Se o Euro-2008 fosse outro campeonato, Portugal jogaria com Saramago no onze.
A esta hora, lamentaríamos a saída prematura de Lobo Antunes da selecção, lesionado no pulso por insistir em escrever à mão. Ao mesmo tempo, apostaríamos que este seria, sem dúvida, o Europeu da consagração definitiva de Gonçalo Tavares e José Luís Peixoto. E o adeus de Eduardo Lourenço.
Os jornais falariam dos possíveis interessados em pagar a cláusula de rescisão de Ricardo Araújo Pereira para poder publicar as suas crónicas de trivela noutras paragens.
Nos intervalos dos treinos e dos jogos, falar-se-ia também da vontade de Saramago abandonar Lanzarote, onde já ganhou tudo o que havia para ganhar. E estaríamos na expectativa quanto ao futuro de Hugo Mãe.
Correria muita tinta sobre a renúncia de Herberto Hélder à selecção.
E a exclusão de Miguel Sousa Tavares.
Os puristas não poupariam a naturalização de Mia Couto, Pepetela e Paulo Coelho, sobretudo este. Discutiriam o 4-4-2 com dois ensaístas de marcação ou o 4-3-3 com os cronistas bem abertos nas alas. Ao treinador António Damásio elogiaríamos, apesar de tudo, a capacidade de ir gerindo um balneário com tanta razão e coração.
Na ausência de veia goleadora, voltaríamos a discutir a falta de pontas-de-lança na literatura portuguesa desde Camões e Pessoa. E a ausência de um número 10 como Torga.
Os treinadores de bancada diriam que Ana Luísa Amaral ou Vasco Graça Moura talvez fossem os mais indicados para dar consistência poética ao meio-campo e Vasco Pulido Valente a solução de recurso num ataque ao qual falta o rasgo e a pontaria dos tempos de Fialho, Eça ou Guerra Junqueiro.
Se o Euro-2008 fosse outro campeonato correríamos atrás das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian, em apoio à selecção. As televisões diriam, a cada minuto, o que dói a José Gil, o que entusiasma Agustina, o que indigna Baptista-Bastos e porque razão Miguel Esteves Cardoso tarda em recuperar de épocas desgastantes. Nos dias dos jogos, juntaríamos os amigos e a família em tertúlias caseiras. Em alternativa, haveria um ecrã gigante em cada cidade para, em uníssono, declamarmos Manuel Alegre. Falaríamos com respeito de algumas das estrelas adversárias mais temíveis: Umberto Eco, Gunter Grass, Pérez Reverte. Mas sem medo de lhes pôr a vista em cima.
Por estes dias, mesmo que nos faltasse a sardinha, o carapau e a gasolina, e na rua se manifestasse meio Portugal, daríamos um pontapé na situação social. A pedido do selecionador, teríamos um verso em cada varanda ou janela. Podia ser este, do Ary: “Levanta-te meu povo, não é tarde”. Responderíamos em campo com golos de letra, jogadas ensaiadas, talento enciclopédico, o peso da história e cruzamentos literários. Táctica? Era o Nobel e mais dez. E um grito de guerra: “Até os lemos!”