capaz era António Guterres. Desse ponto de vista, Maria de Belém fez-lhe dois favores: primeiro, ao avançar, dispensou-o de dar a cara por Sampaio da Nóvoa (com o pretexto de que deveria manter-se equidistante entre dois candiatos da área socialista), E, não dando a cara por ele, não deu a cara por qualquer derrota. O segundo favor foi o de, com o humilhante resultado conseguido por Belém, ter esvaziado a oposição interna segurista, que se aglutinara em torno daquela candidatura.
Costa não semeou e fez bem. Este terreno só dava mesmo ervas daninhas.