Se pudesse, Manuela Ferreira Leite suspendia a democracia por seis meses. Para “pôr tudo na ordem”. A ideia, convenhamos, não é má. Podendo, também os portugueses suspenderiam o PSD por seis meses para “pôr tudo na ordem”.
Aliás, receio mesmo que tenham essa tentação desde que Cavaco se foi embora do partido. Em curtos períodos, os da passagem de Santana pelo Governo e de Menezes pela Lapa, essa tentação nacional talvez se tenha até tornado uma obsessão. Mas o PSD não foi na conversa dos portugueses e entregou-se, por decisão própria e democrática, a Manuela Ferreira Leite.
De resto, se pudessem, os portugueses gostariam de aplicar o modelo dos “seis meses” a várias circunstâncias da vida: quem não desejou já suspender o casamento por seis mesitos para pôr o coração e a vidinha na ordem? Quem não sonhou, nos últimos tempos, em suspender pelo mesmo período o pagamento do empréstimo à habitação? Parafraseando um velho ditado, ou há democracia ou comem todos.
No fundo, se lermos bem as palavras da líder do PSD, ela até nem pede muito. Afinal, o que são seis meses de democracia suspensa quando comparados com o tempo que ela vai precisar para “pôr na ordem” os Menezes desta vida ou subir nas sondagens?
Sinceramente, Manuela podia ter ido mais longe.
Em dia sim, podia até ter falado verdade.
É que suspender esta democracia por seis meses era capaz de não chegar. Salazar tentou algo parecido para “pôr as finanças na ordem”, mas acabou a ter de resolver uma série de problemas chatos que a democracia coloca. O quero, posso e mando demorou os anos que se sabe. E quando a democracia voltou a pôr os corninhos de fora, Portugal tinha envelhecido mais de 40 anos. Sem proveito, nem folia.
Neste momento, seis meses dariam, quando muito, para trocar de Ministra de Educação e arquivar o que alguma da fina-flor do cavaquismo andou a fazer no BPN. Ora, o erro de Manuela Ferreira Leite não foi, pois, pedir o tal meio ano para pôr o País nos eixos, sem lamúrias nem queixumes. Grave é não nos dizer de quanto tempo efectivamente precisa para fazer coisas de jeito e em que medida podemos depois responsabilizá-la pela falta de resultados. Em 1985, Cavaco pediu um mandato e ficou dez anos. E sabe-se como Manuela bebeu dos ensinamentos do mestre.
No fundo, a líder do PSD cometeu o erro de todos os políticos, tão comum em democracia ou ditadura: prometeu o que sabe não poder cumprir. Às tantas, estaríamos a dar-lhe seis meses de boa-vontade e a Manuela a esticar-se. E nunca mais nos livraríamos dela, mesmo que pusesse tudo na ordem sem ruído de fundo. Quanto isso, cara doutora, estamos avisados e o melhor é não repetir: o último que tentou pôr isto na ordem calou-se há 40 anos, mas ainda não nos livramos dele. Da última vez que deu nas vistas, andava a ganhar concursos da RTP em democracia.