Como é do conhecimento geral, dentre todos os desportos, o futebol é o que mais desperta emoção, fascínio, paixão, amor, ódio.
Conforme nos ensina o antropólogo Desmond Morris, na sua obra A Tribo do Futebol, é um comportamento primitivo, ligado ao nosso passado pré-histórico. Corresponde a uma forma de competição entre tribos (clubes de futebol e adeptos). É um jogo de ritualidades, uma batalha, uma guerra, mesmo que simbólica. Os adeptos formam um clã, protegidos simbolicamente e representados por animais, alguns mitológicos. Veja o caso de Portugal: Boavista (Pantera), Porto (Dragão) e Benfica (Águia).
É um facto que o futebol tem o seu lado glamouroso, com os seus jogadores, as estrelas, mundialmente conhecidas e multimilionárias, como é o caso de Cristiano Ronaldo, Messi, Neymar e outros. Mas o futebol não é só isso, ou melhor dizendo, não é nada disso. É genuinamente um desporto, jogado e vivido, com amor à camisola, apenas nos escalões inferiores. No alto escalão não passa de uma indústria, um negócio da alta finança. Numa lógica de hipermercantilização, predominam os grandes contratos com poderosos patrocinadores multinacionais, o que se reflete em salários milionários, mas apenas para alguns jogadores, os mais mediáticos.
O problema é que onde há muito dinheiro há corrupção, jogos de poder. Os exemplos abundam, do mais alto ao mais baixo escalão, há vários que foram acusados e presos por corrupção. Vejamos: na FIFA, João Havelange† e Joseph Blatter e na UEFA, Michel Platini. No considerado ‘país do futebol’, há o (mau) exemplo de José Maria Marín, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol e do Comitê Organizador dos Torneios de Futebol da FIFA. Já se fala numa ‘famiglia’ – veja o livro de Thomas Kistner, FIFA Máfia (2003). Em Portugal, à escala de um país pequeno, temos o caso atual de Luís Filipe Vieira, do Benfica. Mas já voltaremos a falar do Benfica/Vieira.
De onde vem este enorme poder do futebol? Tem a sua força na enorme capacidade de atrair multidões, adeptos, seguidores (cegamente) obedientes aos seus líderes. Da sua não racionalidade, da paixão que desperta nos adeptos, que defendem a sua ‘tribo’ com todas as suas forças e, se preciso for, com a utilização da violência, uma manifestação (uma etologia) do instinto, da primitividade humana.
Se aplicarmos uma metáfora de Karl Marx para a religião, o futebol, que é também uma religião, é ‘o ópio do povo’. Mais do que um entretenimento, é um momento de ilusionismo. Como um ‘circo’, serve para entreter o povo que não tem pão. A estratégia de quem está no poder e ligar-se ao popular mundo do futebol para desviar a atenção da corrupção que grassa no meio político e dos problemas sociais e económicos do país. Isso explica a (incestuosa) ligação entre o mundo do futebol e a política.
Portanto, considerando que é uma indústria, uma máquina de fabricar e gerir milhões, atrai um outro segmento que adora dinheiro e, logicamente, poder: os políticos. A história corrobora isso: vários campeonatos do mundo foram realizados em contextos de ditadura política e de forte crise económica, como foi o caso do Brasil e Argentina.
Mas vamos atualizar os acontecimentos: Bolsonaro, para desviar a atenção da grave crise pandémica (que ele próprio genocidamente criou), estrategicamente, organizou a Copa América – ironia do destino: o Brasil perdeu a final para a sua arquirrival Argentina.
Depois de todas as capitais europeias se terem recusado, Portugal sediou a final da Liga dos Campeões da UEFA, na cidade do Porto. Resultado: com a vinda dos (indesejados) adeptos ingleses, na verdade, violentos hooligans – carinhosamente considerados turistas pelo Presidente da Câmara do Porto -, houve um agravamento da situação pandémica. Por causa disso, o Primeiro-Ministro António Costa levou um puxão de orelhas da líder alemã Angela Merkel.
Mas o importante é distrair a ‘malta’ e dar ainda mais poder e dinheiro aos líderes do futebol.
Para finalizar, uma palavrinha sobre Luís Filipe Vieira, acusado pelo Ministério Público de corrupção. Caros leitores, uma pergunta: desde 2003, quando Vieira se tornou Presidente do Benfica, conseguem recordar de um nome de um alto dirigente político (Presidente da República, Primeiro Ministro, Presidente de Câmara) que NÃO tenha ido à tribuna beijar-lhe a mão? Não estavam o Primeiro-Ministro e o Presidente da Câmara de Lisboa na sua comissão de honra para a reeleição à presidência do Benfica?
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.