Xi Jinping esteve ausente da cimeira do G20 em Nova Deli, enviando o primeiro-ministro. Não é, como sabemos, a mesma coisa, num regime de poder concentrado e cuja doutrina resulta de um conjunto de iniciativas anunciadas pelo Presidente ao longo da última década. E não falo só da Iniciativa Faixa e Rota, mas da trilogia que procura colocar Pequim no centro de uma nova ordem internacional: a Iniciativa para o Desenvolvimento Global, a Iniciativa para a Segurança Global e a Iniciativa para a Civilização Global. E se nenhuma delas se faz à margem de Xi, também é verdade que todas as que surgirem em concorrência podem ser mais facilmente mobilizáveis se o Presidente chinês não estiver presente. Foi o que aconteceu em Nova Deli.
Mais uma vez, e volto ao tema das últimas duas crónicas, na política internacional nem sempre o que parece é. Como facilmente se percebe, a coesão dos BRICS é sinalizada se contextualmente der jeito, mas pode sofrer um retrocesso se a oferta vinda de fora for tão ou mais interessante. Cyril Ramaphosa tanto pode agitar o chamamento antiocidental abraçado a Xi, como dias depois abraçar Biden e apelar ao multilateralismo unívoco. O mesmo para Narendra Modi, o grande vencedor da cimeira de Nova Deli, naquela lógica que aqui tenho trazido das tensões estruturais com a China e que o levaram a recriar com Joe Biden (e alguns países do Médio Oriente e da Europa) uma rede de infraestruturas críticas concorrentes da Iniciativa Faixa e Rota (portos e cabos submarinos), capaz de potenciar as trocas comerciais e uma radial política de sentidos vários. É aqui que estamos: numa arquitetura sem polos de poder coesos e homogéneos (talvez a exceção, apesar de tudo, ainda seja o espaço euro-americano) que façam da multipolaridade um sistema percetível e aceite, mas sim numa teia de multialinhamentos em que cada um equilibra como pode uma série de relações aparentemente opostas e de sentido nulo. Nesta lógica, é possível estar bem com a China e com os EUA, sofrer pressões de ambos em função dos domínios onde a vulnerabilidade é maior, sem que isso implique, como na era bipolar, uma opção identitária irreversível.