As declarações irónicas à varanda de um Rui Rio descontraído e despreocupado enquanto agentes da PJ faziam buscas em sua casa por suspeitas de crimes de peculato e abuso de poder, uma investigação que vem de 2018, vão ficar para a história improvável da política nacional, e estiveram em análise no Olho Vivo desta semana.
Para Carlos Rodrigues Lima, a Justiça sai mal neste episódio, porque dos mandados de busca à casa de Rui Rio e à sede do PSD não fica claro ter existido uma investigação prévia que levasse à suspeita de que Rui Rio e outras pessoas mantivessem nas suas casas documentos importantes para a investigação. “Houve uma pesca de arrasto que não fica bem à Justiça”. O jornalista considera que as buscas domiciliárias devem obedecer a um critério de proporcionalidade.
“Uma parte de mim sente-se desconfortável com o que fez Rui Rio. Hoje é um caso de gravidade relativa com um político na reforma, mas amanhã pode ser algo mais sério com um político no ativo. Será mau se isto fizer escola. Mas a imagem de Rui Rio na varanda e no carro e as suas declarações irónicas são mais eficazes na crítica à Justiça do que vários comentários. E eu desconfio que ontem se começou a formar um consenso nacional mais alargado na censura a este tipo de atuação do Ministério Público”, aponta Nuno Aguiar.
Mafalda Anjos concorda que “a mediatização da justiça e da investigação criminal é um mau serviço para a justiça e para a democracia e que dá argumentos aos demagogos e aos extremistas”. Mas destaca que “Rui Rio não é um líder qualquer”. “Quando chegou a líder do PSD, em 2018, Rui Rio apresentou-se como o técnico das contas certas que vinha moralizar a vida política e reformar a justiça. O problema dos que se apresentam como moralizadores é que é muito difícil de manter os níveis que advogam para os outros. A questão até pode ser prática comum e vir ter cobertura legal, mas eticamente a promiscuidade na gestão das finanças do grupo parlamentar e do partido é reprovável. E foi o próprio que assumiu que os pagamentos não são ilícitos e que todos os partidos o faziam”, sublinha.
“Pode ser ilegal, poder ser mais grave do que sabemos e outros partidos também o podem fazer. Mas parece-me muito complicado ser capaz de separar exatamente o que é trabalho do grupo parlamentar e trabalho partidário. Ainda mais se o líder do partido for deputado”, refere o jornalista Nuno Aguiar. “O que isto levanta é uma discussão sobre a natureza do nosso sistema política e sobre a falta de autonomia dos grupos parlamentares, seja na redação de um relatório de uma CPI ou nas perguntas que se fazem num debate com o primeiro-ministro. E isso é um problema de representação eleitoral.”
Outro tema em análise nesta edição foi Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, que depois da sua entrevista à VISÃO, nas últimas duas semanas intensificou a sua presença pública – falou no Town Hall da CNN, na TSF e ontem na RTP -, fazendo declarações que causaram polémica e desconforto até entre socialistas, ao ironizar e dizer que “os deputados da comissão de inquérito se transformaram numa espécie de procuradores do cinema americano de série B da década de 80”.
Para Nuno Aguiar, “quando se fala de degradação do ambiente político, talvez fosse importante o Governo olhar para o contributo que tem dado para isso”. “Na tour mediática em que está, como novo ponta-de-lança do Governo, Pedro Adão e Silva podia pensar se estas declarações contribuem para melhorar a imagem que os portugueses têm das instituições”, acrescenta o jornalista. “Outro bom exemplo disso foram as declarações do primeiro-ministro sobre corrupção, após a demissão do secretário de Estado. A ideia de que as pessoas querem é saber do dinheiro que têm no bolso. Isso não é verdade. E mesmo que fosse, é uma declaração arrepiante, porque justificaria qualquer regime que se possa imaginar.”
Mafalda Anjos sublinha que “a maior quota-parte de culpa na degradação do ambiente político cabe ao Governo e aos governantes, que cometeram erros graves, negligentes e até incompetentes”, mas que “sobre esse tema Pedro Adão e Silva não se quis alongar”. “Mas Pedro Adão e Silva tem razão quando toca num ponto que deve convidar à reflexão: as dinâmicas das redes sociais contaminaram a agenda pública e também parte da comunicação social. E há um ambiente de polarização onde a moderação e a reflexão não são valorizadas. Uma opinião cheia de exclamações, extremada e cabalística tem mais saída do que a de quem quer analisar ponderadamente problemas complexos. Opiniões deterministas para problemas complexos são como as soluções fáceis para problemas complexos – normalmente superficiais e erradas”, afirma a diretora da VISÃO.
Já Carlos Rodrigues Lima sublinhou o facto de Pedro Adão e Silva ter criticado a lógica comunicacional entre comissões de inquérito e os comentadores das televisões, recordando que o próprio ministro foi, antes de chegar ao governo, uma espécie de “comentador itenerante” em jornais, rádio e televisão. Carlos Rodrigues Lima afirmou que alguns deputados da Comissão de Inquérito fizeram um bom trabalho, mas a maioria nem por isso. “Em vez da descoberta da verdade, os dois maiores partidos, PS e PSD, estiveram mais preocupados em resguardar a sua verdade, o que prejudicou esta comissão”, afirmou Carlos Rodrigues Lima, recordando que, no passado, “em nome da descoberta da verdade”, houve até coligações improváveis em comissões de iqnuérito, como ntre o CDS e o Bloco de Esquerda na CPI ao BPN
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