Na hora da consagração como cabeça-de-lista do PS ao Parlamento Europeu, Vital Moreira definiu-se como “socialista freelance”.
Afastada a hipótese deste intelectual e reputado constitucionalista se ter oferecido a Sócrates, conclui-se que trabalha por encomenda.
Declarado apoiante socialista desde 1995, Vital Moreira bem poderia reclamar, com fundamento legal, um lugar no “quadro”. Com retroactivos. Mas não. Quando não é “treinador de bancada” ou “deputado ocasional”, ele prefere ser um colaborador eventual. Desses que passa um “recibo verde” por cada serviço prestado.
Mesmo depois de quase 14 anos de mútuas e públicas declarações de amor, Vital e o PS não casam. O que dá jeito às partes. Vital preserva a sua “independência” e o PS sempre pode dizer que mantém o namoro com um “ex-comunista”.
Aliás, no universo “Caras” da política portuguesa, o estatuto de “ex-comunista”, mas solteirão, rende imenso. É mais ou menos como aquele ex-namorado da Madonna que continuou a ser conhecido como ex-namorado da Madonna depois desta o ter deixado.
Os Governos do PS, de resto, sempre recrutaram “ex-namorados da Madonna”, Pina Moura e Mário Lino à cabeça. Vital, porém, junta o facto de ser “independente” ao fim destes anos todos. O que é sempre mais charmoso e sedutor.
Ora, não sei se Vital Moreira percebeu, mas, desta vez, a encomenda do PS, inclui duas prestações de serviço.
Uma, eu próprio só percebi ontem.
Foi quando uma velha amiga de esquerda, antiga simpatizante comunista e actual votante do PS, me telefonou: “Tu achas que uma pessoa como o Vital aceitava ser candidato se soubesse que o Sócrates estava metido nas negociatas que andam aí a dizer?!”, perguntou-me ela, indignada. O argumento é imbatível, de facto: passe a expressão, um cabeça-de-lista deste calibre é…vital para afastar a má imagem das “campanhas negras”.
A segunda razão para recorrer a um “socialista freelance”, com tantos anos de tralha ideológica no currículo, tem origem no facto de ser necessário travar caminho à “velha esquerda”. Não é novo. Historicamente, no último ano dos seus mandatos, o PS tem uma consciência súbita de esquerda. Aprendeu com o pai, certamente.
Mas este ano há o factor Manuel Alegre. Que, aliás, também parece gostar do estatuto de socialista “freelance”, mas sem desfazer o casamento.
Temos, pois, que Vital, embora mantenha flirts com o PS, é mais fiel do que Alegre, que mantém a aliança. Confuso? No fundo, o socialismo português respira os sinais dos tempos. É feito de relações abertas, liberais, tolerantes, com o mínimo de compromissos. Há quem lhe chame “esquerda moderna”. Eu chamo-lhe esquerda precária. Ou socialismo à peça.