Terça-feira, o País acordou com buscas na residência oficial do Primeiro-Ministro, e nos ministérios do Ambiente e das Infra-estruturas. Vitor Escária, chefe de gabinete do António Costa, e Lacerda Machado, melhor amigo e negociador do Governo foram detidos, e soube-se João Galamba e João Pedro Matos Fernandes estavam sob suspeita. Um lacónico comunicado de imprensa da PGR seria a gota de água que levaria o primeiro-ministro de Portugal a apresentar, “obviamente”, a sua demissão, em nome da dignidade da função.
Entretanto, vão sendo conhecidos mais pormenores sobre o processo que vai já com oito arguidos: foram encontrados 75800 euros em dinheiro no gabinete de Vitor Escária, escondidos em livros e caixas de vinho, ficou-se a saber que o primeiro-ministro está envolvido em pelo menos 20 escutas e que João Tiago Silveira, ex-secretario de Estado socialista, também foi constituído arguido.
“Uma coisa é certa: nunca se viu nada assim, ou, para usar uma expressão dos anais da política nacional, nunca cheirou tanto a pântano. O caso é sério e não há maneira de as instituições democráticas não saírem mal de tudo isto: ou fica muitíssimo abalada a confiança nos políticos, ou arrasada a imagem da Justiça”, avança Mafalda Anjos.
Para Carlos Rodrigues Lima, “o grande problema deste processo é Diogo Lacerda Machado“. “A sua, pública e notória, ligação de amizade ao primeiro-ministro condicionava tudo à sua volta. Há escutas com dois então ministros a comentarem que Lacerda Machado está no projeto do centro de dados de Sines, logo o PM vai saber”, explicou.
Quanto ao futuro desta investigação, considerou que “os tribunais vão andar anos e anos a discutir se o que está em causa neste processo é tráfico de influências – que é um crime muito difícil de se provar – ou lobby completamente desregulado”. Tendo em conta os assuntos que estão em causa – lítio, hidrogénio e centro de dados de Sines – a “melhor estratégia passa por divididir este grande caso em três mais pequenos”, afirmou Carlos Rodrigues Lima, admitindo, contudo, que isso possa ser complicado, dado que podem existir personagens transversais às três matérias.
Uma embrulha da política
António Costa demitiu-se por causa da sua envolvência insinuada, mas seria impossível resistir a este turbilhão de acontecimentos. “Não se pode dizer, sequer, que Costa tenha ficado surpreendido: ele tem obrigação de não ficar surpreendido. A demissão justificava-se, não por causa dos locais das buscas, dos nomes que são agora arguidos ou das pessoas que foram detidas, mas pelas escolhas que fez, a montante. Já se sabia que o caso do lítio era um risco enorme para João Galamba. Mas Costa insistiu em nomeá-lo ministro e, depois, manteve-o, mesmo após o que aconteceu no Ministério das Infraestruturas. Costa fez o papel de um treinador que escalonou mal a equipa e que insistiu no erro”, diz Filipe Luís.
Para Nuno Aguiar, António Costa “esteve bem na declaração que fez”. “As últimas horas mostram como seria insustentável ficar no cargo, pela informação que vamos conhecendo e os leaks que vão saindo”, acrescenta. Embora reconheça que a saída poderia ser inevitável mesmo sem aquele último parágrafo do comunicado, a forma como ela acontece poderia mudar o ambiente. “Não sei se António Costa sairia ou se teria de ser o Presidente da República a atuar, o que teria consequências políticas.”“Claro que a Justiça tem de investigar todos e ninguém está acima da lei. Mas temos também de ter noção das consequências dos nossos atos e aquela comunicação poderia ser mais esclarecedora.”
Para a diretora da VISÃO, chegados aqui, “não há qualquer outra alternativa a não ser a de convocação de eleições antecipadas, idealmente depois de aprovado o orçamento de estado para 2024. É o que permite causar menos mossa ao País e devolver rendimentos às pessoas”. Filipe Luís concorda. “Parece-me inevitável a dissolução da Assembleia da República. Mas o pântano pode ficar ainda mais movediço, depois de eleições antecipadas”.
Em relação ao Orçamento do Estado, Nuno Aguiar antecipa que o Presidente deixará que ele seja aprovado. Apesar de algumas medidas – aumentos de pensões, de funcionários públicos e do SMN – poderem avançar em duodécimos, o alívio de IRS ficaria pelo caminho. “Numa altura em que as famílias ainda estão apertadas no seu poder de compra, seria útil deixar essas medidas de alívio passarem.”
A sucessão no PS
“Pedro Nuno Santos, por um lado, pode ser o nome capaz de galvanizar a esquerda, contra o perigo da direita radical chegar ao poder. Mobilizar os eleitores, independentemente de votarem no PS ou nos partidos à sua esquerda – tanto mais, que, com ele, a geringonça reaparece. Numa campanha polarizada, pode ter vantagem. Por outro lado, não capta votos ao centro e está fragilizado por todas as trapalhadas em que se meteu, no Governo que serão recordadas, à exaustão, numa campanha”, sublinha o editor executivo da VISÃO.
Já Fernando Medina é uma solução mais centrista, mas está demasiado colado a Costa. E tem o problema de, numa campanha dominada pelo tema da corrupção, ser acossado pelos casos ocorridos na CML quando era presidente e que também estão a ser investigados. “Do que o PS precisava era de romper com o passado recente e afastar os protagonistas dos governos, quer de Sócrates, quer de Costa. Mas nomes como os de Sérgio Sousa Pinto ou Francisco Assis não têm aparelho interno para ganharem…”, sublinha Filipe Luís.
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