Desde que Scolari pediu uma bandeirinha em cada varanda e janela no Euro-2004 que Portugal se pôs ao relento. Ou como quem diz, a jeito. Ainda hoje, não há sardinheira, terraço ou caixilharia de alumínio que se preze que não tenha a sua bandeira pátria a esvoaçar, dê-lhe o vento.
Na ânsia de trajar os portugueses para o evento a preços módicos, lojas dos 300, chineses, hipers e até publicações respeitáveis mandaram confeccionar de tudo: cachecol, camisola, barrete e pirilau. Tínhamos de entrar em campo devidamente equipados, homessa! Nem que fosse com pagodes no lugar de castelos.
O Euro-2008 não mudou a euforia nem o espírito.
Em alguns casos, nem sequer os patrocinadores. Estão por aí as lojas e as montras para o provar.
Nesta ânsia de equipar os portugueses a rigor, há quem se esmere. E, obviamente, procure o melhor preço sem olhar a fronteiras geográficas nem a princípios vertidos na letra redonda de editoriais e colunas semanais.
No domingo, dia 1, o Diário de Notícias, do grupo Global Notícias, ofereceu uns largos milhares de lenços para torcermos por Portugal. Está lá tudo: a esfera armilar, o vermelho e o verde carregados, o polyester 100 por cento garantido…e a etiqueta a dizer “Fabricado em China”!
Fazendo jus à encomenda, a letra do hino estampada no lenço abre novos mundos ao mundo:
“Heróis do mar, nobre povo, Nação valente, imortal
Levantai hoje de novo, o explendor de Portugal
Entre as brumas da memória, ó pátria sente-se a voz
Dos teus egrégios avós, que há-de levar-te à vitória.
As armas! As armas! Sobre a terra e sobre o mar
Ás armas! Ás armas!
Pela Pátria lutar!
Contra os canhões, marchar, marchar!”
Poderão dizer que o assunto é uma chinesice. Talvez.
Escusavam era de nos maçar amiúde com a retórica sobre os direitos humanos, a exploração laboral, o Tibete, a ditadura e o boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim. E, de passagem, evitar editoriais a denunciar o facto da política portuguesa andar “curvada ao peso económico chinês”, ao mesmo tempo que se consideram as lojas chinesas espalhadas pelo País “o espelho da pobreza e enfraquecimento das cidades”. Com posturas e lenços assim, nem sobra espaço para a nódoa. E Portugal bem pode dedicar-se ao que sabe fazer melhor: transformar-se numa loja dos 300.