Talvez impressionado com os recentes acontecimentos em Londres, atento ao movimento 15M, em Espanha, assustado com a rua norte-africana, escaldado com os efeitos da austeridade na Grécia, o primeiro-ministro advertiu “alguns” – não sabemos quem – de que “não se entusiasmem com as redes sociais e com o que veem lá fora, esperando trazer o tumulto para as ruas de Portugal”. No fundo, Passos Coelho confessou, de forma freudiana, que o que aí vem é suscetível de incendiar as ruas do País. Corrigindo o tiro, e dando-se conta de que havia sido catastrofista (a analogia colava ao caos recente, em Londres), o gabinete do primeiro-ministro esclareceu que Passos Coelho estava a pensar na Grécia. Foi pior a emenda do que o soneto: primeiro, porque ele havia dito mais: “Não confundiremos o exercício das liberdades constitucionais com aqueles que pensam que podem incendiar as ruas e ajudar a queimar Portugal.” Atenas ou Londres?… Segundo, porque este novo raciocínio conduz à confissão implícita de que a nossa situação pode vir a assemelhar-se à grega, com todo o rol de desgraças que lhe estão associadas. Uma comparação que o Governo continua a negar, a pés juntos, em todos os fóruns internacionais.
Há os que dizem que Passos Coelho fez bem: antecipou uma demonstração de autoridade, cortando veleidades aos “incendiários” e desencorajando a deriva da violência. Eu acho que cometeu um erro, talvez não “colossal”, mas de palmatória. É que as suas declarações assustam os portugueses e incentivam outros ao protesto violento. Estarão, isso sim, mais atentos às formas de luta de rua que aí vêm e mais recetivos aos movimentos que se cruzam nas redes sociais. As declarações de Passos deixam o cidadão médio ainda mais de pé atrás: “O que estarão eles a preparar, para falarem assim?” E dão uma preciosa publicidade gratuita aos que pensam, realmente, que é possível mobilizar as pessoas para algo mais de que marchas pacíficas na Avenida da Liberdade. Numa palavra, Passos Coelho está a dar ideias. Ou, como diz o povo, a espantar as moscas.
A função de um primeiro-ministro não é a de servir de detonador do alarmismo. Mas alguma má consciência do Governo continua a vir ao de cima, com as palavras subsequentes de Paulo Portas, advertindo contra os “perigos” da convocação de “greves sistemáticas” que… ainda não foram convocadas!
Impávido e sereno, o ministro das Finanças, com aquele ar de quem não parte um prato, lá vai anunciando, no mesmo tom monocórdico com que pedirá uma meia de leite, o aumento de impostos. Ele tem o condão de diluir as más notícias num discurso sonolento e técnico. E, quando damos por ela, já nos tramaram. Era como se um vago conhecido chegasse ao pé de nós, vindo diretamente da terra dos nossos parentes e nos dissesse: “O padre mudou, abriu um novo café, o seu pai morreu e apanhei muito bom tempo.”
PS: Critiquei, aqui, a falta de seriedade do Governo caso levasse, afinal, para a frente, o TGV. Posteriormente, Passos Coelho esclareceu que foi adiado.