Deixem-me destoar um pouco das análises sobre a vitória de Erdogan, para vos propor um ângulo mais cético sobre o exercício do seu poder absoluto. O Presidente turco está há 20 anos no poder executivo, primeiro como chefe do governo, depois como Chefe de Estado, transferência que organizou através de uma revisão constitucional. Nestas duas décadas, Erdogan e o seu partido (AKP) venceram 15 eleições seguidas, definindo os termos de um nacionalismo identitário que, como se viu nesta campanha, extravasa o seu campo partidário, trazendo parcelas do bloco oposicionista atrás. Por aqui se percebe que a oposição foi mais de estilo do que de programa, mais pragmática nas fações reunidas do que uma verdadeira alternativa ideológica.
A transversalidade do nacionalismo turco, como de outros nacionalismos em voga, é reação aparentemente enraizada a perceções sobre as grandes dinâmicas globais fora do controlo nacional, e que passam pelas transformações no mercado de trabalho, na indústria, na tecnologia, na finança, na segurança ou no comércio. Não estou com isto a validar essa reação, até porque nada me aproxima desse campo, como é sabido, mas a levantar uma dinâmica de choque e aversão que precisa de ser cuidada, se quiser reverter o revanchismo crescente. Ou seja, com um nacionalismo identitário tão alargado, o conhecido Erdogan levaria vantagem sobre o desconhecido Kiliçdaroglu, que não tendo descolado há 15 dias, viu ainda fugir o apoio decisivo do terceiro classificado (Ogan, outro nacionalista) para o Presidente reeleito.