No passado dia 11 de maio, a Assembleia da República aprovou, com a abstenção do PSD e votos favoráveis dos restantes grupos parlamentares, o Projeto de Lei n.º 90/XIII/1ª, que impõe às instituições bancárias a obrigação de refletirem plenamente nos contratos de crédito à habitação a descida da Euribor, mesmo que tal resulte numa taxa de juro global (na larga maioria dos casos resultante da soma da Euribor com o spread) abaixo de zero. A redação final do referido Projeto de Lei foi, entretanto, fixada pela Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa e objeto de publicação recente (20 de junho), sob a identificação de Decreto da Assembleia n.º 208/XIII, aguardando promulgação do Presidente da República.
O problema a que pretende dar resposta o Projeto de Lei n.º 90/XIII/1ª colocou-se com a descida acentuada da Euribor no contexto da crise económico-financeira de 2007 e atingiu especial premência no crédito à habitação a partir de 2016, quando o valor da Euribor a 3 e a 6 meses atingiu valores negativos.
Se, em regra, as instituições financeiras admitiram (sobretudo na sequência da Carta Circular do Banco de Portugal n.º 26/2015/DSC) abater o valor negativo da Euribor ao valor do spread, a sua posição foi de recusa de abatimento desse valor ao capital em dívida pelo cliente, nos casos em que da soma da Euribor com o spread resultava um valor abaixo de zero.
Afastando agora preocupações de rigor técnico-jurídico, como a natureza contraditória da expressão “juros negativos” e o momento de aferição da natureza obrigatoriamente onerosa do crédito bancário, preocupação bem mais pragmática me assola de momento.
Com o recente anúncio por Mario Draghi de que a expectativa vai no sentido de que as principais taxas de juro do BCE permanecerão nos níveis presentes pelo menos até ao verão de 2019, os cálculos relativos à subida esperada da Euribor foram revistos e prevê-se agora que a Euribor a 3 meses apenas atinja valores positivos em meados de 2020.
Ora, o Projeto de Lei n.º 90/XIII/1ª consagra uma norma transitória, nos termos da qual a solução legislativa nele consagrada se aplica não só aos contratos celebrados no futuro, mas também aos contratos de crédito à habitação atualmente em curso, relativamente às prestações que se vierem a vencer após a entrada em vigor da Lei. O impacto imediato desta solução legislativa parece, portanto, inevitável.
E se, numa primeira leitura, isso são excelentes notícias para os devedores em sede de crédito à habitação, é importante, mais do que nunca, evitar ser simplista: o impacto sobre as instituições bancárias da entrada em vigor da nova Lei será negativo e não serão estas, em último grau, a absorve-lo.
Perante a aparente proibição legal de imposição de cláusulas contratuais de limite mínimo das taxas de juro (por força do artigo 35.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 74-A/2017), os Bancos irão procurar outras formas de repercutir o aumento do risco associado à admissibilidade de taxas de juro negativas sobre o consumidor-mutuário, seja aumentando o spread em contratos futuros, seja procurando reforçar a comercialização acessória de instrumentos financeiros derivados de taxa de juro, como o contrato de swap de taxa de juro… e esta última hipótese, num contexto socialmente tão relevante e alargado como o que se encontra subjacente ao crédito à habitação, é motivo de séria apreensão.