O Presidente da República disse que o Qatar “não respeita os direitos humanos”, sublinhou que isso é criticável, “mas enfim”, pediu que o foco se concentrasse na seleção. Só que o assunto teima em não sair da ordem do dia: ir ao Qatar apoiar as seleções nacionais é sancionar um regime totalitário? Quando o tema é futebol e política, as opiniões dividem-se…
“Política e desporto não são dois mundos à parte, desde sempre que se cruzam. Torcer por uma seleção é um ato político e os políticos desde sempre que se aproveitaram disso. Em Portugal, durante a ditadura, vivemos o tempo do fado, futebol e Fátima. Em Espanha, Franco implementou o ‘nacionalfutebolismo’. Mais recentemente, ajoelhar passou a ser símbolo de apoio ao movimento Black Lives Matter. No Euro 2020, a UEFA proibiu as cores do arco-íris LGBTQI para não arreliar a Hungria. E a Ucrânia apresentou um equipamento com o desenho do país incluindo a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, e com a mensagem ‘Slava Ukraina’, e foi obrigada a mudá-lo. Em 2021, o Parlamento Europeu apelou ao boicote dos Jogos Olímpicos Inverno de Pequim devido aos direitos humanos”, recorda Mafalda Anjos. “E Marcelo Rebelo de Sousa pronunciou alto, com infelicidade, aquilo que desde sempre acontece, e no fundo todos fazem: esquecer os problemas de direitos humanos”, conclui a diretora da VISÃO.
“O que incomoda é a leveza com que são feitas as declarações de Marcelo, quando fala em violações de direitos humanos. E o entusiasmo com que os políticos querem receber um bocadinho do pó mágico do futebol, mostrando-se junto da seleção”, refere o jornalista Nuno Aguiar. “Outras equipas e federações tomam iniciativas e, da parte de Portugal, não há uma palavra das instituições ou dos jogadores sobre o tema. Afinal, se o próprio Presidente diz que não temos de nos preocupar…”
Manuel Barros Moura, convidado neste Olho Vivo, destaca um ensurdecedor silêncio. “No que diz respeito às questões dos direitos humanos no Qatar, o silêncio no seio da Seleção Nacional e da Federação Portuguesa de Futebol tem sido absoluto. Não sei se não terá que ver com o facto de Portugal ser, conjuntamente com a Espanha, candidato à organização do Mundial de 2030. Tendo isso em conta, não interessa à FPF entrar em rota de colisão com a FIFA e o seu presidente, Gianni Infantino”, sublinha o editor da VISÃO, que acompanha também os temas de desporto. “Infantino até entrou na FIFA com uma postura diferente. Escolheu uma mulher, dos Senegal, para secretária geral da FIFA e defendeu, em 2019, o direito das mulheres iranianas poderem entrar nos estádios de futebol. Mas não resiste à lógica de “comprar” os votos das federações mais pequenas para a sua reeleição. Chegou ao ponto de admitir que a Coreia do Norte pode vir a organizar um evento FIFA”, acrescenta.
“António Costa também foi vender dívida ao Qatar e há relações diplomáticas, mas tendemos a ver essas coisas como essenciais e o futebol como algo mais superficial, mas que, ao mesmo tempo, ao qual não conseguimos escapar. Essas tensões existem em mais áreas da nossa vida. Como reagir ao facto de o telemóvel em que as pessoas se calhar nos estão a ouvir foi fabricado por trabalhadores explorados (agora em protesto, por acaso); ou que em cada viagem de avião contribuímos para as alterações climáticas ou que cada bife que comemos pode vir de uma vaca que sofreu imenso?”, questiona o jornalista Nuno Aguiar. “Portanto sobra-nos esta pequena indignação, sem consequências.”
Para Mafalda Anjos, “a hipocrisia de muita indignação é inequívoca”, mas “o Qatar nunca teve tanta má publicidade, durante tanto tempo, em todo o mundo. E esta pressão é importante.” Manuel Barros Moura concorda: “Este Mundial pode representar um ponto de viragem e obrigar as organizações do futebol a terem uma maior responsabilidade social.”
“Do ponto de vista político, é interessante perceber como pode ter mudado algo nas relações institucionais entre órgãos de soberania, porque a Assembleia da República fez uma análise política e não apenas formal para autorizar esta viagem. O ato deixou de ser um pro forma”, destaca Mafalda Anjos.
Outro tema em análise no Olho Vivo desta semana foi o crash nas criptomoedas. Sam Bankman-Fried, um empreendedor de 30 anos que até há bem pouco tempo era um dos homens mais ricos do mundo e considerado o cavaleiro branco das criptomoedas, protagonizou uma falência tão estrondosa que alguns comparam ao caso do Lehman Brothers. Caiu a FTX, a bolsa de criptoativos, e o mercado está sob forte pressão numa altura em que o OE 2023 vai contemplar a taxação destes ativos.
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