Uma das regras que cedo se aprende no capítulo financeiro é a de que “nunca se deve colocar todos os ovos no mesmo cesto”. A metáfora aplica-se às questões de dinheiro mas pode ir além delas e, nos tempos que correm, nada é garantido. Antes também não era, a diferença é que na sociedade da informação isso é mais óbvio, sobretudo para os que nasceram nas décadas de 80 e 90 e cresceram nas plataformas digitais.
Com idades que variam entre os 15 e os 35 anos, os Millennials americanos superam, em número, os das gerações anteriores, a saber, os da Geração X (têm entre 36 e 50 anos) e os Baby Boomers (entre 51 e 70 anos). Em Portugal, eles representam agora 27,7% da população residente (estimativas do INE, 2015) e quase chegam aos três milhões. Porém, o termo Millennial não é muito usado entre nós, sendo mais popular a expressão ‘geração Nem-Nem’ (quase meio milhão não trabalha nem estuda), dado o contexto económico dos últimos anos.
Vistos como preguiçosos, narcisistas e mal habituados, os novos e qualificados adultos têm usado o seu tempo e recursos a adaptar-se à ideia de viverem com menos direitos e segurança do que os seus antecessores. E criaram estilos de vida compatíveis com esse registo, aparentando ser mais despegados, informais e um pouco indiferentes até. O culto do “viver o momento” até pode funcionar mas… onde se encontra um “lugar ao sol”, de preferência com um pedaço de chão?
Millennials: Acesso sim, propriedade não
Uma análise de dados feita pela Goldman Sachs, sobre o perfil destes novos adultos, revela que eles têm menos dinheiro para gastar e uma atitude a condizer perante a vida. A braços com empréstimos contraídos para pagar a formação universitária. A maioria reluta em ter casa ou carro próprio, procura serviços de economia partilhada (car sharing, troca ou partilha de casa, etc), investe em práticas de bem-estar (alimentação, exercício físico) e coloca os compromissos afetivos em segundo plano. Não admira. É arriscado envolver-se a sério quando a mobilidade (profissional incluída) e a instabilidade são a norma. Os nativos digitais navegam à vista, entre pixéis. E é aqui que a metáfora dos ovos e do cesto ganha uma nova atualidade.
Marcar encontros nunca foi tão fácil. Difícil é manter o nível de intimidade e de vulnerabilidade nos mínimos. Mas até isso se treina, o amor em leasing. São as mensagens instantâneas a ganharem terreno ao contacto físico. Ou as interações sem complicações, nem explicações, a tomarem o lugar da relação fixa e com planos para o futuro, esse tempo e lugar incertos. Hoje estamos aqui, estamos ‘cool’, mas na manhã seguinte pode ser um “até sempre”.
“A minha geração transformou o evitamento numa ciência e especializou-se na separação entre o físico e o emocional”, pode ler-se em “Um Guia do Beijo para Millennials”, no popular podcast “Modern Love”, do The New York Times. A reflexão da autora, Emma Court, uma jornalista americana com 21 anos, acerca da sua própria experiência amorosa durante um voo de longo curso, tornou-se viral: “A minha geração trata cada relacionamento como se tivesse lugar num avião, uma noite sem amanhã (…) e interrogo-me acerca do que perdemos ao tentar tanto não ligar a isso.”
‘Backburners‘ ou hormonas em lume brando
Praticar a autodefesa pode ser até a opção mais sensata e sustentável no panorama atual, pelo menos no começo. Depois, os efeitos secundários começam a pesar, sugerem algumas pesquisas na área dos romances na era digital. Começo pela investigação do psicólogo americano Jason Dibble, publicada no jornal Computers in Human Behavior. Envolvendo perto de meia centena de estudantes universitários com média de idades de 21 anos, demonstrou como a tecnologia os impele a manter uma agenda secreta de possibilidades em aberto, com o mínimo de risco. O investigador da universidade de Michigan criou um termo para isso.
BACKBURNER – uma pessoa que não está comprometida e com quem se mantém um certo grau de comunicação de forma a manter ou a criar a possibilidade de um envolvimento sexual ou romântico futuro.”
Na prática, são aqueles com quem se vai mantendo contacto através de “likes “ e comentários, nas redes sociais, sejam conhecidos ou amigos de amigos, na expectativa de que um dia possam servir de bónus ou funcionar como cópia de segurança. Em bom português, são os temporários, os não prioritários, em lume brando. Este checkin ocasional online era feito, indiferenciadamente, por solteiros e comprometidos, através de mensagens escritas (45%), chat (37%) ou telefone (13%).
Será isto – o limbo entre manter o interesse mas não o bastante para que se concretize ou torne oficial – “melhor do que a coisa real”, como sugere o refrão de uma conhecida música da banda irlandesa U2? Ou uma espécie de amor de segunda (categoria)?
(E)Migrantes de si
A ideia de ter alguém por perto pode ser consoladora, embora ilusória, num mundo de objetos (de amor ou um seu substituto) onde a errância e a intermitência são códigos hiperpresentes.
E aqui entra a segunda pesquisa, não académica, mas nem por isso menos badalada entre Millennials e nas redes sociais, com algum eco na imprensa.
Cammi Pham, uma vietnamita com 26 anos que vive em Toronto, no Canadá, e trabalha em marketing digital, fez uma experiência de piratear a app Tinder e conseguiu dois mil matches em 24 horas, para concluir depois que a maioria deles não levava a lado nenhum porque… nenhuma das partes chegava a enviar a primeira mensagem (a dar o primeiro passo).
Ah, então é SÓ isso? Tanta navegação em banda larga (em 3 ou 4G) para um conforto digitalizado, planificado (ou mesmo plano), próprio dos amores low cost, de segunda linha?
Millennials, fiquem descansados: não embarco na ideia da ‘cultura de engate’ que tantas vozes mais velhas e supostamente sábias (e as mesmas que viveram a febre e o desregramento dos anos 80) insistem em atribuir à vossa geração. Admitindo que a vida é uma viagem de ida com destino incerto, volto à metáfora dos ovos e dos cestos. E interrogo-me se não fará sentido, ao menos uma vez na vida, deixar a estratégia de lado e mergulhar a fundo na coisa – ou dar um salto de fé, sem garantias nem medo de bater com os costados no chão. Sem temer cair à água sem um colete salva-vidas. Por vezes, um ovo no cesto pode ser suficientemente bom.
E sim, a economia partilhada tem as suas vantagens, mas nela também podem caber amores de primeira. E o que é um amor de primeira? Aquele que, no mar de possibilidades equacionáveis do encontro de Hoje, tem lugar para o Ontem e o Amanhã.
É certo que sou mais otimista que o escritor americano Jonathan Franzen no que toca aos efeitos das tecnologias no quotidiano amoroso e existencial. Porém, vou ceder à tentação de citar um artigo de opinião do autor de Liberdade. Encontrei-o há quase cinco anos no site do The New York Times, com o seguinte título: “Gostar é para os cobardes. Vai pelo que dói.” Eu acrescentaria isto: os amores de primeira podem dar trabalho, isso é quase garantido. Tal como é a probabilidade de ter momentos mais interessantes e menos anestesiados, ao vivo. É que, como nos videojogos e sagas em 3D, ainda se mantém o lema No pain, no gain. Boa viagem.