No seu programa de Governo, PSD e CDS assumem, mal ou bem, a intenção de passar da teoria à prática. Não hesitam em estabelecer algumas ruturas ideológicas e tomam decisões simples – como a da acoplagem dos feriados aos fins de semana, mesmo arriscando algumas escaramuças com a Igreja – de que muito se fala, ciclicamente, sem que ninguém faça nada. Este ímpeto fazedor, próprio dos primeiros dias de um Governo fresco, permitirá, finalmente, a Paulo Portas, acertar contas com “os mandriões do Rendimento Social de Inserção” (RSI), uma das mais sensíveis passagens do texto programático do Governo. Inventado por António Guterres e Ferro Rodrigues, o chamado Rendimento Mínimo teve um impacto imediato na sociedade portuguesa. Permitiu, em pouco tempo, e com pouco dinheiro, acabar com bolsas de pobreza extrema. À portuguesa, porém, a fiscalização revelou-se inoperante e, ainda à portuguesa, os abusos sucederam-se. A própria finalidade transitória do agora chamado RSI foi tendo duvidosas taxas de sucesso, no regresso (ou na entrada) dos cidadãos à vida ativa. Ou seja, o termo “inserção” tornou-se, progressivamente, mais decorativo, nesta sigla, do que a expressão “rendimento”…
Esta circunstância permitiu ao CDS fazer um cavalo de batalha, crescentemente popular, dos “parasitas” do rendimento mínimo, “gente que não quer trabalhar” e prefere viver “à custa dos que todos os dias se levantam às seis da manhã”. O discurso começou por ser fortemente demagógico. Paulo Portas era o “chato” dos Contemporâneos, agarrado às canelas de cada beneficiário do RSI, bramando que este “faça alguma coisa de útil pela sociedade!”. Ou, dando voz a uma expressão popular, que o líder do CDS quase utilizou, “vão trabalhar, malandros!”. Pagava, assim, o justo pelo pecador. É que, por culpa exclusiva da falta de meios de fiscalização do Estado – e da falta de vontade política do PS para os assegurar… -, a população tendia a dar razão a Paulo Portas. Como alguém disse, o primeiro passo para acabar com a solidariedade é ter solidariedade a mais…
A questão, agora, é saber se o Governo fará, da anunciada reestruturação do RSI, um cavalo de batalha ideológico e populista, ou se se mantém fiel à letra do que propõe: “Enfatizar o caráter transitório” do RSI, “assegurar o reforço dos mecanismos contratuais na sua atribuição e fiscalização, em particular no que respeita à procura ativa de emprego”, “frequência de formação e prestação de trabalho comunitário”. Ou seja: a ideia de apertar a malha do RSI e de “convidar” os beneficiários a sentirem-se úteis e participativos é perfeitamente meritória. Como está escrita, a medida parece equilibrada, pedagógica e razoável.
Já se imagina a reação da esquerda mais radical. Mas há grande curiosidade de conhecer o que pensará este PS de duas cabeças. O PS não pode esquecer que o anterior Governo já excluiu do sistema milhares de beneficiários e que a negligência anterior é a principal responsável pelo descrédito do RSI. Seguro e Assis são deputados. Veremos, já agora, se os dois resistem à tentação de aproveitar este debate para a mera competição interna sobre quem é “o melhor opositor”. Uns e outros, Governo e oposição, façam mas é qualquer coisa de útil pela sociedade.