O problema da habitação avoluma-se há anos e exigia uma intervenção, que vem tarde, do Governo. Como a VISÃO escreve esta semana, Lisboa lidera o ranking das 10 cidades europeias mais caras em relação à média do seu país. Em seis anos, o custo das casas subiu mais de 80%. “O programa procura responder a uma situação complexa, mas o problema é que neste mercado não há soluções fáceis e muito menos de efeito imediato. Uma coisa é certa: depois deste Governo socialista ter apresentado soluções orçamentais mais ao centro-direita, agora apresenta um programa mais na sua geografia política socialista, com soluções mais à esquerda. O problema é que houve alguma precipitação e até irreflexão nalgumas das soluções apresentadas”, afirma a diretora Mafalda Anjos.
Desde logo, faltou detalhe. “É inadmissível isto ser apresentado desta forma. Começamos com um powerpoint durante dias. Agora temos mais algum detalhe, mas sem legislação. A própria secretária de Estado não consegue dar detalhes sobre algumas das medidas. Não há estudos de avaliação de impacto, nem que fosse sobre outros países. Quantas casas o Governo estima que vão entrar no mercado? Isso é relevante para avaliar o mérito e eficácia destas medidas”, refere o jornalista Nuno Aguiar.
É preciso analisar em detalhe cada solução apresentada. Há boas medidas: a limitação das rendas, o apoio aos titulares de créditos com taxas de esforço elevadas por causa da subida das taxas de juro, o fim dos vistos Gold para a compra de imobiliário, mesmo que os contornos possam ser discutidos. “O Estado pode e deve intervir no setor da Habitação. Mas há uma diferença entre um Estado regulador e um Estado intervencionista. Nalgumas medidas, neste pacote, o Estado tem um papel regulatório, e isso é positivo. Noutras, como na do arrendamento compulsivo, tem uma pulsão intervencionista. É um Estado com mais olhos que barriga”, diz Filipe Luís, editor-executivo da VISÃO.
“O calcanhar de Aquiles do Governo na apresentação destas medidas é a sua incapacidade para usar o património público. Isso está a ser feito, mas está a demorar muito tempo”, aponta Nuno Aguiar. “Isso retira-lhe capacidade política para impor aos privados algo que o Estado não faz.”
“A polémica medida do arrendamento coercivo dos prédios devolutos levanta questões de constitucionalidade, mas para mim é sobretudo um erro estratégico e um erro político. Há estado a mais neste plano, que é tudo: proprietário, arrendatário, intermediário, construtor. O Estado é mau gestor do seu próprio património e quer gerir o alheio? A aplicação da medida é muito difícil e isto mina a confiança, porque tem uma enorme carga intrusiva e hostil que deixa marcas aos agentes privados. E dá argumentos para a polarização”, sublinha Mafalda Anjos.
Filipe Luís concorda: “É que o Estado é um mau gestor e nem capacidade tem para gerir o seu próprio património, quanto mais o patrimóno dos outros. Falta administração pública para gerir casas, e para fazê-lo caso a caso… fazer as obras e a reabilitação e ainda tornar-se intermediário do mercado de arrendamento… O Governo quer transformar-se numa gigantesca imobiliária…”
No que toca à reação da oposição, os olheiros deste painel concordam que foi, nalguns casos, despropositada. “Houve alarmismo, pânico, tivemos as reações mais extremadas e até mitos urbanos sobre algumas das medidas se criaram. Tudo isto era desnecessário: uma medida como a do arrendamento compulsivo só podia solicitar reações extremadas. E nem sequer se sabe que impacto terá, ou se terá algum…”, sublinha o editor de política.
“A oposição perdeu uma boa oportunidade. Termos como ‘comunista’, ‘bolivariano’, ‘PREC’ foram usados para descrever este pacote e o primeiro-ministro. Há muitas medidas para criticar, mas a direita está de cabeça perdida”, critica Nuno Aguiar. “Entre políticos e comentadores mostra também um afastamento da preocupação diária das pessoas, que vêem os seus filhos, sobrinhos, amigos serem confrontados com problemas de habitação no seu dia-a-dia. Não estarão assim tão preocupadas com um senhorio que tem uma casa vazia e que será obrigado a fazer dinheiro com ela.”
Outros temas em análise neste Olho Vivo foram as mais recentes sondagens em que o PS afunda mas o PSD não descola como alternativa, a entrevista de Luís Montenegro na SIC Notícias e a avaliação do PRR.
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