Amor e uma cabana. Muito sonha – e sofre – quem ama. O amor romântico, dizem alguns, morreu com a era digital e o seu pragmatismo e funcionalidade. Esse “pão pão, queijo queijo” da comunicação visual, imediata e transparente, em que tudo se faz às claras, sem as amarras de outras épocas, menos pródigas em mobilidade e liberdade de costumes em larga escala.
Por falar em escalas: a mobilidade e a livre circulação têm um impacto real nas nossas vidas. Há mais jovens adultos a estudar fora e em programas de intercâmbio, mais pessoas a viajar com fins lúdicos e profissionais (na lógica da cultura empreendedora / free lancer). E cidadãos seniores confrontados com a deslocalização dos serviços, a quem não é dada outra opção que não a de adaptar-se à política empresarial e andar “cá e lá” por temporadas com a mochila às costas (ou o porta-fatos e a mala de porão com rodinhas).
Por fim, há quem decida começar de novo noutro lugar longe de casa, seja por vontade de ir mais além (ambições associadas à carreira e desenvolvimento pessoal) ou por força das circunstâncias (não encontrar emprego, desemprego, precariedade, razões familiares). Portugal é o país da União Europeia com mais emigrantes, com uma média de 110 mil saídas por ano, segundo o Observatório da Emigração. Olhando os números do INE, percebe-se que nos últimos cinco anos a emigração permanente (partidas por mais de um ano) estabilizou e que as saídas temporárias aumentaram (praticamente para o dobro). Em 2014, mais de 8 mil portugueses com idades entre os 40 e 44 anos lançou-se fora de portas e por tempo incerto e, se considerarmos a faixas etária dos 25 aos 29 anos, esse número foi superior a 16 mil.
É possível cantar a mesma canção se for composta à distância ou tiver de ser cantada (vivida) noutra versão? Inspirei-me em 5 canções para refletir sobre este assunto.
“Sempre que eu volto”
Ah, o inevitável fator V!.. Viagem. Virtual. Visual. Voltar. O vídeo da banda Dead Cab For Cutie, A Movie Script Ending (do álbum Transatlanticism) ilustra bem a vertigem emocional que antecede a separação de dois jovens, durante a viagem entre o quarto e o aeroporto. Não sabem o que se segue. Podem nunca mais voltar a ver-se (quem já fez Erasmus ou teve o seu primeiro estágio ou emprego além fronteiras que o diga). Conhecer alguém num voo e ter uma experiência galáctica pode não passar disso mesmo. A vida é o que é, feita de partidas e chegadas. Há que aproveitá-la (e não dramatizá-la) enquanto dura. Não, não estamos num filme como Casablanca, mas apetece adaptar a deixa final: “Teremos sempre… o Instagram, o Twitter e o Snapchat.”
“Sim, estás na minha cabeça, mas não estás aqui”
Arcade Fire e o sentimento de estar em modo “Estrada Fora” sem o ter pedido. A adaptação que não se queria fazer, mas que teve de ser, porque um dos dois foi em comissão de serviço para longe. Ou emigrou temporariamente. E ainda por cima, para um lugar com outro fuso horário. Venha de lá o videochat, o Skype e tudo o que mais exista, mas não é a mesma coisa. Sobretudo depois do hábito bom da vida a dois, aninhados no sofá a ver filmes e a desfrutar da presença (ok, por vezes irritante e insuportável) um do outro. Como em tudo na vida, esta situação tem um lado colorido, que já ouvi alguém designar por treino da autonomia e teste da confiança. Passada esta prova, geralmente com caráter temporário, muitos relacionamentos ditos estáveis fortalecem-se (haja ou não filhos).
Lá de longe
“… Onde toda a beleza do mundo se esconde, mande, para ontem, uma voz que se expanda e suspenda esse instante”. Tribalistas (e a voz de Marisa Monte) ao pequeno-almoço. Ele é a saudade que se entranha na pele, a distância que aumenta o desejo, os tempos de espera até ao próximo encontro, cá ou lá ou noutro lugar pelo meio. Quem se conheceu em férias, entre escalas ou entre pixéis (pela via virtual) sabe que a adversidade não é sinónimo de fatalidade. O segredo passa por abrir-se à experiência e ao conflito criativo (fonte de inovação e expansão): o fascínio do encontro, a angústia da ausência, as alegrias do sexting, as flutuações do humor, o treino do auto controlo. E o Sentir-se intensamente vivo, que não tem preço (apesar de nem sempre ser saudável para a carteira).
Tudo o que eu te dou
Sim, um homem também chora quando assim tem de ser (o autor desta dispensa apresentações). Mas nem tudo tem de ser como era. As transições são boas para isso mesmo, já que nos empurram para fora da zona de conforto e nos forçam a experimentar e a aceitar o diferente, o desconhecido. Ninguém dá o que não tem, ou ainda não descobriu que tem e que pode vir a dar. Dar um salto de fé e mudar de território pode ser uma dádiva (ou não, consoante a capacidade de prever se o que se deixa para trás vale a pena o investimento e o risco, sendo que os sentimentos mudam e nada é garantido nem cobrável). “E se ele(a) não volta”, e se “amar não é sofrer”, então digam lá o que é o amor senão abundância serena, um estado de espírito que se cultiva, a meias ou em sede própria. O amor é esse lugar que fica além dos lamentos, da carência, do queixume. Do ciúme e de tudo o que a incerteza nutre, se uma pessoa deixar.
Sobre a Distância e o que com ela se aprende
A distância permite-nos pensar. Pensarmo-nos, tal como somos, no nosso melhor e no nosso pior. A distância permite-nos ver o objeto amado sem ser a quente. E cria espaço para a fantasia, o desejo, o romance, mas também para traçar planos a dois. Na medida certa, a distância aproxima. Cada qual terá de descobrir a sua. Uma vez ue se conheça a fundo esse espaço entre nós, ele fará sempre parte da vida em comum. Cá, ou lá ou noutro sitio qualquer, não será preciso deixar de se ser quem se é, de fazer as coisas que se gosta, de ter uma vida, que sempre existiu e continuará a existir, com ou sem alguém por perto.
A distância permite-nos fugir. Ela abre espaço para o amor romântico e idealizado e o seu par e oposto, o mais militamte dos desprendimentos. Por vezes, essa é a resposta mais à mão para evitar o desprazer. De renunciar às rotinas, quase mortíferas, que retiram espaço aos voos picados e repletos de adrenalina. Estar (e ficar) longe é dizer não ao contacto com as miudezas e imperfeições do convivio mundano e seus condicionalismos (partilhar o wc, a gestão do tempo e do espaço a dois). Contudo, é nesse registo palpável, corpo a corpo, debaixo do mesmo teto, que acontecem os momentos de verdade (e de maior profundidade).
Quem ama pode não querer uma cabana. Mas caso queira, pode ver-se privado dela quando menos espera. Na era digital, o amor romântico está vivo. E o amor terra-a-terra também. Sobreviver à distância – ou fazer dela uma aliada – implica o treino de competências dinâmicas, ié, a capacidade de adaptar-se a mudanças rápidas em cenários complexos. Entre o partir e o ficar, o decidir ou adiar e o investir ou deixar ir, há sempre vida e viagem. E aprende-se sempre. Dentro e fora de nós.